Ano de eleição, já tiveram início as conversações para as alianças políticas, objetivando alavancar candidaturas, tornando-as promissoras.
Lemos cotidianamente nos jornais que determinado político busca apoio de outro, que talvez tenha sido seu algoz no passado. Não raro vemos antigos desafetos perfilhando as mesmas posições, numa manifesta hipocrisia. A política, dizem, é ser diplomático. O inimigo do passado é o amigo do presente, e vice-versa!
Pois bem, mas não é a questão intrinsecamente política que nos chama a atenção no cenário eleitoral de 2006. Afinal, dizem os políticos, governar é fazer alianças. O próprio presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou debaixo da bandeira de que “nenhum partido tem chances de vencer sozinho”, finalizando dizendo, inclusive, que “as alianças são legítimas, desde que tenham como base um programa definido de governo” (in http://www.espacoacademico.com.br/010/10lula.htm, acessado em 12.02.2004)
Com o perdão Sr. Presidente, mas quer me parecer que PT, PL, PTB e PMDB, a base de sustentação heterogênea do governo, não possuem, por assim dizer, “um programa definido de governo”, nem tampouco alinhavado sob os mesmos idéias e auspícios. Mas…
Kelsen definiu os partidos como “formações que agrupam os homens da mesma opinião para assegurar-lhes uma influência verdadeira na gestão dos assuntos políticos e públicos” (Essência e valor da democracia, p.19). Nossos constitucionalistas de renomada, como Celso Bastos, José Afonso da Silva, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Luiz Alberto David Araujo e outros, ao definirem um partido político, sempre levam em consideração que a associação que deles resulta é fundada num mesmo programa político, com ideais comuns.
Embora haja vozes contrárias a existência destes partidos – George Washington, por citar apenas um, dizia ser ruinoso os efeitos decorrentes dos espíritos dos partidos (in PINTO, Djalma. Direito eleitoral¸ p. 95) – são eles hoje vistos como condição imprescindível para o exercício da democracia representativa.
Tanto é assim que nossa Constituição Federal, no artigo 17, dispôs ser “livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana”
Assegurou-lhes, ainda, “autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.” (CF, art. 17, § 1º)
Impôs, adicionalmente, ser condição de exigibilidade a filiação partidária. Logo, apenas aquele que faz parte de um partido regular poderá participar de uma eleição, enquanto candidato.
No entanto, não obstante todas essas prerrogativas, a Constituição também asseverou que o partido político deveria ter caráter nacional (CF, art. 17, I). E foi sob esse argumento que o Tribunal Superior Eleitoral expediu a Resolução nº 20.993, de 2002, que por força de seu artigo 4º, § 1º, introduziu a famigerada “verticalização das coligações”. Estabeleceu-se que “os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial (Lei n. 9.504/97, art. 6°; Consulta n. 715, de 26.2.02)
Portanto, a coligação nacional para a eleição presidencial vincularia as coligações regionais e locais. Buscou-se, com isso, reforçar a tese de que os partidos políticos devem ter o caráter nacional. É bem verdade que essa resolução teve um “colorido ‘chapa branca’”, posto que editada 08 (oito) meses antes do pleito de 2002, auxiliando, pelo menos em tese, a candidatura do então candidato situacionista José Serra/PSDB.
Foi o que o TSE denominou de “princípio da coerência na formação das coligações. Assim, passamos a ter o caráter nacional não somente dos partidos, mas também das coligações. Voilá!
Sobreveio as eleições de vereadores e prefeitos, em 2004. E a tese da verticalização perdeu força. Respondendo à consulta do Deputado João Alberto, do PMDB/ES, o Tribunal Superior Eleitoral, na sessão do dia 28 de Agosto de 2003, permitiu as coligações partidárias municipais diferentes das estaduais e mesmo federais.
Argumentou a Corte Eleitoral, ainda, que a modificação do processo eleitoral somente poderia ser feita através de aprovação de Lei, pelo Congresso, até um ano antes da eleição.
Portanto, as coligações partidárias municipais estavam livres da verticalização, proporcionando-nos assistir bizarrices eleitorais das mais estapafúrdias, levando ainda mais ao descrédito dos partidos políticos.
Ora, mas o TSE não disse outrora que os partidos, e por conseguinte suas coligações, devem ter caráter nacional? O que mudou?
De fato, parece que nosso sistema eleitoral é camaleônico, para usarmos de eufemismo e não dizer fisiológico, alternando sob os influxos de vicissitudes pouco convincentes os dogmas eleitorais, fazendo parte dessa volubilidade os políticos, os partidos, as coligações, e também a Corte..
No entanto, em nova consulta sobre a necessidade da verticalização nas eleições presidências de 2006, o TSE reafirmou a sua existência e obrigatoriedade de sua observância.
Visando novamente acabar com a verticalização partidária, foi aprovada da Emenda Constitucional 52/06, alterando o § 1º, do Art. 17, da Carta Constitucional, trazendo textualmente que os partidos políticos estariam livres para “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas de âmbito nacional, estadual, distrital e municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
E mais: essa Emenda Constitucional estabeleceu que as novas regras já valeriam para o ano de 2.006, numa clara manifestação de que o Congresso é um parlamento que funciona em causa própria.
Ocorre, contudo, que o Art. 16, da Constituição Federal,. estabelece que a “lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
Portanto, toda e qualquer lei eleitoral, inclusive emendas constitucionais sobre o assunto, somente poderiam entrar em vigor 01 (um) ano após a sua vigência. Então, vejamos: a EC 52/06 é de 08-03-2006. Logo, somente poderia entrar em vigor em 8-3-2007, não se aplicando à eleição atual, como pretendia o Congresso.
Visando restabelecer a ordem, e sobretudo respeitar a Constituição, a Ordem dos Advogados do Brasil propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, já no dia 09-03-2006, sustentando que a EC 52/06 somente poderia valer para o ano subseqüente, e não para a eleição atual.
E o Supremo Tribunal Federal, numa decisão no mínimo coerente, uma vez que é o defensor máximo da Constituição Federal, dando uma interpretação conforme à Constituição à Emenda Constitucional 52/06, firmou entendimento de que a regra da liberdade das coligações não valerá para a eleição de 2006.
Neste sentido, as eleições de 2006 para presidente, governadores, senadores e deputados, serão a última com a veticalização obrigatória. Para os próximos anos, infelizmente, haverá o retorno dos acordos espúrios, proxenetas, ilegítimos, que ferem de morte a ética e, inclusive, a proposta de que um partido político tenha conotação nacional (CF, Art. 17, I)
Informações Sobre o Autor
Jesualdo Eduardo Almeida Junior
Advogado, sócio do escritório Zanoti & Almeida Advogados Associados; Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; Pós-Graduado em Direito das Relações Sociais; Pós-Graduado em Direito Contratual; Prof. de Direito Civil e Processual Civil da Associação Educacional Toledo, de Presidente Prudente, da FEMA/IMESA, de Assis, e da FADAP/FAP, de Tupã; Prof. de Processo Civil Constitucional do curso de Pós-Graduação da PUC/PR; Prof da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná; Prof. da Escola Superior da Advocacia de Assis/SP e de Presidente Prudente/SP