Resumo: O patrimônio natural brasileiro vem sendo desfalcado desde quando os primeiros descobridores por aqui aportaram. Desde o nosso “descobrimento” flora e fauna brasileiras eram indiscriminadamente levadas para pessoas abastadas do continente europeu. Possuir animais e plantas silvestres brasileiras era sinônimo de status.Não desprezando a existência de motivos outros que contribuíram para a dilapidação e esgotamento do patrimônio faunístico brasileiro, presente trabalho centrou-se no estudo do tráfico de animais silvestres e conseqüente proteção legal dada pelo nosso ordenamento ao longo dos tempos. Atualmente, tal conduta é tipificada nos arts. 29, parágrafo 1, III e 30 da Lei 9605/98. Para melhor sistematização do tema, iniciaremos delimitando o conceito de fauna silvestre para, posteriormente, analisarmos questões relacionadas ao comércio ilegal de animais silvestres brasileiros e conseqüente proteção legal dada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chaves: fauna silvestre brasileira; comércio ilegal de animais silvestres; legislação sobre a fauna.
Sumário: Introdução. 1. Diferentes concepções do conceito. 2. O comércio ilegal de animais. 3. Tutela legal do patrimônio faunístico. Conclusões. Referências Bibliográficas.
Abstract: The Brazilian natural patrimony has been desfalcating since our first discover arrived to Brazil. Since our “discovery”, Brazilian fauna and flora products have been indiscriminately taken away to wealthy people in the European continent. Owning Brazilian animals and plants mean status. Not forgetting the reality of some other reasons that have contributed fir the pillage and drainage of the Brazilian wildlife resources, the current work has concentred on the study of wild animals traffic and the concerned legal protection given by our juridical tutelage along the time. Presentely, such proceding is comminated on the article 29, first paragraph, III and article 30 of the law 9605/98. For the better systematization of the matter, we start describing the concept of wildlife for analizing, afterwards, the questions concerning the illegal trade of Brazilian wild animals and the legal protection given by our juridical tutelage.
Key-words: brazilian wild life; illegal wild life trade; protection law concerning wild animals.
INTRODUÇÃO
A exuberância de nossas riquezas naturais despertou cobiça desde o primeiro contato com nossos descobridores. A admiração era tanta que um dos primeiros nomes de nosso País foi ‘Terra dos Papagaios’(BARROSO, 2000, p. 30) E, assim, começou a história de dilapidação de nosso patrimônio faunístico.
Nativos brasileiros eram incitados a buscar madeiras e animais exóticos, com o fim de abastecer o mercado europeu, já que, .ter animais silvestres, naquela época, era demonstração de riqueza e poderio econômico.
Passados tantos anos, a ‘pilhagem’ continua, evidentemente, facilitada pelo aparato tecnológico das comunicações e por toda uma estrutura de crime organizado de características internacionais. Dean (1996, p. 178) sustenta que a regra de oferta e procura que rege o mercado ilícito de animais vem ditada desde os tempos de outrora: quanto mais raro um animal, mais caro.
1) DIFERENTES CONCEPÇÕES DO CONCEITO FAUNA
Para nossa língua-mãe, fauna é conceituada como: “O conjunto de animais próprio de uma região ou de um período geológico” (FERREIRA, 1995, p. 291), que se aproxima da doutrina de Machado (1998, p. 645) e por Prado (1998, p. 38-39). Etimologicamente, a palavra fauna, parece ter sua origem no vocábulo Faunus: “[…] ente mitológico, habitante dos bosques e florestas” (SOARES, 1993, p. 164).
Custódio (1997, p. 65-66), leciona que o conceito de fauna é amplo e que, com exceção do homem, abrange o conjunto de todas as formas de vida animal (FIORILLO e RODRIGUES, 1997, p. 299). Milaré (2000, p. 154) no mesmo sentido acrescenta à classificação os animais que já foram extintos.
Já a Lei 5197/67, em seu art. 1.º, dá a conceituação de fauna silvestre: são animais de qualquer espécie que, por sua natureza e em qualquer fase de seu desenvolvimento, vivem fora do cativeiro. A estes são equiparados os seus ninhos, criadouros naturais e abrigos.
A Lei 9605/98, em seu art. 29, §3, nos traz o atual conceito do que deve ser entendido por espécimes pertencentes à fauna silvestre:
“São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.”
Ampla também foi a conceituação constitucional. O art. 225, § 1.º, inc. VII, que diz: “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam animais à crueldade”, não restringindo quanto à espécie e categorias de animais protegidos, enunciando ser dever do Poder Público sua proteção, vedando o atuar que coloque em risco sua função ecológica, que leve à extinção ou submeta os animais à crueldade.
Entre estas diversas concepções, adotamos a ampla, que considera todos os animais existentes dentro do território brasileiro, exceto o ser humano, como passíveis de proteção de nosso ordenamento jurídico.
2) O COMÉRCIO ILEGAL DE ANIMAIS
O tráfico de animais é uma das muitas espécies de crime organizado. Este, por sua vez, se organiza sob a forma de redes de organização criminosa. No caso, uma rede formada por um emanharado de rotas para o escoamento de animais no interior e para fora do país, influências e relações político-econômicas, corrupção nos mais variados níveis de órgãos governamentais relacionados, ligação com outras atividades ilícitas e estrutura hierárquica própria de uma atividade ilegal (pobres, que são oprimidos pelos seus hierarquicamente superiores, que lhes colocam em condição de superexplorados).
O comércio ilegal de animais assemelha-se ao tráfico de drogas que “[…] está dominado, primeiro, por um comércio da destruição e, segundo, por um tráfico declaradamente ilegal” (COGGIOLA, 2002).Dados do Programa Nacional das Nações Unidas para o Meio Ambiente afirmam que, em média, cem espécies desaparecem diariamente da face da Terra (O HISTÓRICO…, 2000).
O Brasil é signatário da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção, que elencou as espécies em risco de desaparecimento e regulamentação para exportação.Para que possa ser exportado, hão de ser cumpridas determinações do IBAMA, sendo, entre muitas outras, exigido que o animal ser proveniente de criadouros comerciais registrados junto a este órgão.e, para os animais vivos ameaçados, é solicitado acordo de manejo do importador estrangeiro, onde os animais e seus descendentes serão declarados como pertencentes ao governo brasileiro, (SISTEMA de…, CD).
Os valores movimentados pelo tráfico internacional de animais só é superado pelo de drogas e o de armas (SILVA, 1999, p. 42). Dias ([198-?], p. 70), aos quais, por muitas vezes, aparecem interligado. A UNICRI (United Nations Interregional Crime and Justice Institute) inclusive, sustenta a conexão entre os traficantes de drogas e de animais, já que este último apresenta rentabilidade mais alta do que o de drogas, exige menos investimento e é bem menos fiscalizado (UNICRI, 2000, p. 31 – tradução nossa).
Bechara (apud SILVA, 1999, p. 42) estima que doze milhões de animais por ano são retirados são retirados de seu habitat natural.
O tráfico, tende a “[…] assumir características de constante inovação e integração” (PROCÓPIO, 1999, p.18), sendo que seus lucros jamais enriquecerão países fornecedores. Além das pressões dos traficantes, os pequenos fornecedores sofrem com a repressão policial e, geralmente, são os que são processados e apenados.
Tal é o ataque ao nosso patrimônio ambiental que a lista de animais ameaçados de extinção, publicada pelo IBAMA, saltou de 218 espécies ameaçadas de extinção em 1989 para 627 espécies em 2002 (CAMPANILI, 2002, p. 8). O Brasil é um dos principais países do mundo a comercializar e exportar patrimônios faunístico e florístico. Sua posição periférica perante a economia mundial, sua biodiversidade, dificuldades operacionais, ineficiência de órgãos de controle e pobreza contribuem para a depredação ambiental (WWF, 1995, p. 4). O Brasil está entre os que apresentam maior riqueza florística e faunística.
É indispensável ressaltarmos que estes números não são absolutos e imutáveis. Um cálculo aproximado indica que esta mercancia ilegal movimente uma média de 10 a 20 bilhões de dólares a cada ano.
Assustadoramente, o Brasil é responsável por 5 a 15% deste comércio ilegal, o que significa que cerca de 12 milhões de animais desapareçam a cada ano. Dados do RENCTAS estimam um número maior, acreditando que 38 espécimes brasileiros sejam envolvidos pelo tráfico a cada ano. A Coordenação Nacional do Departamento de Fiscalização do IBAMA calcula que 95% do comércio da fauna silvestre brasileira seja ilegal (WWF, 1995, p. 7).
O PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) calcula que cerca de cem espécies desaparecem todos os dias, sendo o comércio ilegal uma das principais causas (O HISTÓRICO…, 2001).
Nosso tráfico interno é desorganizado, enquanto que o destinado ao exterior é sofisticado.As principais formas de tráfico são: o destinado a colecionadores particulares, destinados a fins científicos; destinados a pet shops; tráfico de produtos da fauna (RENCTAS, 2001, p. 17-20).
Em 1994, durante a 9.ª Conferência Sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Silvestres em Perigo de Extinção, o Brasil, quanto ao nível de controle do comércio da fauna e flora silvestres, foi enquadrado na categoria III, que elenca aqueles países de fiscalização ruim (WWF, 1995, p. 6).
3) A TUTELA LEGAL DO PATRIMÔNIO FAUNÍSTICO
No decorrer de nossa evolução legislativa, encontramos dispositivos concernentes à proteção do patrimônio faunístico, ora resguardando interesses econômicos, ora sob a ótica preservacionista.
A preocupação com o patrimônio o faunístico brasileiro remonta ao século XVII, com as Ordenações Manuelinas e Filipinas, elaboradas pela coroa portuguesa a partir de 1650 (SILVA, 1999, p.66).
Em 1822, temos a primeira lei brasileira (sem caráter penal) de proteção ao meio ambiente e não à fauna em si (art. 66 das Posturas Municipais), onde encontraremos medidas de proteção à limpeza e conservação das fontes, aquedutos e águas infectas.
O Código Criminal do Império (1830), assim como a primeira Constituição Brasileira, não continham dispositivos de proteção faunística.
Com a entrada em vigor do Código Criminal de1890, os animais passaram a ter alguma forma de proteção, como, por exemplo, no caso do art. 161, que tratava de tipificar conduta que causasse envenenamento de tanques ou viveiros de peixes.
O primeiro projeto proibitivo à crueldade contra animais é de 1922, de autoria do Senador Abdias Neves, que, infelizmente, não prosperou e não chegou a se transformar em lei (DIAS, [198-?], p. 99).
Em janeiro de 1934, foi editada a primeira legislação brasileira que utilizou o termo fauna– o Decreto n.º 23.793 (Código Florestal). Seu art. 9.º, § 1.º proíbe que se exerça qualquer atividade contra a flora e a fauna existentes nos parques. Tornou crime, ainda, a destruição de exemplares da fauna que, por sua raridade, beleza ou qualquer outro aspecto, tenham sido considerados como merecedores de especial proteção dos poderes públicos (art. 83,”f”).
Ainda na década de trinta, com o Decreto 24.645, de 10.07.34, surge a específica proteção de animais, coibindo as mais variadas práticas de maus–tratos dolorosos causados aos animais. Seu art. 17, definiu o termo “animal”, que seria “todo ser irracional , quadrúpede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos”.
Da mesma data do Decreto 24.645/34, foi trazido à baila o Decreto 24.643/34 (Código de Águas), cujos artigos 42 e 88, respectivamente, determinavam que seriam reguladas por leis especiais a caça, a pesca e sua exploração e, no caso do segundo artigo, vedava a exploração predatória de caça e pesca.
Em 1938, surge o Código de Pesca, o Decreto–lei n.º 794. Cuida da fauna aquática, considerando sua captura atividade econômica sujeita à controle estatal.
Com a entrada em vigor do novo Código Penal em 1940 (Decreto – lei n.º 2.848), temos dois artigos que, um diretamente e outro, indiretamente, protegem a fauna. Como proteção direta encontraremos o art. 259, que cominava pena de reclusão de dois a cinco anos a quem difundisse doença ou praga capazes de causar dano à floresta, plantação ou animais. Indiretamente, teremos o art. 250, § 1.º, h , que passou a tutelar o habitat destes animais, já que criminalizou a conduta de “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”, cominando pena de reclusão de três a seis anos e multa pecuniária, sendo causa de aumento de pena em um terço quando o incêndio ocorre em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
No mesmo ano passou a vigir o Decreto 50.620/41, que assim como o Decreto 16.590/24, dispunha sobre a proibição do funcionamento das rinhas de galo.
O ano de 1943 foi marcado pela promulgação do Código de Caça (Decreto–lei n.º 5.894, de 20 de outubro). Preocupava-se mais com a regulamentação da caça do que, propriamente, proteger a fauna brasileira.
Segundo Freitas, com o novo Código Florestal ( Lei n.º 4.771/65) que, no seu artigo 26, “c”, foi tipificada a conduta de penetrar em florestas de preservação permanente portando armas, substâncias ou instrumentos para caça proibida ou para explorar produtos ou subprodutos destas sem estar devidamente licenciado pela autoridade competente. Tal qual seu antecessor, protegia de forma reflexa os animais que nelas habitavam (FREITAS, 2000, p. 19).
De 03 de janeiro de 1967 é datada a Lei de Proteção à Fauna (a Lei 5.197/67), que dispôs sobre a proteção faunística, aproximando-se do modelo constitucionalmente adotado em 1988. É com essa lei que foi estabelecida, no art. 36, a criação do Conselho Nacional de Proteção à Fauna, que só veio a ser regulamentado no ano de 1989 (Decreto Federal 97.633). A definição do que pode ser considerado como fauna silvestre nos foi trazido pelo artigo 1.º desta lei:
“Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, caça ou apanha.”
Além da proibição constante do artigo 1.º, considerando as exceções contidas nos §s 1.º e 2.º, a lei proibiu a caça profissional (art. 2.º); o comércio de animais silvestres, produtos ou objetos que impliquem em caça, destruição ou apanha, abrindo exceções aos criadouros legalizados; previu a criação de reservas biológicas e parques de caça; a formação de clubes de caça e tiro ao vôo; criação de criadouros de animais silvestres; criou tipos penais e novas circunstâncias agravantes .da pena.
Passado um pouco mais de um mês, entrou em vigor no dia 28 de fevereiro, o Código de Pesca, com medidas protetivas à fauna aquática e de estímulo à atividade de pesca.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (1972), rompeu a ideologia de que desenvolvimento e meio ambiente eram idéias antagônicas, e em 1975 o Brasil ratificou a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção (CITES). O prolegômero da Convenção reconhece que a fauna e a flora são elementos insubstituíveis, razão pela qual devem ser protegidos pela presente e futuras gerações; mostra consciência de seu crescente valor (estético, científico, cultural, recreativo e econômico); que os Estados e povos devem ser seus melhores protetores e, por fim, reconhece que a cooperação internacional é a melhor forma de combate à excessiva exploração pelo comércio internacional.
A Lei 6.638 surgiu de 08 de maio de 1979 (Lei de Vivisseção) e permitiu a realização de experimentos com animais em todo o território nacional, desde que os interessados se ativessem aos termos nela prescritos.
O caminho trilhado trouxe ao nosso ordenamento a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), alterado pela Lei 7.804/89, seu artigo 15, caput , considerou típica a conduta de poluidor que “expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal, ou tornar mais grave a situação de perigo existente”.
A Lei 7.643/87, veio à luz para coibir a pesca ou qualquer forma de molestamento intencional de cetáceos (golfinhos, botos e baleias). De acordo com Custódio, a Lei 7.653/88, estendeu a abrangência dos crimes previstos contra a fauna silvestre à aquática. Segundo ela, a Lei 7.679/88, procedeu à tipificação da violação do disposto sobre a proibição de explosivos ou substâncias tóxicas em pesca de espécies aquáticas em período reprodutivo (CUSTÓDIO, 1997, p. 70).
Com a entrada em vigor da nova ordem constitucional em 1988, foi vedada toda em qualquer prática cruel contra qualquer que seja o ser vivente. É a Constituição de 1988, nas palavras de Silva, “uma Constituição eminentemente ambientalista”, contrariamente às demais, que, com exceção à de 1946 não traziam em seus respectivos bojos, matérias relativas à proteção ambiental (SILVA, 1994, p. 26). Foi devido à este novo ordenamento constitucional que foi sentida a necessidade de síntese em uma única lei, das principais leis infra-constitucionais pré–Carta Magna de 1988 (SILVA, 1999, p. 82).
Passados quase dez anos da entrada em vigor do novo ordenamento constitucional, entrou em vigência a lei 9.605/98, cuja meta era a unificação dos principais delitos ambientais em um só corpo.
Prado comenta que esta legislação ambicionava dar um “tratamento penal unívoco à matéria”, face à muitas incongruências legais quando da aplicação da lei, face à falta de unificação e harmonização das leis penais e suas punições. (PRADO, 1998, p. 16).
Sancionada pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, a Lei 9.605/98, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e outras providências. É dividida em oito capítulos: disposições gerais, da aplicação da pena, da apreensão do produto e do instrumento de infração administrativa ou de crime, da ação e do processo penal, dos crimes contra o meio ambiente, da infração administrativa, da cooperação internacional para a preservação do meio ambiente e disposições finais. O capítulo V (Dos crimes contra o meio ambiente) divide-se, ainda, em V seções, são elas: dos crimes contra a fauna, dos crimes contra a flora, da poluição e outros crimes ambientais, dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e, por último, dos crimes contra a Administração Pública,.
Esta lei definiu como integrantes da fauna silvestre todos aqueles “pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras” (art. 29, § 3.º). Assim, basta que uma parte do ciclo vital do animal seja vivida em nosso território, para que o espécime esteja albergado por nossa legislação.
Acatada com restrições pela doutrina, à tal lei foi imputada falta de precisão terminológica, como no exemplo do art. 31 que diz: “Exportar para o exterior (…)”, quanto na forma como foram misturados conteúdos de diferentes esferas do direito (esferas penal, administrativa e internacional), quando, seguindo Prado, “a matéria penal sequer foi abarcada de modo completo” (PRADO, 1998, p. 2). Esta falta de abordagem total da matéria, nos faz recorrer à análise do mosaico legislativo precedente a essa nova legislação, gerando, não por raras vezes, dúvidas quanto à vigência de determinada Lei, já que, no art. 82 (disposições finais) não são definidos quais os artigos que se encontram revogados. O autor critica a falta da sistematização da divisão de seu conteúdo, dando, como exemplo, a colocação da aplicação das penas e, só posteriormente, fala das penas em sí, além da questionável possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica.
Na Lei 9.605/98, o bem jurídico imediatamente protegido será o meio ambiente como um todo, tendo especial proteção a fauna silvestre, doméstica e domesticada. Já o objeto material sobre o qual recairá a ação se encontra elencado nos diversos artigos componentes do capítulo que define os crimes contra a fauna, que são: os espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória (art. 29, caput, § 1.º, III); a fauna (art. 29, § 1.º,I); o ninho, abrigo ou criadouro natural (art. 29, § 1.º, II); ovos, larvas, produtos e objetos oriundos da fauna silvestre (art. 29, § 1.º, III); os anfíbios e répteis (art.30); animais exóticos (art. 31); animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (art. 32); os animais vivos (art. 32,§ 1.º); espécimes da fauna aquática (art.33) e peixes, moluscos e crustáceos (arts. 34 e 35).
Embora o patrimônio faunístico venha protegido no capítulo V, essa salvaguarda não se adstringe a este capítulo, pois, encontraremos várias disposições protecionistas em artigos pertencentes à outras seções, tais como os artigos: 38 – destruir ou danificar floresta de preservação permanente; 40 – causar incêndio em mata ou floresta; 52 – penetrar em Unidade de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça; art. 54 – causar poluição que possa resultar em danos à saúde humana, ou que provoque a mortandade de animais ou destruição da flora e o art. 61, que torna típica a conduta de disseminar doença ou praga ou espécies que possa causar danos à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas.
Feitas essas considerações iniciais passaremos à análise dos tipos penais que objetivam à repressão ao comércio ilegal de nosso patrimônio faunístico.
A proibição do comércio ilegal, vinha previsto no art. 3.º da Lei n.º 5197/67. Com a entrada em vigor da Lei 9.605/98, a doutrina inclina-se em considerar revogado o disposto no art. 3.º, acima mencionado, pois considera que o inc. III do parágrafo 1.º do art.29 abarca as situações anteriormente tratadas pela antiga lei e outras mais, já que agora, integram o tipo as condutas de venda, expor à venda, exportar, adquirir, ter em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar. A exceção à proibição de comercialização de animais silvestres continua sendo dada pelo art. 3.º, parágrafos 1.º e 2.º da Lei 5.197/67.
No nosso entender, a repressão ao comércio ilegal, de forma ampla, se inicia no caput do art. 29, que tipifica, entre outras, a conduta típica de dano de quem “(…) apanhar (…) espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”. Para que se tenham animais disponibilizados para a venda, obviamente, há necessidade de que alguém os forneça. No entanto, tal conduta só será considerada como típica se o agente não possuir autorização ou licença ou, ainda, estiver atuando em desacordo com a obtida, segundo o exposto na parte final do caput do mesmo artigo.
A criminalização do comércio ilegal de animais silvestres, seus produtos e objetos é feita pelo inc. III do §1 , que trata de tipificar a conduta de quem:
“[…] vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos ou objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.”
Assim, segundo a doutrina, “As pessoas físicas ou jurídicas só podem comerciar espécimes da fauna silvestre desde que devidamente registradas”. (MACHADO, 2003, P.751).
Prado nos recorda que a venda ou a exposição para fins de venda, a aquisição, guarda, o uso e transporte de produtos ou objetos originários da fauna silvestre são, da mesma forma, vedados. Também neste inciso foram procedidas alterações: os verbos guardar, utilizar e transportar substituíram o verbo comercializar, utilizado no art. 3.º da Lei 5.197/67 (PRADO, 1998, [s/ página]).
Os condenados por alguma das condutas previstas neste inciso serão apenados da mesma forma que as condutas previstas no caput do artigo.(detenção de seis meses a um ano, e multa). A pena cominada, aliada à alta lucratividade, além de fatores como a fragilidade da fiscalização, vem levado outros tipos de criminosos a se associar ou a migrar para o tráfico de animais.
Abalizando nosso ponto de vista, encontramos em uma compilação da UNICRI que:
“Os especialistas em vida selvagem citados pelo Los Angeles Times [1995] afirmam que gângsteres chineses, japoneses, italianos e russos estão pesadamente envolvidos no comércio ilegal de animais selvagens. Afirmam também que o Cartel de Drogas de Cali na Colômbia combinam carregamentos de drogas e produtos de animais selvagens para os Estados Unidos. (2000, p. 29 – tradução nossa)”
Quanto mais aperta o cerco ao tráfico de drogas, mais estes traficantes buscam novas alternativas de renda fácil. Calcula-se que, das 350 a 400 quadrilhas de traficantes de animais existentes no Brasil, 40% delas estejam ligadas ao tráfico de drogas (CONFIRMADO…, 2001). Muitos animais podem ser utilizados em simbiose com a drogas, para um crime camuflar outro. Por exemplo, uma jibóia pode transportar drogas em suas entranhas (PROCÓPIO, 1999, p.28), como no ocorrido em uma apreensão ocorrida nos EUA, em que 36 kg de cocaína foram encontrados dentro de cobras provenientes da Colômbia (CALDAS, 2001, p. 35).
Temos, ainda, dispositivo versando sobre comércio de peles e couros de anfíbios e répteis em bruto para o exterior. O art. 30, criticado por sua terminologia pleonástica – exportar para o exterior- repete o contido no art. 18 da Lei 5.197/67, apenas acrescendo “sem autorização da autoridade competente”, e alterando a pena que de 2 a 5 anos de reclusão, para 1 a 3 anos de reclusão.
O § 4.º do art. 29 (aumento de pena nos crimes praticados contra espécies raras ou ameaçadas de extinção) consigna uma norma penal em branco. Este inciso I não nos fala o que pode ser considerado uma espécie rara (que é aquela que é dificilmente encontrada), tão pouco elenca quais as espécies ameaçadas de extinção. O elenco destas últimas só será encontrado na Portaria 1.522/89, do IBAMA.
CONCLUSÕES
A principal dificuldade encontrada na realização do trabalho dos que se propõem a estudar a estrutura do comércio ilegal de animais silvestre é a ausência de dados a serem coletados e classificados. Embora haja no Brasil uma legislação inovadora e atualizada quanto à proteção ambiental, verificamos que o combate ao tráfico de animais silvestres ainda deixa muito a desejar.
As providências que devem ser tomadas no combate ao tráfico não se encerram na articulação das polícias no combate ao tipo cujo destino são as feiras e depósitos (e pet shops) e aquele de animais raros destinados aos compradores de alto poder aquisitivo. Trata-se também de combater a miséria entre os que coletam os animais e estão na faixa de renda baixíssima e que fazem parte do “tráfico famélico”. Não apenas nas estradas ou nos portos e aeroportos, a preocupação principal deveria se localizar nas áreas onde os animais silvestres estão e de lá não devem ser retirados.
Na outra ponta, a da lavagem de dinheiro, também deve ser alvo de controle e aplicação de leis.
Uma última sugestão diz respeito à organização e ao acesso aos dados sobre prisões e apreensões de traficantes e de animais silvestres. Um exemplo disso pode ser verificado fazendo uma visita ao sítio da Polícia Federal na Internet. Enquanto há estatísticas sobre o narcotráfico, não há nada sobre o de animais silvestres. Nada sobre isso no sítio do IBAMA.
Enquanto não houver uma real preocupação em se trabalhar as causas do tráfico, seus principais vetores, combatendo a pobreza, criando oportunidades outras que não a retirada de animais de seu habitat, conscientizando a população de que ter um animal silvestre em casa é crime que agride não só o sistema jurídico, mas o ciclo natural em que há co-dependência de espécies, a reprimenda penal terá pouca ou nenhuma efetividade, restando inócuo o art. 29, §1, III da Lei 9605/98. Integrar e sistematizar informações dos órgãos fiscalizadores competentes e recuperar o centro de gravidade do elo mais fraco da corrente do tráfico, ou seja, o exército de miseráveis que adentram reservas em busca de animais, parece, no momento, a alternativa mais viável.
Esperamos com este trabalho abrir uma pequena fresta para o estudo do tema e contribuir para o combate ao tráfico de animais silvestres nas esferas legais e policiais.
Informações Sobre o Autor
Erika Fernanda Tangerino Hernandez.
Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina – PR; Mestre em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Estadual de Londrina – PR.