Direito, subjetividade e interpretação

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No século passado as descobertas mais importantes, tanto nas ciências humanas quanto nas exatas, tiveram o condão de alterar o conceito de realidade, passando esta a não ser vista de uma maneira estática. Segundo a Teoria da Relatividade, de Albert Einstain, a verdade, seja ela política, moral, religiosa ou científica, varia conforme a época, o lugar ou o indivíduo. A física quântica também ensina que, a depender de observador, a matéria irá se manifestar, nos seus níveis subatômicos, em partículas ou em moléculas. A própria semiótica, ciência geral dos signos, entende que cada um guarda dentro de si um referencial singular capaz de filtrar a realidade. Em se tratando de direito essa relatividade não é menor, já que o objeto desta ciência é a dissolução dos conflitos entre os membros da sociedade através de um processo, no decorrer do qual cada parte oferecerá o seu ponto de vista.


O escritor cearense Ricardo Kelmer lembra a história de um acidente de trânsito no qual um motorista atropelou um pedestre na avenida mais movimentada da cidade. Este alegou que o motorista vinha em velocidade maior que a permitida, e que por isso não o viu. Aquele afirmou que o pedestre atravessou a rua quando o sinal estava verde, e que não desviou o seu veículo porque havia um ônibus ao seu lado. O segurança do banco, que presenciou tudo, falou que o motorista tinha sido trancado por outro carro, não lhe restando outra opção senão avançar para o local onde estava o pedestre. E um executivo, que observou o ocorrido da janela de seu escritório, disse que o sinal na verdade estava vermelho. Esse é exatamente o papel do direito, fazer com que cada um tenha direito e relatar a sua versão para que, ao final, baseado em argumentos, provas, testemunho e leis, se possa chegar a um consenso e, com isso, se fazer justiça.


Todavia, não será apenas a versão de cada parte na contenda que influenciará o resultado final, mas também, e talvez principalmente, a de todos os profissionais da área jurídica. O funcionário do cartório, por exemplo, desempenhará o seu trabalho de uma forma burocrática, tentado se ater estritamente às responsabilidades que lhe foram dadas. Ao Ministério Público caberá atuar como fiscal da lei, descobrindo as falhas do advogado a apontando ao juiz o caminho de maior justiça. E o advogado deverá agir com objetividade, de modo a fazer com que o seu cliente atinja efetivamente o seu direito. Quanto ao juiz, o seu trabalho é em certo sentido o mais importante de todos, já que a ele cabe proferir a decisão final do processo. Para tanto ele tem de filtrar a subjetividade de cada um desses profissionais, e a dele própria, com relação à entrega da prestação jurisdicional. O problema é que nem sempre o direito se resume a esse maniqueísmo simplório entre quem tem e quem não tem razão. Para colorir isso, vale lembrar uma história passada na velha Grécia, retirada do livro de Bertrand Russell “História da Filosofia”, que muito gostava de contar o advogado e poeta recifense Edmir Domingues:


Conta-se que o grande sofista Protágoras, aquele que disse não haver a Verdade, e sim a verdade individual, a verdade de cada um, e que o homem é a medida de todas as coisas, foi o primeiro mestre que cobrou honorários pelos ensinamentos que ministrava Antes dele os mestres recebiam, apenas, as dádivas voluntárias dos seus discípulos. Protágoras inaugurou a fase do ensino pago. No entanto, um de seus alunos, o discípulo amado Evalthus, era muito pobre e não podia pagar o curso de jurisprudência, que pretendia fazer. Então, fizeram ambos um contrato, pelo qual Evalthus pagaria o seu curso, de uma só vez, se ganhasse a sua primeira causa. Conta-se que Evalthus, concluído o curso, não passou a advogar, até que, um dia, perdida a paciência, Protágoras ajuizou contra ele uma ação de cobrança, dizendo que o discípulo, sabendo o mestre muito velho, estava esperando que ele morresse, para furtar-se ao pagamento. E a fundamentação da ação de cobrança era de que agora, naquele tempo, Evalthus pagaria de qualquer modo. Protágoras, se ganhasse a ação, receberia em virtude da sentença, e, se perdesse, receberia em virtude do contrato. Porque Evalthus tinha ganho a sua primeira causa.


Parecia irrespondível.


Mas Evalthus contestou a ação, dizendo que não estava esperando que o mestre morresse, e, sim, que ele ajuizasse aquela ação. Porque, agora, não pagaria mais. Se vencesse a ação, estaria desonerado pela sentença. E se perdesse, nada deveria, em razão do contrato, porque havia perdido a sua primeira causa.


É claro que são verdadeiras as duas teses, o que pode diferir é o ponto de vista do profissional do meio jurídico que, diante de um caso prático, terá de optar entre um ou outra. Entretanto, essa história nos deixa uma lição, que é a certeza de que o direito não deve ser tratado feito uma ciência exata, como querem os mais apegados à letra da lei. Direito é interpretação, é subjetividade, é percepção, logo há certa parcela de variação a depender de quem o aplique. E para melhor se aproveitar dessa subjetividade, cabe aos operadores do direito aplicar a equidade, que é a justiça do caso particular e suas peculiaridades, de modo que o bom senso prevaleça na sentença. O inciso III do art. 1º da Constituição Federal inclusive aponta nesse sentido, quando coloca que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Sendo o direito feito pelo homem e para o homem, e não o oposto, esse princípio deve conduzir o aplicador do direito na resolução dos conflitos, aliando a sensibilidade àqueles valores intrínsecos à vida e à qualidade de vida humana. Com isso a prestação jurisdicional deve se tornar mais sensível e humanizada, e a paz social será mais amplamente difundida.



Informações Sobre o Autor

Talden Queiroz Farias

Advogado com atuação na Paraíba e em Pernambuco, Especialista Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba e da Universidade Estadual da Paraíba. Assessor jurídico da Coordenadoria de Meio Ambiente da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Campina Grande (PB).


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