INTRODUÇÃO
Trata-se de comentários à recente inclusão da prescrição intercorrente na Lei 6830/80.
Logo após a reforma do art 219, do CPC, com a inclusão do § 5º pela Lei 11280/2006, suscitaram dúvidas se, na execução fiscal, quando o processo estivesse arquivado, o juiz poderia, após um ano decretar de ofício a prescrição intercorrente, sem ouvir a Fazenda Pública.
Será demonstrado que, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de não ser possível decretar a prescrição de ofício, sem a prévia oitiva do Ente Estatal interessado.
Nisso consiste o objeto do presente trabalho.
DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO DIREITO TRIBUTÁRIO.
A prescrição na dicção do art 189 do Código Civil de 2002 é a perda da pretensão, em consonância com o § 194 do BGB[1]. É um instituto ligado à idéia de segurança jurídica, para evitar que o cometimento de um ato ilícito coloque o réu, eternamente, na iminência de uma ação judicial.
Prescrição intercorrente é aquela que se dá no curso do processo; quando o feito fica paralisado durante um tempo considerável apto a atingir a prescrição.
O art 40, da Lei 6830/80, no caput, determina que “O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”.
O § 2º, do era 40 da LEF, por sua vez, determina que, “Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos”.
A lei 11051/2004 acrescentou o parágrafo 4º ao art 40 da LEF, concedendo ao juiz, o poder de decretar de ofício a prescrição, no decurso do processo de execução fiscal quando o mesmo estiver arquivado, pela não localização do devedor, ou pela não localização de bens passíveis de penhora, conforme determina o caput. Observe-se que, a prescrição é intercorrente porque se dá no curso do processo.
Antes do advento da Lei 11051/2004, o art 40 da LEF foi objeto de críticas da doutrina e da jurisprudência, pois permitia que a execução fiscal ficasse paralisada por prazo indefinido, ferindo o princípio da segurança jurídica que rege as relações processuais[2]. Tal dispositivo deve ser lido em conjunto com o art 174, do CTN, que consagra o prazo de 05 anos para a Fazenda Pública cobrar o crédito tributário definitivamente constituído.
Para a constituição do crédito tributário há prazo decadencial de 05 anos para a Fazenda Pública efetuar o lançamento, prazo esse que tem início:
a) do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado;
b) da data que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Após a constituição definitiva do crédito tributário começa o prazo prescricional de 05 anos para a Fazenda Pública cobrar a dívida, conforme determinação do art 174, do CTN.
Dentro desse prazo a Fazenda Pública deve inscrever o crédito em dívida ativa. A partir daí pode dar início ao processo de execução fiscal.
Pode ocorrer, entretanto, que não sejam localizados bens do devedor passíveis de serem executados, situação em que a Fazenda Pública deve pedir a suspensão do processo, com a suspensão do prazo prescricional.
Ultrapassado um ano, sem que sejam localizados bens, o processo será arquivado.
DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE EM SEDE DE EXECUÇÃO FISCAL NA VISÃO DO STJ.
A prescrição intercorrente prevista no art 40, § 4º, da Lei 6830/80 pressupõe o arquivamento do processo por mais de um ano. Para evitar que o crédito tributário seja extinto, exige-se diligência por parte dos magistrados em efetuar o despacho de citação antes do decurso de 05 anos, como preceitua o art 173, do CTN. Ressalte-se que, a interrupção da prescrição pelo despacho da citação, decorre de alteração do art 174, parágrafo único, I, do CTN, pela LC 118/2005.
A Fazenda Pública não pode ser prejudicada pela demora do Poder Judiciário efetuar o despacho de citação. Nesse sentido, dispõe a Súmula 106 do STJ: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição e decadência”.
Do mesmo modo, a Súmula 78 do TFR, assim dispõe: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição”.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
JDS.DES.SIMONE GASTESI CHEVRAND – Julgamento: 25/04/2006 – DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL
EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PELO DECURSO DE CINCO ANOS ENTRE SUA CONSTITUIÇÃO E A CITAÇÃO. ARGUIÇÃO. SUCESSIVA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INCORRÊNCIA DE AMBAS. CORREÇÃO DO R. DECISUM. A interrupção da prescrição da exigibilidade do débito de IPTU se opera com a citação do contribuinte, na forma disposta no artigo 174, parágrafo único, 1 do CTN, na redação anterior à LC 118/2005. E para que o efeito interruptivo retroaja à data da citação, mister que o Município credor zele pelo cumprimento dos prazos fixados no artigo 219, §§ 2° e 3°, CPC. Se assim age diligentemente no processo, eventual retardamento causado pela máquina judiciária não lhe pode ser creditado (Súmula 106, STJ). In casu, sendo ajuizada ação executiva em Dezembro de 1994, e inequívoca a atuação pontual do exeqüente no processo, não há que se falar em prescrição do crédito tributário referente aos anos de 1990 a 1991, à medida que com a citação válida (em Fevereiro de 1996), o prazo extintivo foi interrompido na apontada data da distribuição da ação. Igualmente não se operou a prescrição intercorrente, para a qual se exigiria inércia do credor durante cinco anos a partir da obtenção da citação. Revela o caso concreto que o processo foi regularmente impulsionado pelo Município credor que vem logrando, a despeito da nítida resistência do devedor, implementar atos no processo, como a penhora em Agosto de 2000, avaliação do bem e intimação do executado em Março e Abril de 2002. Recurso desprovido[3].
Deve ser observado que, para a decretação de ofício da prescrição há necessidade de prévia oitiva da Fazenda Pública, para assegurar o devido processo legal (art 5º, LIV, da CF).
Nesse sentido vem se posicionando o Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes mais recentes. Vale a transcrição das seguintes ementas:
Há de se considerar que, a execução fiscal, como meio de coação direta no patrimônio do executado, não pode ser desfeita por considerações de repúdio à idéia de tributação.
Quando há inconstitucionalidade ou ilegalidade na cobrança, o particular tem plenamente garantido o seu meio de defesa, através dos embargos, ou pela via da exceção de pré-executividade, quando não houver necessidade de dilação probatória.
Assim sendo, nada há de absurdo no arquivamento do processo, enquanto não localizados bens, sendo prudente a lei, quando exigiu a prévia oitiva da Fazenda Pública para se manifestar sobre eventuais alegações de causas interruptivas ou suspensivas do prazo prescricional.
Há de se considerar que, a atividade tributária, no atual Estado Democrático de Direito constitui um dever fundamental, limitado pelas liberdades públicas, com o objetivo de satisfazer às necessidades sociais[5].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É de conhecimento de todos os que atuam em execução fiscal, a dificuldade que se depara a Fazenda Pública para localizar bens do devedor. Muitas vezes, são empresas que fecham as portas e dificultam a atuação fiscal, sem que se encontre o paradeiro dos sócios com poderes de gestão, para pedir a inclusão no pólo passivo, em decorrência de ilegalidade ou excesso de poderes (art 135, do CTN).
É prudente a previsão legal da prescrição intercorrente, como forma de preservar a segurança jurídica, com proteção ao contribuinte, para não ficar, por tempo indeterminado, sujeito à cobrança judicial.
Todavia, isso não pode ser levado ao abuso por parte dos órgãos do Poder Judiciário, tanto na demora da efetuação do despacho da citação, como na decretação da prescrição de ofício, no curso da execução fiscal, sem a prévia oitiva da Fazenda Pública.
No Século XXI, o Estado não pode ser visto como inimigo dos cidadãos. Por outro lado, a sociedade deve se conscientizar de que o tributo é um dever fundamental, apto a ensejar o exercício dos direitos fundamentais.
Informações Sobre o Autor
Simone de Sá Portella
Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ; Especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU/FDC); Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública; Professora de Direito Constitucional; Autora do Livro “As Imunidades Tributárias na Jurisprudência do STF”, Editora Baraúna; Colunista da Revista Jurídica NETLEGIS