Não há como pensar fora de uma relação entre conceitos e sem uma hierarquia anterior que lhes ofereça uma “moldura”. Pensamos dentro de “lugares” mentais, espaços de ordem e sentido, que organizam e limitam o entendimento. A imagem poderia ser a de alguém confinado em uma sala ouvindo música. Para ouvir outros sons – o som de uma cachoeira, por exemplo- seria preciso sair da sala pela simples razão de que não há como se imaginar um som nunca ouvido. Esses “espaços mentais” são os nossos “paradigmas”.
Normalmente, quando nossas idéias não conseguem mais dar conta dos fenômenos, a tendência é reformá-las, mas dentro do mesmo paradigma. Assim, quando se acreditava que todos os corpos celestes giravam em torno da Terra ficou difícil explicar a trajetória dos planetas que pareciam ir e voltar nos céus. Criou-se, então, a “explicação” de órbitas especiais, etc. Cada vez, entretanto, eram necessárias novas explicações porque o “esquema” não fechava. O problema, na verdade, era o paradigma como o observou Thomaz Khun no clássico “A Estrutura das Revoluções Científicas”.
Pensamos “Justiça” também a partir de um paradigma. A “sala” construída pela modernidade nos diz que “fazer justiça” é punir alguém que seja culpado. A partir dessa moldura, alguns radicalizam a demanda porque a imaginam efetiva; outros convencidos de que ela produz mais problemas que soluções, buscam formas de minimizar o uso e os efeitos das condenações.
Criam “órbitas especiais”, na verdade. Mas e se a idéia de “Justiça” estivesse em “outra sala”? Se ao invés de a imaginarmos como “punição daquele que praticou um mal” a pensássemos a partir da “reparação do mal causado”? Se, em síntese, pensássemos a idéia de Justiça Criminal com os pressupostos operantes na Justiça Civil ?
A Justiça Criminal não funciona. Não porque seja lenta ou – em sua “opção preferencial pelos pobres” – seletiva. Mesmo quando rápida e mais “abrangente”, ela não produz “Justiça” porque sua medida é o mal que oferece àqueles que praticaram o mal. Esse resultado não altera a vida das vítimas. O Estado as representa porque o paradigma moderno nos diz que o crime é um ato contra a sociedade. Por isso, o centro das atenções é o réu a quem é facultado mentir em sua defesa. A vítima não possui qualquer papel nessa dinâmica. Sua dor não será, de fato, conhecida e o agressor jamais será confrontado com as conseqüências de sua ação. (O que perpetua nele todos os mecanismos pelos quais “racionaliza” o ato e diminui seu significado.) O que há de dramático e desafiador na experiência de vitimização se tornará, a um só tempo, “técnico” e abstrato porque tratado não a partir da necessidade de reparação da dor e da prevenção do mal, mas a partir da compulsão em “punir”; ou seja: de criar nova dor. Esse sistema tem um custo irracional – nos EUA, por exemplo, uma sentença de cinco anos de prisão por um furto no valor de 300 dólares custa ao contribuinte 125 mil dólares.
Mas seu pior custo é de ordem moral. Teríamos uma vaga idéia disso se houvesse uma lista de todos os inocentes acusados e absolvidos, dos inocentes condenados e depois absolvidos, dos inocentes condenados e dos que, mesmo culpados, foram sentenciados desproporcionalmente.
No mundo inteiro, experiências com um modelo alternativo à Justiça Criminal -que se convencionou chamar “Justiça Restaurativa” – têm sido realizadas com resultados cada vez mais animadores. Os princípios desta Justiça estão situados para além da punição e suas metas fundamentais são a reparação do mal e a sua prevenção. Uma abordagem que encerra uma promessa tão revolucionária quanto generosa. Uma boa notícia, enfim, que desperta interesse crescente também no Brasil.
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Marcos Rolim
Jornalista