Sumário – 1. Generalidades; 2. Amparo Legal do Emprego do Exército; 3. As Salvaguardas Constitucionais; 4. A Força Terrestre contra os Ilícitos Transnacionais; 5. A Força Terrestre na Garantia das Eleições; 6. Conclusão.
Este artigo aborda um assunto polêmico e importante para o conhecimento de todos os brasileiros. Trata dos aspectos legais que servem de sustentação para o emprego do Exército no âmbito interno do País, nos casos previstos na lei. Aborda as salvaguardas Constitucionais que são utilizadas para a solução de graves situações internas. E apresenta os aspectos legais do emprego do Exército contra os Ilícitos Transnacionais e na Garantia das Eleições.
1. Generalidades
Quando se aborda o tema sobre a Segurança Interna de um país, pode-se, ainda, conceituá-la como a garantia da conquista e da manutenção dos Objetivos Nacionais contra quaisquer hipóteses plausíveis de ameaças de origem ou efeitos internos, mediante aplicação do Poder Nacional.
O Estado é o principal responsável por essa garantia, embora toda a sociedade civil deva com ela contribuir. O Estado Brasileiro possui, no âmbito interno, o monopólio do uso legítimo da força e tem o dever de assegurar a supremacia da ordem jurídica por ele constituída.
Por outro lado, as ações de garantia da lei e da ordem constituem uma resposta às ameaças específicas que violam a ordem jurídica legitimamente estabelecida. Essas são evidenciadas por atitudes e atos que dolosamente lesionam ou ponham em perigo os objetivos nacionais.
Todas as medidas e ações a serem adotadas pelas Forças devem estar previstas, determinadas ou facultadas no ordenamento legal do Estado, sob a direção da expressão política do Poder Nacional.
O comprometimento da ordem, em função da atuação de determinadas forças, pode-se caracterizar por um amplo espectro de situações, que variam desde um incidente de natureza policial, num quadro de segurança pública, passando pelos sucessivos estágios de crise, até atingir a etapa final, num ambiente de grave conflito interno.
O emprego da Força Terrestre na garantia da lei e da ordem será realizado em situações caracterizadas pelo grau de comprometimento da ordem pública e pela aplicação ou não de salvaguardas constitucionais.
O Estado Brasileiro poderá atuar na garantia da lei e da ordem, realizando ingerência federal, acordada entre os três poderes constitucionais ou imposta para dar cumprimento à lei, ordem ou decisão judicial, abrangendo as diferentes esferas do poder. Neste contexto, a Força Terrestre poderá atuar realizando o acompanhamento da situação ou prestando apoio às ações desenvolvidas pela demais expressões do Poder Nacional, realizando ação de presença em todo o território nacional e assumindo encargos de segurança pública, quando determinado pelo Presidente da República.
Em situações de maior gravidade, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem será conduzida através da decretação da Intervenção Federal, do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio.
A garantia da lei e da ordem, por envolver ações e medidas provenientes de todas as expressões do Poder Nacional, tem um caráter integrado, que é realçado na expressão militar, pela atuação coordenada das Forças Armadas, Poder Judiciário e dos Órgãos de Segurança Pública, devendo cada um ter suas responsabilidades de atuação muito bem definidas e claras, conforme o estabelecido na ordem jurídica vigente.
2. Amparo Legal do Emprego do Exército
A possibilidade de emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem não deve jamais ser descartada, pois elas constituem o instrumento de força do poder estatal, em última instância, para debelar antagonismos de toda ordem. Elas devem atuar conforme os limites impostos pela legislação nacional, sob a orientação e controle das autoridades políticas competentes e tendo sempre em vista seu compromisso com a Nação.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 144, estabelece que a Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através das polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares e corpos de bombeiros militares. Portanto, somente em casos excepcionais, a Força Terrestre será empregada na Segurança Pública, pois esta é de competência primária dos órgãos acima nomeados.
Na situação de normalidade institucional, isto é, sem aplicação de salvaguardas constitucionais, a Força Terrestre poderá ser empregada em ações de garantia da lei e da ordem, de acordo com sua destinação prevista no artigo 142 da Constituição Federal, cumprindo determinação expressa e legal do Presidente da República, baseada na Lei Complementar (LC) Nr 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
O parágrafo 1º do Artigo 15 dessa lei prescreve que compete ao Presidente da República a decisão de emprego das Forças Armadas, por sua iniciativa ou em atendimento a pedido manifestado por qualquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, no âmbito de suas respectivas áreas.
O Ministro da Defesa, por decisão presidencial, determinará o emprego da Força Terrestre numa operação específica no âmbito interno. Conforme o parágrafo 2o do Artigo 15 da LC 97/99, a atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art 144 da Constituição Federal (órgãos de segurança pública).
No caso de emprego da Força Terrestre numa situação onde for necessária a aplicação de salvaguardas constitucionais, a sua competência legal estará prevista nos decretos presidencial correspondentes.
Assim, o respaldo jurídico para o emprego do Exército nas ações de garantia da lei e da ordem pode ser encontrado no artigo 142 da Constituição, no artigo 15 da Lei Complementar 97/99 e no decreto que estabelece as situações de emergências.
A legislação brasileira possui normas específicas que permitem o emprego da Forças Armadas, particularmente o Exército, na garantia da lei e da ordem, estabelecendo adequados mecanismos democráticos de controle, de acordo com a gravidade da situação.
3. As Salvaguardas Constitucionais.
As salvaguardas constitucionais são normas que visam a estabilização e a defesa da Constituição contra processos violentos de mudança ou perturbação da ordem constitucional, bem como a defesa do Estado quando a situação crítica deriva de guerra externa. Nesses casos, a legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege o estado de exceção. O Presidente da República, através de decreto, regula a execução da Intervenção Federal, do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio.
Fundamentadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, essas medidas têm por objeto as situações de crises e por finalidade a manutenção ou o restabelecimento da normalidade. Sem que se verifique a necessidade, a situação de exceção configurará puro golpe de estado e sem atenção ao princípio da temporariedade, não passará de ditadura.
A Intervenção Federal, prevista no artigo 34 da Constituição, é o ato político que consiste na incursão da entidade interventora nos negócios da entidade que a suporta. O estado federal baseia-se no princípio da autonomia de suas entidades componentes. Os estados-membros não são soberanos, por isso não podem contrariar os ditames da soberania nacional, que é una, indivisível e pertence à União. O equilíbrio federativo é realizado por meio do instituto da Intervenção Federal, único instrumento eficiente e objetivo para garantir as características políticas dessa forma de estado.
Assim, a Intervenção se constitui em medida excepcional, ocorrendo em situações críticas que põem em risco a segurança do Estado, o equilíbrio federativo, as finanças estaduais e a estabilidade da ordem constitucional.
O Estado de Defesa, por sua vez, é uma situação em que se organizam medidas destinadas a debelar ameaças à ordem pública ou à paz social. Em outras palavras, em função do disposto no artigo 136 da Constituição, essa medida consiste na instauração de uma legalidade extraordinária, por certo tempo, em locais restritos e determinados, mediante decreto do Presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, órgãos consultivos do Presidente, com a finalidade de preservar a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingida por calamidades de grandes proporções na natureza.
O decreto que instaura o Estado de Defesa determinará o tempo de sua duração, que não será superior a 30 dias, podendo ser prorrogado, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem. Neste decreto poderá vir também a autorização e as diretrizes de emprego da Força Terrestre.
O Estado de Sítio, conforme o artigo 137 da Constituição, consiste na instauração de uma situação extraordinária, por determinado tempo e em certa área, objetivando preservar ou restaurar a normalidade constitucional, perturbada por motivo de comoção grave de repercussão nacional, ineficácia das medidas durante o Estado de Defesa ou por situação de beligerância com Estados estrangeiros.
O Estado de Sítio é decretado pelo Presidente da República, após ter ouvido os Conselhos da República e de Defesa e ter sido autorizado pelo Congresso Nacional. Esse decreto instaura uma normatividade especial com a indicação do prazo de vigência, das normas necessárias à sua execução e das garantias constitucionais suspensas.
O juízo de conveniência da decretação do Estado de Defesa ou do Estado de Sítio cabe ao Presidente da República, observando as normas constitucionais. Os controles político e jurisdicional dessas medidas serão realizados pelo Congresso Nacional e pelo Poder Judiciário respectivamente. Os executores ou agentes que cometerem abusos, ilícitos ou excessos ficarão sujeitos a processo judicial, durante ou após o período emergencial.
Verifica-se, portanto, que as salvaguardas constitucionais estão subordinadas às normas legais. Elas geram uma legalidade extraordinária, mas não uma arbitrariedade. A Força Terrestre, quando empregada sob a vigência de uma dessas medidas, deve estar ciente de suas responsabilidades, evitando ultrapassar os limites da lei e das condições estabelecidas no respectivo decreto presidencial, a fim de não passar a atuar na ilegalidade, ficando sujeito a processos e sanções judiciais.
4. A Força Terrestre contra os ilícitos transnacionais.
A atuação da Força Terrestre contra ilícitos transnacionais tem como objetivo contribuir com o Governo Federal nas ações que visam a impedir o acesso ao território nacional, de material proveniente de tais ilícitos, em especial do narcotráfico e do contrabando de armas.
As ações de proteção das fronteiras visam a coibir a entrada de guerrilheiros ou terroristas provenientes de países vizinhos, evitando atos de terrorismo e guerrilha no Brasil. Essas ações são normalmente caracterizadas pelo apoio às Polícia e Receita Federais, particularmente nas áreas de inteligência, logística e segurança. Em caráter episódico, poderão ser realizadas missões de combate em áreas restritas.
Sabe-se que os órgãos de segurança pública são os legalmente responsáveis pelo combate direto a esses ilícitos. Somente em casos excepcionais, isto é, depois de esgotadas as possibilidades de atuação daquelas forças, o Exército será convocado para garantir a lei e a ordem pública, conforme previsto no parágrafo 2º do artigo 15 da Lei Complementar Nr 97/99.
Dessa forma, o respaldo legal de emprego da Força Terrestre contra os ilícitos transnacionais encontra-se consubstanciado na própria Constituição, na Lei Complementar 69/91 e em normas específicas do Ministério da defesa e do Exército. Ressalta-se que a Força Federal quando utilizada como polícia, tem as mesmas restrições legais, devendo atuar como força policial e conhecer todos os aspectos jurídicos pertinentes.
5. A Força Terrestre na Garantia das Eleições.
A garantia das eleições é uma das tarefas que constantemente é solicitada ao Exército Brasileiro, quando, por motivos vários, as Forças Estatuais não possuem capacidade de fornecer à população a tranqüilidade para exercer o seu direito do voto.
Existe um procedimento específico para a requisição da Força Federal pela Justiça Eleitoral e, quando do emprego da tropa, existem aspectos jurídicos importantes que devem ser considerados por todos os envolvidos no processo eleitoral. O respaldo jurídico dessa atuação encontra-se no artigo 142 da Constituição Federal, quando prescreve que a garantia da lei e da ordem será realizada pelas Forças Armadas, por iniciativa de qualquer dos poderes constitucionais, no caso, o Poder Judiciário.
Assim, a requisição da tropa federal para atuação nas eleições deverá ser feita ao Presidente da República pela mais alta autoridade do Poder Judiciário. Exemplificando, o Juiz Eleitoral de uma cidade do interior, deverá solicitar, através da cadeia hierárquica do judiciário, o apoio da força federal necessária para garantir a realização das eleições em sua cidade. O pedido não pode ser feito diretamente ao comandante militar do local, pois este só receberá a ordem de empregar a sua tropa, através da cadeia de comando do Exército. O Código eleitoral também define algumas normas sobre a requisição de tropa federal para garantir as eleições
A Segurança Pública é de competência da polícia estadual, logo, mesmo atuando nas eleições, a tropa federal deve abster-se de agir, em primeira instância, nos conflitos civis. Somente no caso de extrema necessidade e em apoio à força policial, que perde sua capacidade combativa, deve a tropa do Exército intervir numa situação de segurança pública em período eleitoral, procurando, antes, obter o respaldo legal das autoridades da Justiça Eleitoral. Pelo exposto percebe-se que a legislação eleitoral está coerente com as normas que regulam o emprego da Força Terrestre.
6. Conclusão
O Exército Brasileiro tem sua definição e sua destinação previstas no artigo 142 da Constituição Federal. Essa destinação é o farol que orienta toda a atuação da Força, tanto no âmbito externo quanto no âmbito interno.
A Lei Complementar Nr 97/99 prescreve as normas gerais de organização, preparo e emprego da Força Terrestre, baseando-se na missão constitucional e complementando-a com as ações subsidiárias ou complementares, relacionadas com a cooperação no desenvolvimento do País e na Defesa Civil.
O emprego do Exército na garantia da lei e da ordem está condicionado às situações de normalidade e durante a vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, ao esgotamento da capacidade operativa das forças de segurança estaduais e à convocação pelos representantes de quaisquer dos Poderes da República. Essa atuação eventual da Força está amparada na Constituição Federal, nos decretos que estabelecem as salvaguardas constitucionais e na Lei Complementar Nr 97/99.
A atuação contra os ilícitos transnacionais, caso seja necessário, tem respaldo legal nas leis do país e a participação do Exército deve ser de apoio aos órgãos responsáveis de coibir esses delitos, evitando-se a atuação direta na ação policial, exceto em casos excepcionalmente graves.
O procedimento para a requisição de tropa federal para garantir eleições está coerente com as normas de emprego da Força Terrestre, devendo merecer especial atenção a atuação da tropa na segurança pública, durante o pleito eleitoral.
No âmbito interno, a intervenção do Exército deve primar pelo respeito à legislação vigente e, principalmente, às pessoas.
Informações Sobre o Autor
Fernando Carlos Santos da Silva
Coronel do Exército. Formado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1978 e em Direito pela Faculdade de Direito de ITU – SP em 1984. Mestre em Aplicações Militares em 1988 e Doutor em Aplicações, Planejamento e Altos Estudos Militares em 1998. Possui Pós-Graduação“Lato-Sensu” em Educação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1999/2000; em Gerência Executiva de Logística e Transporte (Post-Baccalaurete), pela Universidade de Miami – Miami – EUA, em 2004 e em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Cândido Mendes em Brasília – DF, em 2004. Observador Militar da ONU na Operação de Paz em Moçambique – África, Professor, Palestrante, Consultor de Qualidade e Excelência Gerencial, Consultor de Logística e Transporte, Professor-Autor de apostilas para concurso público na área jurídica