Manipulação genética: Aspectos morais – Parte III

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O artigo 5º da Lei de Biossegurança deve ser analisado, agora, do prisma constitucional, ou seja, estaria o dispositivo em conformidade com os dispositivos previstos pela Carta Magna?



“Art. 5º – …


IX. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;…” 


O artigo 5º da Constituição Federal é claro ao disciplinar os direitos e garantir individuais de cada cidadão brasileiro, dentre eles, a liberdade do cientista, o que demonstra a atualidade e a preocupação da Carta Magna em garantir os avanços científicos que podem propiciar ganhos à própria população brasileira.


Por esse entendimento, o artigo 5º da Lei de biossegurança está protegido pelo artigo 5º, IX da Constituição Federal.


“Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.


§ 1º – A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”.


O legislador nacional pode não ter procedimentalizado e, tampouco, pormenorizado os regramentos para as pesquisas cientificas, no entanto, a Constituição Federal garante que toda e qualquer iniciativa cientifica profícua deve receber atenção prioritária por parte do Estado.


A previsão legal denota a maior capacidade do Estado em investir em pesquisa na ciência, até mesmo, pela maior capacidade arrecadatória do mesmo. Ademais, como ente regulador da sociedade, não é de se estranhar que a figura abstrata denominada Estado seja a responsável pelo investimento no desenvolvimento do próprio País.


Especialmente no Brasil, apesar do investimento escasso, em total desconformidade com o que prevê a Constituição, o País tem colecionado importantes avanços científicos, apesar de ainda conviver com alguns retrocessos inimagináveis como a existência de dengue na segunda maior Capital, em pleno século XXI.


E, apesar de não haver uma regulação expressa sobre as células-tronco serem ou não prioridade, pelo entendimento constitucional, o caráter de pesquisa faz com que o assunto, além de prioritário, seja agraciado, inclusive, com investimentos do próprio Estado.


Como o artigo em tela é o único dispositivo que trata da questão do uso das células-tronco iremos analisá-lo e apontar as falhas de procedimento.


“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:


I – sejam embriões inviáveis; ou


II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.


§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.


§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.


§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.


O primeiro ponto de destaque é a permissibilidade do uso das células-tronco para pesquisa e terapia, ou seja, ainda nem é sabido se as pesquisas resultarão em experimentos confiáveis, mas, de antemão o legislador já propicia a aplicação e manipulação das mesmas, o que pode levar ao entendimento da utilização de seres humanos em projetos essencialmente experimentais, já que não existe qualquer indicio ou etapa regratória, como testes em animais, por exemplo.


O segundo ponto é a utilização de embriões congelados, por um período mínimo de três anos e, com o consentimento expresso dos pais, ou seja, as pessoas que investiram na fertilização e cederão os embriões para o bem da ciência, sem qualquer implicação de ônus, já que o dispositivo é silente a respeito, ou seja, os pesquisadores utilizam-se material financiado por particulares para iniciarem as pesquisas.


Sobre pontos obscuros ou omissos: como será feito o descarte dos embriões utilizados nas pesquisas?


Como será feito o descarte de embriões considerados inviáveis e que não foram autorizados pelos pais para serem encaminhados à pesquisa?


 Como será feita a fiscalização das clinicas autorizadas para procederem às pesquisas? Como será feito esse credenciamento? Qual a validade?


E, ainda temos um tema a tratar: Toda a argumentação travada sobre a capacidade ou não do embrião ser considerado uma pessoa humana, ou um estado posterior ao ser humano se deve, uma vez mais, a falta do legislador em procedimentalizar a questão não das pesquisas com células-tronco, mas sim, da origem do embrião, ou seja, da fertilização in vitro.


Afinal, não custa salientar, mais uma vez, que todos os embriões, inviáveis ou não, foram criados artificialmente pelo homem, através de manipulação genética.


A criação, em larga escala, de embriões como forma de garantir uma gestação ocasiona a proliferação de embriões criados em laboratório.


O médico deseja o sucesso do procedimento e, também, se resguarda de qualquer tipo de reclamação futura e, como não existe nenhuma previsão legal o cientista manipula os genes da forma como melhor lhe for conveniente.


Mesmo assim, ainda resultam embriões tidos como “inviáveis”, ou seja, que não podem ser manipulados, ou melhor, não ocasionarão o fruto desejado no ventre feminino, falta de forma premente uma tipificação acerca da criação desses embriões, seu aproveitamento, se descarte.


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O homem não pode criar, por exemplo, dez embriões, utilizar quarto e os outros seis congelar para uma próxima oportunidade. A lacuna normativa no caso da fertilização é muito mais danosa e enseja mais e mais questionamento a própria lei de biossegurança que foi igualmente estéril na abordagem do tema.


O artigo 25 da Lei nº 11.105/05 prevê severas penas à engenharia genética, mas não é o mesmo procedimento basilar utilizado na fertilização? E qual a pena prevista para quem faz engenharia genética na fertilização in vitro?


É intrigante como ainda que momentaneamente o assunto das pesquisas em células-tronco embrionárias tenha assumido a agenda das discussões, como que num súbito momento não houvesse nenhuma outra alternativa a não ser a manipulação dos embriões tidos como inviáveis.


Uma série de dispositivos constitucionais foi elencados como possibilidades viáveis ao continuísmo das pesquisas, no entanto, resta uma pergunta singular e de vital importância: existe algum outro tipo de pesquisa ou tratamento que propicie o mesmo resultado pretendido pelos cientistas?


O cerne do problema é que os mesmos pesquisadores ainda não sabem ao certo da eficácia de um tratamento com células-tronco, e assim é a verdade, pois, continuam as pesquisas.


Atualmente, o cientista não pode garantir o sucesso de uma inserção de células-tronco sejam embrionárias ou adultas, as reações do corpo humano ainda são imprevisíveis a essa miscigenação.


No entanto, aos portadores de doenças incuráveis, de pessoas que perderam a mobilidade vislumbram nos parcos resultados obtidos até o momento a certeza de um sucesso que nem a medicina possui, mas almeja.


Esse sentimento se chama esperança, ainda mais nutrida em pessoas que já ouviram expressões de médicos reiteradas vezes como: “seu quadro é irreversível”, “lamento, mas você não voltará a andar”.


Agora, se reacende a chama da esperança e o cientista em busca da aprovação de seu intento adverte: pode representar a concretização da esperança de muitos.


E quantos outros métodos foram testados? Qual a percentagem de resultados positivos? A resposta ainda é muito lacunosa.


Agradeço a paciência e os elogios de todos os leitores ao longo de todo esse tempo em que estive como colunista nesse espaço e peço licença para me ausentar, ainda que por um breve período, para alçar um vôo numa outra direção, o que me impossibilitará do nosso convívio semanal, mas prometo voltar, ainda esse ano, a partilhar minhas idéias com todos novamente



Informações Sobre o Autor

Antonio Baptista Gonçalves

Advogado, Membro da Association Internationale de Droit Penal, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP, Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP, Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s, Responses – Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca, Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV


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