Sumário: 1 Introdução; 2 Afinal, o que
são Direitos Humanos?; 3 Breve Histórico e o Princípio Nacional das Relações
Internacionais; 4 Formas de solução dos Conflitos entre Tratados e as Normas de
Direito Interno, segundo as Teorias Monistas e Dualistas; 5 A Preocupação
Internacional com os Direitos Humanos e o Princípio da Aplicação Imediata (art.
5º, §1º, CF/88); 6 A Reforma Do Judiciário e os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos; 7 Conclusão.
1 Introdução
O presente estudo tem como objetivo principal tecer alguns comentários
e analisar o processo de internalização dos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos, através de um estudo comparativo entre o sistema anterior à Emenda
Constitucional 45 de dezembro de 2004 com o sistema atual, ou seja, após a
referida reforma. Porém para que se possa chegar ao final do estudo é de suma
importância que o leitor esteja situado em relação ao tema, para isso, num
primeiro momento, buscou-se conceituar, ainda que sucintamente, o que são
direitos humanos, dessa forma demonstrando que estes são um ideal universal.
Num segundo momento, tecer-se-á um histórico sobre os Direitos Humanos
no Brasil, iniciando-se a partir da Promulgação da Constituição Federal de
1988, a qual foi um marco divisório entre os governos militares e a
redemocratização brasileira, ainda neste tópico inicia-se o fundamento
principal deste estudo, qual seja, a internalização dos Tratados Internacionais
de Direitos Humanos, elencando o princípio norteador das Relações
Internacionais no Brasil.
O Brasil ao aplicar o princípio da dignidade humana nas suas Relações
Internacionais, vem cada vez mais, internalizando Tratados Internacionais que
versem sobre Direitos humanos, os quais assim que inseridos no sistema
normativo nacional através do processo de ratificação poderão vir a causar
conflitos com as normas já existentes, para isso buscar-se-á esclarecer sobre
as formas de solução de conflitos entre estas normas, segundo as Teorias
Monistas e Dualistas.
2 Afinal, o que são direitos
humanos?
Decorrido mais de meio século após a proclamação da Declaração
Universal de 1948, não há no que se falar em conceito ou em fundamentação dos
direitos do homem, porém só nos resta a proteção, pois apesar dos solenes e
importantes acordos ocorridos neste ínterim, ainda sim estes são continuamente
violados, portanto, não é mais época para buscar a natureza, o fundamento, mas
sim a discussão a cerca do tema tendo como fundamento o modo mais seguro de
proteção e garantia dos direitos humanos.
Desta forma, vê-se que a contenda que se forma em torno do conceito e
os fundamentos dos direitos humanos, está um tanto quanto resolvida, ou seja,
não há mais uma enorme preocupação para àqueles que buscam conceituar os
direitos humanos, voltando seu esforços para encontrar uma forma de efetivação
e proteção.
Isso posto, Norberto Bobbio (1992, p. 46) assevera dizendo que
“Com efeito, pode-se dizer que o problema do fundamento dos direitos
humanos teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1848”.
Ainda na mesma esteira da tentativa de efetivação e conceituação dos
Direitos Humanos, Valério de Oliveira Mazzoulli (2001, sp), descreve os
direitos do homem como sendo compostos de direitos individuais, tendo como
princípio norteador sua visa extremamente individualista.
Para tanto, buscar os conceitos e fundamentos dos direitos humanos não
é tarefa difícil, basta apenas, olhar para os lados e verificar tudo aquilo que
está ao nosso redor e que nos protege de malefícios que a natureza ou o até
mesmo o próprio homem impõe para sim mesmo. Seguindo o conceito de Dalmo de
Abreu Dallari (1998), fica evidenciado que direitos humanos são nada mais, nada
menos que os direitos fundamentais, ou seja, todas as garantias sem as quais
não seria possível viver com dignidade, sem os quais não há possibilidades para
se desenvolver e de participar plenamente da vida, assim correspondendo as
necessidades essenciais inerentes à pessoa humana, necessidades tais como: vida,
alimentação, saúde, moradia, educação, segurança pública entre outras tantas.
3 Breve histórico e o príncípio
nacional nas relações internacionais
A incessante busca pela institucionalização e garantias dos direitos
fundamentais e individuais teve como marco significativo a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a qual iniciou o processo de redemocratização do
Estado brasileiro, pois até momentos antes da sua promulgação, o regime militar
ditatorial instalado em 1964, havia suprimido direitos constitucionais, civis e
políticos, assim estabelecendo uma ditadura do Poder Executivo sobre os demais
poderes do Estado. Portanto como já visto, a Constituição Federal abre o
ordenamento jurídico interno para privilegiar a idéia contemporânea do direito
constitucional, o qual tem como um dos seus fundamentos a manutenção dos
direitos do ser humano.
Juntamente com este processo de redemocratização do
Estado brasileiro marcado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, o
qual tem dentre os seus princípios das relações internacionais, a prevalência
dos direitos humanos (art. 4º, II, CF/88), vê-se a intensa ratificação de
inúmeros Tratados Internacionais de Direitos Humanos, no âmbito regional e
mundial, podendo ser citados no âmbito regional: a) a Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra
a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de
setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de
setembro de 1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em
24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção Americana de
Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de
1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de
Morte, em 13 de agosto de 1996 e i) o Protocolo à Convenção Americana referente
aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21
de agosto de 1996.
Mais do que nunca,
o Brasil é regido pela dignidade da pessoa humana no que tange as suas relações
internacionais, pondo prática o que tem de maior valor para o homem que é o
próprio homem, assim assegurando e dando eficácia aos direitos e garantias
fundamentais para a sobrevivência digna e próspera.
4 Formas de solução dos conflitos entre tratados e as
normas de direito interno, segundo as teorias monista e dualista
No âmbito do Direito Internacional Público vê-se a intensa ratificação
de Tratados Internacionais concluídos entre os sujeitos de direito
internacional público nos mais variados temas propostos, com isso na tentativa
de solucionar os problemas surgidos com os conflitos entre Tratados e Norma de
Direito Interno, surgiram duas correntes doutrinária, quais sejam: Teoria
Monista e Teoria Dualista. Para a Teoria Monista, o Direito é um só sistema
universal, ou seja, constitui-se da ordem jurídica internacional e da ordem
jurídica interna. Porém, os Monistas dividem-se em duas outras correntes: os
que defendem que direito nacional de cada Estado prevalecerá sobre a norma
internacional, os chamados monistas nacionalista, mas em contrapartida, advêm
os defensores de que o direito externo deverá prevalecer sobre o direito
interno, os quais estão os defensores do monismo internacionalista.
Dessa maneira José Francisco Rezek (2002, p. 4), argumenta sobre o
tema:
“[…] Os autores monistas dividiram-se em duas correntes. Uma
sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional,
a que se ajustariam todas as ordens internas. Outra apregoa o primado do
direito nacional de cada Estado soberano, sob a ótica a adoção dos preceitos do
direito internacional reponta como uma faculdade discricionária”.
Contudo, com a mesma finalidade de tentar solucionar os conflitos
surgidos entre as normas de direito internacional e normas de direito interno,
existe os defensores da Teoria Dualista, a qual trata do assunto de forma que o
direito internacional e o direito interno são distintos, assim jamais havendo
conflito entre eles, assim sendo, para que as normas externas passem a valer no
plano interno necessitam de um processo de incorporação ao direito interno,
portanto não são defensores da incorporação imediata, como ocorreria para
aqueles que defendem a teoria inversa.
Sobre o que faz diferenciar uma teoria da outra, Luiz Flávio Gomes e
Flávia Piovesan (2000, p.156-157) dissertam:
“[…], para a corrente monista, o ato de ratificação do tratado, por
si só, irradia efeitos jurídicos no plano internacional e interno,
concomitantemente – o tratado ratificado obriga nos planos internacional e
interno. Para a corrente dualista, a ratificação só irradia efeitos no plano
internacional, sendo necessária a edição de ato jurídico interno para que o
tratado passe irradiar efeitos no Direito interno”.
Partindo-se das características das duas teorias, Rezek (2002, p. 5)
argumenta que o Brasil adotou a Teoria Monista nacionalista, no momento em que
o monismo nacionalista
“norteia as convicções judiciárias em inúmeros países do ocidente –
incluídos o Brasil e os Estados Unidos da América -, quando os tribunais
enfrentam o problema do conflito entre normas de direito internacional e de
direito interno”.
Para contrapor a defesa de Rezek, Patrícia Henrique Ribeiro (2001, p.
71) diz que
“No caso do Brasil, a posição predominante na doutrina em relação ao
conflito entre os dois ordenamentos jurídicos apoiou-se na linha adotada pelo
monismo de Kelsen, no qual um tratado
sempre prevalece sobre a norma interna, alguns concordando mesmo no caso em que
se tratasse da Constituição”.
Neste mesmo viés de discussão a cerca das teorias adotados pelo Brasil
em relação aos conflitos entre as normas nacionais e os tratados incorporados
no ordenamento pátrio, Luiz Flávio Gomes e Flávia Piovesan (2000, p.158) no que
concerne aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e demais Tratados
Internacionais de caráter geral entende que:
“[..], salvo na hipótese de tratados de direitos humanos, no texto não
há qualquer dispositivo constitucional que enfrente a questão da relação entre
o Direito internacional e interno. Isto é não há menção expressa a qualquer das
correntes, seja monista, seja dualista. […]
A doutrina predominante tem entendido que, em face do vazio e silêncio
constitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens
jurídicas diversas: a ordem interna e ordem internacional”.
Ainda no mesmo contexto na mesma obra da autora supra verifica-se que
o sistema nacional possui duas regras em relação às teoria, uma vez que para o
Tratados Internacionais de Direitos Humanos a teoria adotada seria a monista,
vez que possuem aplicação imediata, inclusive independendo da edição de decreto
de execução, visto o exposto no §1º do art. 5º da Constituição Federal, o qual
logo a seguir será melhor elucidado. Já no diz respeito aos Tratados
Internacionais que não versarem sobre este tema, o ordenamento jurídico
nacional segue a linha dos defensores da teoria dualista, na qual há duas
ordens jurídicas diversas. (PIOVESAN, 2000).
5 A preocupação internacional
com os direitos humanos e o princípio da aplicação imediata (art 5º, §1º,
CF/88)
Como já visto anteriormente, os direitos humanos já vêm sendo a pauta
principal das mais diversas reuniões e acordos internacionais, principalmente a
partir do fim da 2º Grande Guerra, servindo isto como resposta as atrocidades
cometidas na época, finalizando com a aprovação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948, mas apesar se ser mundialmente conhecida e levada por
várias vezes como referência a ser aplicada nos casos de violação de direitos
humanos, teve problemas com a sua eficácia, uma vez que não dispõe de aparato
próprio que se faça valer, porém com a iniciativa da ONU, vêm se firmando
vários acordos internacionais com a finalidade primordial de assegurar e dar
efetividade aos direitos fundamentais do homem consagrado na Declaração
Universal de 1948. Acordos estes que se destacam: Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (MAZZUOLI, 2001).
Já no que diz respeito ao Brasil, depois de longo período marcado pelo
autoritarismo do regime militar, os princípios da cidadania, da democracia, da
justiça, da liberdade e da igualdade, são tomados como instrumentos de lutas e
de transformações sociais, que tiveram como linha divisória entre o
autoristarismo e o processo de institucionalização dos direitos humanos a Constituição
de 1988, a qual concretizou em seu texto original uma nova concepção de
garantias fundamentais, tendo sim um rol exemplificativo desses direitos e que
para ampliar mais ainda deixou uma cláusula aberta (art. 5º, §2º), que além dos
direitos e garantias expressos na Carta, não excluem outros decorrentes de
tratados e acordos internacionais que o Brasil faça parte, além disso, enunciou
que essas mesmas garantias terão aplicação imediata (art. 5º, §1º) da mesma
carta magna.
Dessa forma, em se tratando de acordos internacionais que tiverem como
especificidade os direitos humanos, a Constituição Federal, pelo que parece e
conforme a doutrina predominante, possuí regra específica, determinando a
aplicação imediata sempre que estes tratados forem internalizados no mundo
jurídico nacional.
Assim sendo, os Tratados Internacionais específicos de direitos
humanos assim que ratificados pelo Poder Executivo já estarão irradiando
efeitos tanto no mundo jurídico internacional quanto no nacional, estando
dispensado a edição de decreto de execução.
Nesse sentido, Valerio de Oliveira Mazzuoli (2005, p. 111-112)
escreve:
“Na medida em que a Constituição lhes atribui a natureza de “normas
constitucionais”, os tratados de proteção dos direitos humanos também passam,
pelo mandamento do citado §1º do seu art. 5º, a ter aplicabilidade imediata no ordenamento jurídico brasileiro,
dispensando-se, desta forma, a edição de decreto de execução para que irradiem
efeitos no plano interno como no plano internacional”.
Com esta mesma idéia do princípio de aplicação imediata sobre os
tratados que versarem sobre direitos humanos, Flávia Piovesan (2002, p. 149)
retrata:
“[…] Isto é, diante do princípio da aplicabilidade imediata das
normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, os tratados de
direitos humanos, assim que ratificados, devem irradiar efeitos na ordem
jurídica internacional e interna, dispensando-se a edição de decreto de
execução”.
Já para os tratados que não versarem sobre os direitos humanos, ou
seja, tratados conhecidos como comuns ou
tradicionais, pelo próprio silêncio
constitucional, estes não são abarcados pelo princípio da aplicação imediata,
moldado no §1º do art. 5º da Carta Constitucional.
Logo, no que se refere aos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos, estes tem regra expressa e especial para incorporação no ordenamento
jurídico nacional, como afirma em seus argumentos, Valerio de Oliveira Mazzuoli
(2005, p.102):
“A Constituição brasileira de 1988 tem regra expressa a respeito da
incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos – que são
especiais em relação aos demais tratados, que chamamos de comuns ou tradicionais –
no nosso ordenamento jurídico interno(…)”
Entendendo da mesma forma e para ratificar a teoria do autor
supracitado, leva-se em conta o que Flavia Piovesan (2002, p.75-76) diz:
“Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitos
internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a hierarquia
de norma constitucional. Os direitos enunciados nos tratados de direitos
humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos
constitucionalmente consagrados”.
O Brasil, no que tange as relações internacionais,
vem aprimorando e concretizando a proteção dos direitos humanos, os quais estão
cada vez mais sendo requisitados quando se trata principalmente das
necessidades de meio ambiente saudável, direito à vida, direito ao trabalho,
todos estes baseado no princípio da dignidade humana, tornando-se, de relevante
importância a conjugação de normas internacionais que interajam com o direito
interno, fazendo com que a proteção dos direitos humanos esteja calcada, além
do princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III da Constituição Federal
de 1988), ainda na primazia da pessoa humana (art. 4, inciso II da Constituição
Federal de 1988), é racional portanto, que exista a real conciliação do sistema
internacional com o nacional de proteção dos direitos humanos.
Isso é o que deve acontecer
“Em um momento marcado pela crescente “justicialização”
do Direito Internacional dos Direitos Humanos (a exemplo, vide a criação do
Tribunal Internacional Criminal Permanente), bem como pela intensa adesão do
Brasil ao aparato internacional de proteção dos direitos humanos (com destaque
ao reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana em 1998), impõe-se à
cultura jurídica o desafio de criar, desenvolver e aprofundar a doutrina
nacional voltada à matéria”. (PIOVESAN, 2006, sp)
Discorrendo sobre o assunto, George Rodrigo Bandeira Galindo (2002,
p. 252-253), reforça a idéia de nível constitucional e da busca pela proteção
da pessoa humana aspirada pelo Brasil, como a seguir:
“No que tange a hierarquia dos tratados de Direitos
Humanos, o dispositivo mais inovador é, sem dúvidas, o artigo 5º, § 2º, que abre
a possibilidade da interpretação de que os tratados de Direitos Humanos
passariam a ser considerados de nível constitucional, tal qual os direitos e
garantias no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) e outros
presentes na Constituição de 1988”.
Sobre o mesmo enfoque constitucionalista dos
Tratados de Direitos Humanos vem Valerio de Oliveira Mazzuoli (2004, p. 103),
tratar do assunto:
“[…] da análise do §2º do art.5º da Carta
brasileira de 1988, percebe-se que três são as vertentes, no texto
constitucional brasileiro, dos direitos e garantias individuais: […] e c)
direitos e garantias inscritos nos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Portanto, os Tratados Internacionais que versarem
sobre direitos humanos possuem o status
supranacional, não só pela relevante importância do tema, mas também “[…]
levando-se em conta toda a principiologia internacional marcada pela força
expansiva dos direitos humanos e pela sua caracterização como normas de jus cogens internacional”, (MAZZUOLI,
2005, p.95).
Porém, o tema que envolve a hierarquia
constitucional dos Tratados Internacionais que tratam sobre de direitos
humanos, é de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, uma vez que nem o
próprio STF consegue chegar a uma concepção formada do assunto nas
oportunidades em que proferiu algum julgamento, tendo como reserva fundamental
de seus julgados a sua função institucional, qual seja a defesa da Constituição
Federal.
6 A
reforma do Judiciário e os tratados internacionais de direitos humanos
Com o intuito de solucionar o problema a cerca do
tema, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004, a
qual teve origem na PEC 29/2000 e nome de “Reforma do Judiciário”, tendo como
conseqüência o acréscimo do §3º ao art. 5º da Constituição, o tomou a seguinte
redação:
“§3º Os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais”.
Como fica evidente, há uma semelhança muito grande
com o art. 60, §2º, o qual elenca uma das condições para que a Carta
Constitucional seja emendada, com essa relação de mandamentos, verifica-se que
o Tratado Internacional que contiver como fundamento os direitos humanos para
alcançar força constitucional terá, agora, de sofrer duas aprovações em cada
Casa do Congresso, deste modo fica a evidência de que no sistema atual de
internalização de Tratados Internacionais de Direitos Humanos foi colocado um
empecilho a mais no que tange a esse processo,
“uma vez que não pode retirar força de que era
portador o sistema de proteção e defesa dos direitos humanos na Constituição,
tal como estatuído nos §§ 1º e 2º do mesmo art. 5º, cujo entendimento resta
consagrado pelas mais abalizadas doutrina e jurisprudência, no sentido de que
verse sobre direitos humanos, a convenção ou tratado internacional de que o
Brasil seja parte terá eficácia imediata no território nacional,
independentemente de qualquer ato legislativo que vise a referendá-los, […]”
(PASSOS, 2005, P.350)
assim, podendo sofrer efeito contrário caso não for
aprovado por este quorum exigido,
recebendo sim hierarquia de norma infraconstitucional.
Seguindo o pensamento de Valerio Oliveira
Mazzuolli, podemos dizer que o parágrafo em referência ao invés
“de acabar com as discussões referentes às
contendas doutrinárias e jurisprudenciais relativas ao status hierárquico dos tratados de direitos humanos no ordenamento
jurídico brasileiro, veio causar, […], graves problemas interpretativos
relativos à integração, eficácia e aplicabilidade destes tratados no nosso
direito interno” (MAZZUOLI, 2005, p. 96).
Conforme visto acima, a emenda em referência andou
mal nesse ponto, uma vez que veio ao encontro da mais abalizada doutrina e o
recente entendimento dos tribunais com a devida aplicação imediata das normas
internacionais que versarem sobre direitos humanos os quais possuem um sistema
próprio de integração desses tratados (FILHO, 2003).
Para corroborar com a idéia de
inconstitucionalidade da referida Emenda Constitucional na mesma obra (p. 22)
do autor é argumentado que:
“[…] Tratados versantes
sobre Direitos Humanos, que a partir da ratificação ostentariam status de norma constitucional
auto-aplicável.
Dessa conclusão, por
força do disciplinado no art. 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição,
segue que sequer poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda
constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais ou
Tratados Internacionais disciplinadores do tema ligado aos Direitos Humanos,
restando vedada também a edição de norma infraconstitucional ou adoção de
interpretação dissonante de tais garantias fundamentais”.
A inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº
45/2004, no que tange ao processo de incorporação de Tratados Internacionais de
direitos humanos, deve-se levar em conta que os direitos humanos estão
inseridos na Carta Fundamental “como cláusulas
pétreas, sendo insuscetíveis de alteração ainda que por emenda à
Constituição, conforme o §4º, IV, do art. 60” (PASSOS, 2005, P.351) do mesmo
regramento fundamental. Uma vez que antes da Emenda Constitucional não era
necessário aprovação em dois turnos por quorum
qualificado, bastando apenas, antes de serem ratificados pelo Chefe do
Poder Executivo, somente a aprovação por maioria simples, nos termos do art.
49, inciso I, da Constituição.
Já para outros autores a exemplo do que diz Carlos
Eduardo do Nascimento,
“[…] em se tratando de
Tratado que verse sobre Direitos Humanos, sem mesmo a denúncia posterior poderá
tirar a força obrigatória das normas já incorporadas no ordemanento brasileiro.
Isso, pois o Tratado de Direitos humanos, ao ingressar no Brasil, teria status de norma constitucional
(interpretação do art. 5º § 2º da CF), o que hoje se confirma pela leitura do §
3º do mesmo artigo, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004”.
(NASCIMENTO, 2005, p.80)
Portanto a reflexão
feita pelo autor é de que a reforma no art. 5º, veio para confirmar o que já
havia sendo proposto pela doutrina internacionalista, ou seja, o status constitucional dos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos.
7 Conclusão
Como visto, a
Constituição Federal de 1988 foi o marco fundamental do processo de efetivação
e institucionalização dos direitos humanos no Brasil, os quais estão em acordo
com comunidade mundial que preserva esta garantia quanto aos direitos do homem.
Ainda, é visível a abertura do sistema jurídico nacional quanto à receptividade
de uma maior gama de direitos e garantias expressos na Constituição Federal
(art. 5º, § 2º). Além do rol exemplificativo dos direitos e garantias
fundamentais como fica demonstrado no §2º do art. 5, estes ainda estão
abarcados pelo princípio da aplicação imediata (art. 5º, §1º).
Assim, por
analogia, as normas internacionais de proteção dos direitos humanos devidamente
incorporadas ao direito interno, assim que ratificados os tratados, já passam a
incidir efeitos no âmbito interno. Dessa forma, fica de fácil percepção que o
Direito Internacional dos Direitos Humanos influenciou de sobremaneira para a
abertura democrática do Brasil.
Por fim, é
importante salientar que os §§1º e 2º do art. 5º da Constituição Federal, andam
juntos formando as garantias fundamentais, ou seja, a aplicação imediata das
normas definidoras de direitos e a garantia da inserção automática dos direitos
humanos elencados em tratados internacionais, então, sendo dessa forma, a
Emenda Constitucional de dezembro de 2004 possuí uma tendência a abolir os
direitos e garantias fundamentais emanadas de Tratados Internacionais, vez que
está assim dificultando a sua incorporação ou exercício podendo ser declarada
inconstitucional baseado na idéia de que o poder constituinte derivado está
subordinado ao poder constituinte originário e ainda juridicamente limitado
pelas cláusulas pétreas.
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Informações Sobre o Autor
Giovani Naressi da Silva