O tema que se pretende abordar vem gerando acesos debates na doutrina e jurisprudência pátrias, e despertando o interesse de copioso número de juristas.
O que se tem verificado, na prática, é a utilização, a cotio, de diversos expedientes artificiosos engendrados para o fim específico de lesar o fisco, burlando-se a diretriz constitucional constante do artigo 170, inciso III, abordagem que refoge aos estreitíssimos limites deste trabalho, mas à luz da qual deve ser o problema ser enfrentado. [1]
Como é de trivial sabença, a admissibilidade da execução forçada exige a concorrência de dois “pressupostos”, quais sejam o inadimplemento do devedor (CPC, art. 580) e o título executivo, judicial ou extrajudicial (CPC, art. 583), requisitos da atividade material judicial ligados ao “interesse-adequação” [2].
No que atine ao crédito fazendário, a formação do título se aperfeiçoa com o ato de inscrição em dívida ativa, a qual certifica e torna induvidoso o inadimplemento do contribuinte, não bastando, para tanto, o mero acertamento da obrigação.
O artigo 202 do Código Tributário Nacional (CTN) impõe, como primeiro requisito da certidão de dívida ativa, a identificação do devedor. Inexistindo obrigação sem responsabilidade, parece inequívoco que, incluído na certidão de dívida ativa, detém o devedor a qualidade de responsável.
Aliás, é o próprio Código Tributário Nacional que distingue as figuras do contribuinte e do responsável, vinculando este último à obrigação tributária.
Na dicção do artigo 121 do CTN, ao responsável é irrogada a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, sendo perceptível a preferência do legislador pela sua figura, mencionando-o em amiudadas oportunidades ao longo de todo o códice.
O Código fundiu sob o nomem iuris “responsável” todas as hipóteses de sujeição passiva indireta, nos moldes em que plasmada por RUBENS GOMES DE SOUZA, não distinguindo, pois, as figuras do responsável por transferência do responsável por substituição.
Não há como dissociar as figuras de débito e obrigação. Ergo, devedor e co-responsável são obrigados na mesma medida em com a mesma força, relegando-se a questões de política tributária a distinção da qualidade da sujeição passiva ostentada.
Corolário, e parafraseando MENDONÇA LIMA[3], o responsável tributário, a que alude o inciso V do art. 568 do CPC, é um DEVEDOR, “apenas com obrigação fundada em título especial” ·[4]. Anote-se que o legislador processual civil, adotando postura diversa do legislador tributário, distinguiu as figuras do devedor e do responsável tributário, tanto assim que no inciso I do artigo 568 dispõe ser sujeito passivo da demanda executiva “o devedor, reconhecido como tal no título executivo”.
No que concerne ao responsável tributário, a outro tanto, não exigiu o legislador processual a inserção no título executivo do seu reconhecimento “como tal”.
De efeito, eis a dicção do artigo 568, inciso I e VI, do códice processual civil, verbatim:
“Art. 568. São sujeitos passivos na execução:
I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;
……………………………….
V – o responsável tributário, assim definido na legislação própria.”
Qual a ratio do artigo 202 do CTN, quando determina que se inclua, na certidão de dívida ativa, o nome do co-responsável, se for o caso[5]?
Não nos parece que a lei se dirija a todo e qualquer caso de co-responsabilidade (hipótese em que a partícula “sendo caso” tornar-se-ia despicienda), mas apenas àqueles de responsabilidade por substituição, quando já se é possível determinar, ab initio, o nome do co-responsável. Exigir a inserção de nome do qual só se terá ciência no futuro seria conferir, concessa venia, estultice à norma.
Discordamos, pois, da posição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR[6] e seus prosélitos, para quem a execução somente pode se voltar contra aquele cujo nome conste da certidão de dívida ativa, mediante prévio processo administrativo em que reste patenteada a sua condição.
O aviso ora sustentado em nada contraria o vetusto brocardo nulla executio sine titulo, porquanto existente o título e o sujeito passivo que, se é indeterminado na lei (art. 568, inciso V, do CPC), individua-se no momento em que ocorre no mundo de relação o fato gerador da responsabilidade por transferência.
No sentido ora alvitrado, confira-se precioso julgado emanado do Pretório Excelso, cuja relatoria coube ao Ministro MOREIRA ALVES (RE 96.099/RJ).
É fato, contudo, que os sócios das sociedades empresárias só responderão pelos créditos da pessoa jurídica na condição de substitutos quando as obrigações defluírem da prática de ato ou fato inquinado de excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatutos da empresa, ex vi do artigo 135, inciso III, do CTN.
Firmadas tais premissas, deve-se perquirir em quais hipóteses ficam caracterizadas as situações descritas no inciso III do artigo 135, campo de infindáveis tergiversações.
Somos do entendimento de que o inadimplemento da obrigação tributária caracteriza, sim, ato ultra vires societatis, alforriando-se, inclusive, como consectário lógico, a sociedade contribuinte da responsabilidade patrimonial, por força da norma pessoal extensiva da responsabilidade constante do CTN.
A jurisprudência torrencial do Superior Tribunal de Justiça, ao invés, é no sentido de que o simples inadimplemento de obrigação tributária não induz à responsabilização dos sócios, que só exsurgiria ante a dissolução irregular ou a comprovada prática de atos ilegais ou abusivos do poder de gestão, hipóteses em que fica autorizado o redirecionamento da demanda executiva.
Assim poderíamos resumir a questão: não pagar tributo não é ato contrário à lei para os fins do inciso III do art. 135, a não ser que a sociedade, no futuro, venha a se dissolver de forma irregular.
Posta a questão em outros termos: o não pagamento só constituirá infração à lei no dia em que a sociedade deixar de operar. Cuida-se, pois, de uma ilegalidade subordinada a condição suspensiva (!), questão que não é estranha ao direito (no direito penal, p.ex., admite-se, a sabendas, a figura de crimes que só são concebidos após o implemento de condições objetivas de punibilidade, como, v.g., os previstos no Decreto-lei nº 7.661/45)
Não é esta, contudo, ao que parece, a ratio essendi da jurisprudência sobranceira. O que se quer dizer é que somente as condutas afrontosas à legalidade, ao contrato ou aos estatutos sociais, e que configurem, ao mesmo tempo, fato gerador de obrigação tributária é que poderão servir de geratriz da responsabilidade solidária, por força do indigitado artigo 135, inciso III, do CTN.
Nesse contexto, cumpre indagar: Que diferença faz ter a sociedade sido dissolvida irregularmente? A dissolução irregular configura fato gerador de alguma exação? Assim não nos parece.
A dissolução irregular é uma situação de fato que não difere, em substância, da ausência de bens passíveis de constrição, e tantas outras encontradiças na prática judiciária, que caracterizam, regra geral, comportamento prófugo dos devedores.
Vê-se, pois, e reservadas todas as vênias, que a jurisprudência predominante não encontra esteio em boa razão e traz ínsita, ademais, insofismável superfetação, na medida em que o artigo 134, inciso VII do CTN já resolveria o problema[7].
Parece-nos, pois, que o legislador, ao elencar como fato gerador da responsabilidade tributária a prática de ato ilícito, entendido como condutas (comissivas ou omissivas) que, transgredindo dever jurídico imposto por lei, acarretam para o agente conseqüências jurídicas não pretendidas, quis referir-se, sim, ao não pagamento dos tributos tout court, independentemente da perquirição de dolo ou culpa, da solvabilidade da sociedade ou do evento de sua irregular dissolução.
Nada há de insueto na presente afirmação. Em doutrina, acotações do mesmo jaez encontram-se aos racimos, como, por todos, o precioso artigo da pena de CARLOS ALBERTO BITTAR FILHO, intitulado “A responsabilização tributária dos sócios na hipótese de falência da sociedade”, in RT 757, p. 89-92.
Note-se que o instituto da separação patrimonial é expediente criado por lei por injunções de política legislativa, e que pode ser afastado, quando em tablado superiores interesses publicísticos.
Parece-nos, pois, que os diretores, gerentes ou representantes respondem pelas obrigações tributárias no caso de inadimplemento, e que tal responsabilidade se dá nos termos da doutrina de Baleeiro , para quem “o caso não é apenas de solidariedade, mas de responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no artigo 135, CTN, passam a ser os responsáveis ao invés do contribuinte.”
Quanto aos demais sócios, sem poderes de gestão, devem arcar, in solidum, mas subsidiariamente, na hipótese de impossibilidade de pagamento pelos administradores, na forma do art. 124, inciso I do CTN.
“Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;
……………………
II – Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.“.
O parágrafo único do art. 124, devidamente interpretado, não milita contra esta tese. Na verdade, o que pretende dizer é que não pode o particular alegar benefício de ordem estatuído em convenção particular, visto como esta não pode ser oposta ao Fisco, salvo disposição de lei em contrário, na conformidade do que prescreve o art. 123 do CTN.
São essas as ponderações que achamos pertinentes e que ousamos colocar no papel, este velho amigo que, como diz o velho adágio popular, tudo aceita.
Em janeiro de 2004.
Informações Sobre o Autor
Pedro C. Raposo Lopes
Procurador Regional da Fazenda Nacional
1ª Região – DF
Brasília – DF