Filosofia do Direito: uma introdução ao pensamento político de Hegel

Resumo: Este trabalho pretender trazer uma síntese que permita proporcionar uma visão vestibulanda do pensamento político de Hegel, bem como facilitar o acesso à estrutura filosófica – suas particularidades e definições.

Palavras-chave: Filosofia do Direito, Política, Ética

Introdução

Este breve intróito ao pensamento político hegeliano traz uma singela colaboração na leitura da filosofia social de Hegel. Como instrumento propedêutico, torna-se um subsídio para o leitor adentrar no sistema filosófico criado por ele. Nossa pretensão é trazer a lume uma visão inicial desse sistema, possibilitando maior e melhor aproveitamento da leitura e compreensão da doutrina existente. Hegel construiu um sistema filosófico auto-suficiente, que tem como característica essencial o desenvolvimento de um método dialético que propõe estudar a realidade, para compreender e expressar a situação real do mundo.

Hegel afirma que este conjunto ética e Estado – professa alguma verdade que outrora, reconhecida como o desenvolvimento das leis, a moral pública e os sistemas religiosos, desde o desenvolvimento do direito se encaminharam ao progresso que tem alcançado. Mas também, a limitação que o direito impõe ao indivíduo é reconhecido como contrária à liberdade, uma vez que este último exorta o sujeito a agir de acordo com o que estiver pré-estabelecido. Mas ainda assim homem é livre, somente na medida em que prossegue dentro do que estiver reconhecido de aceitado – na realidade singular que a autodeterminação o conduz. Esta idéia de liberdade, forma um papel fundamental no desenvolvimento do direito individual, e o homem, considerado como substância ética da sociedade civil, somente desenvolve todo seu dever em face da liberdade.

Liberdade é um conceito absoluto em Hegel, com o mesmo fim da autoconsciência que se determina a moldar e trabalhar o conteúdo da sua vontade. Temos que o mundo ético (sendo o Estado, a razão) é resultante do elemento da autoconsciência, não tem a mesma sorte de ter a base da razão que lhe garanta como força, potência. O universo espiritual corresponde ao mundo do acaso e do capricho da vontade divina, abandonado por deus.

Traremos um brevíssimo apontamento histórico, fatos que podem ter influenciado Hegel em seus escritos políticos. Cumpre-nos, inicialmente, situar Hegel dentro do panorama histórico-filosófico de sua época para que possamos ter uma visão contextualiza da importância de sua obra. Como data inicial tomaremos 1770, ano de seu nascimento Stuttgart/Alemanha. Aos 18 anos iniciou teologia. Em 1801 tornou-se professor de filosofia na universidade de Jena, publicando lá a Fenomenologia do Espírito (1807) e a Ciência da Lógica (1812-1816). Ainda como professor agora em Heidelberg publicou a enciclopédia das ciências filosóficas (1817). Como professor na universidade de Berlim, publicou sua Filosofia do Direito (1829). Faleceu e 1831, com obras póstumas resultado de sua docência em Berlim: Estética, Filosofia da Religião, História da Filosofia e Filosofia da História. “Viveu intensamente os momentos políticos de seu tempo, daí ter quando sua reflexão para direito e constituição. Deixou assim um escrito sobre a constituição alemã.”

Atributo “Razão”

Em um sistema filosófico há a pretensão de explicar tudo, sob um ponto de vista próprio abrangendo toda a realidade (de modo a reescrever – explicar – com uma linguagem própria). Foi este o trabalho de Hegel. Em sua tarefa de explicar o universo (toda a realidade) foi inexoravelmente utilizado o atributo da razão: o mundo poderia ter um sentido que fugisse do mundo sensível, sendo por sua vez concebido no mundo das idéias.

“Para ele, a distinção entre o entendimento é a razão é a mesma que a distinção entre senso comum e pensamento especulativo, entre reflexão não-dialética e conhecimento dialético. Das operações do entendimento resulta o tipo usual de pensamento que domina a vida cotidiana e a ciência. O mundo era tomado como uma multiplicidade de coisas determinadas, demarcadas umas pelas outras.” (MARCUSE, p 53-54)

Podemos então afirmar que explicar o universo não é dizer-lhe as causas, esta via por sua vez nos traz fatos que sempre assim aconteceram, onde é destituído da necessidade (justificativa) de assim acontecer. Formularemos uma hipótese buscando exemplificar o que acabamos de dizer. Uma pergunta: por que os corpos caem? A resposta à causa seria: porque existe gravidade no planeta, causa que atrai os corpos para o chão. Isso levaria a uma segunda pergunta: por que existe gravidade no planeta? Uma causa leva a outra que, pede explicação. É este um dos motivos pelos quais Hegel combate este formato de solução. Uma causa leva a outra, que irá necessariamente pedir uma explicação.  Estamos protelando uma resposta para a problemática apresentada, aonde chegaremos “A um certo momento, para se pôr ponto final a esta caminhada, sem explicações, se tem de falar em uma causa que seja causa de si própria. E uma causa de si parece absurda”.

Outro motivo é a lógica que, torna intangível determinado objeto. Partiremos novamente de uma pergunta para evidenciar a proposição hegeliana. Poderia um ser humano viver sem alimentação? A resposta é evidente: não. Em face do desdobramento (única via) da solução, uma resposta causal que permita uma série de explicações se torna nefasta. É desse modo que Hegel pretende explicar toda a realidade. Há uma cadeia lógica, onde tudo é mensurável, necessário.  Temos este padrão de conhecimento inerente ao nosso pensamento, tal qual a matemática.

Razão Abstrata e Universal

Razão. Cabe agora dizer exatamente o que é este princípio eleito como “absoluto hegeliano”, que tem como atributos a universalidade e a abstração.

“Só a totalidade de conceitos e conhecimentos da razão representa o absoluto. É por isso que a razão só se nos apresenta na sua plenitude sob a forma de uma “organização de proposições e intuições” englobando a totalidade da realidade, isto é, sob a forma de “sistema”.” (MARCUSE, p.57)

Partiremos novamente de exemplos que são convenientes para ilustrar nosso caminho. Tomemos a profundidade como bode expiatório. Falamos que um buraco é profundo, uma cisterna é profunda, um rio é profundo. Profundidade não se pode tomar como um objeto qualquer. Existem no mundo das idéias. Sabemos que determinado bem (cisterna, rio) é profundo, mas não podemos considerar isoladamente esta qualidade. Isto é abstrato, vemos mas não podemos pega-lo.

A razão também é universal: do mesmo modo que surge como um produto do intelecto, há sua incidência sobre coisas individualmente consideradas (buraco, rio) – toda e qualquer coisa.

“O conceito hegeliano de razão tem, por conseguinte, um caráter nitidamente crítico e polêmico. Ele se opõe a toda aceitação imediata de um dado estado de coisas. Ele nega a hegemonia de qualquer forma dominante de existência, denunciando os antagonismos que a dissolvem em outras formas.” (MARCUSE, p24)

Com esses conceitos assim “diluídos” podemos transportar para explicar (tal como posto no capítulo anterior) causas e efeitos que está o deve estar por detrás dos fenômenos.

O Ser

Pondo a afirmação “a verdade do ser é a essência” temos então que investigar o que é a essência. Para poder chegar a ele, devemos considerá-lo como algo que não está no mundo, não está acima, então o que teremos é a negação de todo ser. Esta negação não pode ser o nada, indo além de todo estado determinado. Neste ponto podemos dizer que o ser é idêntico ao nada. Quando pensamos em um individuo (consideramos uma pessoa, por exemplo) teremos a definição de ser adicionado da matéria. O puro conceito de ser excluí este atributo (determinação).

Como o “movimento infinito do ser” é um processo interno no qual o sujeito conjuga seus momentos determinados com a sua auto-realização. Sempre partiremos de um ser-em-si definido, com capacidade de conhecimento e reflexão, pois o caminho da essência é o mesmo da reflexão.

“O sujeito que a essência releva que ela mesma é, nem está fora do processo, nem é seu substrato imutável; ele é o processo, ele mesmo, e todos os seus caracteres são dinâmicos. Sua unidade é a totalidade de um movimento que a Doutrina da Essência descreve como o movimento da reflexão.” (MARCUSE, 139)

Devemos considerar que todas as qualidades (atributos, determinações) da essência têm dois movimentos distintos: um objetivo e outro subjetivo, assim procedendo a reflexão. A reflexão constitui um processo de pensamento (produção), que não tem a função de ser o mesmo – retorno.

Epistemologia X Ontologia

A filosofia hegeliana é concentrada na problemática do ser, mas integrando o conhecimento em seu interior. Do outro lado temos Kant, que por sua vez ocupou-se com o problema do conhecimento. Diante das linhas filosóficas adotadas, há de se evidenciar os pontos que coincidem. Os universais de Hegel correspondem às categorias de Kant. Este elaborou um complexo de formas estáticas (consciência transcendental) da realidade, um conjunto de síntese. Diante disto, não podemos qualificar o pensamento hegeliano como tautológico, pois a dinâmica utilizada e descoberta constituem uma “significação última” da sua lógica. O método filosófico adotado por ele buscava um processo efetivo da realidade, construindo com isso de forma adequada.

Não se exaure somente a isto. O também denominado “universais puros” equivalem às categorias à priori de Kant. Constituem as razões de onde vem todo ser. São condições de existir, assim os coloca na condição de elementares na busca do conhecimento puro. Um objeto qualquer tem determinações (uma cadeira pode ser grande e pesada, por exemplo) não havendo o inconhecivel, algo que não possa ser apreciado. Hegel (seu sistema) afirma que ser e conhecer são a mesma coisa e, sem afirmar identidade entre eles, não se poderia dizer que tudo o que existe é traduzido a universais e semelhante a estes.

No tocante às categorias, o sistema filosófico as considera como sendo objetivas. As somas dos universais constituem determinado objeto, neste se realiza analiticamente. Se negarmos a objetividade dos universais, teríamos que negar a objetividade dos objetos. Este raciocínio reduz isto à “vala comum”, indo de encontro à posição de Hegel: os universais têm realidade, mas não existência. Ficou em nossa exposição vinculado a existência dos universais ao objeto – no que tange a objetividade como uma condição sine qua nom. Retiramos aqui a afirmação de que o universal é abstrato, sendo aplicável (existindo a possibilidade) a qualquer ser – objeto.

Voltemos ao quesito identidade do ser e do conhecer. O sujeito (do conhecer) e o objeto (do ser) são idênticos. Caso fosse pensado de maneira diversa, o sistema hegeliano não suportaria outra situação. De um objeto (enquanto matéria) somente os conceitos, universais são alvo do conhecimento. O objeto nada mais é do que um conjunto de universais. Por uma conclusão lógica, os universais também são objetivos.

Uma hipótese de que ocasionalmente apareceria para elidir o exposto, é haver um conceito do objeto meu e outro da coisa-em-si, diversa dos meus. Seria afirmar então que existe o inconhecivel. “Ser significa ser para a consciência. Um objeto não é objeto senão para uma consciência, um sujeito. O universo inteiro não é outra coisa senão o conteúdo da consciência.” (NÓBREGA, 2005 p. 66)

Moralidade Objetiva

Constitui o momento em que a liberdade torna-se realidade. É a moralidade palpável, acima da opinião e da boa vontade, fortalecendo as leis e as instituições. É a totalidade de determinações morais da família, da sociedade civil e do Estado, incidindo (aparecendo) entre seus membros – existência, manifestação e realidade. Assim dizendo, fica expressa no caráter do indivíduo – probidade, honradez, integridade e honestidade.

É tomado como substância moral, não sou eu como pessoa (tal qual o direito abstrato) tampouco o direito da consciência, mas sim o direito enquanto Espírito real de um povo que percorre, a fim de realizar a liberdade, diferentes momentos:

– Família – como espírito moral objetivo, imediato e natural;

– Sociedade Civil – associação com o fim de satisfazer carências, necessidades e dar garantia à propriedade privada;

– Estado – consagração universal da vida pública.

a) Família

Como primeira unidade de coesão social, reconhece-se o matrimônio como uma união moral: trás em seu bojo o quesito espiritual, e sua constituição exterior está no sentimento. Sua realização esta no casamento, e traz como resultado (síntese) os filhos – perpetuação da família. Como a realização é mais abrangente, envolve também a educação dos filhos e, na propriedade a fortuna e nos bens como integrantes da esfera familiar.

b) Sociedade Civil

Surge como agrupamento de indivíduos (como seres privados) preocupados tão-somente com a realização de suas pretensões. Satisfazem então seu sistema de carências (particularidades subjetivas do indivíduo que se opõem à universalidade) por meio de coisas exteriores, como a propriedade, riqueza, etc. pela atividade e pelo trabalho.

– Carências – tomamos as carências em sentido amplo. Na medida em que o sujeito (indivíduo natural) sai do estado de solidão proporcionado pela natureza (não considerando a afirmação de Aristóteles – zoom politikon) este encontra novas necessidades ao conviver com seus semelhantes: as carências humanas sociais. Tudo o que já estava posto era parte do universal – comum a todos antes que se associassem.

– Trabalho – é a mediação da satisfação das pretensões (carências) no interior da sociedade.

A única universalidade nesta ocasião que ocorre é o Direito a todos da propriedade – reconhecido e garantido pela jurisdição (Estado). Para que a lei seja cumprida, deve ser reconhecida e conhecida por todos. A violação de um preceito legal não é apenas particular (da propriedade), mas uma transgressão pública, tornando-se perigo comum (social). Estamos nesse ponto transcendendo a esfera da particularidade, formando uma unidade com a universalidade. A jurisdição tem por fim coibir a injustiça, salvaguardar os negócios coletivos e instituições voltadas para o interesse geral.

Com o surgimento da sociedade civil, surge uma instituição que pode ser equiparada à família dentro do contexto coletivo: a corporação. Como missão precípua, tem a vigiar e a realizar o que há de universal na particularidade da sociedade civil. Quanto aos membros como partes da sociedade civil, não têm interesses exclusivamente particulares, tem o dever de conduzir a vontade humana à esfera do universal, ao Estado.

c) Estado

É a efetivação da moralidade objetiva, onde a liberdade realiza-se plenamente, vindo tornar clara para si e consciente em si. Assim tomada, podemos afirmar ser o fim último da razão (racional em si e para si) possuidor de um direito superior em relação ao plano individual, sendo que os seus membros têm neste o seu mais elevado dever. No momento em que a pretensões particulares colidem com o universal temos a superposição da liberdade pessoal e da propriedade privada como o fim último, substituindo os interesses universais. A contrario senso a visão de Hegel é a vida coletiva e os indivíduos ali dentro passam a ter realidade, moralidade e objetividade.

Nesse ponto é um importante evidenciar que o objetivo de Hegel não é mostrar as configurações históricas e/ou uma concepção particular de Estado, mas como um conceito pensado, “idéia”, especulação filosófica. Como expoente nesta investigação temos Rousseau que colocou a “vontade geral” como princípio pertencente e ao pensamento, tomou o Estado como uma instituição derivada de um contrato de vontades individuais (mera associação). Estamos colocando um dos tópicos principais da doutrina contratualista francesa para mostrar a discrepância entre o seu ideal e o mundo dos fatos. Estamos diante da vontade arbitrária, opinião facultativa dos indivíduos (mera liberdade livre-arbítrio) chegando à conclusão de que esta pode ser suprimida a qualquer instante, destruindo a totalidade ética do Estado.

“O todo vem antes das partes”. Esta referência à unidade não significa a anulação do interesse particular enquanto tal, nem como inessencial face ao universal. Quando o indivíduo cumpre seu dever perante o Estado (universalidade), ele tem também a satisfação do interesse pessoal (pretensões individuais), na medida em que recebe direitos dele. A particularidade não deve ser suprimida, ao contrário, mantendo-os em concordância (particular e universal) teremos a garantia de que ambos sejam efetivados.

Como esfera moral (elo entre privado e comum) chegamos a uma relação de direitos e deveres. O indivíduo recebe vantagens (bônus) na medida em que tem deveres (obrigações – ônus) para com o Estado. Haverá uma identidade absoluta entre as prestações, apenas não havendo privilégios para alguns em detrimento de outros, apenas existe distinção para equilibrar o conjunto (equidade) a fim de evitar injustiças no conteúdo.

Dentro da relação societária temos a família sendo momento ideal da individualidade de a sociedade civil como da particularidade. É a partir destes que o Estado sai de sua identidade e se torna um espírito real infinito (universalidade concreta). Podemos então dizer que dentro desse sistema há a realização da liberdade plena, tendo o Estado como busca da satisfação de suas pretensões (interesses naturais e sociais).

Hegel considera o Estado como sendo a rica estrutura do ético, a arquitetura de sua racionalidade que com determinada distinção das esferas da vida pública tem seus direitos como bases sólidas (de todo Estado), sendo harmônicas e estabelecidas segundo um critério de verdade. Quando toda esta estrutura forma uma boa lei, o subjetivo é revelado como o caminho do desenvolvimento da idéia, levando consigo sua necessidade interna da verdade e uma lei que é superior. A lei não pode estar consentida pelo sentimento, posto que é em-si o que deveria ser-em-si, uma forma universal de desenvolvimento dos indivíduos.

Estado e Religião

Colocamos o Estado na esfera do universal, medido pelas esferas da individualidade e particularidade (dados pela família e sociedade civil) considerando-o com uma esfera do absoluto: também a religião. Antes de verificar o Estado laico (sem o domínio da religião) era o divino a base do Estado, “sobretudo em épocas de miséria pública, de perturbações sociais e de opressão pública” (CHAGAS, p.29). A célebre frase de Karl Marx “A religião é o ópio do povo” ilustra muito bem um dos papéis desse Leviatã: consolar o oprimido (a massa na sua totalidade) e colocar diante de seus sentidos como alternativa para compensar a injustiça. Colocamos um exemplo de que a religião é capaz: temos nações que veneram animais como seres superiores (Hindus…). A universalidade abstrata criada desvirtua a razão e a universalidade concreta do Estado.

Outro motivo para desvincular o Estado da religião é o conteúdo: temos que eles buscam posto absoluto, o universal, mas a religião inclina-se para o lado da imaginação, sentimento, crença. Dentro dela tudo o que existe é subjetivo, frágil. Sua doutrina, seus princípios não provém de uma subjetividade que seja particular, Hegel defende livrar o Estado disto. Historicamente presenciamos a unidade proporcionada pela religião e o Estado – principalmente na idade média – e a moralidade livre (inexistente). Somente com o desligamento efetivo entre eles teremos então a realização da liberdade e a racionalidade humana.

“Se, quanto ao problema do Estado, não nos desprendemos dessa forma religiosa até o ponto de ela nos aparecer como o que determina essencialmente e lhe atribui valor, então o Estado, que é um organismo desenvolvido em partes diferenciadas e fixas, em leis e instituições, cai na hesitação, na incerteza e na perturbação. O objetivo universal que são as leis, em vez de serem determinadas de um modo seguro e válido, adquirem um caráter negativo perante essa forma da religião que cerca de um véu tudo o que é definido e com isso se transforma em algo de subjetivo.” (HEGEL, p. 234)

Constituição e Poder Político

A Constituição estabelece os poderes que constituem uma totalidade, partindo da tripartição dos poderes estabelecida por Montesquieu. Temos a função primária, definida como o legislativo: estabelece e define os universais, tem capacidade para tanto. O governamental (corresponde ao executivo) integra o particular e o individual no universal. O poder “do príncipe” é o órgão investido de subjetividade que lhe cabe a decisão suprema nos litígios entre particular e individual.

O Estado concentra a determinações existentes no todo orgânico. O povo é uma indeterminação. Hegel toma este atributo como antítese ao poder “do príncipe” oriundo da pessoa do monarca. Desta dialética resulta a vontade suprema como resultado do choque entre pretensões individuais e particulares. Acerca do poder governamental Hegel escreve: “Esta função de absorção no geral é o domínio do Governo e nele se compreendem também os poderes jurídicos e administrativos que imediatamente se referem ao elemento particular da sociedade civil e afirmam o interesse geral na própria interioridade dos fins particulares.” (HEGEL, p. 266). Nesta apertada síntese procedamos com o legislativo. Tem como objeto a universalidade e a particularidade. Podemos dizer que há um movimento descendente aqui, estando presentes os dois poderes anteriormente tratados. Na divisão e aplicação de algum Direito há um mediador entre individualismo, unindo as esferas à do Estado.

Eticidade

O conceito de eticidade é a atualização da unidade entre subjetividade moral e a objetividade do direito, pois se expressa no movimento da liberdade, a manifestação da substância. Há o encontro entre querer e saber que é externada através de uma autoconsciência resultando em uma verdadeira efetividade. Esta operação considera o fato da produção da objetividade substancial ser elaborada pelo movimento que traz a figura do “bem” como ser ético.

“O ser ético pode, enfim, conhecer-se como um ser capaz de agir sobre si mesmo e, tornando-se uma determinação do conceito de substância, vive da reposição do processo que lhe deu origem, isto é, doravante o poder de mediar as suas próprias pressuposições.” (ROSENFIELD, 1986, p.135)

A vontade consciente de si – a ação como base ética – é entendida no sentido de que ela é o verdadeiro motor da moral, transformando este em ética. Reside aí então o ser ético no mundo presente (natural da autoconsciência), na forma de aparência, seu movimento de aparecer em si. Disto resulta o ser ético como a razão de sua própria razão de ser.

Sendo a moralidade que determina o “Bem Abstrato”, surge este como “eticamente concretizado” na comunidade. O movimento de oposição entre a vontade particular e o conceito de vontade forma um processo, onde cada elemento da realidade é membro do todo, delimitando a diferenciação. Hegel toma a substância concreta como sendo a realidade ética:

“O conteúdo objetivo da moralidade que se substitui ao bem abstrato é, através da subjetividade como forma infinita, a substância concreta. Em si mesma, portanto, estabelece ela diferenças que, assim, são pelo conceito ao mesmo tempo determinadas; por elas a realidade moral objetiva obtém um conteúdo fixo, necessário para si, e que está acima da opinião e da subjetivo boa vontade. É a firmeza que mantém as leis e instituições, que existe em si e para si.” (HEGEL 1997 p. 142-143)

Aqui é colocada a substância como “imediação” do absoluto da subjetividade. O conteúdo do “bem” passa a ser determinado e a realidade ética é posta na liberdade. Ao final do parágrafo, Hegel coloca “as leis e instituições” como sendo o resultado do processo – elemento da imediação ética.

A eticidade é a expressão da sistematização lógica da racionalidade. Assim, a autoridade ética (Estado) conduz, tem a obrigação de ordenar o conjunto.

Indivisibilidade Ética

A vontade individual (singular) e a vontade universal (Estado) encontram como identidade os direitos e deveres. “No direito abstrato tenho eu um direito e um outro tem o dever correspondente.” (HEGEL, 148) tendo vínculos recíprocos há o desenvolvimento da Idéia de Liberdade, tanto no âmbito universal quanto no particular. Agora se torna necessário abordar a vida ética, como totalidade individualizada pertencente a determinado povo, enraizada nas leis, de hábitos e costumes que a constitui. A articulação deste com a tríade família sociedade civil estado Novo elemento do ser lhe proporciona a liberdade que o torna efetivo efetividade. Estamos considerando uma forma de comunidade estrita, espaço e tempo delimitado:

“Cada figura está submetida às mudanças de uma história que elabora o seu tempo de validez específico e cuja extensão põe em perigo a conservação do todo. A unidade ética resultante dará razão à exigência que consiste em manter firme o todo no seu movimento de produção de si. A substância determina-se como força estruturante da realidade na medida em que ela é livremente vivida pelos cidadãos.” (ROSENFIELD, p. 145)

Diante desta proposição, tênue é a linha divisória entre o processo de determinação de si (tornar-se sujeito) que a coisificação – declinar sob a força de acontecimentos, hábitos ou o conteúdo ético superveniente que venha a mostrar o quão frágil é a realidade presente do conceito.

Direito Abstrato

O direito, a ética, o mundo real do direito, são formas que se apreendem com o pensar, os conceitos determinam a forma da racionalidade (é convencionar a lei). A lei é em certa medida um ser de identidade com os habitantes da comunidade. Integrou também como idéia dominante de que a filosofia devia ser o princípio motor da aplicação do direito e das leis. Pois da falta desse princípio, conduziria os Estados a uma superficialidade no tocante ao ético, o direito, e sobre todo o dever. O Estado cairia por isto em uma situação de dissolução (em toda a ética interior), e a consciência justa, do direito e da justiça entre os particulares, assim como a destruição da ordem pública e as leis do Estado (como estas últimas estariam embasadas em propósitos e inclinações subjetivas, o sentimento subjetivo e a convicção individual).

Como Espírito objetivo esta é a primeira faze, é a esfera do direito pessoal, o sujeito individual consciente de sua liberdade como expressão exterior da sua natureza como espírito livre. Dá a si mesmo uma esfera externa de sua liberdade, a liberdade é o primeiro e o único princípio de cada indivíduo como parte do Estado, a ciência do direito que é a liberdade em seu movimento dialético.

Ciência do Direito

A ciência do direito é parte da filosofia e se desenvolve como uma ciência que tem como ponto de partida a razão, como resultado da verdade que antecede a constituição da demonstração. Para tanto é, uma ciência teórica, que precisa ser demonstrada na prática. Neste momento há uma diferença entre ciência do direito de o conceito de direito, sendo o primeiro a constituição teórica do último, colocando seu desenvolvimento fora deste, posto que deva ser admitido como dado.

A ciência positiva do direito não importaria isto, pois ela tem como prerrogativa evidenciar o que é jurídico, mostrar as prescrições legais. Temos como sendo constituída essencialmente como esfera das coisas legais e jurídicas em-si, considerando a universalidade inserida na razão, que este por sua vez, na particularidade. Extras comandos legais são discernidos como sendo o essencial de maneira científica. Quanto ao conteúdo destes comandos leva em consideração a necessidade da coisa, como em-si e por si mesma, o direito como tal e a natureza do conceito. Não há correta aplicação do direito, sem existir um princípio da racionalidade que determine as ações dos indivíduos no Estado, e determine a elaborar e aplicar as leis.

Os conceitos do verdadeiro e as leis do ético não são mais que simples apontamentos e convicções interiores, e estas por sua vez são postas ao lado daquelas que constituem a universalidade e o interesse de todos os homens. Acrescentamos a este o vínculo do mundo ético. Como a filosofia, é um desdobramento da razão (racionalidade), é justamente o conhecimento do presente e do real, “o que é racional é real, e o que é real é racional”. O direito é real, que se constitui como uma parte da filosofia.

O objetivo de Hegel, em seu tratado sobre a filosofia do direito é apresentar uma autêntica ciência do Estado, e apresentar este como algo racional em si, não é um modelo ou forma “de governo ideal” que pretende ser aplicada, senão como maneira em que deve conceder-se o Estado como sendo o universo ético, assim sendo em cada indivíduo como filho de seu tempo, e a filosofia em sua totalidade. Seria como o próprio tempo conhecido no pensamento. A forma em sua mais concreta significação é a razão como conhecimento de conteúdo da razão, como essência substancial da realidade ética. E também da natureza juntamente com o sujeito na idéia filosófica.

Sua teoria do direito, na qual o indivíduo é o centro (e um centro da realização moral somente se perfaz no plano da liberdade, até chegar ao plano da vontade e, que na consciência alcança uma verdadeira autoconsciência). O direito é positivo em geral, primeiro pela forma de ter a vigência em um Estado, este como é uma autoridade legal se quer que seja um começo para o conhecimento do direito, que é a ciência positiva do mesmo.

Por necessidade com que um sistema de direito deve ter sua aplicação do conceito universal, situa-se na natureza particular dos objetos e dos casos em que a realidade exterior mostra. O direito tem como fonte original interior, partindo de uma necessidade de cada indivíduo que compõem o estado civil, e exterior no tocante às ações e necessidades da nação que são mostradas na vida prática. Conduz o direito positivo e as leis são contrariadas pelo sentimento do coração (interno) como o impulso e a arbitrariedade, não é a filosofia que reconhece sua autoridade.

A opressão e a tirania podem ser elementos do direito positivo contingente, não afetando sua natureza essencial. Uma prescrição legal pode manifestar-se pelas circunstâncias partindo das instituições motores na área jurídica, como plenamente fundada e conseqüente. Sendo em si e para si, injusta e irracional. Hegel põe que é somente positiva (a lei) quando tiver em sua significação geral e oportunidades em suas circunstancias atuais e definidas, tanto e somente possuir um valor histórico de natureza transitória. É aludido o direito romano, que define particularmente a importância que este se tem no desenvolvimento dos sistemas jurídicos posteriores.

Em cada momento histórico corresponde necessariamente a uma série de leis para este, delimitadas pelas circunstâncias do Estado. A sabedoria dos legisladores e dos governos nas condições dadas e estabelecidas acerca da situação temporal constitui algo em si e pertencem a valorização da história, pois da lei tende a desgastar-se com o passar do tempo.

O campo do direito é em geral o campo da espiritualidade, como seu próximo lugar e ponto de partida a vontade, que deve ser livre. O sistema do direito é o reino da liberdade realizada no mundo do espírito, vontade e liberdade como conceitos fundamentais do desenvolvimento da ciência da direito como ciência do desenvolvimento dos ideais do Estado e de cada um de seus habitantes em particular. O mundo do Espírito é uma manifestação da liberdade absoluta. A liberdade é como um fato da consciência devendo-se crer nela, e que esta redução da vontade sendo livre (somente podemos considerar este período em conexão com o todo). Por isto Hegel empregou claramente um conceito de vontade como conceito universal.

Cada um possui a capacidade de separar tudo o que é, e para tanto, determinar o conteúdo de sua vontade, tendo na própria consciência de si mesmo, um exemplo para todas as determinações. A vontade consiste em um elemento de pura indeterminação ou de pura reflexão do Eu sobres si, a absoluta abstração ou universalidade como puro pensamento de si mesmo.

A vontade determina a si mesma, quando reflete seu conteúdo está refletindo sobre si mesma. A liberdade negativa é em certo sentido parecida com a ilusão transcendental de Kant, em que a razão busca resposta sobre o incondicionado, e quando se dá conta que é impossível. A liberdade não tem limites em Hegel, ou não pretende ter-los. No espírito, tal como este é em si para si, na determinação é simplesmente a sua verdadeira relação da consciência (um lado fenomênico da vontade), a qual não é uma coisa em si. As determinações volitivas (querer desejar amar) são próprias da vontade refletida em sua individualização, sendo conteúdos que se determinam pela consciência.

A vontade livre em si é a vontade imediata ou natural (determinações), são conteúdos da vontade que aparecem como existentes (estímulos – apetites, desejos, inclinações) formando a vontade autodeterminável por natureza. Este conteúdo é para mim e me pertence no absoluto. Com a decisão a vontade se põe como vontade de um indivíduo determinado (distinto) frente ao outro. Por isto a verdade é única pertencente ao indivíduo no seu “Eu” de cada um. É o pensamento uma atividade universal e (objeto e conteúdo) permanece como algo universal. Temos a liberdade da vontade segundo a determinação da infinitude como sendo o arbítrio onde está localizado: a reflexão totalmente liberta, abstraída do todo, da dependência do conteúdo e da matéria considerados tanto em seu interior ou externamente.

A determinação da vontade como uma coisa-em-si é em si e para si, verdadeiramente infinita, pois que é ele mesmo o objeto de autodeterminação. O objeto não é para ela outra coisa senão um limite, a vontade que volta para si. O direito é algo sagrado, é a existência do conceito absoluto (a área da liberdade incondicional), liberdade autoconsciente. Existe também uma esfera do direito formal (em seu sentido abstrato “periculosus arbitrius”) na qual este é levado em si a determinação e realidade a outros momentos de sua idéia tendo por ele determinação de um direito mais elevado.

Conclusão

O resultado da presente pesquisa é muito modesto em face da proposta estampada no título. Nossa pretensão é apenas mostrar o caminho na leitura dos textos hegelianos, no tocante à filosofia social. Como a temática é um tanto rígida – partindo das obras do próprio Hegel – tentamos trazer na medida da conveniência autores que investigaram este pensamento e refletiram (ou expuseram) com maior base didática.

A teoria social de Hegel explica o desenvolvimento progressivo da liberdade em busca de sua efetivação nas estruturas do direito abstrato, da moralidade e, da eticidade. A filosofia do direito é o espírito o objetivo, o “ethos” que alimenta a vida ético-política de um povo, momento de efetivação da liberdade na ordem objetiva. E como etapas para se chegar a esse resultado têm em primeiro lugar o direito abstrato e depois disso a moralidade.

A filosofia do direito considera em um primeiro momento a pessoa individual que assim se realiza na propriedade, esfera exterior de sua liberdade. Para o direito realizar-se no mundo (existência concreta) ela deve materializar o subjetivo – direito abstrato.

Por direito também é considerado a moralidade: é a mediação e interiorização da liberdade; onde se manifesta a ação e finalmente onde o indivíduo e a coisa são parte de si (subjetivamente).

 

Referências bibliográficas
CHAGAS, Eduardo. Introducao ao pensamento politico de Hegel. Fortaleza : UFC/NEPS, 1998. (Cadernos de ciencias sociais. Serie estudos e pesquisas, n36).
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Principios da filosofia do direito. Sao Paulo : Martins Fontes, 1997. xl, Traducao de: Grundlinien der philosophie der rechts.
MARCUSE, Herbert. Razao e revolucao : Hegel e o advento da teoria social. 4. ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1988. (O mundo hoje, v.28). Traducao de Reason and revolution.
NÓBREGA, Francisco Pereira. Compreender Hegel. Petrópolis: Vozes, 2005.
ROSENFIELD, Denis L. (Denis Lerrer). Politica e liberdade em Hegel. Sao Paulo : Brasiliense, 1983.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Fabio Brych

 

Bacharel em Direito – Universidade Regional de Blumenau – FURB Pós-graduando em Direito Administrativo – UFG

 


 

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