Uma das grandes discussões sobre o tema da constitucionalidade e dos efeitos dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal é o relativo à “eficácia contra todos e efeito vinculante” das suas decisões, em especial pelo fato de que, ao lado das deliberações com tal prerrogativa, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade e nas Ações de Inconstitucionalidade, existem as referentes ao sistema de controle difuso, que, em princípio, valem apenas para o caso concreto examinado, podendo a norma vulnerada vir a ter suspensa a sua execução pelo Senado Federal se, e quando, este assim o decidir.
A Emenda Constitucional n.º 45, de 8/12/2004, veio modificar o quadro que existia desde o texto original e de sua modificação pela EC n.º 3, de 17/3/1993 e este texto vem contemplar as alterações da norma fundamental neste particular.
Diga-se, de passagem, que existe uma discussão doutrinária sobre se há, ou não, obrigação do Senado Federal em realizar esse ato de suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Pretório Altíssimo.
Entendem alguns autores que Senado Federal não tem a obrigação de proceder à edição da resolução suspensiva da execução do ato impugnado. Para eles, este ato se insere na discricionariedade do Poder Legislativo, ato político que é, mesmo de alcance normativo. Em especial, no juízo de conveniência e de oportunidade da decisão.
Neste sentido, Paulo Brossard ensina: “Tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém exercer a competência, a ele, e só a ele, atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do STF. No exercício dessa competência cabe-lhe proceder com equilíbrio e isenção, sobretudo com prudência, como convém à tarefa delicada e relevante, assim para os indivíduos como para a ordem jurídica”.[1]
Já na direção oposta, dizem Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins: “A mais correta decisão nos parece ser aquela que atribui significado ao papel do Senado, sendo este, contudo, meramente formal. Cabe, ao nosso ver, ao Senado examinar se ocorreram os pressupostos constitucionais para a declaração de inconstitucionalidade. Não nos parece merecer acolhida a alegação de se tratar de questão interna corporis do Supremo. Ao Senado incumbe justamente o indagar do respeito a todos os requisitos formais para a suspensão da lei ou ato. O Senado, nestas condições, em exercendo função própria do Legislativo, não se pode furtar à suspensão de lei declarada inconstitucional pelo STF desde que se tenham verificado os requisitos para tanto”.[2]
A norma constitucional, alterada pela Emenda Constitucional n.º 3, de 17/3/1993 – o art. 102, no seu § 2º – que criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade, diz que:
“As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo”.
Já o texto modificado pela EC-45 traz o efeito vinculante para a decisão definitiva de mérito nestes dois tipos de procedimento, com o seguinte teor para o § 2º do art. 102:
“Art. 102. (…)
§ 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade não havia, pelo texto de 1988, base constitucional para o denominado “efeito vinculante”, como o que a Constituição veio conferir, pela EC-3, à Ação Declaratória de Constitucionalidade, posto que, até o advento da nova reforma do Judiciário, tal prerrogativa decorria de lei ordinária e, não, de norma constitucional. A Lei n.º 9.868, de 10/11/1999, no parágrafo único do art. 28, estendeu os mesmos efeitos ao disciplinar o processo de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade.[3] Já havia, contudo, entendimento jurisprudencial a respeito, como se verá.
Dita lei, ao tratar da medida cautelar em ADIn, estipula no § 1º do art. 11, que tal medida cautelar será dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa. Com tal providência, torna-se aplicável, nos termos do § 2º do mesmo artigo, a legislação anterior acaso existente, ressalvada expressa manifestação em sentido contrário.
Também tem efeito vinculante, de base legal, a decisão que julgar a argüição de descumprimento de preceito fundamental, conforme dispõe o § 3º do art. 10 da Lei n.º 9.882, de 3/12/1999.[4]
No primeiro momento, o de 1993, a Constituição disse que o efeito vinculante da decisão na ação declaratória de constitucionalidade seria em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. Donde, deduz-se que se trata de órgãos integrantes do Governo Federal, excetuado o Poder Legislativo, posto que somente são legitimadas figuras do Governo Federal a propor este tipo de ação. A lei ordinária, porém, ampliou tais efeitos. Já a EC-45 tornou a decisão mais forte, quando determinou que o efeito vinculante, a partir de então, é relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Esta eficácia erga omnes e o efeito vinculante da decisão do Pretório Máximo, nas ações declaratórias de constitucionalidade, a Constituição, nem no texto originário, nem nas antigas emendas, não os estendeu às “Ações de Inconstitucionalidade”, denominadas pela jurisprudência e pela doutrina de “Ações Diretas de Inconstitucionalidade”, tal como previstas no art. 103 da Super-Lei. Nem às de descumprimento de preceito fundamental. Vieram com as leis dantes referidas.
No parâmetro da Lei processual sobre as ADC e as ADIn inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e o efeito vinculante é em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, a teor do parágrafo único do art. 28, citado.
O efeito vinculante das decisões sobre constitucionalidade e inconstitucionalidade de normas inferiores existe, desde há muito, no Direito Comparado. No Direito Americano, o stare decisis estabelece o precedente judicial, de resto muito próprio do sistema do common law, o que vincula os julgamentos que venham a ser feitos por qualquer juiz ou tribunal daquele País.
O mesmo se dá no Direito alemão, pois as decisões do Tribunal Constitucional vinculam os demais órgãos judicantes e obrigam as administrações, não só a federal, como todas as outras.
O que importa, para a discussão sobre o efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal, agora em questões de declaração de inconstitucionalidade é saber até que ponto as decisões da Suprema Corte nacional têm eficácia contra todos e efeito vinculante com relação aos Poderes Executivo e Judiciário, quando a decisão não for de controle concentrado, mas de controle difuso, em decisão terminal.
Para ao autor são situações distintas, os efeitos das Ações Declaratórias de Constitucionalidade e os de decisões sobre inconstitucionalidade, não só pela via do recurso extraordinário, como no caso das ADIn, pelos seguintes fatos:
Nas primeiras, cuida-se de definir se uma lei ou ato normativo federal é constitucional. O foro competente para tal exame e decisão é o Supremo Tribunal Federal.
Não fora a norma insculpida no § 2º do art. 102, acima transcrita, pouco ou quase nada de efeito teria a decisão da Corte Suprema, uma vez que todo e qualquer juiz ou tribunal poderia continuar exercendo o seu dever de ofício, com a plena liberdade de entender diferentemente. O livre convencimento do juiz permitiria que o mesmo, nas suas sentenças, entendesse que a norma era inconstitucional e decidiria de acordo com a sua convicção, posto que a ação seria meramente declaratória e não constitutiva. Continuaria, assim, em vigor o vetusto entendimento anterior a 1934. Porque, antes de ser dada ao Senado Federal a competência de suspender a execução de norma declarada inconstitucional, o citado dispositivo legal continuava em pleno vigor, somente não valendo para o caso submetido a julgamento.
O mesmo se poderia aplicar aos Tribunais, os quais, dentro da liberdade de convencimento e atendida a regra da maioria absoluta, também estaria apto a decidir que tal lei ou tal ato normativo era inconstitucional, deixando, em conseqüência, de aplicá-los aos casos concretos levados à sua apreciação e julgamento.
Com a vinculação da decisão majoritária ou unânime do Supremo Tribunal Federal, tais insurgências se tornam impossíveis, desaparecendo, em teoria, as hipóteses de desobediência ao comando da decisão do Mais Alto Pretório.
Quando se trata, porém, de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a decisão tomada pelo Pretório Altíssimo tem outro alcance, caso considere inconstitucional a norma – lei ou ato normativo, não só federal, como também de qualquer Estado Membro, ou do Distrito Federal (desde que, neste caso, seja norma relativa à sua competência legislativa correspondente à dos Estados e, não, à dos Municípios). Nem a Constituição, nem a lei.
Vinte e dois anos antes de ser promulgada a Emenda Constitucional n.º 3, que criou a Ação Declaratória de Constitucionalidade e ao resultado do seu julgamento deu eficácia contra todos e efeito vinculante, a Corte Suprema já tinha entendido que a decisão em Ação Direta de Inconstitucionalidade trazia em si mesma essas qualidades, sendo desnecessário o exame e a providência pelo Senado Federal para suspender a execução da norma impugnada.
Sobre esta questão, o Supremo Tribunal Federal, em 1977, entendeu que a comunicação ao Senado não é necessária, pois a decisão proferida pelo STF, declarando a inconstitucionalidade, encerra em si mesma o efeito de excluir a eficácia da lei ou ato normativo. Neste caso, basta a comunicação prevista no art. 354 do seu Regimento. [5]
Isto “afasta a participação a posteriori do Senado Federal nos processos de declaração de inconstitucionalidade por via de ação, entendimento que foi adotado, previamente, no Processo Administrativo n.º 4.477/72, instaurado perante aquela Excelsa Corte, onde, então, fixou-se a interpretação do art. 42, VII, da Carta Constitucional em vigor.[6] Em conseqüência, as decisões do STF que, em ação direta, declararem a inconstitucionalidade, não mais serão comunicadas ao Senado para os fins do art. 42, VII, da Constituição”.[7]
Não é exigida, portanto, a decisão senatorial de suspensão da execução da norma declarada inconstitucional pela Corte Altíssima, como ocorre, desde 1934, quando da decisão terminativa nos recursos extraordinários.
O Presidente do Senado, de acordo com o disposto no inciso X do art. 52 da Carta Maior de 1988, citado, deverá suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
“A intervenção do Senado visa, antes de tudo, expurgar do corpo de leis e decretos aqueles preceitos que não podem ser aplicados por terem sido fulminados pelo Supremo Tribunal Federal (…) O preceito é de aplicação delicada porque generaliza os efeitos e conseqüências das decisões judiciais sobre constitucionalidade e generaliza demais porque inclusive amplia a ação do Senado a ponto de admitir a suspensão de toda a lei ou decreto”.[8]
Em orientação distinta, vê-se que a expressão “no todo ou em parte” não significa que cabe ao Senado Federal a decisão de selecionar, a seu critério, as partes que a execução deva ser suspensa. Como diz muito bem Pontes de Miranda, “suspende ele a parte que foi apontada como inconstitucional, ou o todo, que o foi; e nunca o todo porque uma parte o foi”.[9]
Esta suspensão é referente a toda e qualquer lei que venha a ser declarada inconstitucional, seja federal ou estadual, ou qualquer outro ato normativo, de todos os níveis de tais órbitas de Poder. Toda e qualquer norma jurídica declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, por sentença definitiva, terá que ser afastada do mundo normativo, vir a ter suspensa a sua execução, e o órgão constitucionalmente investido desta função é o Senado Federal.
A decisão do Senado Federal, neste particular, não é apenas formal, porém cabe-lhe o direito de examinar os termos do acórdão da Excelsa Corte, para verificar se a decisão foi tomada adequadamente, e ademais, no entender de alguns autores, é ato discricionário, de cunho eminentemente político, isto é, ato político, mesmo de alcance normativo. Em especial, no juízo de conveniência e de oportunidade da decisão. Conforme o ensinamento do Ministro Paulo Brossard, dantes transcrito. E na direção oposta, a posição que reconhece ao Senado apenas um papel estritamente formal, de verificação do trâmite.
De acordo com o RI-STF, a comunicação ao Senado Federal somente ocorre se a inconstitucionalidade tiver sido declarada incidenter tantum, ou seja, num processo decidido pela via de exceção.
Consoante o disposto na Constituição, esta competência sendo privativa do Senado Federal, como integrante do Poder Legislativo, nenhuma providência outra cabe ao Tribunal Supremo, em decisão como Corte Constitucional, que a respeito assim entendeu:
“A não aplicação, incidenter tantum, de uma norma pelo Poder Judiciário, que a tem por inconstitucional, não nega vigência a essa norma, pelo fato de que cabe ao Senado Federal (art. 42, VII, da Constituição Federal) suspender a sua execução após decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Não-ocorrência, no caso, de dissídio com a Súmula 545”.[10]
Esta, ademais, sempre foi a orientação tradicional do Pretório Excelso, eis que até 1965 não ocorria a hipótese de ação direta de inconstitucionalidade.
Então, existem hoje três situações perfeitamente distintas.
No procedimento de controle difuso da constitucionalidade, a suspensão da execução da norma declarara inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal depende de ato do Senado Federal, isto é, um órgão do Poder Legislativo, o que criou a norma e a retira do mundo jurídico, ao suspender a sua execução.
Enquanto tal não acontece, a norma continua vigente e eficaz, podendo ser aplicada por qualquer Juiz ou Tribunal, sem que haja nisto qualquer desobediência à orientação do Pretório Máximo.
No caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade, o entendimento da existência de conteúdo conforme a Constituição, em termos de forma e de substância impede que qualquer outro magistrado possa se posicionar contrariamente ao já decidido na mais alta instância, que dispõe, de acordo com o comando da Carta Maior, de eficácia contra todos e efeito vinculante.
No procedimento do controle concentrado da constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, pela inconstitucionalidade da norma (lei ou ato normativo), traz nessa mesma decisão o efeito de retirar a eficácia da lei ou ato normativo, sendo desnecessária qualquer participação do Senado Federal, como foi dito.
Então, a norma declarada inconstitucional desaparece, para os efeitos de sua execução, sua aplicabilidade, seja pela decisão do Senado, no caso do controle difuso, seja pela decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso do controle concentrado em ADIn, bem como nas ADC.
Quando relator numa Reclamação para preservação de sua autoridade, oriunda do Estado de Pernambuco, o Ministro Sidney Sanches mostrou a dimensão da decisão de mérito em ADIn:
“A decisão proferida pela Corte, no julgamento de mérito de ação direta de inconstitucionalidade, esta, sim, tem eficácia “erga omnes”, por envolver o controle concentrado (“in abstracto”) de constitucionalidade, mas não comporta execução. E para preservação de sua autoridade, nessa espécie de ação, o S. T. F. só excepcionalmente tem admitido Reclamações, e apenas a quem tenha atuado no respectivo processo, não sendo esse o caso da Reclamante.”[11]
Do momento dos efeitos da decisão de mérito, com eficácia contra todos, em diante, portanto, não há mais a possibilidade de execução da norma. Nenhum Juiz, nenhum Tribunal, nem mesmo o próprio Supremo Tribunal Federal, poderá, desde então, considerar eficaz a norma vulnerada e aplica-la.
Desaparecida do mundo jurídico, pela decisão que lhe suspende a execução, numa ou noutra hipótese, qualquer sentença que a utilizar como sustentação do entendimento estará aplicando, a rigor, uma lei inexistente, ferindo destarte o inciso II do art. 5º da Carta Maior, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei.
Decisório nesta direção estaria ferindo o princípio constitucional da legalidade.
Arrimado o pedido em norma com a execução já suspensa (o que se equivale a norma revogada ou derrogada), ou a sentença, em situações especiais, contrariando assim, como dito, o princípio da legalidade, quando da interposição do recurso, o recebimento deste estará contrariando a garantia constitucional e, portanto, a tal apelo não se deverá dar seguimento.
Daí porque o presidente ou o vice-presidente do Tribunal perante o qual foi interposto recurso deverá, em decisão fundamentada, inadmitir o novo apelo, na conformidade do disposto no art. 542, § 1º, da Lei Instrumentária Civil. Se, eventualmente, esta barreira for superada, decidirá o relator do recurso, seja no Superior Tribunal de Justiça, seja no Supremo Tribunal Federal, na hipótese de interposição simultânea.
Neste sentido, o art. 557 do CPC, aplicável em qualquer tribunal e não apenas nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal, pode o relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível ou em confronto com a súmula ou a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal.
Esta atribuição dada ao relator para arquivar ou negar seguimento ao recurso em tais condições. Decisão esta que poderá ser reexaminada pelo colegiado, pela via de agravo regimental.[12]
O Relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, decidirá o pedido ou o recurso que haja perdido seu objeto, bem como negará seguimento a pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou, improcedente ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo Tribunal.[13]
Sem a menor dúvida que é incabível, um pedido, uma sentença ou um recurso, baseados em lei ou ato normativo cuja execução tenha sido suspensa, por uma ou outra forma.
Portanto, do mesmo modo que se comportam as partes e seus advogados, com a sucessão de recursos incabíveis, interpondo recursos meramente protelatórios, estará neste caso caracterizado o abuso do direito de recorrer, o que o Supremo Tribunal Federal entende “qualificar-se como prática incompatível com o postulado ético-jurídico da lealdade processual”. Esta prática – no entender do STF, “constitui ato de litigância maliciosa repelido pelo nosso ordenamento jurídico, especialmente nos casos em que a parte interpuser recurso manifestamente inadmissível ou infundado”.[14]
Em caso concreto, não exatamente sobre a suspensão de execução, mas de derrogação de norma legal antes do ajuizamento de ação – o que, pelos efeitos de ambos os casos, são equivalentes – o Supremo Tribunal Federal assim se manifestou, em decisão unânime:
“Tendo o caput do artigo 26 da Lei n. 8.212/91 sido derrogado com a nova redação que lhe deu o artigo 6º da Lei 8.436, de 25 de julho de 1992, e tendo essa derrogação ocorrida antes do ajuizamento da presente ação (o que só se deu em 12 de agosto de 1992), também não pode ser a presente ação conhecida quanto a ele, tendo em vista que a jurisprudência desta Corte já firmou o principio, com relação as representações de inconstitucionalidade, de que não é admissível a apreciação, em juízo abstrato, da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de norma jurídica revogada antes da instauração do processo de controle (Rps. 1.034, RTJ 111/546; 1.120, RTJ 107/928-930; e Rp 1.110, DJ de 26.10.84, p. 17.995)”.[15]
Noutro julgamento, quando no Estado de Santa Catarina a Assembléia Legislativa resolveu ladear a decisão anterior em ADIn, o Pretório Supremo entendeu que a Emenda Constitucional que dizia pretender aplicar os efeitos da Ação Direta, na verdade, os estava violando, assim considerou a questão:
“ Direito Constitucional. Serventias Judiciais e Extrajudiciais: Efetivação de Substitutos. Ação Direta de Inconstitucionalidade: Art. 14 do ADCT da Constituição do Estado de Santa Catarina. Medida Cautelar. Reclamação. 1. O art. 14 do ADCT da Constituição do Estado de Santa Catarina, em sua redação original, estabelecia: “Fica assegurado aos substitutos das serventias, na vacância, a efetivação no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, estejam em efetivo exercício, pelo prazo de três anos.” 2. Esse dispositivo, por votação unânime do Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi declarado inconstitucional na ADI nº 363 (DJ 03.05.96, Ementário nº 1.826-01), “por violar o princípio que exige concurso público de provas ou de provas e títulos, para a investidura em cargo público, como é o caso do Titular de serventias judiciais” (art. 37, II, da Constituição Federal), e também para o ingresso na atividade notarial e de registro (art. 236, § 3º). 3. A pretexto de dar cumprimento a essa decisão do S. T. F., que, por ser declaratória e com eficácia erga omnes, independia de execução, a Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, em data de 18.06.1996, promulgou a Emenda nº 10 à Constituição Estadual, com este Artigo único: “Artigo único – Respeitadas as situações consolidadas, fica suspensa a execução do artigo 14 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de Santa Catarina.” 4. Com isso, o que fez a Assembléia Legislativa foi conferir eficácia ao art. 14 do ADCT, em sua redação original, ao menos para amparar as “situações consolidadas” até 18.06.1996, data de sua promulgação. 5. Vale dizer, pretendeu retirar do acórdão do S. T. F., que declarara a inconstitucionalidade do art. 14 do ADCT, em sua redação original, sua eficácia ex tunc, para só admiti-la a partir de 18.06.1996. 6. E como se valeu de um outro ato normativo, consubstanciado na referida E. C. nº 10/96, podia ela ser impugnada, mediante nova ADI, como foi, não sendo o caso de se examinar o pedido como Reclamação, prevista nos artigos 156 e seguintes do RI-STF, como alvitrado na inicial. 7. Assim, a ação foi corretamente distribuída como ADI e como tal é admitida. 8. E a medida cautelar há de ser deferida, pois se forem “respeitadas as situações consolidadas”, como estabeleceu o artigo único da Emenda impugnada, terão sido preservados, inconstitucionalmente, os pretensos direitos daqueles que, durante a vigência do art. 14 do ADCT da Constituição Estadual de Santa Catarina, em sua redação original, ingressaram nas serventias judiciais ou na atividade notarial e de registro, sem o concurso público, exigido em norma geral pelo art. 37, II, da C. F., e em norma especial pelo art. 236, § 3º. 9. Mas o deferimento não precisa ser total. 10. Basta que se suspenda a eficácia das expressões “respeitadas as expressões consolidadas”, contidas no artigo único da E. C. impugnada, pois, no mais, ainda que desnecessariamente, suspendeu a execução do art. 14 do ADCT, em sua redação original, à vista da decisão desta Corte, que o declarara inconstitucional. 11. Medida cautelar deferida, em parte, para se suspender, desde 18.06.1996, data da E. C. nº 10/96 (ex tunc), a eficácia das expressões “respeitadas as situações consolidadas” contidas em seu artigo único. 12. O voto parcialmente vencido suspendia a eficácia de todo o art. 14, com a redação dada pela E. C. 10/96.”[16]
Finalmente, no caso das decisões em recurso extraordinário, naqueles casos em que o problema da inconstitucionalidade de uma norma espoca em todo o País, simultaneamente, a quantidade de casos rigorosamente idênticos sobre em grau de recurso extraordinário até o Pretório Magno, que se vê obrigado a ficar repetindo a mesma decisão, em pilhas e pilhas de processos, os quais são idênticos no conteúdo, mesmo com variação de forma, nas exordiais, contestações, sentenças, recursos e, finalmente, na decisão maior do exame da constitucionalidade, ou não, do dispositivo de sustentação da decisão, que é, igualmente, sempre a mesma para todos os casos que lhe são submetidos.
Quantas vezes se vêem, na leitura de decisões do Supremo Tribunal Federal, que aquele acórdão é igualmente relativo a uma série enorme de processos rigorosamente idênticos, vindos com a menção: “Acórdãos no mesmo sentido”, seguido da relação dos demais casos. Quem se lembra da quantidade de processos em recurso extraordinário ou agravo de decisões denegatórias e embargos de declaração nos casos relativos ao FGTS, sabe a quantidade de decisões rigorosamente idênticas que foram proferidas pela Corte Excelsa, com enorme dispêndio de tempo para o reexame da mesma e idêntica postulação.
Noutras situações, no acórdão, depois de se fixar o ponto da controvérsia, se esclarece: “Precedentes desta Corte”, com a relação de casos com decisões similares.
Para diminuir esta quantidade enorme de processos levados a exame, melhor dizendo, na prática um “reexame” da mesma matéria, pela via do recurso extraordinário, a única solução possível será a adoção do efeito vinculante e eficácia contra todos, por uma Súmula com tais prerrogativas.
Claro que esta opinião esbarra numa forte corrente doutrinária e, claro, na norma legal vigente, o art. 479 da Lei Instrumentária Civil, quando diz: “O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”, completando, no seu parágrafo único: “Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante”.
Não se deverá, simplesmente, seguir os traços do Direito dos Estados Unidos da América, do precedente judicial, posto que não está o Brasil no sistema do common law, mas no do Direito Romano-Germânico.
Como ensina Ronaldo Poletti, “a norma é antecedente à sentença, não decorrente dela. (…) O que caracteriza o Direito é a interpretação. Não há Direito sem interpretação. A regra do efeito vinculante inibe a interpretação do Direito pelos seus aplicadores”.
Segundo o eminente mestre, com a experiência de ex-Consultor Geral da República, a súmula vinculante não resolve nada, porque as decisões assim tomadas poderiam ser vulneradas pelos recursos para os tribunais sobre o assunto, aduzindo com proficiência, que “os juizes não poderão ser impedidos de julgar contra a súmula vinculante (a não ser que se crie algum crime ou sanção administrativa!).” [17]
Em oposição, esclarece o professor e juiz mineiro Antonio Álvares da Silva que “a figura do juiz rebelde, cultivada por alguns, que não se conforma com o decidido na Corte Mais Alta, é mais por uma questão de vaidade do que de resultados práticos. Por ela pagam as partes que ficam à espera dos seus direitos, enquanto, no Judiciário, se repete o mesmo filme com o final já de todos conhecido”.
Informações Sobre o Autor
Palhares Moreira Reis
Advogado. Doutor em Direito. Professor Catedrático Honorário Visitante da Universidade Moderna de Portugal. Coordenador Acadêmico da área jurídica da FOCCA – Faculdade de Olinda. Conferencista honorário da Escola Superior de Advocacia Ruy da Costa Antunes, da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de Pernambuco. Professor aposentado de Ciência Política, na graduação de Ciências Sociais e de Direito Constitucional, na graduação de Direito, e ex-professor de Direito Eleitoral e Direito da Cidadania no Mestrado e no Doutorado em Direito, ex-professor de Sistemas Eleitorais no Mestrado em Ciência Política, todos da Universidade Federal de Pernambuco. Ex-Professor de Ciência Política, de Teoria Geral do Estado, de Direito Eleitoral e de Política de Pernambuco na Universidade Católica de Pernambuco, na Faculdade de Direito de Olinda, na Faculdade Salesiana do Nordeste e na Escola Superior de Magistratura de Pernambuco. Ex-Assessor do Ministro de Estado da Educação e do Governador do Estado de Pernambuco. Membro Fundador da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas e da Academia Pernambucana de Ciências Morais e Políticas. Membro da Associação Brasileira de Constitucionalistas – Instituto Pimenta Bueno, de São Paulo. Conferencista em congressos nacionais e internacionais. Autor de 27 livros, alguns deles em mais de uma edição, e mais de 300 artigos em revistas especializadas, capítulos de obras coletivas e folhetos, além de artigos em jornais e programas culturais em rádio e televisão educativas