Esta, ainda que pareça ser uma afirmativa chocante, é absolutamente verdadeira: o amor não tem sexo, não tem idade, não tem cor, não tem fronteiras, não tem limites. O amor não tem nada disso, mas é tudo, pois, como diz a música: é impossível ser feliz sozinho, sem ter alguém para amar.
O amor começou a adquirir visibilidade perante o Direito e acabou ingressando no ordenamento jurídico, quando a evolução dos costumes e a quebra dos tabus tornou impossível ao Judiciário deixar de ver o afeto e emprestar-lhe juridicidade. A princípio, as relações extramatrimoniais eram tidas como vínculos empregatícios: confundia-se amor com labor. Depois, foram identificadas como sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto.
A Constituição Federal veio alargar o conceito de família, abrangendo a união estável e a convivência dos pais com seus filhos. Embora vanguardista, esse conceito logo se revelou acanhado. Só logrou reconhecer como entidade familiar vínculos entre homem e mulher. Mas os métodos contraceptivos e os movimentos feministas concederam à mulher o livre exercício da sexualidade e, no atual estágio da evolução da engenharia genética, em que a reprodução não mais depende da ocorrência de contato sexual, é imperioso que se busque um novo conceito de família.
Basta a presença de um vínculo afetivo com o enlaçamento das vidas para se reconhecer a existência de uma família, inserindo-a no âmbito do Direito de Família, com encargos e obrigações, mas também com direitos e prerrogativas, pois, como já afirmava Saint Exupéry: você é responsável pelas coisas que cativas.
Essa nova concepção vem se impondo, mas ainda é alvo de acirrada polêmica, quando se fala na possibilidade de homossexuais adotarem crianças. A resistência mostra a inaceitação de tais vínculos em nome da preservação do menor, temendo que lhe sobrevenham comprometimentos de ordem psicológica. Mas daí resultam verdadeiros infanticídios.
Há uma realidade, porém, da qual não se pode fugir: crianças vivem com parceiros do mesmo sexo, ou por serem filhos de um deles, ou por serem concebidas de forma assistida. Existindo a convivência, negar adoção é vedar o surgimento de vínculo jurídico entre o adotado e os adotantes. O que, ao invés de benefícios, só acarreta prejuízos. Mesmo que a criança tenha dois pais ou duas mães, a proibição de reconhecer juridicamente a situação impede-lhe desfrutar de direitos sucessórios e benefícios previdenciários, não havendo como garantir o direito a alimentos e a visitas.
Por isso, deve-se pensar muito mais no interesse dos menores do que nos preconceitos da sociedade. Mister ver o amor sem estigmas e sem medos. Os filhos, gerados ou adotados de forma responsável, como fruto do afeto, merecem a proteção legal, mesmo quando vivam no seio de uma família homoafetiva.
Informações Sobre o Autor
Maria Berenice Dias
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM