Introdução
A administração pública, todos sabem, é extremamente limitada pela normatização, pela legislação e, em decorrência, inúmeras são as responsabilidades dos gestores públicos, que têm a seu cargo promover o bom funcionamento dos órgãos através da prática de uma extensa gama de atos administrativos, que lhes exige dedicação e conhecimento.
Nesse diapasão, merece atenção a administração policial militar, como espécie do gênero administração pública, em face das particularidades que a torna, sob certo enfoque, ainda mais complexa que a exercida em relação à Civil, posto o caráter especial de natureza militar.
Desta forma, o Direito Administrativo Disciplinar das Polícias Militares revelam-se num exercício complexo, exigindo dos detentores do Poder Disciplinar constante estudo, a fim de que seu caráter educativo seja alcançado.
Nessa égide, aborda-se, em específico, a Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, onde em seu § 2° do art. 35 da Lei Complementar n° 10.990/97, estabelece que a responsabilidade disciplinar é independente das responsabilidades civil e penal. Contudo, na mencionada Instituição, não se tem legislação específica que regule a controvertida questão do instituto prescricional na falta administrativa, refletindo, algumas vezes, prejuízos à disciplina e ou injustiças na apuração de sua ocorrência, conforme veremos no transcorrer deste ensaio.
A questão traz implícita a constatação de que a legislação estatutária da Corporação focada nos remete, quando da ocorrência de praeter legem, ou, em vernáculo, da lacuna normativa institucional, para a aplicação subsidiária da Lei Complementar nº 10.098/94 (Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do RS) e que, inobstante a isto, há, na prática, correntes que emprestam entendimentos diversos ao tema da possibilidade ou não da prescrição administrativa às transgressões disciplinares; aliás, como também o há na doutrina e jurisprudência pátria.
Com base na legislação vigente, na doutrina e na jurisprudência, busca-se contextualizar o assunto não só a partir dos institutos que o informam, mas também na natureza e origem da sua prática. A partir disso, primeiramente, discorre-se sobre a história da legislação administrativa disciplinar da Brigada Militar para, em seqüência, identificar a absorção da responsabilidade disciplinar pela penal, conceitos complementares, o instituto da prescrição administrativa, fixação do dies a quo, para finalmente tecer algumas considerações finais.
1. Legislação Administrativo Disciplinar da Brigada Militar
A instituição Brigada Militar criada pela Lei Provincial nº 7 de 18 de novembro de 1837, e organizada através do Regulamento de 5 de maio de 1841 (Regulamento para o corpo Policial da Província), teve como primeira norma que estabeleceu um regime disciplinar o Regulamento de 1o de junho de 1855 que, em anotações ao Decreto nº 29.996/80 (RDBM), Álvares (2000, p. 3) refere que:
“Através das disposições de um só de seus artigos (art. 34), dava cumprimento ao que dispunha a Lei Provincial nº 298, de 24 de novembro de 1854, a qual havia proibido expressamente os castigos corporais nas praças da força do Corpo Policial. O Regulamento do Corpo Policial aprovado pelo ato nº 470, de 24 de dezembro de 1873, destinou o Título XIV (arts. 92 a 157) à definição dos ‘crimes e faltas contra a disciplina'(sic)”.
Porém, o primeiro regulamento autônomo sobre matéria disciplinar foi baixado pelo Decreto nº 1697, de 28 de janeiro de 1911, e recebeu a denominação de “Regulamento Penal para a Brigada Militar”. Em 28 de maio de 1918, no Governo de Borges de Medeiros, foi aprovado, através do Decreto nº 2.347 – A, o Regulamento Disciplinar, estabelecendo distinção entre crimes militares e transgressões da disciplina militar.
Ressalta-se, por interessante, que houve uma fase, entre 1940 e 1980, em que a Brigada Militar adotou os mesmos Regulamentos Disciplinares do Exército Brasileiro (R-2), só retornando a sua tradição de possuir norma própria estadual, através da edição do regulamento de 31 de dezembro de 1980.
Reza no § 1° do art. 35, do Regulamento Disciplinar da Brigada Militar – RDBM, aprovado pelo Decreto nº 29.996/80, que “o crime não absorve a transgressão disciplinar conexa, salvo quando esta constituir elemento ou circunstância agravante daquele”.
Costa (1981, p. 211) aborda o tema enaltecendo, como boa política jurídico-disciplinar, legiferando a tese de absorção da apreciação disciplinar pela penal. Aliás, essa matéria foi regulada no próprio Regulamento Disciplinar do Exército, aprovado pelo Decreto n° 90.608/84, em seu art. 12, § 1°, ao apregoar que “no concurso de crime e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, aplicar-se-á, somente, a pena relativa ao crime” e que, somente repetiu o texto dos regulamentos disciplinares da Marinha e da Aeronáutica.
Tais previsões levaram José Armando da Costa apud Scussel et al.(2000, p. 84) a referir que “no Direito Disciplinar Castrense, a responsabilidade funcional do militar é dúplice, ao invés de ser tríplice, como ocorre nos regimes adotados pela Lei n° 1.711 e pelo Estatuto do Policial Federal”. Ainda, que “com efeito, responde o militar apenas pelo crime e pelos danos causados a terceiros, na forma da lei civil, ou tão-somente disciplinar e civilmente, quando a transgressão não chegue a caracterizar delito”.
Notório, portanto, que o Regime Disciplinar das Forças Armadas Brasileiras não contempla a tríplice responsabilidade e nega a independência total da instância disciplinar da penal, eis que, para o mesmo fato, impede apreciação administrativa se houver condenação penal.
Na Brigada Militar repetia-se tal entendimento nos §§ 1° e 2° do art. 35 do RDBM, e no Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio Grande do Sul, anteriormente vigente, (Lei n° 7.138, de 31 de janeiro de 1978) que, em seu art. 41, § 2°, disciplinava que “no concurso de crime militar ou contravenção e de transgressão disciplinar será aplicada somente a pena relativa ao delito”.
Tal manifestação, no entanto, não foi reproduzida no estatuto atual (Lei Complementar n° 10.990/97) que, como citado anteriormente, fez constar a independência das esferas civil, administrativa e penal em seu art. 35, § 2°. Tal entendimento é corroborado por José da Silva Loureiro Neto (1993, p. 27), ao comentar a concorrência da ação penal militar com a infração disciplinar, asseverando elucidativamente “in verbis”:
“Cada jurisdição tem sua substância própria: a penal, o delito, enquanto que a disciplinar, a falta. Ora, como um mesmo fato pode constituir-se simultaneamente uma falta e um delito, é natural que cada uma delas seja apreciada por suas respectivas jurisdições. Assim como o Comandante pune o subordinado pela falta disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar, o Conselho de Justiça pune o réu pela prática de crime previsto no Código Penal Militar. Portanto, infere-se que o órgão ministerial não deixará de propor a ação penal tendo em vista que o indiciado foi punido pelo fato disciplinarmente; e nem o Comandante deixará de punir o indiciado disciplinarmente na expectativa de uma manifestação do órgão ministerial, seja na proposição da ação penal, seja no pedido de arquivamento do inquérito policial militar. Ambas as jurisdições, como se disse, atuam em áreas distintas e estanques. Não há, portanto, a ocorrência do bis in idem”.
No entanto, é interessante que se tenha clareza sobre os comportamentos abordados nas legislações pertinentes. Assim, devem-se estabelecer diferenças entre o que seja, por exemplo, tipo penal, atipicidade administrativa, ilícito administrativo puro e ilícito administrativo penal. Preciso que se tenha claro que o tipo penal atinge o modelo de conduta que o legislador proíbe e procura evitar, tornando-a ilícita.
A atipicidade administrativa, por sua vez, raramente descreve amiúde a conduta não desejável, prevalecendo descrições abertas, ou seja, o enquadramento da conduta funcional tida como irregular depende muito mais do tirocínio do Administrador Público, tendo como foco o interesse do serviço público, do que propriamente um rol de atitudes não permitidas. Sobre isto, é relevante o dizer de Di Pietro (1994, p. 402) que refere:
“Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimen, nulla poena sine lege), no Direito Adminstrativo prevalece a atipicidade.(sic.)”
Veja-se, pois, que a tipicidade é própria do Direito Penal, em razão do princípio da reserva legal inserto no art. 1° do Código Penal Brasileiro que diz que não há crime sem lei anterior que o defina. Assim também a Constituição Federal vigente, em seu art. 5°, XXXIX, faz tal previsão, erigindo-se à condição de garantia constitucional.
Já, em relação ao Direito Disciplinar, o princípio da reserva legal imprescindível à aplicação do Direto Penal, não se emprega, eis que, em relação a este, a atipicidade é a regra.
No âmbito da Brigada Militar, a regra é idêntica, pois o rol de transgressões constantes do item II do Anexo I do RDBM não é taxativo, em razão do que dispõe o art. 14 do citado regulamento, “verbis”:
“Art. 14 – São transgressões disciplinares:
1 – todas as ações ou omissões contrárias à disciplina Policial Militar especificada no Anexo I do presente Regulamento;
2 – todas as ações ou omissões ou atos não especificados na relação de transgressões do Anexo citado que afetem a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe ou o sentimento do dever e outras prescrições contidas no Estatuto dos Policiais-Militares, leis e regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviço emanadas de autoridade competente”
Desta forma, não há que se confundir tipicidade penal como dogma erigido à condição de garantia constitucional, com a disciplinar, que só existe excepcionalmente, posto que a atipicidade é a regra.
No que tange ao ilícito administrativo puro, ou seja “àquele que viola exclusivamente normas aplicáveis a um segmento diferenciado da sociedade, o servidor. São regras que não transcendem os limites da administração pública” (RUPERES & COELHO, 2000, p. 31) . Em outras palavras, são os ilícitos que respeito, unicamente, contra deveres funcionais, comprometendo, destarte, o bom andamento do serviço e, portanto, só cometido pelo servidor público.
O ilícito administrativo penal, por outra banda, é o fato capitulado não só nas leis administrativas, como também nas leis penais. É o comportamento ilícito que atinge a sociedade de forma geral, produzindo reflexos, de maneira especial, na ordem administrativa interna.
Importante frisar que, em que pese ao Direito Disciplinar Militar e sua relação com o Direito Penal Militar, ambos não se confundem. José da Silva Loureiro Neto (1993, p. 25) sobre isso refere que:
“o crime militar contém no preceito sancionador uma pena determinada pelo legislador, ao passo que a infração disciplinar contém uma sanção sujeita a uma faculdade discricionária da autoridade militar. Justifica-se, pois, o princípio do nullum crimen, sine lege; perfeitamente aplicável ao direito penal como dogma, inexistente quando se trata de aplicação de sanções disciplinares, pois podem existir outras faltas não tipificadas”
Deste modo, acreditando suficientes os esclarecimentos e conceituações citadas, volve-se ao objeto primordial deste estudo, o instituto da prescrição, destacando-o conforme segue.
2. Da prescição e suas decorrências
O instituto da prescrição, sabe-se, tem suas raízes no Direito Romano com significado de exceção. Todavia, seu sentido atual difere do de outrora, pois, hodiernamente, prescrição é a extinção do direito de punir, em face de inércia do Poder Público em fazê-lo, durante determinado lapso temporal, ou, especificamente sobre a Prescrição Administrativa “diz-se da extinção do prazo para recorrer contra decisões administrativas ou para que a própria administração se manifeste sobre determinada matéria. (NEVES, 1987)”.
Tal instituto tem sofrido inúmeras críticas; todavia, como bem adverte o saudoso Edgard Magalhães Noronha (1987, p. 342/343) “O tempo, que tudo apaga, não pode deixar de influir no terreno repressivo. O decurso de dias e anos, sem punição do culpado, gera a convicção da sua desnecessidade, pela conduta reta que ele manteve durante esse tempo”. E, “quando assim não fosse, é indisfarçável que, ao menos aparentemente – e, portanto, com reflexos sociais nocivos – a pena tão tardiamente aplicada surgiria sem finalidade, e antes como vingança”.
No mesmo sentido, e no âmbito do direito administrativo disciplinar, o lapso de tempo, demasiadamente alargado, tem merecido críticas da doutrina, consoante assevera o magistério de Eliezer Pereira Martins (1996, p. 92), ao mencionar que “em verdade não concordamos com os regulamentos que estabeleçam prazos prescricionais de punibilidade transgressional em mais de um ano, já que tal disciplina torna o sistema disciplinar, nesta matéria, mais severo que o penal, o que é um rematado absurdo”.
Reforça isso, o fato de que, embora
“doutrinadores e exegetas mais formalistas não admitam que o Direito Penal seja supletivo ou mesmo subsidiário do Direito Administrativo Disciplinar, ele, o Direito Penal, via de regra, oferece as suas normas altamente salutares para indicar com bastante procedência a regra a ser seguida na administração pública em face do problema prescricional.” (Luz, 1992, p. 187)
Dentre alguns dos doutrinadores, que se opõem a prescrição administrativa de determinada ação de iniciativa do Estado para aplicação da pena disciplinar, como prescreve a ação penal, vamos encontrar o Prof. José Cretella Jr. (1998, p. 83) que assevera “a falta disciplinar é insuscetível de prescrição. A faculdade de aplicá-la é que caduca, pelo decurso do tempo fixado na lei. Ora, a faculdade de aplicar pena de modo algum é ação disciplinar”.
Mas, o indiscutível é que no sistema português, o princípio consagrado é o da prescritibilidade, havendo, entretanto, certas faltas de natureza imprescritível (CAETANO, 1963, p. 531).
Nesta reflexão, adota-se a convicção de que o Direito Administrativo Disciplinar, não refoge das conceituações típicas da corrente penalística, mesmo porque a lei estabelece as condições consagradas para a prescrição e, ao seu lado, toda a sistemática necessária à observação da sua ocorrência; reforçados pelos ensinamentos de Meirelles (1990, p. 586) ao informar que “o instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração e entre esta e seus servidores”.
Nesse viés, o problema ensejado pela prescrição é de extraordinária importância, principalmente na administração pública, não apenas porque ele envolve direito do Estado de exercer a sua sanção disciplinar, como, principalmente, porque deflui das mesmas considerações a atuação da defesa na persecução do que lhe é próprio, até esgotar, juridicamente, a esfera administrativa.
Todavia, sobre ser de extraordinária importância, como acima acentuamos, vêm sendo malbaratada a sua consideração, e isto por duas razões: porque a legislação não dá o preciso enfoque determinativo do fluxo prescricional, e porque na ignorância da existência da própria prescrição surgem fatos ilícitos a serem apurados ou penas a serem cominadas, inutilmente.
A título ilustrativo, apenas, e para ficar bem esclarecido que a prescrição não se inscreve, simplesmente, como renúncia do Estado ao exercício do seu direito de punir, é interessante ressaltar os dizeres de Luz (1992, p. 186), que refere:
“Antes: ela se caracteriza, exatamente, pela decadência desse direito em face da inércia da administração na adoção de meios legais, isto é, na perquirição da verdade do fato imputado pela instauração do processo disciplinar, e isto após a ocorrência de prazo que, por todos os títulos, precisa e deve ser fatal”.
Para fins de prescrição, como já abordado, a falta administrativa classifica-se em ilícito administrativo penal e ilícito administrativo puro. No que tange ao ilícito administrativo penal também denominado falta crime, ou seja, aquela conduta que se constitui falta administrativa e que também é capitulada como crime, não enseja maiores discussões, pois nos termos do Art. 159 do Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar combinado com o § 2o do Art. 197, do Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do RS, existe a previsibilidade de que a prescrição da falta administrativa disciplinar coincide com o prazo prescricional previsto para o crime ou contravenção.
Ademais, já é fato, assentado pelo Tribunal de Justiça deste Estado, em acórdão proferido no julgamento do MS nº 592021018, publicado na RJTJRGS nº 157, pp. 183-186, quando as faltas constituírem, ao mesmo tempo, fato delituoso, regula-se a prescrição pela lei penal, mas a fluência do prazo conta-se pelo máximo da pena cominada em abstrato e não pela pena concretizada, em razão da independência das instâncias administrativa e criminal.
Em relação ao ilícito administrativo penal, tratado por alguns autores como falta crime, os aspectos mais relevantes podem ser extraídos do Código Penal. A prescrição da pretensão punitiva é calculada, em princípio, em função da pena em abstrato fixada para o tipo, posto que, num primeiro momento, não é possível saber a pena que será estabelecida pelo Juiz. Leva-se em conta a pior hipótese, ou seja, a maior pena possível.
Neste sentido, se a pena em abstrato for menor que 1 ano, por exemplo, o prazo prescricional se dá em 2 anos; se a pena prevista for de 1 a 2 anos, o prazo prescricional ocorre em 4 anos e assim por diante, de acordo com o estatuído no artigo 125 do Código Penal Militar, que é o aplicado as Polícias Militares.
Referentes às circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas na Legislação Penal, por não terem o condão de, em sendo aplicadas no caso concreto, fazerem com que a pena fixada transcenda os limites legais, não são levadas em conta para o cálculo da prescrição baseada na pena abstrata.
Em relação às causas de aumento e diminuição de pena, estabelecidas em proporções fixas, “por poderem fazer com que a pena exceda seus limites legais, devem ser levadas em conta em relação a prescrição abstrata, com base nos limites de aumento e diminuição máximos”. (RUPERES & COELHO, 2000, p. 32)
Para finalizar este tópico, não se pode olvidar, fortemente, que em se tratando de crime militar, a prescrição da falta crime se dará pelo regramento do Código Penal Militar, bem como que os crimes de racismo e contra a segurança nacional são imprescritíveis.
No entanto, no ilícito administrativo puro, surgem problemas, só resolvidos com profunda pesquisa, pois a prescrição da falta administrativa pura, na Brigada Militar, é estatuída subsidiária e supletivamente pelo disposto no Art. 197, da Lei Complementar nº 10.098/94 (Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do RS), vez que o Art. 159 da Lei Complementar nº 10.990/97 (Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do RS) para lá remete, em face de sua omissão.
É pacífico, no entanto, que as normas confrontadas para serem aplicadas subsidiariamente devem ter conexão entre os princípios característicos básicos. Então, podemos arrematar perfeitamente que, a aplicação subsidiaria e supletiva do Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio Grande do Sul ao diploma disciplinar da Brigada Militar (RDBM), no que se refere ao instituto da prescrição, só se aplica as punições disciplinares que possuem classificações de igual natureza.
Resta saber, especificamente, sobre a prescrição das punições disciplinares classificadas de diferente natureza, como, por exemplo, detenção e prisão, previstas no Regulamento Disciplinar das Polícias Militares, uma vez que ocasionam conseqüências na vida funcional do Militar Estadual.
Reafirma-se, novamente, nosso posicionamento, de que não apresenta nenhuma consistência jurídica o argumento da imprescritibilidade de determinados ilícitos administrativos, pois isto é mera tergiversação das expressões legais, que apresentam a fatalidade do prazo e as normas que devem ficar expressas convenientemente.
A tese que se esposa, da conexão entre os princípios do Direito Penal com o incipiente mas vigoroso Direito Administrativo Disciplinar, não somente encontra guarida na doutrina capacitada e fundamentada, como, também, no melhor respaldo jurisprudencial, como se demonstrará.
Ambos, a analogia penal em geral e a prescrição em particular, vêm de ser focalizados pelo Desembargador Gentil do Carmo Pinto, quando, em longo e fundamentado despacho, proferido por ocasião do seu exercício como vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao apreciar determinado recurso extraordinário. Este, mais tarde, recebeu o nº 78.917, no Supremo Tribunal Federal, e foi relatado pelo ministro Luiz Galloti, que proclamou a tese sempre defendida pela corrente a que nos filiamos, isto é, a de que o Direito Penal é subsidiário e supletivo para o Direito Administrativo Disciplinar, eis que, na espécie então sub judice, transplantou-se o instituto da prescrição, no que foi aplicável, do âmbito penal para o administrativo e, também, focalizado o princípio analógico em geral.
Assim, não restam dúvidas de que, como no Regulamento Disciplinar da Brigada Militar, o máximo de punição não ultrapassa a trinta dias de prisão, sua prescrição ocorrerá em dois anos, conforme pactuado no inc. VII do Art. 125 do Código Penal Militar.
Contudo, não se desconhece e, coloca-se como segunda via para aqueles que não adotam a corrente observada neste estudo; o entendimento de alguns doutrinadores, dentre eles o festejado Hely Lopes Meirelles (1994, p. 585) que preleciona:
“Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838/80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174). Para os servidores federais a prescrição é de cinco anos, dois anos e cento e oitenta dias, conforme a gravidade da pena (Lei 8.112/90, art. 142).”(sic)
Resolvido isso, surge outro tópico de vital importância, qual seja a determinação do dia em que passa a fluir o prazo para extinção do direito de punir.
Tem-se que, no caso de infração administrativo penal, infração crime, a contagem se inicia a partir da data da consumação do fato, tenha ou não a administração tido ciência do evento, aplicando-se a teoria do resultado.Na tentativa, a partir do dia em que cessou a atividade. Nos crimes permanentes, a contar da cessação da permanência e no crime continuado, a prescrição ocorre isoladamente sobre cada um dos crimes que constituem a cadeia delitiva.
A administração, independentemente de manifestação do judiciário pode considerar extinta a punibilidade administrativa, auto aplicando a regra penal. Sobre isto é salutar o dizer de Cretella Jr. (1998, p. 105):
“[…] costuma-se indagar, neste caso, se a Administração pode, independentemente do pronunciamento do Poder Judiciário, considerar extinta, pela prescrição, a punibilidade administrativa de faltas também previstas como crime. A resposta é afirmativa: pode a Administração auto-aplicar-se a regra penal, antes do pronunciamento judicial, porque do contrário estaria o poder administrativo incursionando em área que lhe é interdita.”
Contam-se os meses e anos pelo calendário comum e computa-se o dia do começo. O prazo é fatal, não podendo ser prorrogado.
No ilícito administrativo puro, quer se trate de falta disciplinar, quer se trate de falta não-disciplinar (funcional), o tratamento que lhe dá o direito positivo brasileiro, refletido nas normas estatutárias, é o da fixação do prazo prescricional, em um dado número de anos (dois anos, quatro anos, etc.), tendo como marco o dies scientiaem, ou seja, a prescrição passa a correr da data em que a autoridade competente, para aplicar a pena, toma conhecimento do fato.
Neste tocante, a nosso ver, o legislador deveria ter tratado o assunto de forma mais adequada, estabelecendo critério mais justo, que não militasse com tamanha rigidez em desfavor do administrado; tanto é verdade que, a doutrina e jurisprudência pátria são uníssonas em proclamar o absurdo ou incongruência de tal previsibilidade, conforme se percebe nos dizeres de Cretella Jr. (1998, p. 90):
“A prevalecer a tese da imprescritibilidade (ou mesmo a da prescrição ‘a partir da ciência do fato pela autoridade administrativa’) poderia delinear-se situação como a seguinte: já que a ciência do fato pode dar-se a qualquer tempo, ocorreria eventualmente hipótese de punição tardia aplicada a funcionário desligado há muito do serviço público, em virtude de aposentadoria, dispensa, exoneração ou disponibilidade”
E, em magistral voto, prolatado no STF, o Min. Moreira Alves ponderou:
“[…] se até as faltas mais graves – e, por isso mesmo, também definidas como crimes – são, de modo genérico, suscetíveis de prescrição, no plano administrativo, não há como pretender-se que a imprescritibilidade continue a ser o princípio geral, por corresponder ao escopo da sanção administrativa, ou seja, o interesse superior da boa ordem do serviço público”. (cf. RDA 135/74).
Embora contrarie regra que se inscreve como princípio geral de direito, postulado do direito de punir, é constante no direito estatutário brasileiro, posto ser privativo dos Estados e Municípios legislar sobre direito administrativo, que a prescrição começa a correr da data em que a autoridade tomar conhecimento da existência da falta.
Por fim, opina-se que o instituto da prescrição administrativa disciplinar, no âmbito da Brigada Militar, reclama algumas alterações e adaptações; mormente, no que se refere aos ilícitos administrativos puros a fim de que a punição disciplinar não perca seu caráter educativo, tornando-se inoperante e ineficaz.
Mas, fiel a linha adotada neste trabalho, enquanto não se realizar o proposto acima, sugere-se a Brigada Militar, em específico, e as demais Polícias Militares, no que couber, a adoção dos prazos prescricionais conforme o quadro abaixo:
Quadro 1: Prazos prescricionais das punições disciplinares previstas nos Regulamentos Disciplinares das Polícias Militares do Brasil.
PUNIÇÃO |
PRESCRIÇÃO |
|
Falta pura (2) | Falta crime (3)
|
|
ADVERTÊNCIA (1) | – | |
REPREENSÃO | 6 (seis) meses | |
DETENÇÃO | 2 (dois) anos | |
PRISÃO E
PRISÃO EM SEPARADO |
2 (dois) anos | |
LICENCIAMENTO E EXCLUSÃO A BEM DA DISCIPLINA | 2 (dois) anos |
N.E. :(1) A advertência é uma admoestação verbal feita ao transgressor, em face da natureza e reduzida gravidade da infração. E, por não constar ou influir nas alterações do punido não interessa ao Instituto da Prescrição; devendo, contudo, atentar-se aos princípios da oportunidade e conveniência do serviço público.
(2) Na falta administrativa pura o prazo da prescrição começa a fluir com o conhecimento da infração pelo superior hierárquico.
(3) Na falta crime o prazo da prescrição começa a fluir da consumação do fato, e se regulará de acordo com o máximo da pena prevista (em abstrato) ao tipo penal cabível à conduta tida como ilícita.
Informações Sobre o Autor
Julio Cezar Dal Paz Consul
Professor Doutor das Disciplinas de Introdução ao Direito no IPA/POA e de Direito Administrativo na IMED/Passo Fundo/RS