Determina o artigo 94 da Constituição que um quinto dos lugares dos tribunais seja de membros do Ministério Público e de advogados. Ocorrendo vaga reservada ao quinto, o MP e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), alternadamente, elaboram lista com seis nomes. Recebendo-a, o tribunal reduz os nomes para três e os encaminha ao Executivo, que, em seguida, escolhe, livremente, um para nomeação.
Esse é o quinto constitucional. Sua origem remonta ao período do Governo Provisório de Getúlio Vargas, decorrente da Revolução de 1930, que se estendeu até a Constituição de 1934. Seu objetivo, como mecanismo de controle político, foi introduzir nas cúpulas estaduais do Judiciário pessoas da confiança do Executivo, que já controlava o Legislativo.
Com a Constituição de 1988, o quinto foi estendido aos demais tribunais, exceto ao Supremo Tribunal Federal, sendo que, no Superior Tribunal de Justiça, um terço dos 33 ministros devem provir da OAB e do MP, enquanto que dois terços, de desembargadores. Mas os membros do quinto, dotados de forte articulação política e fácil trânsito nos círculos dos poderes, disputam as vagas com vantagem. Pelo quinto sobem aos tribunais, tornando-se desembargadores. Aí concorrem ao STJ pelos dois terços da magistratura. Com isso, hoje, mais da metade dos ministros provêm da OAB e do MP.
Já nos órgãos especiais dos tribunais, suas cúpulas, os oriundos do quinto são representados proporcionalmente. Se 15 os membros, três têm de ser do quinto. Assim mantida a origem, que abandonam na disputa no STJ, os integrantes do quinto, mais modernos nos tribunais, muitas vezes ultrapassam magistrados de carreira mais antigos.
Entende-se que, em tempos de obscurantismo, regime autoritário, interessasse o quinto. Mas, hoje, a introdução de membros estranhos à magistratura responde a anseios corporativos, políticos e de prestígio pessoal. Interessam à OAB e ao MP vagas nos tribunais, porque contemplam expectativas de informação, atuação e representação em prol das corporações respectivas. Interessam ao Legislativo e ao Executivo, porque propiciam espaço de negociação política, com a conta do apoio concedido para a nomeação podendo ser apresentada no futuro.
Não interessa à sociedade o quinto, porque, no atual sistema, o Judiciário já é fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça, também composto por membros da OAB e do MP, além de juristas indicados pelo Legislativo. Já é transparente, porque todas suas decisões são fundamentadas e escritas, sob vigilância dos advogados e do Ministério Público. A informatização dos tribunais inclusive possibilita o acompanhamento de julgamentos em tempo real.
Recentes matérias da mídia, envolvendo seccionais da OAB, com rol divulgado de desafetos, fraudes em exame de ordem, dissenso político em que não faltam reuniões nada ortodoxas gravadas em bares, ausência de fiscalização, bem como o impasse na última lista sêxtupla enviada ao STJ evidenciam que o sistema padece de mal incurável.
Nem sempre os advogados mais qualificados têm boas chances de figurar nas listas, onde importa o bom relacionamento com o grupo diretivo da entidade. Aliás, o advogado competente, bem sucedido, exceto invencível chamado vocacional, não abandona sua banca, em que ganha bem mais, para ingressar na magistratura, de um dia para outro, no tribunal, com a responsabilidade de rever as decisões de juízes de carreira experientes.
Pelo lado do Ministério Público, seus integrantes, todos legitimados por concurso público de provas e títulos tão difícil quanto o da magistratura, certamente se orgulham das relevantes funções e atribuições que exercem em defesa da sociedade e que muito se ampliaram com a Constituição de 1988. Não precisam de vagas em tribunais para demonstrar valor pessoal. Seu futuro se insere na grandeza da instituição a que pertencem.
Em recente reunião, representantes das associações do MP, por grande maioria, se manifestaram contra o quinto na forma atual. Pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros acaba de revelar que 72,7% dos juízes são favoráveis à extinção do quinto. Mesmo reconhecido o relevo da contribuição de proficientes e dignos magistrados oriundos do quinto. A crítica é ao instituto, não às pessoas. Sua manutenção ameaça a independência e a qualidade técnica do Poder Judiciário.
O quinto se tornou anacrônico pela própria evolução e modernização do Judiciário. Insta a apresentação de emenda constitucional para sua extinção. Seu tempo já passou.
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Mário Machado.
Desembargador do TJDFT