Introdução
O princípio da soberania, considerado por DUGUIT como sendo indemonstrado e indemonstrável, ganha, na atualidade, enorme importância, visto que, para alguns estudiosos, o fenômeno da globalização tê-lo-ia colocado no museu da história, sepultando-o definitivamente. .Aliás, em torno do tema globalização espocam contendas teóricas, em relação até mesmo ao seu conteúdo semântico, que revelam toda a importância e urgência do estudo dessa temática.
À luz da globalização o princípio da soberania merece ser revisitado, pois, muito ao contrário daqueles que advogam a sua extinção, ele constitui parâmetro para análise da constituição, em suma, um princípio paradigmático de interpretação constitucional.
1. O significado da globalização
O termo globalização refere-se à idéia de integração dos países da terra, em escala mundial, com tessituras políticas, econômicas, sociais e culturais, a tal ponto levadas a termo, que acabam por criar injunções superiores às dos estados nacionais. A idéia de estado nacional fundada no início da Idade Moderna no princípio da soberania não mais persistiria. Ademais, alguns entusiastas chegam a afirmar que o estado nacional teria sido extinto perante o fenômeno da globalização.
O neologismo globalização, lavrado nos últimos tempos, teve por referencial, provavelmente, a tese defendida pelo professor canadense MCLUHAN1 da formação de uma aldeia global. Contudo, o conteúdo desvelado pela idéia de globalização, ou seja, a afirmação de uma sociedade internacional e a conjugação de interesses e direitos mundiais, não é algo novo. A Revolução Comercial, com as grandes viagens marítimas dos séculos XV e XVI, por meio do qual as nações da Europa estabeleceram contato com as civilizações dispersas pelos demais continentes, pode ser considerado como um acontecimento em que se manifesta, com contundência, o fenômeno da globalização. A esse respeito, HUBERMAN2 menciona:
“Modificou-se, então, a direção das correntes de comércio. Se anteriormente a posição geográfica de Veneza e das cidades do Sul da Alemanha lhes proporcionava vantagens sobre os demais países situados mais a oeste, agora eram esses países da costa atlântica que contavam com vantagens. Veneza e as cidades que a ela se ligavam comercialmente passam, então, a ficar de fora da principal via de comércio. O que antes constituía estrada principal, agora, não é senão um atalho. O Atlântico tornou-se a nova rota mais importante, e Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França ascenderam à eminência comercial. Por boas razões é este período da História chamado ‘Revolução Comercial’. O comércio que, como já vimos, crescia paulatinamente, passou a dar passos gigantescos. Não só o velho mundo da Europa e regiões da Ásia se abriram aos comerciantes empreendedores, mas também os novos mundos da América e África”.
Não se pense que apenas os interesses econômicos, a partir dessa época, passaram a ser, com maior ímpeto, tratados em escala planetária. O professor FERREIRA3 observa:
“Por meio de seus navegadores, as nações da Europa estabeleceram contato com as civilizações dispersas pelos demais continentes. Como resultado das grandes navegações, os europeus atingiram regiões de cuja existência não suspeitavam e conheceram populações que ignoravam e que tinham culturas diferentes da sua. Em conseqüência das grandes viagens marítimas, o mundo inteiro, praticamente, passou por modificações profundas. As instituições sociais, políticas, econômicas e culturais européias foram, a partir delas, impostas a grande parte da humanidade”.
Embora, o retrospecto histórico evidencie aspectos de globalização a vários séculos atrás, no esforço de compreender a matéria e contribuir para a sua tematização, é necessário, também, reconhecer algumas características novas manifestadas, na atualidade. Isso, autoriza-nos, inclusive, a dizer que é extremamente conveniente verificar as condições de possibilidade da elaboração de um estatuto da globalização, abordando seus preceitos fundamentais.
A globalização, na atualidade, tem, pelo menos, duas peculiaridades nos seus efeitos. A manifestação de interesses paranacionais, e seu impacto, na relação entre os estados, dão-se de forma muito mais ágil e intensa. Nesse sentido, a crise da economia mexicana4 é exemplo muito ilustrativo.
O elemento econômico é o que se manifesta de forma mais efetiva no processo de globalização. Uma posição acadêmica possível é simplesmente rejeitar o conceito, circunscrevendo a globalização a mera estratégia do capitalismo mundial, o que é por demais simplista, e o que é pior, evita-se enfrentar de frente as tematizações propostas em torno dessa questão. Outra possibilidade, um pouco mais sofisticada, mas com a mesma fundamentação econômica, seria abordá-la como doutrina e ideologia estritas do neo-liberalismo. ARAUJO considera a globalização como sendo “a palavra de ordem da moda e o neo-liberalismo o seu fundamento doutrinário”,5 o que não deixa de ser real, pois, em geral, o termo foi incorporado ao novo discurso do liberalismo de final de milênio. Ainda assim, duas verdades pontuais devem ser acrescidas. A primeira é a de que o fenômeno da globalização, embora se dê, atualmente sob a hegemonia do sistema capitalista mundial, constitui-se em condição de possibilidade de sistemas econômicos de tendências socializantes ( o que, diga-se de passagem, atualmente ocorre), bem como, de outros sistemas econômicos que venham a existir. A segunda é a de que o temário da globalização, aborda, também na atualidade, muitas outras questões da comunidade mundial além das econômicas. Nessa linha, CASSESE ao discorrer sobre os direitos humanos na contemporaneidade, afirma que os preceitos internacionais sobre os direitos humanos impõem aos governos linhas de conduta.6
2. As “tensões” entre o Direito nacional e o Direito internacional
O reconhecimento de pressupostos fáticos e teóricos que corroboram o fenômeno da globalização não possibilita, por outro lado, negar a existência dos estados nacionais. Muito ao contrário, a organização política dos estados modernos é até favorecida pela existência de um sistema mundial de direitos, pois contribui para a sua legitimidade e estabilidade. Não se tenha a pretensão de estabelecer uma taxionomia rígida, com tipos-ideais de um sistema global, porque este é contigencialmente dinâmico, extremamente histórico.7
Desde já, sem conferir validade a argumentos que qualifiquem o estado nacional e a globalização como paradoxos epistemológicos, ou antípodas necessários, em face dos argumentos acima expostos, a avaliação privilegiada é no sentido de contemplar as duas dimensões como indispensáveis e complementares da realidade do Estado contemporâneo. As dimensões interna e externa da soberania são ressaltadas por BARACHO,8 e, embora, em determinadas circunstâncias se manifeste uma certa tensão entre as duas, ambas são fatores equiprimordiais da organização moderna.
A produção de um texto convencional, p. ex., fundada na competência negocial, haurida da negociação e do consentimento, ratificada dentro dos pressupostos constitucionais dos países envolvidos, etc., transforma-se em Direito interno, vinculando os países pactuantes, mas lhes sendo reservado o direito de denúncia. Contudo, a esse propósito afirma REZEK:
“Tratados existem que, por sua própria natureza, são imunes à denúncia unilateral. Tal é, seguramente, o caso dos tratados de vigência estática. Não se compreende que a vontade singular de uma das partes possa fazer reverter certo pacto de cessão territorial onerosa, ou de definição da fronteira comum(…) Há, porém, quem repute igualmente imunes a denúncia, por sua própria natureza, os tratados “normativos” de elevado valor moral e social, quais as Convenções de Genebra sobre o direito humanitário aplicável aos conflitos armados, ou o Pacto Briand-Kellog de renúncia a guerra como instrumento de política nacional”.9
Na prática, entretanto, como reconhece REZEK, semelhantes ajustes coletivos constituem raro objeto de denúncia, não por estarem convencidas as partes de serem imunes à rejeição parcial, mas pelo “receio do desgaste político que aquele gesto, em todo caso importaria”.
A constituição brasileira de 1988, no seu art. 4., elenca diversos princípios que regem suas relações internacionais. É um interessante e atual exemplo de constitucionalização de normas de Direito internacional.
Pressupondo-a como norma fundamental, a constituição é, segundo KELSEN, “o nível mais alto dentro do Direito nacional.”10 KELSEN defende, no entanto, que a ordem jurídica é válida na medida em que é eficaz, e reputa como pertencendo ao Direito internacional o princípio da eficácia:
“O princípio de que uma ordem jurídica deve ser eficaz para ser válida e, em si, uma norma positiva. É o princípio de eficácia pertencente ao Direito internacional. Segundo este princípio do Direito internacional, uma autoridade efetivamente estabelecida é o governo legítimo, a ordem coercitiva decretada por esse governo é a ordem jurídica, e a comunidade constituída por essa ordem é um Estado no sentido do Direito internacional, na medida em que essa ordem é, como um todo, eficaz. A partir da perspectiva do Direito internacional, a constituição de um Estado é válida apenas se a ordem jurídica estabelecida com base nessa constituição for, como um todo, eficaz. É este princípio geral de eficácia, uma norma positiva do Direito internacional, que, aplicado às circunstâncias concretas de uma ordem jurídica nacional individual, estabelece a norma fundamental individual. Desse modo, as normas fundamentais das diversas ordens jurídicas nacionais são, elas próprias, baseadas em uma norma geral da ordem jurídica internacional.”11
As bases da discussão estabelecida por KELSEN são extremamente atuais, porém, favorecem muito mais a perspectiva daqueles que só vislumbram o elemento totalizante e externo da globalização, sem se deterem nos elementos internos à sua realização, ou seja, os estados, bem como a sua estreita conexão com a soberania constituída nesses mesmos estados.
Perceber a dimensão externa da eficácia está correto, pois a relação entre os estados tem gerado valores culturais comuns ou hegemônicas – a idéia de democracia, a idéia de justiça social e bem comum, as formas e os sistemas de governo, a declaração de direitos e garantias fundamentais, etc. Mas perceber a dimensão interna da eficácia e da validade também está correto, pois é na prática e vida quotidianas das nações o cenário privilegiado onde se dão o livre intercurso subjetivo e a interação das forças sociais, que promovem tanto os valores universais como também preservam os valores locais – a esse propósito REALE considera o Estado uma garantia para a “preservação dos valores, de qualquer natureza, essenciais ao bem real da comunidade nacional.”12
DREIER menciona como condições necessárias da validade jurídica de um sistema jurídico que, “em primeiro lugar, ele seja em sua maior parte eficaz e, em segundo, eticamente justificado também em sua maior parte”.13 Assim, os atores sociais para alcançarem o entendimento confiam em um entendimento conjuntamente negociado da situação e interpretam fatos relevante à luz das pretensões de validade mutuamente reconhecidas. Daí, a necessidade de abordagem integrada dessas duas dimensões do Estado, pois, se um pretenso consenso universal nos permitiria elencar aqueles valores que devem ser globalizados, o consenso interno é que poderá constituir aqueles valores locais que também devem ser preservados, e, eleger, inclusive a pauta de pretensões mínimas que a comunidade nacional pretende postular, também, naquele cenário globalizado.
3. A soberania na constituição brasileira
A constituição brasileira declara, no seu art. 1., que o Brasil tem como um de seu s fundamentos a soberania, e consagra, no seu parágrafo único, a soberania constituinte ao prescrever que todo o poder pertence ao povo. O art. 14 reforça essa idéia ao estabelecer os mecanismos de expressão da soberania popular.
Conhecer o ordenamento jurídico-constitucional e os institutos e instituições que contempla, consoante afirmou VERDU em introdução ao trabalho do jurista Vergottini, nos permite identificar, analisar e extrair as suas pertinentes consequências.14 Ainda, segundo VERDU, conforme avança uma civilização jurídica o direito nascido diretamente das relações sociais se vai modulando e estimulado pelo que surge da especulação jurídica a própria juridicidade nascida das entranhas sociais enriquece-se com a reelaboração e ampliação da dogmática jurídica.
É justamente a dimensão axiológica e fática contida no princípio da soberania que lhe permite ser o principal estímulo aquilo que ROLLA considera o aspecto dinâmico da constituição, ou seja, o poder que garante a reformulação das instituições. A efetivação da idéia de soberania pode vir a garantir a realização de programa emancipador, e para o qual, observa VERDU, se exige uma transformação das estruturas sócio-econômicas.15 Isso, poderia permitir que a constituição, em seu sentido material, viesse a cumprir uma função ativa e plena de significado.
A soberania constitui um princípio recorrente em qualquer análise e interpretação de nossa constituição, pois, sobre ele se erige o Estado democrático. Todavia, não é um princípio unisubsistente. É necessário, através de um método sistemático, integrá-lo aos demais princípios.
De acordo com o preâmbulo da CFB, a sociedade brasileira assume compromissos na ordem interna e internacional, e logo depois, o art. 4.,I, estabelece a independência nacional como princípio que orienta o país nas suas relações internacionais.
Na perspectiva de integração do âmbito interno e externo da soberania podemos interpretar a Emenda Constitucional n. 7 de 15/8/95 que, alterou a redação do art. 178 da constituição, e, estabeleceu quanto à ordenação do transporte internacional a observância dos acordos firmados pela União, desde que atendido o princípio da reciprocidade. No parágrafo único do mesmo artigo, temos corroborado, a idéia de coexistência geo-econômica pacífica, pois fica reservado à lei o estabelecimento das condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.
A Emenda Constitucional n. 6, de 15/8/95, que alterou a redação do art. 170, IX, estabelece tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, visando, com certeza, a implementar o princípio da soberania nacional estatuído no art. 170, I, evidente medida protetora de nossa economia, e que não se constitua em mero comando arbitrário e incontrastável.
A esse propósito é interessante observar que alguns estudiosos, entre eles DUGUIT, identificam o conceito de soberania com poder supremo, e depois o refutam devido a existência de flagrantes limites ao seu exercício. CHEVALLIER, observa que Bodin, pensador que formulou o conceito de soberania no século XVI, considera a soberania a força de coesão, de união da comunidade política, sem a qual esta se desfaria. “Ela cristaliza o intercâmbio de ‘comando e obediência’, imposto pela natureza das coisas a todo grupo social que quer viver. É o ‘poder absoluto e perpétuo de uma República’. Como constata CHEVALLIER, a autoridade preferida por Bodin não é tirânica, pois, mantém a primazia das leis da natureza, reflexo da razão divina. ‘Mas, quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da terra lhes estão sujeitos, e não está em seu poder transgredi-las, se não quiserem tornar-se culpados de lesa-majestade divina’.16
Portanto, não se deve estranhar a intervenção de velhos e novos limites ao exercício da soberania, tanto na ordem interna, como forma de preservação dos direitos fundamentais e dos direitos das associações menores, quanto na ordem internacional, como maneira de preservação da soberania dos demais estados.
4. Análise do princípio e hierarquia de valores
São três, afirma BURDEAU, os principais fatores que condicionam a necessidade de interpretação. O primeiro é a indeterminarão dos textos, ou seja, a possibilidade de portar vários sentidos. O segundo fator é a própria natureza da significação do texto. O terceiro fator orienta-se pela evolução das concepções políticas e sociais.17
O procedimento analítico aplicado à constituição, no sentido de investigar os valores que a informam, conduz-nos, necessária e preliminarmente, à indagação do valor do princípio da soberania.
A rubrica que nomeia o Título I da Constituição do Brasil,18 “Dos Princípios Fundamentais”, com sabor quase pleonástico, elenca os princípios considerados indispensáveis à nossa República. Segundo ABBAGNANO, fundamento é o que dá razão a uma preferência, a uma eleição, da realização de uma alternativa ao revés de outra. Se diz fundamento toda vez que a preferência ou eleição esteja justificada ou a realização da alternativa seja explicada. De maneira similar, “um princípio ‘fundamental’ é um princípio que estabelece a condição primeira e mais geral para que algo possa existir”. Assim, é o mesmo ABBAGNANO que diz, o uso moderno da palavra fundamento tem um significado não diferente de condição. Nesse sentido, a soberania é um dos princípios fundamentais, é o primeiro princípio, ou melhor, é a condição (sem a qual não se realiza) da República do Brasil.
Em considerações sobre a igual hierarquia das normas da Constituição e a distinta hierarquia dos bens e valores jurídicos, em estudo comparativo das constituições espanhola e argentina, BIDART CAMPOS constata:
“Para nosotros, lo que cabe admitir y proponer respecto de la Constitución argentina se puede resumir de la siguiente manera: a)todas las normas de la Constitución suprema son, en cuanto normas, iguales en jerarquia; pero: b) cuando hay que interpretar la Constitución en torno de dos o más normas que se deben aplicar para resolver un conflicto sobre derechos o intereses aparentemente contrapuestos, hay que dar prioridad al valor o al bien de mayor jerarquia por sobre el inferior que también está comprometido en el conflicto; por lo que: c) la igualdad de todos las normas constitucionales impide declarar la inconstitucionalidad de cualesquiera de ellas, pero en la interpretación armonizante y compatibilizadora de todas ellas hay que preferir el valor o el bien (también cabría decir el principio) de rango superior”.19
Ai, justamente no sentido de estabelecer uma interpretação harmonizante e compatibilizadora das normas constitucionais, o intérprete deve detectar aquele que seria o valor ou bem de grau superior.
Nessa escala, o princípio de maior valor é o da soberania. Obviamente, existem outros princípios essenciais. A Constituição brasileira enumera, ainda, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político. Contudo, na própria ordenação, estabelecida constitucionalmente, a soberania ocupa o topo da hierarquia dos princípios. O plus de valoração recebido pelo princípio da soberania na nossa ordem justifica-se em função de constituir o pilar de nossa organização, substrato da legitimidade, que confere validade e efetividade aos direitos e garantias do cidadão.
Conclusão
A preocupação central do trabalho foi aportar em alguns elementos teóricos que desautorizam completamente, em face da globalização crescente, falar-se em morte dos estados, ou fim da soberania. Por outro lado, assumir a perspectiva simplista de querer negar o fenômeno da globalização parece-nos excessivamente temerário, pois abandonamos um cenário de embate que envolve a construção possível da globalização que melhor nos favoreça, e que não venha tão só a ser o apanágio de um novo sistema de trocas desiguais. Aliás, isso até nos exige estudar quais seriam as cláusulas do estatuto da globalização, que não nos permite mais conviver, v.g., com o princípio da igualdade formal dos estados. É hora de se discutir entre nós, povos que buscam o desenvolvimento, a exemplo do que é praticado pela Comunidade Européia, quais os mecanismos possíveis para se efetivar a igualdade real entre os estados. A erradicação da miséria absoluta do mundo é um bom começo.
Quanto à soberania,20 diante de um quadro universal em que diversos povos recém emancipados exultam com a afirmação de seus estados nacionais, não se evidencia, ou pelo menos é muito cedo para isso, a sua extinção. A sua dinâmica, sim, de cooperação com as demais soberanias tem sido cada vez mais aperfeiçoada, mas sem demolir a idéia central de independência nacional. O texto da constituição brasileira de 1988, e as recentes emendas, bem como, as jovens constituições da Colômbia, África do Sul e países recém emancipados reforçam a idéia do princípio da soberania como fundamento do Estado democrático. A efetivação desse princípio permite-nos estudar as formas e processos de participação, e constitucionalizá-los, o que é “uma tarefa específica de uma teoria constitucional”, pois a teoria democrática “tem também uma peculiar responsabilidade para a sociedade aberta dos intérpretes da constituição.21
Notas:
1. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutemberg. São Paulo: Nacional, 1972. Segundo MACLUHAN, no século XX, os meios de comunicação audiovisual, suprimiram o exclusivismo da imprensa como veículo de comunicação de massa, gerando um fenômeno inteiramente novo, a retribalização universal, com a criação de uma aldeia global.
2. HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 95-7.
3. FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil. São Paulo: Ática, 1985. p. 10.
4. Em dezembro de 1994, chega ao ápice a fuga do país dos investimentos de curto prazo, tanto de mexicanos como de estrangeiros, que já vinham ocorrendo ao longo do ano. Os motivos são os riscos de um confronto armado, a instabilidade política mexicana e um aumento de juros em novembro no Banco Central dos EUA. Com um déficit na balança comercial de 27 bilhões de dólares e uma queda livre nas reservas em moeda forte, o governo é obrigado em 20 de dezembro a desvalorizar o câmbio e anuncia congelamentos de salários, redução dos gastos públicos e aumento de 10% nas tarifas públicas. Em nove dias, 8 bilhões de dólares deixam o país. O peso mexicano, já fora de controle do governo, cai 40%. Numa reação em cadeia, chamada de “efeito tequila”, caem em todo mundo os preços das ações dos chamados “países emergentes”. São atingidos em especial a Argentina e o Brasil – onde a crise cambial mexicana provoca, só entre 29 de dezembro de 1994 e 2 de janeiro de 1995, fuga de 800 milhões de dólares. A fim de se evitar uma crise mundial de liquidez, o México recebe empréstimos do FMI e de bancos centrais de outros países.
5. ARAÚJO, Aluízio Gonzaga de Andrade. O Brasil e o mundo globalizado. “O Sino do Samuel” – Jornal da Faculdade de Direito da UFMG, ano III, n.23, maio de 1997, p. 8-9.
6. CASSESE, Antonio. Los derechos humanos en el mundo contemporáneo. Trad. de Atilio Pentimalli Melacrino y Blanca Ribera de Madriaga. Barcelona: Ariel, 1991. ”Ahora disponemos de parámetros de acción para los Estados y para los individuos: los preceptos internacionales acerca de los derechos humanos imponen unas líneas de conducta, exigen a los gobiernos que obren de cierta forma y al mismo tiempo legitiman a los individuos para que eleven bien alto su voz si aquellos derechos y libertades no son respetados” (1991:8)
7. Proposição nesse sentido é a de BARACHO, quando, em exaustivo estudo sobre as formas políticas, adverte: “(…) a forma política é a forma de uma ordem, que é sempre de relações. Esse conceito não pretende recorrer a dados concretos específicos que levam a um gênero de Estado, válido eternamente, para todas as épocas. Esse conceito de “forma política” não fica indiferente aos conteúdos históricos, nem pretende apanhar apenas uma comunidade política singular. Capta a estrutura essencial da realidade histórica globalmente. Não coincide com o de ‘tipo ideal’, concebido ao modo de Jellinek ou de Max Weber. Desde que esses ‘tipos puros’ não são conceitos concretos, nem representam uma realidade, mas correspondem a produtos da abstração lógica idealizadora. (…) A realidade examinada é, por essência, altamente móvel e transformável, sem que ocorra a ausência de unidade, decorrente da coexistência que se configura em uma organização mais ou menos consistente, devido à idéia de direito”. V. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral das formas políticas. (1984:56-7)
8. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da soberania. Revista Brasileira de Estudos Políticos.
9. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 111.
10. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 129-30
11. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 125-6.
12. REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 128.
13. DREIER, R. Recht und Moral, p. 198. Ob. cit. HABERMAS, Jurgen. Fatti e norme. p. 40-41. “Secondo Dreier, le condizioni necessarie per la validità d’un sistema giuridico consistono nel fatto che, “in primo luogo, esso sia complessivamente capace di controllo sul piano sociale, e in secondo luogo complessivamente giustificato sul piano etico”
14. VERGOTTINI, Giuseppe. Derecho constitucional comparado. Traducción e introducción por Pablo Lucas Verdu. Madrid: Espasa-Calpe, 1983. p. 13.
15. Ibidem. p. 22.
16. CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Rio de Janeiro: Agir, 1973.
17. BURDEAU, Georges. Manuel Droit Constitutionnel. Paris: Université de Paris. p. 64-6.
18. Devido à necessária limitação deste artigo, privilegiamos, no presente estudo, a importância do princípio da soberania no ordenamento constitucional brasileiro, embora, vez ou outra, teçamos considerações sobre outros sistemas.
19. BIDART CAMPOS, German J. El sistema constitucional argentino. In: GARCIA BELAUNDE, D. (coord.) Los sistemas constitucionales iberoamericanos. Madrid: Dykinson, 1992. p. 52.
20. Alguns estudiosos usam indistintamente os termos poder político, estado e soberania.
21. HÁBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997. p.55.
Informações Sobre o Autor
Raul José Galaad Oliveira
Professor de Direito Constitucional e Eleitoral na Universidade Federal de Juiz de Fora/MG
Doutor em Direito pela UFMG/MG