SUMÁRIO – 1 – Introdução. 2 – A Organização Internacional do Trabalho e as Convenções Internacionais. 3 – Vigência e Aplicabilidade da Convenção n. 132 da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 4 – A duração das férias no Brasil a partir da vigência da Convenção n. 132 da OIT no Ordenamento Jurídico Nacional. 5 – Conclusão. 6 – Obras consultadas.
1. INTRODUÇÃO
A Convenção n. 132, instrumento oriundo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata de férias anuais remuneradas, em 23.09.1981, foi aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro, através do Decreto Legislativo nº 47. Posteriormente, em 05/10/1999, o Governo Brasileiro, através do Decreto nº 3.197, promulgou a Convenção em vernáculo nacional, tornando público que o Brasil depositou o instrumento de ratificação na Organização Internacional do Trabalho em 23 de setembro de 1998.
A referida norma internacional trouxe várias modificações na legislação pátria no que tange à disciplina das férias individuais remuneradas, derrogando algumas normas da lei interna brasileira. No entanto, tal preceito ainda é desconhecido por boa parte dos operadores do direito, tendo ingressado no Ordenamento Jurídico Nacional de maneira quase que “silenciosa[1]”. Nesse sentido, salienta-se que o desconhecimento acerca da existência e aplicabilidade do mencionado diploma legal reflete-se diretamente nas postulações perante a Justiça do Trabalho fundamentadas na Convenção n. 132, que, em que pese o aumento verificado nos últimos anos, ainda são incipientes.
De outro lado, verifica-se que os estudos científicos que propõe debater a interpretação e a aplicação de tal norma internacional na legislação brasileira revelam que ainda há muitas dúvidas e divergências acerca da matéria.
Nesse contexto, ressalta-se que um dos pontos mais discutidos é o relativo ao período de duração das férias no Brasil após a ratificação da Convenção. No caso, quationa-se se o Instrumento Internacional alterou ou não a disciplina do período mínimo das férias dos trabalhadores brasileiros.
Assim, sem a pretensão de esgotar o tema ou chegar a conclusões definitivas, o presente estudo tem por objetivo discorrer acerca da duração mínima das férias no Brasil a partir da vigência da Convenção 132 da OIT na Ordem Jurídica Nacional, destacando o entendimento da doutrina e da jurisprudência a respeito da matéria.
Previamente, contudo, far-se-á algumas abordagens teóricas de sorte a pavimentar o caminho que os estudos irão trilhar, como o estudo das linhas básicas sobre a Organização Internacional do Trabalho e a sua atividade normativa, representada pelas Convenções Internacionais, bem como a sua incorporação, vigência e aplicabilidade na legislação brasileira.
2. A ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.
A Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versailles em 1919, trata-se de uma pessoa jurídica de Direito Internacional Público, sendo, hoje, um organismo especializado vinculado à ONU. Trata-se de uma organização permanente encarregada de trabalhar pela universalização dos princípios de justiça social e, na medida do possível, uniformizar as correspondentes normas jurídicas, mediante a uma atividade normativa tendente a incorporar direitos e obrigações aos sistemas jurídicos nacionais dos seus Estados-Membros. Tem por objetivo, também, o incremento da cooperação internacional visando à melhoria das condições de vida do trabalhador e a harmonia entre o desenvolvimento técnico-econômico e o progresso social.
A atividade primordial da OIT e a sua principal razão de ser é a regulamentação internacional do trabalho, competindo a um de seus órgãos[2], a Conferência Internacional do Trabalho, na qualidade de assembléia geral da organização, tal tarefa. Essa atividade normativa tem por finalidade fomentar a universalização da justiça social e instrumentaliza-se por meio das chamadas “Convenções Internacionais”.
As Convenções Internacionais constituem-se, segundo ensina o mestre Arnaldo Süssekind, “[…] em tratados multilaterais, abertos à ratificação dos Estados-Membros, que, uma vez ratificados, devem integrar a respectiva Legislação Nacional”[3]. A respeito disso, constata-se que são multilaterais, porque podem ter um número irrestrito de partes; abertos, pois podem ser ratificados por todos os Estados-Membros da OIT e não apenas aos que participaram da sessão da Conferência Internacional do Trabalho na qual foi aprovado; de caráter normativo, porque enquanto os tratados firmados entre Estados visam à concessão de vantagens recíprocas, as Convenções da OIT têm por fim a universalização de normas de proteção ao trabalho e a sua incorporação ao Direito Interno dos Estados-Membros, tratando-se, portanto, de fontes formais de Direito[4].
De outro lado, cumpre assinalar que, não obstante um dos objetivos primordiais da OIT, expressamente estabelecido no preâmbulo da sua Constituição, seja a universalização tanto quanto possível uniforme das normas internacionais do trabalho, de modo a equilibrar o ônus da proteção ao trabalhador que recai sobre a produção, certo é que tal princípio “não deve ser invocado com absolutismo, de forma a reduzir direitos assegurados aos trabalhadores nos países em que uma convenção se torne aplicável por força da sua ratificação“[5]. Nesse sentido, a Convenção é considerada como uma norma mínima de caráter internacional, não podendo prevalecer se houver normas anteriores e posteriores internas mais vantajosas aos obreiros. Tal diretriz, a propósito, está expressamente estabelecida na Constituição da OIT, no art. 19, § 8º, verbis:” Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores condições mais favoráveis do que as previstas na convenção ou recomendação”.
É importante destacar que a referida norma nada mais é do que a positivação no âmbito internacional do princípio da proteção ao trabalhador. Esse princípio, conforme salienta o mestre uruguaio Américo Plá Rodriguez, “refere-se ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador. Enquanto no direito comum uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes[6]”.
Nesse contexto, a regra da norma mais favorável, consagrada no citado dispositivo, determina que no caso de haver mais de uma norma aplicável deve-se optar por aquela que seja mais vantajosa ao obreiro, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos da hierarquia das normas[7]. Ou seja, se os preceitos legais, normativos ou costumeiros em vigor forem mais favoráveis aos trabalhadores do que os da Convenção ratificada, aqueles continuarão em plena vigência, sem que se opere qualquer derrogação.
Assim, considerando a inserção do Direito Internacional no Direito Interno dos Estados-Membros, três hipóteses poderão ocorrer, a saber: [a] o direito estabelecido na convenção reproduz o direito previsto na legislação interna; [b] a condição assegurada pela OIT inova o universo dos direitos previstos nas normas nacionais; [c] a norma internacional contraria as normas internas nacionais.
Na primeira hipótese, as convenções da OIT reforçarão o elenco dos direitos legalmente consagrados. Já, na segunda hipótese, a convenção ampliará e estenderá o elenco dos direitos do trabalhador. Por fim, quanto à terceira hipótese, prevalecerá o critério da norma mais favorável ao obreiro.
3. VIGÊNCIA E APLICABILIDADE DA CONVENÇÃO N. 132 DA OIT NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Os mecanismos de inserção do Direito Internacional no Ordenamento Jurídico de determinado Estado são estabelecidos somente pelo Direito Vigente Internamente.[8]
No Brasil, as normas que regulam a inserção das Convenções Internacionais da OIT na Ordem Jurídica Interna estão estabelecidas na Constituição Federal e na Constituição da OIT[9].
Nesse sentido, dispõe o artigo 21, inciso I, da Constituição Federal que é de competência exclusiva da União “manter relações com estados estrangeiros e participar de organizações internacionais“. Além disso, estabelece o artigo 84, inciso VIII, que compete privativamente ao Presidente da República “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional“, o qual é complementado pelo art. 49, que prevê que é da Competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados internacionais que acarretem compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Por seu turno, dispõe o art. 19, §5º, b, da Constituição da OIT, que os Estados-Membros comprometem-se a submeter, no prazo de um ano, a Convenção aprovada à autoridade ou às autoridades em cuja competência encontre-se a matéria nela relacionada.
A Convenção n. 132 da OIT foi aprovada em 03 de Junho de 1970, entrando em vigor, no âmbito internacional, em 30 de Julho de 1973, podendo, a partir dessa data, obrigar os Estados que a ratificarem ao cumprimento das suas disposições.
A referida norma internacional foi aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro em 23 de setembro de 1981, por meio do Decreto Legislativo nº 47. No entanto, o instrumento de ratificação só foi depositado pelo Governo Brasileiro 17 anos depois, em 23 de setembro de 1998, passando a mesma a vigorar, de acordo com o seu art. 18, § 3º, 12 meses após data do registro de sua ratificação, ou seja, em 23 de setembro de 1999. Finalmente, o Decreto Presidencial nº 3.197, de 5 de Outubro de 1999 [DOU 06.10.99], promulgou a referida Convenção.
A questão da vigência e aplicabilidade da Convenção n. 132, a exemplo das demais convenções da OIT, trata-se de questão controvertida na doutrina, evocando-se duas correntes doutrinárias que discutem o equacionamento da questão: a primeira, pregada por Georgenor de Sousa Franco Filho[10], Aldacy Rachid Coutinho[11], Arnaldo Süssekind[12] e Sérgio Pinto Martins[13], dentre outros doutrinadores, sustenta que a possibilidade de aplicação da referida norma internacional ocorreu somente a partir da sua promulgação pelo Decreto nº 3.197/99; a segunda, sustentada por Glauce de Oliveira Barros[14], defende que a invocação da Convenção já poderia ter ocorrido a partir de 23 de setembro de 1999, ou seja, 12 meses após o depósito da ratificação na Repartição Internacional do Trabalho.
Concorda-se com a segunda corrente, pois, no Ordenamento Jurídico Brasileiro, não há previsão da necessidade de promulgação da convenção, após a sua ratificação, por um Decreto do Executivo, como condição de aplicabilidade no âmbito interno. De outro lado, ressalta-se que a própria Convenção prevê, expressamente, o início de sua vigência no art. 18, § 3º (12 meses após data do registro de sua ratificação).
Cabe observar, ainda, que o próprio Decreto nº 3.197/1999, que promulgou a Convenção, estabelece que a mesma passou a vigorar, “para o Brasil, em 23 de setembro de 1999”.
Nesse contexto, portanto, pode-se concluir que a Convenção nº 132 passou a vigorar, com a possibilidade de ser invocada no Ordenamento Jurídico Nacional, após 12 meses da data do registro da sua ratificação pelo Governo Brasileiro junto à Repartição Internacional do Trabalho, conforme dispõe o seu art. 18, §3º. Ou seja, tendo em vista que este instrumento de ratificação foi depositado em 23 de setembro de 1998, a referida norma internacional passou a vigorar e a produzir efeitos na Ordem Jurídica Brasileira a partir de 23 de setembro de 1999.
4. A DURAÇÃO DAS FÉRIAS NO BRASIL A PARTIR DA VIGÊNCIA DA CONVENÇÃO N. 132 DA OIT NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL
Primeiramente, cabe observar que o Brasil, como a maioria dos países que ratificaram a Convenção[15], optou pela aplicação da referida norma internacional pela via legislativa, estabelecendo, no Decreto de promulgação da mesma, que ela “deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.
De outra banda, salienta-se que o campo de incidência da Convenção n. 132 é extremamente amplo, pois, nos termos do disposto no art. 2º, §1º, se aplica “a todas as pessoas empregadas, à exceção dos marítimos”, os quais têm seus períodos de repouso anual remunerado, atualmente, disciplinados por força das Convenções nº 91 e 146 da OIT. Entretanto, a autoridade competente de cada país pode excluir do âmbito da sua aplicação, mediante consulta às organizações de trabalhadores e de empregadores interessadas, determinadas categorias, desde que sua aplicação cause problemas particulares de execução ou de natureza constitucional ou legislativa de certa relevância [art. 2º, § 2º].
O Brasil, ao ratificar a Convenção vigente sobre férias da OIT, não apresentou nenhuma restrição ou exclusão a determinada categoria no que tange a aplicação da referida norma internacional. Assim, a Convenção n. 132 é aplicável a todos os trabalhadores que mantêm vínculo de emprego, incluíndo-se, aí, os pertencentes à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, os empregados a tempo parcial, bem como aqueles cuja profissão seja regulamentada por normas especiais, como no caso dos empregados domésticos, apenas sendo excepcionados das suas disposições os marítimos.
No que tange ao período de duração das férias, estabelece o art. 3º, §3º do mencionado diploma internacional que: “A duração das férias não deverá em caso algum ser inferior a 3 [três] semanas de trabalho, por 1[um] ano de serviço”.
Conforme salientou a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT[16], tal período de duração é o mínimo admitido para duração das férias no âmbito da Organização. No entanto, o mesmo poderá ser ampliado através da legislação nacional dos Países-Membros, convenções ou acordos coletivos de trabalho, sentenças normativas, laudos arbitrais, etc. Nesse sentido, a Convenção n. 132 estabeleceu no seu art. 3º, §2º que todo membro que ratifique a Convenção deverá especificar a duração das férias em uma declaração apensa à sua ratificação.
Tal declaração, ignorada por muitos autores, deve ser considerada como parte integrante da norma internacional adotada[17], tendo em vista que a estipulação do período das férias é de incumbência do Estado-Membro ratificante, pois “a norma da OIT não estabelece o período de férias que deve ser adotado, mas somente o limite mínimo que deve ser observado pelo País-Membro ao cumprir o preceituado no art. 3º, §2º”[18].
Nessa linha, relevante observar o flagrante equívoco verificado na interpretação do disposto no art. 3, parágrafo 3, ao norte de que a Convenção supostamente estabeleceria férias de três semanas, sendo, em vista disso, menos benéfica que o disposto no art. 130 da CLT. Desta forma, já decidiu o Egrégio TRT da 12ª Região: Ementa: CONVENÇÃO Nº 132 DA OIT. FÉRIAS. FERIADOS. APLICABILIDADE. Apesar da ratificação do referido dispositivo internacional, que ocorreu através do Decreto nº 3.197/99, ele não se aplica no solo brasileiro, porque há legislação mais benéfica nessa órbita, constante do art. 7º, XVII, da Constituição da República c/c os arts. 129 e 130 da CLT. O art. 3º da Convenção nº 132 da OIT é aplicável apenas para aqueles países cujas férias não ultrapassem o período de três semanas, o que não é o caso do Brasil, já que o artigo 130 da CLT assegura a fruição de férias num período de 30 dias corridos, o que será sempre superior aos vinte e um dias previstos naquele dispositivo internacional (três semanas), especialmente se for considerado que não há no calendário pátrio nenhuma sucessão de feriados que atinja os 09 dias seguidos faltantes para completar os 30 dias que o trabalhador brasileiro dispõe de férias[19].
Nesse passo, a correta interpretação do art. 3º da Convenção deve ser no sentido de que: segundo o §1º, toda pessoa terá direito a férias anuais remuneradas de duração mínima determinada, sendo que tal período será estabelecido, conforme o §2º do mesmo dispositivo, “pelo Estado-Membro ratificante”, em uma declaração, apensa à sua ratificação, o qual deverá respeitar o limite mínimo estabelecido de três semanas de férias por um ano de serviço, conforme o §3º. Além disso, segundo dispõe o § 4º, o Estado-Membro poderá ampliar, por uma declaração ulterior, o período das férias especificado no momento da ratificação.
O Estado Brasileiro efetuou tal declaração, apensa à ratificação da Convenção nº 132, adotando como período mínimo das férias anuais remuneradas no país, para todos os trabalhadores, sem exceção, 30 dias[20]. Assim, hoje, todas as categorias de trabalhadores regidos pela CLT contam com um período de férias anuais remuneradas de trinta dias.
Por outro lado, cabe referir que, conforme dispõe o art. 4º, §1º da Convenção, toda pessoa que tenha completado, no curso de um ano determinado, um período de serviço de duração inferior ao período necessário à obtenção de direito à totalidade das férias prescritas, terá direito, nesse ano, a férias de duração proporcionalmente reduzidas. No caso, tal dispositivo abre a possibilidade do estabelecimento de férias com a duração inferior ao mínimo legal no caso de prestação de serviços por período inferior àquele necessário para a obtenção do direito à totalidade das férias.
Desse modo, discorda-se, data vênia, da opinião de Aldacy Rachid Coutinho[21] que sustenta que “urge seja mantido, em qualquer situação, o número mínimo de 3 (três) semanas de férias. Somente a previsão de 30 dias para até 5 faltas e, eventualmente, a de 24 dias para 6 a 14 dias de faltas, não colidem com a norma anterior. As hipóteses de 18 dias corridos para 25 a 23 faltas e 12 dias, se o número for de 24 a 32 faltas nos contratos individuais de trabalho – art. 130, inc. III e IV, da Consolidação das leis do trabalho – restam revogados por incompatibilidade”.
Tal interpretação parece, simplesmente, ignorar o disposto no art. 4º da Convenção, o qual, repita-se, autoriza a estipulação de férias proporcionais à duração dos serviços prestados.
Assim, com base no citado dispositivo, entende-se que o art. 130, bem como o art. 130-A da CLT afiguram-se totalmente compatíveis, na parte em que estipulam férias proporcionais ao tempo de serviço durante o ano-emprego, com a norma internacional analisada, estando, portanto, ainda vigentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Nesse sentido, a propósito, manifesta-se Gomieri[22], ressaltando que tal entendimento afigura-se razoável tendo em vista que não seria justo “dispensar tratamento equivalente ao empregado assíduo e ao empregado desidioso”.
Desse modo, terá direito a férias de trinta dias apenas aquele trabalhador que efetivamente cumpriu suas obrigações durante o ano-emprego, havendo a possibilidade da concessão de um período menor, em razão das faltas injustificadas ao trabalho, conforme estabelece a CLT; sendo tal diretriz totalmente compatível com os ditames da Convenção nº 132 da OIT.
Visto isso, cabe analisar a questão relativa à exclusão dos feriados e dos períodos de incapacidade para o trabalho resultantes de doenças ou de acidentes, do cômputo do período de duração das férias.
Dispõe a Convenção n. 132 que “os dias feriados oficiais ou costumeiros, quer se situem ou não dentro do período de férias anuais, não serão computados como parte do período de férias anuais remuneradas previsto no parágrafo 3º do artigo 3º”.
No Brasil, parte da doutrina, utilizando-se dos critérios de eleição da norma mais benéfica, afirma que, em razão da norma da CLT prever 30 dias consecutivos de férias, inviabilizar-se-ia a aplicação da norma internacional no que pertine à exclusão dos feriados existentes no curso das mesmas. Nessa linha, destaca-se a opinião de Franco Filho[23], o qual sustenta que ”Apenas se exceder de nove feriados é que se acrescentariam os dias de feriados excedentes, embora, sabidamente, não exista, no calendário gregoriano brasileiro, nenhum período de 21 ou de 30 dias que inclua tantos sucessivos feriados. É, entretanto, um aspecto que pode vir a ser questionado, sendo de destacar, no particular, que a norma mais favorável, princípio assente no art. 19, § 8º, da Constituição da OIT (favor laboris) , é a regra consolidada, a prever trinta dias corridos”.
Parte da Jurisprudência vem se posicionando da mesma forma, verbis: “Ementa: Exclusão dos feriados no período de férias – Convenção n. 132 da OIT – Não obstante ter sido ratificada pelo Brasil a Convenção n. 132 da Organização Internacional do Trabalho, por meio do Decreto n. 3. 197, de 5.10.1999, a legislação pátria alusiva às férias anuais remuneradas é mais benéfica que a norma da OIT , que prevê férias anuais não inferiores a três semanas de trabalho, na medida em que assegura ao trabalhador férias anuais remuneradas de trinta dias, com acréscimo de um terço, não havendo falar em derrogação da escala de férias prevista no art. 130 da CLT. A legislação internacional não enseja aplicação na hipótese versada ante a ausência de conflito com a legislação pátria[24]”.
Com a devida vênia, discorda-se de tal entendimento, visto que tal interpretação, na verdade, demonstra a incompreensão do art. 3º da Convenção n. 132 da OIT. Nesse sentido, veja-se que a primeira parte do §3º do art. 3º diz que “A duração das férias não deverá ser inferior” a três semanas de trabalho, por um ano de serviço. Ora, a expressão adotada na norma leva claramente ao entendimento, conforme já salientado, de que no mencionado dispositivo não é estipulado o período de férias para efeito de aplicação da Convenção, mas, sim, o período que, de acordo com o § 2º, deve ser respeitado pelo Estado-Membro no momento da estipulação do período mínimo de férias na declaração apensa à ratificação.
Assim, deve-se entender a remissão feita pelo art. 6º, § 1º, não em relação ao parâmetro mínimo do período de férias que deve ser observado pelo Estado-Membro [três semanas], mas, sim, ao período de férias não inferior ao mínimo admitido pela Convenção, estipulado na declaração apensa à ratificação [no caso do Brasil, trinta dias].
Nesse passo, observe-se que em vários dispositivos da Convenção, sempre que há uma remissão ao período mínimo fixado pelo Estado-Membro, existe referência ao art. 3º, §3º do Diploma Internacional, como, por exemplo, se verifica nos arts. 5º, §4º, 6º, § 2º, e no 12. Sob tal perspectiva, observe-se a contradição de alguns autores[25] que sustentam a inaplicabilidade do art. 6º, §1º pelo fato de este mencionar o art. 3º, §3º, mas não apresentam qualquer óbice ou limitação para a aplicação do art. 6º, §2º, o qual contém a mesma referência.
Dessa forma, sem dúvida, o art. 6º, §1º deve ser entendido no sentido de que os dias feriados, quer se situem ou não dentro do período das férias anuais, não serão computados como parte do período de férias anuais remuneradas especificada pelo País-Membro na declaração apensa à ratificação.
Nesse sentido, o disposto no art. 6º, §1º deve ser encarado como direito novo, o qual não era consagrado no Ordenamento Jurídico Brasileiro, não tendo qualquer relação direta com a estipulação do período mínimo das férias; mas que acaba, por seu conteúdo, por influir diretamente nesta, pela necessidade de acréscimo, ao final do período de gozo, dos dias que foram feriados, não havendo, portanto, que se falar em aplicação da norma mais favorável.
Da mesma forma, a propósito, manifesta-se Rachid Coutinho[26], ressaltando que “(…) a proibição da integração no cômputo das férias os dias feriados não está vinculada ao período mínimo de 3 (três) semanas de duração previstas na Convenção. Ora, duas e distintas são as regras na convenção 132: uma prevê a duração mínima de (três) semanas, padrão consentâneo com a duração legal aplicável de 30 (trinta) dias corridos e que, nestes termos, é mantida; outra, norma proibitiva, veda que no cômputo – qualquer que seja ele – das férias sejam incluídos os feriados. Não existe relação de alternatividade ou exclusão,(…)”
Além disso, importa salientar que a norma da OIT se justifica pelo fato de que a finalidade do não-trabalho em feriados não tem por objetivo o descanso do trabalhador a fim de eliminar a fadiga gerada pelo labor, e, sim, permitir ao obreiro que participe das comemorações de acontecimentos e datas de grande significação universal, nacional ou para participar de atividades cívicas ou religiosas. Nesse sentido, por óbvio, que nos dias feriados ocorridos durante as férias não se atingiriam as finalidades destas últimas, havendo, por isso, a necessidade de desconsidera-los para efeito do cômputo do período de férias.
Desse modo, com a nova regra da OIT, havendo feriados dentro do período de gozo de férias concedidas pelo empregador, eles não podem, como antes ocorria, ser computados, estando, pois, derrogada a escala do art. 130 da Consolidação, que refere sempre à dias corridos[27]. Exemplificando, o empregado que gozasse de férias no mês de Outubro ficaria fora do emprego por 31 dias, tendo em vista o feriado do dia 12. Nesse sentido, como bem sintetiza Glauce de Oliveira Barros[28]:”temos que se o nosso ordenamento jurídico prevê o prazo mínimo de 30 dias para usufruto de férias a cada doze meses de trabalho, é nesse prazo que deverão ser excluídos os feriados que coincidirem com o período de usufruto das férias, concluindo que qualquer feriado que marcar no período de gozo não será computado para esse efeito”.
Por fim, vale frisar que, de acordo com o dispositivo da OIT, os feriados, para efeito de aplicação da norma ratificada, não serão apenas os oficiais, mas também os costumeiros, como, por exemplo, a terça-feira de Carnaval [29].
Com relação ao disposto no art. 6º, § 2º da Convenção, que dispõe que “Em condições a serem determinadas pela autoridade competente ou pelo órgão apropriado de cada país, os períodos de incapacidade para o trabalho resultantes de doenças ou de acidentes não poderão ser computados como parte do período mínimo de férias anuais previsto no parágrafo 3º, do Artigo 3º da presente Convenção”, aplica-se o mesmo raciocínio já delineado em relação aos feriados, no entanto, pertinente tecer algumas considerações especiais.
Tal dispositivo inova no direito brasileiro na medida em que assegura ao trabalhador que adoecer ou sofrer acidente, antes ou durante as férias, a exclusão de tais dias do cômputo das mesmas.
Nesse sentido, a regra estabelecida na Convenção tem por objetivo assegurar a possibilidade de repouso e de recreação da pessoa empregada, a qual, em estando de licença por doença ou acidentária, não estará em condições de usufruí-la. Conforme salienta Glauce de Oliveira Barros[30], “esta alteração veio atender o objetivo principal visado pelo legislador quando da concessão do direito às férias, qual seja, a oportunidade de o empregado higienizar a mente, restabelecer o sistema nervoso, enfim, recuperar-se biologicamente”.
Como conseqüência, a exemplo do que ocorre no caso dos feriados intercorrentes durante o período das férias, a expressão dias corridos contida no art. 130 da CLT, não pode ser mais considerada, ante a possibilidade de interrupção destas, em caso de acidente ou doença durante o período da sua fruição.
Em síntese, a aplicação do art. 6º, § 2º da Convenção n. 132 da OIT acarretará as seguintes conseqüências jurídicas, a saber: [a] caso o empregado adoeça ou sofra um acidente durante as suas férias, o período de licença médica será excluído do seu cômputo, devendo ser desconsiderado do período mínimo de férias anuais remuneradas; [b] caso seja acometido por doença ou sofrer um acidente antes do período de gozo das férias, apenas após a sua licença médica é que começará a ser contado o seu período de repouso anual remunerado.
A propósito, em relação às mencionadas hipóteses, entende-se que dever-se-ia adotar orientação semelhante à prevista no disposto na ON nº 1/1985 da Direção-Geral da Administração Pública do Governo Português que, ao interpretar o citado dispositivo da Convenção n. 132 da OIT, adotada por aquele país em 1982, estipulou que “a apresentação de atestado médico no decurso do período de férias interrompe o mesmo e transfere o gozo dos dias restantes para momento posterior”[31].
5. CONCLUSÃO
a) O período mínimo de duração das férias para todos os empregados, sem exceção, a partir da vigência da Convenção n. 132 da Organização Internacional do Trabalho, é de trinta dias.
b) O art. 130, bem como o art. 130-A da CLT afiguram-se totalmente compatíveis, na parte em que estipulam férias proporcionais ao tempo de serviço durante o ano-emprego, com a Convenção n. 132 da OIT, estando, portanto, ainda vigentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro.
c) Os dias feriados oficiais e costumeiros, bem como os períodos de incapacidade, ora por motivo de acidente, ora por motivo de doença, ocorridos no curso da fruição das férias, não serão computados período de duração das mesmas. Assim, com a nova regra da OIT, está, portanto, derrogada a escala do art. 130 da Consolidação que refere à dias corridos.
Por fim, é importante ressaltar que não há dúvidas sobre a importância cada vez mais envolvente, abrangente e decisiva do Direito Internacional do Trabalho, o qual, como se estudou, acaba se projetando no âmbito do Direito Interno dos Estados, destinando-se a complementar os direitos do trabalhador no que for mais benéfico, derrogando as normas com ele incompatíveis. No entanto, infelizmente, ainda se verifica que os operadores do direito continuam, de um modo geral, reticentes em encarar o Direito Internacional do Trabalho e as questões a ele relativas, e, mais especificamente, à aplicação da Convenção n. 132, chegando a intitula-lá como lei para inglês ver, ou lei que não implacou.
Todavia, tal postura deve ser alterada, pois, embora as Convenções da OIT sejam elaboradas no sentido de importar em obrigações aos Estados que as ratificam, os seus beneficiários finais são os indivíduos que estão sob a jurisdição do Estado. Nesse sentido, apenas com a efetiva aplicação das normas emanadas pela OIT no plano nacional, é que se alcançam os fins que justificam a sua existência, como a melhoria e a universalização dos direitos do trabalhador.
Informações Sobre o Autor
Roberto Padilha Guimarães
Especialista em Direito do Trabalho pela UNISINOS, Autor da obra, “VIGÊNCIA E APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO N. 132 DA OIT NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL”, publicada pela Memória Jurídica Editora; Advogado Trabalhista e Assessor Jurídico da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul.