I – Conceito de contrato internacional
Inicialmente, a palavra contractus significa unir, contrair. É, por assim dizer, um negocio jurídico em que se celebra o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, nos limites da função social do contrato e nos princípios de boa-fé e probidade, destinados a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, até chegarem ao momento culminante, que é a conclusão do mesmo.
O contrato internacional, objeto inebriante do nosso tema, é um acordo de vontades que visa a colimar um objetivo das partes. Na verdade, tal contrato é a conseqüência do intercambio entre Estados e pessoas, no sentido amplo, cujas características são diversificadas dos mecanismos conhecidos e, usualmente, utilizados pelos comerciantes.
O presente estudo dará, portanto, prioridade à questão da lei aplicável aos contratos internacionais, categoria em que se encontram os contratos internacionais do comércio. De tal arte, a natureza de um contrato como internacional ou não é feita a partir de uma perspectiva interna, cada país adotará seus critérios de interpretação. Sendo assim, um contrato pode ser considerado internacional em um país, e interno em outro.
Neste passo, para que um contrato esteja potencialmente sujeito a dois ou mais ordenamentos jurídicos, há que se identificarem os elementos de estraneidade e sua relevância jurídica. Para o direito brasileiro, um exemplo relevante de estraneidade é o domicílio das partes contratantes. Ad exemplum, um contrato de locação será internacional se celebrado entre uma pessoa domiciliada no Canadá e outra aqui no Brasil, mesmo que ambas sejam brasileiras e que o objeto do contrato se encontre em solo nacional.
Ortodoxamente, o elemento de estraneidade é selecionado pela autoridade judiciária para apontar o ordenamento jurídico a ser aplicado no caso concreto que funciona, verdadeiramente, como uma seta sugestiva do direito aplicável. Sua importância é imensa, devido à proliferação dos contratos internacionais do comércio, que por sua natureza, não restringem seus vínculos a um único e exclusivo sistema legal.
Tal elemento tem função indicativa, isto é, mostrar que o direito intervém com função subordinante, apontado pela expressão variável, que é utilizável de acordo com as circunstâncias que fixam o elemento vinculativo, podendo ser a nacionalidade, a residência, o domicílio, o lugar da situação dos imóveis, do local da obrigação dos contratos (STRENGER, 1973, p. 24).
A diferença fundamental entre os contratos nacionais, regidos pelo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406 de 2002, nos art. 421 e seguintes, é que no contrato internacional as cláusulas concernentes à conclusão, capacidade das partes e o objeto se relacionam a mais de um sistema jurídico vigente. Ambos os direitos, internacional e nacional, tem campos de atuação distintos, sendo, no entanto, difícil, às vezes, demarcar quando começa um e quando o outro termina.
Portanto, frisa-se que, quando os elementos constitutivos do contrato, como as partes, objeto, local, se originam e se realizam dentro dos limites geográficos e político de um único país, está-se diante do âmbito interno das obrigações. Inversamente, quando as partes contratantes tenham nacionalidades diversas ou domicílio em países diferentes, quando o objeto do contrato seja entregue ou prestado de forma extraterritorial, ou quando os lugares de celebração e execução das obrigações contraídas também não coincidem, estaremos diante dos contratos internacionais empresariais (STRENGER, 2003, p. 33).
Seguindo a finalidade primordial do Direito Internacional Privado, que é a de indicar o direito aplicável às diversas situações jurídicas conectadas a mais de um sistema legal, serão analisados neste estudo os elementos de estraneidade, que auxiliam a autoridade judicial na escolha da norma mais benéfica a ser aplicada.
II – A escolha do foro competente
Assim, sendo o contrato de cunho internacional, a ação seguirá ao procedimento de um determinado foro, onde atua um juiz, que confere em nome do Estado e mediante provocação da parte legítima e interessada, uma determinada prestação jurisdicional justa e digna, fundamentada nos princípios que norteiam do Direito Internacional.
Sobre o tema, salta aos olhos a conceituação de Castro (1956, p. 175) sendo o foro “o lugar onde se encontram as manifestações de vontade que determina o direito mais próprio para colocar as partes em situação de manifestar livremente seu consentimento e fornecer boas regras de exegese dessa manifestação.”
O magistrado, em contato com a ação, é obrigado aplicar a lei nacional, ou seja, a lei do país onde desempenha sua função jurisdicional. Esse princípio da compulsoriedade de aplicação da norma jurídica nacional é universal.
Dúvidas nenhuma surgirão quando um contrato trouxer o foro escolhido pelas partes, pois elas podem eleger o foro onde tramitará a ação judicial oriunda do contrato que celebraram, sendo esta uma das formas de manifestação da autonomia da vontade. Normalmente, essa escolha é inserida no texto original do contrato.
Entretanto, há hipóteses que operacionalizam entraves quando o contrato não indicar o local onde a eventual ação judicial deve ser proposta.
De tal arte, existem três possibilidades de contemplação de foro no contrato a ser definida pelas partes, como a escolha do foro do país onde se localiza o vendedor ou prestador de serviços; escolha do foro do país onde se localiza o comprador ou tomador de serviços; escolha de um terceiro país, inconfundível com o foro dos países das partes envolvidas.
Muitas vezes, por questões práticas, os contratantes elegem como foro o país de um deles. No entanto, no plano fático, essa opção acabou gerando problemas relativos à confiabilidade e, principalmente, imparcialidade das decisões judiciais.
Ad argumentandum tantum, em nosso direito interno, os artigos 88 e 89 do Diploma Processual Civil, dispõem sobre a competência da autoridade brasileira sobre questões internacionais, pois não é em todos os casos que as autoridades brasileiras estão hábeis a praticar o direito nacional.
Existem hipóteses em que a escolha do foro estrangeiro será ineficaz, ainda que resulte de expressa manifestação da vontade das partes, pois o art. 89, do respectivo diploma processual, contempla as hipóteses da competência absoluta da autoridade brasileira.
Esses dispositivos do Código de Processo Civil não cuidam da lei aplicável, mas sim da competência jurisdicional (concorrente ou exclusiva) do juiz brasileiro na apreciação de causas conectadas com mais de um Estado. No direito interno, a ordem pública é o conjunto de princípios, tidos como fundamentais e integrantes do sistema jurídico que não podem ser derrogados.
III – A escolha da lei aplicável às obrigações contratuais
Quanto à lei que irá guiar as obrigações contratuais assumidas pelas partes, há duas considerações iniciais: a primeira, quando as partes omitem a respeito da lei que regerá o contrato; a segunda, quando as partes contratantes usam do princípio da autonomia da vontade, escolhendo voluntariamente a lei aplicável, a fim de possibilitar que o contrato esteja ligado a uma ordem jurídica que lhes seja mais favorável. Reafirma-se que a lei escolhida nunca poderá ser contrária à ordem pública.
Nos contratos internacionais do comércio, a falta no contrato a respeito da lei aplicável às obrigações contraídas pelas partes impõe a necessidade de o juiz solucioná-las de acordo com a lex fori, ou seja, aplicar a lei do foro onde exerce a judicatura. O magistrado somente elegerá uma lei estrangeira se o critério fixado pela norma de Direito Internacional Privado de seu país indicar o direito estrangeiro como competente, obedecendo ao direito positivo vigente.
Em nosso país, a norma jurídica a ser aplicada pelo Poder Judiciário concernente aos contratos internacionais é a que se encontra disposta no art. 9º do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, LICC.
Esse decreto, elaborado na era Vargas, é o principal corpo de normas do Direito Internacional Privado do ordenamento pátrio, embora não se possa negar a existência de alguns dispositivos, convenções e artigos no próprio Código de Processo Civil. Assim, a LICC fixa os critérios adotados pelo país em virtude de sua política legislativa, a respeito de casos que apresentam alguma relação com ordenamentos de mais de um país.
O fato inconteste é que a LICC em seus artigos rege, em regra, quase toda a matéria de Direito Internacional Privado do Brasil. O critério de seleção da lei aplicável aos contratos advém deste decreto, que é basicamente o da residência do proponente (lex domicilli) e do local onde foi constituída a obrigação (lex loci contractus).
Para solucionarmos as questões concernentes a tal assunto, precisamos distinguir o que é um contrato entre presentes e entre ausentes. O primeiro, é aquele celebrado entre partes contratantes que estejam em presença de outra, em termos ingleses a expressão usual é face to face. Por conseguinte, difere-se, radicalmente, do contrato celebrado à distância, chamado de contrato entre ausentes.
Para administrar os contratos ente partes presentes, (art. 9º, caput, LICC) é conhecida a expressão lex loci celebrationis, ou seja, para indicar a lei que irá nortear uma relação jurídica internacional, observar-se-á a lei do lugar da celebração do contrato como a competente para reger suas obrigações.
Já entre ausentes, inter absentes, como nem sempre as partes têm a disponibilidade de locomoção para se efetuar um contrato ou acordo entre países longínquos, sabiamente o legislador, no parágrafo 2º do artigo 9º, do referido Decreto, permitiu tal transação, no qual será regido pela lei do país onde residir o proponente, pouco importando o momento e o local da celebração contratual (DINIZ, 1997, p. 265).
Indo ao encontro desse mesmo raciocínio, Batalha (1961, p. 181) relata que “os contratos inter absentes são muito freqüentes na vida jurídica moderna e que o elemento determinante do lugar da celebração dos contratos varia segundo as legislações dos países envolvidos”.
Como analisado, o art. 9º, parágrafo 2º, alude à obrigação convencional contratada entre ausentes, que se regerá pela lei do país onde residir o proponente, pouco importando o momento e o local da celebração contratual.
Logo, resta demonstrado que o art. 9º, caput, da LICC, sistematiza que a obrigação deve ser aplicada sobre o local onde a obrigação foi constituída, ou, se entre ausentes, seguir o disposto no parágrafo 2º do mesmo artigo em questão.
Outro ponto importante, é que o ordenamento pátrio não consagrou o princípio da autonomia da vontade para a escolha da lei aplicável como elemento de conexão para reger contratos na seara do direito internacional privado. O art. 9º da LICC é norma cogente, não podendo as partes alterá-lo (DINIZ, 1997, p. 259).
De outra banda, há consagrados autores, como Haroldo Valadão, Nadia de Araújo, Maria Helena Diniz, Amílcar de Castro que não excluem a possibilidade de se aplicar o princípio da autonomia da vontade, desde que ela seja admitida pela lei do país onde a obrigação se constituiu, não contrariando a norma imperativa nacional e os princípios gerais do Direito Internacional.
Sobre o perceptivo em causa, há pouco mais de 10 (dez) anos atrás, exatamente no ano de 1994, foi apresentado um projeto de lei de autoria do professor João Grandino Rodas alterando a LICC com o respeitável propósito de modernizar nossa legislação para, enfim, se adotar o princípio da autonomia da vontade na escolha da lei de regência dos contratos. Aparentemente foi arquivado tal projeto, sem que seu mérito tenha siso apreciado, infelizmente.
Assim, segundo a letra da lei, será inaceitável a autonomia da vontade para indicar a lei aplicável, entretanto, é perfeitamente possível tal autonomia na escolha do local para regulamentação dos interesses das partes contratantes ou do foro, como exposto anteriormente.
Em busca de uma solução para tantas incertezas sobre a disciplina em estudo, resultado das diferenças de leis entre países, vários métodos, ao longo da história, foram utilizados para atingir o objeto da uniformização e harmonização de regras.
Os primeiros estudos visando uma harmonização de normas sobre a matéria foram desenvolvidas na década de 30 (trinta) pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), uma organização internacional intergovernamental constituída em 1926, com sede em Roma, da qual o Brasil é membro.
Após um período de pouca produção normativa, em virtude da 2ª Guerra Mundial, duas convenções internacionais foram adotadas, no ano de 1964, ao término da conferência de Haia. Contudo, tais convenções não foram bem recebidas pelos comerciantes de países longínquos, pois refletiam somente os interesses da Europa continental ocidental e não a realidade jurídica intercontinental. Neste contexto, foi criada a Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), no ano de 1968, com a finalidade de alterar as convenções para melhor atender as necessidades dos Estados de diferentes sistemas jurídicos, sociais e econômicos.
Em abril de 1980 ocorreu a Convenção de Viena, que entrou em vigor no país, somente, em 1988. A maior receptividade dessa convenção é evidenciada pelo fato de que não apenas os 11 (onze) Estados para os quais ela entrou em vigor nessa data a recepcionaram, mas também dezenas de Estados que nessas últimas três décadas a ratificaram apresentam grande diversidade geográfica, econômica, social e jurídica (AMARAL, 2004, p. 233).
Apesar de todo o esforço, ainda há muito a ser feito para se alcançar uma zona tranqüila em matéria contratual internacional, pois, atualmente, não existe uma norma singular e confiável a ser seguida a nível mundial.
Por derradeiro, o objetivo da harmonização é suprimir e atenuar as diferenças entre as disposições de direito interno, e isso deve ser feito pela adoção de novas normas jurídicas, que promovam a redução ou a eliminação da disparidade que paira sobre o ordenamento dos contratos internacionais do comércio.
IV – Considerações finais
Diante do estudo supra, notamos que o contrato internacional do comércio não é um contrato tão simples como um contrato interno, privado, já que os aspectos jurídicos que aquele aborda são bem mais complexos.
Insta lembrar que estamos diante de uma era em que os contratos tradicionais estão sendo rapidamente aperfeiçoados em virtude da necessidade de um comercio cada vez maior, eficaz e, acima de tudo, confiável. A confiabilidade nas negociações de cunho internacional está diretamente relacionada ao próprio desenvolvimento do país, pois é através desses contratos, na maioria das vezes, de valores monetários inebriantes, que impulsionam o desenvolvimento econômico, principalmente, nos paises em desenvolvimento. Os contratos internacionais, que antes eram exceções, hoje são regras.
Assim, devido essa expansão negocial além das fronteiras, é cada vez mais notória a necessidade de efetuarem-se substanciais modificações no art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, para, afinal, adotar-se a autonomia da vontade como princípio determinador da lei aplicável às obrigações internacionais.
Em suma, indubitavelmente, está-se diante de umas das mais conturbadas e obscuras matérias dentro do direito. Contudo, a inércia legislativa sobre a matéria acarretará a diminuição do fluxo das negociações estrangeiras, pois a confiança e o prestígio jurídico poderão ser consideravelmente abalados, refletindo, obviamente, na economia estatal, pois o direito internacional está diretamente ligado às práticas mercantis muito além das fronteiras nacionais. Necessitamos, sim, de normas vigentes que realmente enfrentem a realidade jurídica atual, pois países de alto potencial importador não se sujeitarão mais a leis, normas da era Vargas.
Informações Sobre o Autor
Wagner Osti Pedro
Advogado formado pela Universidade Estadual de Maringa