01. O PROCESSO DE EXECUÇÃO
Ao tutelar os interesse dos cidadãos, o Código de Processo Civil prevê três formas básicas de tutela (além dos procedimentos especiais, os quais não são objetos de nosso estudo), ou seja: a tutela de conhecimento, executiva e cautelar.
O processo de conhecimento visa a composição do litígio, através de uma sentença, dizendo o Direito ao caso concreto colocado sob a tutela jurisdicional. Entretanto, o Estado vale-se de outro procedimento para tornar efetiva a tutela jurisdicional representada pela sentença. Qual seja, o processo de execução. Processo autônomo, no qual o órgão jurisdicional, tendo por base a sentença ou título executivo extrajudicial, emprega as medidas coativas necessárias para efetivação e satisfação do direito do credor, reconhecido na sentença ou no título extrajudicial. Segundo José Carlos Barbosa Moreira[1]:
“Enquanto o processo de conhecimento visa à formulação, na sentença definitiva, da regra jurídica concreta que deve disciplinar a situação litigiosa, outra é a finalidade do processo de execução, a saber, atuar praticamente aquela norma jurídica concreta”.
De plano, ressalta-se o caráter coativo do processo de execução, o qual coloca o devedor em posição de sujeição aos preceitos do título judicial ou extrajudicial. A própria terminologia do Código de Processo Civil, utilizada no art. 566, demonstra o caráter imperativo do processo de execução, ao denomina-la “execução forçada”. Contrariamente ao processo de conhecimento, na execução o devedor ou réu não é citado para se defender e sim para pagar no prazo de 24:00hs. Respondendo pelo cumprimento das obrigações estampadas nos títulos judicial ou extrajudicial “com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”, tal como disposto no art. 591 do CPC.
Outrossim, o processo de execução pressupõe que a situação da obrigação já se encontre definida, através de um pronunciamento judicial resultante de uma sentença (título executivo judicial) ou de um título executivo extrajudicial definido por lei. O que faz ressaltar outro ponto capital do processo de execução, qual seja, a inexistência no mesmo do contraditório em si. No dizer de Sálvio de Figueiredo Teixeira[2], “o contraditório, na execução, é eventual. A defesa do executado se faz através dos embargos do devedor (arts. 736/747), em suas várias modalidades”.Posição aceita pela maioria da doutrina, que nega veementemente a possibilidade do contraditório no processo de execução em si, admitindo-o tão somente na ação autônoma e incidental dos embargos.
Verifica-se então que a execução, no sentido de satisfazer a obrigação estampada no título, coloca o devedor em situação de completa sujeição ao processo, tendo mitigadas as suas possibilidades de defesa. Fato este que tem gerado inúmeras críticas da doutrina, posto que o executado, no processo de execução, se transforma em verdadeiro sujeito passivo, não havendo qualquer possibilidade de contraditório, a menos que possua patrimônio para garantir o juízo. Neste contexto é que surge a importância do estudo de mecanismos processuais que possibilitem ao executado se defender na execução, sem, contudo, comprometer a efetividade e eficácia do processo executivo e sem negar ao credor o que lhe é realmente devido.
02. A DEFESA DO EXECUTADO
Conforme dito alhures, o executado responde com seus bens pelas obrigações assumidas, sendo que o processo de execução visa conseqüentemente à satisfação do crédito mediante a apreensão dos bens do devedor. Embora mitigada suas chances de se opor à pretensão executiva, ainda assim, restam ao devedor três formas básicas de se contrapor à execução contra ele proposta, quais sejam: a) os embargos do devedor, expressamente previstos no CPC; b) A ação anulatória do título e; c) a chamada “exceção de pré-executividade”; objeto de nosso estudo.
02.01 – OS EMBARGOS
O art. 736 do CPC dispõe que o “devedor poderá opor-se à execução por meio de embargos, que serão autuados em apenso aos autos do processo principal”. Sendo esta a forma clássica de defesa do devedor diante da execução.
Melhor definição das características e conceitos do instituto em questão nos dá o mestre José Frederico Marques[3]:
“O atual Código de Processo Civil, fez dos embargos do devedor um processo separado, que se liga ao processo executivo pelos laços da conexão, mas que tem curso procedimental à parte. Trata-se de processo de conhecimento que tem por objeto sentença constitutiva destinada a desfazer, no todo ou em parte, o título executivo, ou anular a execução. Objeto imediato dos embargos, portanto, é a tutela jurisdicional por meio de sentença constitutiva; e objeto mediato, o título executivo cuja eficácia é atacada ou a relação processual executiva”.
Conclui-se então que os chamados “embargos do devedor” podem ser definidos como a ação de conhecimento, incidental à execução, autônoma, destinada à defesa do executado com o fito de desconstituir o título executivo ou anular a execução.
Em suas diferentes modalidades, quais sejam: a) embargos do devedor propriamente ditos (art. 738); b) embargos à arrematação e à adjudicação (art. 746) e; c) por último os embargos do art. 744 do CPC, para retenção por benfeitorias. Há sempre requisitos a serem preenchidos pelo devedor a fim de discutir a legalidade da execução. Sendo que em qualquer modalidade, para serem admitidos os embargos, obrigatoriamente o devedor deverá garantir o juízo pela penhora ou depósito de bem.
Ressalta-se, de plano, a principal característica dos embargos, qual seja, somente podem ser manejados após seguro o juízo pela penhora ou pelo depósito, tal como disposto expressamente no art. 737 do CPC. Daí concluirmos que, quando dos embargos, para o devedor oferecer sua defesa obrigatoriamente terá que dispor ou gravar parcela de seu patrimônio, para somente após, poder discutir seu direito.
Sem adentrar no mérito da questão, ainda, desde já é de se concluir que a forma básica de defesa do devedor no juízo da execução, ou seja, os embargos, para ser exercida, pressupõem um gravame anterior ao seu patrimônio. O que, em determinadas e restritas ocasiões, frise-se, poderá ferir o direito a ampla defesa e ao devido processo legal constitucionalmente garantidos ao devedor. Posto que para exercer sua defesa, o devedor obrigatoriamente terá que gravar parcela de seu patrimônio. Caso não possua o devedor patrimônio, a execução poderá ser perpetuar indefinidamente, colocando em risco a própria segurança jurídica. Entretanto, tais indagações serão posteriormente abordadas. O importante por ora, é caracterizar os “embargos” como meio legítimo e usual para o devedor se opor a execução contra ele proposta.
02.02 – AÇÃO ANULATÓRIA
Além dos embargos, ao devedor resta também a possibilidade de se buscar a desconstituição do título ou anulação da execução mediante ações ordinárias de conhecimento.
Mediante tais ações, o devedor discutiria a qualquer momento a nulidade do título ou do ato jurídico que a ele deu causa. Havendo a possibilidade de se alegar qualquer causa de anulabilidade e defeito do título tanto por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude, como por qualquer das causas de nulidade previstas nos incisos do artigo 166 do Código Civil. Com as amplas possibilidades do contraditório e produção de provas inerentes ao processo cognitivo.
Vê-se então que tais ações, acaso propostas, livrariam o devedor do pesado ônus imposto pelos embargos, qual seja, o de ter seu patrimônio onerado pela penhora ou depósito. Aqui, diferentemente dos embargos, não há qualquer requisito ou pré-condição necessária à discussão da obrigação. Bastando-se, tão somente, quando da propositura, ater-se às condições da ação e pressupostos processuais.
Outrossim, mesmo nos casos de títulos executivos judiciais, constituídos por sentença, ainda assim restaria ao devedor a possibilidade de manejar a ação rescisória, quando verificadas algumas das hipóteses elencadas nos incisos do art. 485 do CPC.
Por fim, resta ainda solucionar a questão do processo de execução já em curso. Posto que, mesmo que instaurada a competente ação ordinária autônoma, visando a desconstituição do título ou anulação da execução, ainda assim estaria o devedor sujeito aos efeitos do processo executivo. Entendemos que no caso em tela, caberia a aplicação do art. 273 do CPC, que trata da tutela antecipada, posto que no caso haveria o fundado receio de dano irreparável (expropriação do patrimônio). Entretanto, ainda neste caso o devedor teria que fazer prova inequívoca de seu direito, a fim de convencer o juiz da verossimilhança de suas alegações.
Por outro lado, restaria também ao autor da ação anulatória requerer, em sede de medida cautelar, a suspensão do processo executivo. Portanto, em ambas as hipóteses, restaria ao devedor a possibilidade de, após proposta a ação anulatória, suspender até o julgamento final desta, o processo executivo.
02.03 – “EXECEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE”.
Como terceira forma de defesa do devedor executado em juízo, podemos arrolar a chamada “exceção de pré-executividade”. Embora não tenha previsão legal expressa, tem seus contornos delimitados pela doutrina e jurisprudência já sedimentada em nossos tribunais.
Por se tratar o tema em questão, do objeto principal de nosso estudo, será abordado pormenorizadamente, nos tópicos a seguir, onde procuraremos delinear seus contornos e aspectos básicos bem como trazer a baila às polêmicas acerca de seu correto uso. Posto que, por se tratar de instituto criado pela doutrina, embora sedimentado pela jurisprudência, ainda encontra resistências à sua aplicação.
03. O CONTRADITÓRIO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO
O Código de Processo Civil vigente, expressamente separou a atividade jurisdicional cognitiva da executória, instituindo o processo de execução à parte do processo cognitivo. Desta divisão, resultou que a execução se presta para satisfazer a prestação inadimplida a que tem direito o credor, pressupondo que o Direito já tenha sido acertado através de uma sentença ou título executivo extrajudicial.
Resulta então, que a maioria quase absoluta da doutrina sustenta que na execução propriamente dita não existe o contraditório. Sendo que o mesmo somente seria admitido nos embargos, processo distinto, que pode ser instaurado somente após a garantia do juízo pela penhora ou depósito.
Inobstante tal posicionamento dominante na doutrina, forçosamente há que se admitir que o ordenamento jurídico não é estanque, sendo que todas as normas legais se inter-relacionam, compondo um todo. Portanto, em hipótese alguma poderemos analisar o processo executivo como uma norma especial à parte, desagregada do restante do ordenamento jurídico.
A Constituição Federal de 1988, de forma ampla, no inciso LV, de seu art. 5o expressamente assegura que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. De plano constatamos que o legislador constitucional em hipótese alguma discriminou ou tirou da abrangência do dispositivo qualquer tipo de processo. Diferentemente das Constituições anteriores, ampliou a aplicação do contraditório a todo e qualquer tipo de processo ou procedimento, a propósito, anota Uadi Lammêgo Bulos[4]:
“A partir de 1988, a inovação foi profunda e significativa, porque ampliou a abrangência do contraditório. Agora ele abarca, além do processo penal, o civil e o administrativo”.
Desta feita, teremos que admitir que a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, o contraditório passou a ser traço imperativo e fundamental em qualquer tipo de processo quer judicial ou administrativo. O que, logicamente, nos faz discordar da doutrina que nega a aplicação do princípio ao processo de Execução. Com o devido respeito às abalizadas opiniões contrárias, ousamos sustentar que há contraditório no processo de execução sim, como em qualquer outro processo. A propósito do tema, Renato Vasconcelos Magalhães[5], citando Dinamarco, expõe:
“Um procedimento em que uma das partes compareça como mero sujeito passivo não é sequer ‘processo’. Como tal só se pode considerar o procedimento, como se disse antes, desde que animado por uma relação jurídica (relação jurídica processual).”
Ao se admitir o contraditório no processo de execução, não significa que estaremos admitindo que o mesmo possa ser amplo, geral e irrestrito. Posto que, se desta forma fosse admitido, o processo de execução perderia por completo a sua própria essência e finalidade, qual seja, a de satisfazer concretamente o direito reconhecida na sentença ou no título extrajudicial. Em hipótese alguma seria admissível no processo de execução a rediscussão de toda matéria já acertada na sentença (a qual foi proferida em outro processo sujeito ao amplo contraditório) ou em um título líquido, certo, exigível, formal e legalmente completo (posto que, também, para formação do mesmo, entendemos ter havido ampla liberdade do devedor em discutir suas condições, portanto contraditório). Ao se admitir o contraditório na execução, obrigatoriamente teremos que o admitir de forma restrita, atinente a própria validade do processo ou do título.
A propósito do tema, o Prof. Humberto Theodoro Júnior[6], em excelente trabalho de sua lavra, preleciona:
“Os atos executivos, então, não se propõe a resolver problemas ligados á relação jurídica material, e, destarte, não servem para estabelecer qualquer tipo de contraditório a seu respeito. Mas as questões próprias da execução forçada, isto é, aquelas que dizem respeito aos requisitos e pressupostos dos atos executivos, devem ser ‘tratadas e solucionadas com observância do contraditório, tal como se passa no processo de conhecimento’”.
Portanto, em conclusão, podemos afirmar que, tendo em vista a ampla aplicação do princípio da ‘ampla defesa’ e ‘contraditório’, é de se admitir que os mesmos também se aplicam ao processo executivo. Não de forma ampla, a ensejar a completa ineficácia do processo de execução, mas de forma restrita às condições, pressupostos e requisitos de validade da ação executiva e, de forma um pouco mais ampla, do título extrajudicial posto em execução.
Ademais, é de se reconhecer que o próprio CPC, no art. 598 dispõe que “aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de conhecimento”. O que dá ampla possibilidade de aplicação ao processo de execução de todas as normas referentes aos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, perempção, litispendência, coisa julgada e qualquer questão referente às condições da ação.
04. “EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE” – CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Ao iniciar-se o estudo de qualquer instituto jurídico, é de primordial importância estabelecer-se, primeiramente, o conceito do mesmo. Daí retirando suas características, definições e delimitações dentro da Ciência Jurídica.
Conceito amplo e que encerra todos os aspectos do instituto da “exceção de pré-executividade”, encontramos na ementa do acórdão proferido pela 1a T. da 2a C.Civ. do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no AI de n. 16.748-5/180, tendo como relator o Exmo. Desembargador Fenelon Teodoro Reis[7], vejamos:
“O incidente de exceção consiste na faculdade atribuída ao devedor, de submeter ao conhecimento do magistrado nos próprios autos da execução, independentemente de penhora ou embargos, em qualquer fase do procedimento, determinadas matérias suscetíveis de apreciação de ofício ou à nulidade do título que seja evidente e flagrante”.
Também interessante, quanto ao conceito e objeto do instituto em questão, a doutrina de Danilo Knijnik[8], que a respeito da “exceção de pré-executividade”, assim se pronuncia:
“(….)a ‘exceção de pré-executividade’ consiste na invocação do officium iudicis, tendo por objeto os pressupostos processuais, as condições da ação executiva e as objeções substanciais logicamente mediatizáveis pelo título executivo.”
Analisando a definição e posicionamento acima citado, facilmente podemos oferecer uma definição acerca do instituo. A “exceção de pré-executividade” consiste na possibilidade do devedor, independentemente de penhora ou embargos, em qualquer fase do procedimento, submeter ao magistrado, nos próprios autos de execução, matéria atinente aos pressupostos processuais, condições da ação e nulidades ou defeitos do título executivo, desde que evidentes e flagrantes e suficientemente provadas de plano.
Ressalta-se a primeira e principal característica do instituto, ou seja, para ser manejado como meio de defesa no processo de execução independe de garantia do Juízo. Sendo que o devedor poderá manejar a “exceção de pré-executividade”, sem que tenha de submeter seu patrimônio a gravame algum, podendo inclusive utilizar-se da “exceção” sem que possua patrimônio. Situação bem diversa dos embargos. Outrossim, diferentemente dos embargos, que somente podem ser interpostos no prazo de dez dias, a “exceção de pré-executividade” pode ser manejada, nos próprios autos do processo de execução, a qualquer tempo.
Por fim, outra característica marcante do instituto em questão, se refere a delimitação de seu campo de atuação. Diferentemente dos embargos, na “exceção de pré-executividade” somente poderá se alegar questões atinentes aos pressupostos processuais, condições da ação ou nulidades e defeitos flagrantes do título executivo. Posto que, na “exceção de pré-executividade” não se abre oportunidade para ampla produção de provas, sendo que as matérias argüíveis devem estar suficientemente demonstras. Tal imposição se faz necessária, tendo em vista que, se assim não o fosse, o instituto dos embargos à execução não teria fundamento em existir, levando o processo executivo como um todo a mais completa ineficácia.
05. HISTÓRICO
No curso da História, é relativamente recente a possibilidade de defesa do devedor no processo de execução. Em Roma, segundo ensinamento de Elio Longo, citado por Danilo Knijnik[9], a execução caracterizava-se:
“(….) pela natureza acentuadamente dispositiva e, pois, pelo predomínio da atividade da parte; redução, ao mínimo, da intervenção do órgão estatal; dificuldade, ou melhor, impossibilidade, no processo mais antigo, de identificar o objeto da execução com o objeto inadimplido e, daí, de assimilar o resultado final dessa à satisfação do direito violado; ao menos nos primórdios, características pessoais e sancionatórias da ação executiva em concomitância, no direito substancial, com um originário estado de indistinção da sanção civil daquela penal”
No Direito Germânico, também não foi diferente. Ao credor se atribuía inclusive a possibilidade de efetuar a “penhora de mão própria ou penhora privada, as quais ‘as leis, antes de proibir, incentivavam, embora lhes outorgando alguma regulamentação’”.[10]
De certa forma, o Direito Moderno absorveu os elementos e influências tanto de Roma, como do Direito Germânico. O que resultou em um processo baseado na certeza do direito pleiteado (título ou sentença), mas que fosse assegurado a efetivação deste direito, através de atos executivos que importem na efetivação sem a rediscussão do mérito. Embora acatando a tese de que na execução não se rediscute mérito, o Código somente prevê a possibilidade de rediscussão da obrigação mediante “embargos”, após seguro o juízo. Ou seja, para que se admita qualquer atitude defensiva do devedor, obrigatoriamente o mesmo terá que, previamente, garantir o juízo através de seu patrimônio.
Conforme já dito alhures, o instituto da “exceção de pré-executividade”, é criação recente da Doutrina. Sendo que com o correr dos estudos sobre a matéria, tem sido aceito pela jurisprudência da maioria dos Tribunais Pátrios. Segundo a maioria absoluta da doutrina, os primeiros estudos sobre o tema em nosso País, são atribuídos ao imortal mestre Pontes de Miranda, com base no Parecer n. 95[11]. O qual versava “sobre pedidos de decretação de abertura de falência, baseados em títulos falsos, e de ação executiva em que a falsidade dos títulos afasta tratar-se de dívida certa.”
O inigualável estudo, do qual resultou o parecer, se deve ao fato de que a Companhia Siderúrgica Mannesmann teve vários títulos falsos, supostamente de sua emissão, executados. Bem como, pedidos de falência lastreados em títulos falsos, o que levou, após penhoras sucessivas, ao agravamento de seus depósitos bancários, com a conseqüente risco de paralisação de suas atividades.
No citado parecer o mestre sustenta com sua invejável capacidade argumentativa, a possibilidade de discussão, anteriormente a penhora, da “falsidade” do título. Com precisão, doutrina[12]:
“As letras de câmbio, as notas promissórias, os cheques e outros títulos cambiariformes são líquidos; porém a certeza há de resultar do que está escrito, de veracidade das assinaturas e da observância das exigências legais. Se o sacador ou aceitante da letra de câmbio, dentro das vinte e quatro horas, diz que a sua assinatura é falsa, ou que o nome é igual, ou parecido, porém não foi ele que se vinculou ao título cambiário ou cambiariforme, o juiz tem de decidir quanto a isso, porque está em exame a pretensão à execução, e não o mérito da causa”.
Algumas resistências à aplicação do instituto surgiram, notadamente de Alcides de Mendonça Lima, citado por Ricardo Ludwig M. Pantin[13]. Argumenta, que ao se admitir a “exceção de pré-executividade”, que:
“(….)será, sem dúvida, o caos do processo de execução, não mais protegendo o credor, como é de sua índole, para favorecer o devedor, em completa deturpação de sua acepção teleológica” (….) ‘a antecedência da penhora é conditio sine que non da atitude do devedor-executado.’”
A par das resistências, o instituto ganhou corpo na doutrina e Jurisprudência. Sendo defendido por inúmeros doutrinadores de peso, alguns pregando sua utilização de forma mais tímida, outros ampliando seu leque de atuação. Sendo que o tema tem inspirado inúmeros estudos e questionamentos, tanto que, nas palavras de Humberto Theodor Júnior[14]:
“a atenção da literatura processual brasileira, nas últimas décadas do século XX, voltou-se para um fenômeno de relevante significado prático: a possibilidade de o executado provocar o juiz a pronunciar-se sobre a ausência de requisitos legais da execução (….)”, ou seja a chamada “exceção de pré-executividade”.
Certo é que a “exceção de pré-executividade”, inobstante os que negam sua aplicação, é largamente utilizada como legítimo recurso processual colocado à disposição do devedor para sua defesa no processo executivo. Sendo que a maioria dos Tribunais Pátrios já enfrentaram o tema, na absoluta maioria das vezes, reconhecendo a possibilidade de manejo do instituto em questão.
06. POLÊMICA ACERCA DA CORRETA TERMINOLOGIA
Na maior parte da doutrina, e mesmo na jurisprudência, a terminologia consagrada para o instituto em estudo sempre foi a de “exceção de pré-executividade”. Terminologia esta que remonta ao famoso parecer do mestre Pontes de Miranda. De fato, doutrinava o mestre[15]:
“Para que haja executividade, é preciso que se repute título executivo e instrumento da dívida ou que haja sentença com carga suficiente de executividade.
Quando se pede ao juiz que execute a dívida (exercício das pretensões pré-processual e processual à execução), tem o juiz de examinar se o título é executivo, seja judicial ou extrajudicial”.
O festejado mestre, tenta demonstrar que quando o título executivo não tem o atributo da “executividade”, poderá se opor tal fato à pretensão executiva. Argumentando tratar-se de “exercício das pretensões pré-processual”. Talvez aí resida a origem do termo “pré-executividade”.
Tal denominação sempre foi duramente criticada pela doutrina. Humberto Theodoro Júnior[16], com apoio na doutrina de Barbosa Moreira, assim se pronuncia ao criticar a expressão:
“Barbosa Moreira evidencia que se o que se busca é demonstrar que o credor não tem condições jurídicas para executar seu pretenso crédito, não é de um requisito anterior (‘pré’) à executividade que se cogita. É, isto sim, da falta de um requisito da própria execução proposta, que se ocupa a argüição. Afinal, a execução já foi proposta e o intento do devedor não se relaciona com requisitos ou dados anteriores, mas com aqueles que no momento deveriam existir e, na realidade não existem. Enfim, o que falta não é a pré-executividade, é a executividade”.
Nelson Nery Júnior, citado por Helder Martinez Dal Col[17], critica a expressão “exceção”, para o jurista “a expressão objeção de pré-executividade é a mais adequada, já que o termo ‘exceção’ sugere que se trate de matéria de defesa, e, portanto, não passível de ser conhecida de ofício e sujeita a preclusão.” Justificaria-se a utilização do termo “objeção”, tendo em vista que o mesmo se refere a matérias que o juiz está autorizado a conhecer de ofício, ou seja, de ordem pública. Expressão esta também criticada por parte da Doutrina.
A polêmica é tamanha, que alguns autores simplesmente se negam até a atribuir qualquer nome ao instituto. Simplesmente afirmando que se trata de mero incidente, em que a parte peticiona ao Juiz, alegando matéria de ordem pública,a qual o mesmo deveria ter se pronunciado de ofício, mas não o fez. Marcos Valls Feu Rosa, citado por Humberto Theodoro Júnior[18], chega a ponto de afirmar que “não se pode condescender com a expressão ‘exceção de pré-executividade’ porque o que assim se rotula não é nem ‘exceção’, nem ‘pré’, nem ‘executividade’.” Dizendo tratar-se o instituto de simples argüição de falta de requisitos da execução. Sendo que alguns autores negam inclusive a condição de “instituto” ou remédio processual à “exceção de pré-executividade”.
Polêmicas a parte, primeiramente é de se, com a devida vênia, contradizer aos que negam a condição de “remédio processual” ao instituto em questão. Embora não expressamente prevista no CPC, certo é que a jurisprudência e a doutrina já consagraram a “exceção de pré-executividade” como meio legítimo do devedor, independentemente de penhora, opor-se à execução em determinados casos restritos. Daí não ser prudente a redução da importância do tema em questão a mero incidente de somenos importância no curso do processo.
Quanto a questão propriamente dita da terminologia correta a ser usada, comungamos da opinião daqueles que acham impróprio o termo “exceção de pré-executividade”, embora já consagrado pelo uso constante nos Pretórios Pátrios.
Primeiramente, quanto a expressão “exceção”, julgamos-la oportuna. Posto que, no curso da história do Processo, o termo “exceção”, sempre designou “defesa”, “contraposição” ou mesmo “oposição”. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Dinamarco[19], sobre o termo “exceção”, conceituam:“Exceção, em sentido amplo, é o poder jurídico que se acha investido o réu e que lhe possibilita opor-se à ação que lhe foi movida.”
Ora, analisando o instituto em questão, facilmente chegamos a conclusão de que se trata de uma “exceção” oposta pelo devedor à pretensão executiva do credor. Ao manejar a “exceção de pré-executividade”, o devedor-executado, está exercendo seu direito constitucionalmente garantido de opor-se a ação executiva que lhe foi movida. Portanto, em hipótese alguma poderemos admitir como impróprio o termo “exceção”, posto que, ao se opor à pretensão executiva, o devedor está exercendo de fato seu direito de defesa. Não se importando que a matéria alegada seja de ordem pública ou privada. Alegar que tal denominação fere a sistemática do Código de Processo Civil, se constitui em um excesso de zelo, a “exceção de pré-executividade” nem prevista no código está.
Por outro lado, o termo “objeção”, propugnado por parte da doutrina, seria completamente inadequado. Posto que a expressão somente encerra aquelas matérias, as quais, o juiz poderia conhecer de ofício. Ou seja, matérias de ordem pública. Daí constatarmos que o termo “objeção” é insuficiente para designar o instituto, pelo fato de que, além das matérias de ordem pública, passíveis de argüição através de “exceção de pré-executividade”, outras matérias atinentes a validade do título, desde que suficientemente provadas, também o poderão. Desta feita, o termo “objeção” seria insuficiente para designar o instituto, posto que não abrangente a todas as matérias passíveis de serem argüidas através do incidente.
Quanto a questão do termo “pré-executividade”, aqui sim, julgamos-lo inoportuno. Para tanto, nos socorremos à preciosa doutrina de Barbosa Moreira, citado por Humberto Theodoro Júnior[20]:
“Mirando através do inoportuno biombo verbal’ – observa BARBOSA MOREIRA – ‘ percebemos o que se quer sustentar aí: é que o processo, instaurado sob vestes executivas, não preenche os requisitos indispensáveis para usar esta indumentária; ou, em outra perspectiva, que o título não constitui passaporte regular para o ingresso na via da execução. Em palavras diferentes, o que se pretende é negar à executividade, aí, direitos de cidadania… o problema não é de ‘antes’ ou ‘depois’: é de ‘sim’ ou ‘não’….” (grifo nosso)
De fato, ao analisarmos a exceção, podemos concluir que o termo “pré” designa uma defesa anterior, o que poderia significar até uma atividade pré-processual. Ora, se a “exceção” pode ser oposta em qualquer fase do processo executivo, independentemente de penhora desde que respeitadas as matérias dedutíveis, fatalmente podemos concluir que o termo “pré” é inadequado. O que se busca com a “exceção” é a declaração de que no processo não há o atributo da executividade. Daí concordarmos com a afirmação de Barbosa Moreira, a questão não se restringe ao antes (pré) ou depois (pós) mas ao sim ou ao não. Ou possui a executividade ou não possui a executividade. Daí, com a devida vênia as opiniões em contrário, sustentarmos que a correta terminologia do instituto seria de “exceção de não-executividade”.
Exceção porque, mesmo que se alegue matéria de ordem pública, a simples alegação se constitui em um ato defensivo do devedor-executado, exercendo sua faculdade constitucionalmente garantida de opor-se a ação proposta pelo credor. E “não-executividade”, porque na exceção se busca mostrar que a execução proposta não se reveste de executividade suficiente para ser considerada como válida. Daí reputarmos ser esta a melhor definição para o instituto em questão.
Por fim, cumpre dizer que a práxis forense já consagrou o termo “exceção de pré-executividade” sendo que a maioria dos estudos e obras sobre o tema a adotam, razão pela qual no presente estudo a utilizamos, mas sempre colocada entre aspas.
07. MATÉRIAS ARGUÍVEIS
Quanto ao campo de aplicação da chamada “exceção de pré-executividade”, primeiramente torna-se necessária uma advertência, constantemente repetida no curso do presente trabalho. Em hipótese alguma poderemos discutir, através do instituto em questão, matérias de fato, cuja demonstração carece de uma grande dilação probatória. Desta feita, onde então se aplicaria a “exceção de pré-executividade”?
Primeiramente, citamos aquelas matérias, as quais o Juiz pode conhecer de ofício, ou seja, as chamadas matérias de ordem pública. Daí têm-se que toda e qualquer questão atinente aos chamados pressupostos processuais e às condições da ação, serão passíveis de argüição através da “exceção de pré-executividade.” Além é claro de toda matéria atinente à prescrição, decadência, coisa julgada, pagamento ou novação. Portanto, todas as matérias elencadas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do CPC, serão passíveis de serem argüidas através da “exceção de pré-executividade”.
Outrossim, merecem destaque as matérias atinentes às condições da ação executiva. Primeiramente, quanto à possibilidade jurídica do pedido, ressaltamos a necessidade de existência do crédito estampado no título executivo, devendo o título em questão ser líquido, certo e exigível, sob pena de nulidade (art. 618, I do CPC). Não se revestindo do caráter de certeza, liquidez e exigibilidade o título, tal matéria poderá, de plano ser suscitada por via da “exceção de pré-executividade”, posto que ausentes os requisitos básicos para se realizar a execução.
Outra matéria pertinente é quanto a legitimidade, tanto passiva como ativa na ação executiva. Somente poderá ser executado o devedor expressamente indicado no título. Havendo qualquer questão que possa ser suficientemente demonstrada, quanto a legitimidade passiva ou ativa, tal matéria também poderá ser alegada. ( execução de pessoa diversa da que assumiu o título, assinatura falsa, ausência de endosso, etc)
Por fim, o interesse de agir no processo executivo somente surgirá com o inadimplemento da obrigação, a se verificar após o vencimento da dívida. Não vencida a obrigação, faltará o caráter de exigibilidade ao título e conseqüentemente o interesse de agir do credor. Além é claro da execução de títulos já solvidos. Portanto tais matérias também são passíveis de serem argüidas no campo de discussão do interesse de agir.
Sustentamos também a possibilidade de utilização do instituto da “exceção de pré-executividade” para se argüir todo e qualquer vício formal do título. Desde que suficientemente demonstrados e materialmente provados no ato da argüição. Portanto, os títulos celebrados com qualquer vício que os tornem nulos ou anuláveis (arts. 138 e seguintes do Código Civil) poderão serem atacados via “exceção de pré-executividade”. Entretanto, mais uma vez é de se frisar, que o vício deverá estar suficientemente e materialmente provado. Havendo qualquer necessidade de uma grande dilação probatória o instrumento adequado será o dos “embargos”.
Por fim, admitimos também como Humberto Theodoro Júnior[21]a aplicação do instituto toda vez que se:
“cogitar de toda e qualquer matéria que, afetando o título, sua força, seus limites e sua exigibilidade, possa ser conhecida e tratada sem necessidade de dilação probatória (ex: vícios formais do título, extinção da obrigação, excesso de execução evidente, etc)”.
Finalizando, podemos admitir a “exceção de pré-executividade” toda vez em que na situação concreta, faltar qualquer das condições da ação, ou seja, legitimidade da parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido. Sendo que a maioria dos casos passíveis de “exceção de pré-executividade” se amoldam à falta de alguma destas condições, as quais ausentes, invalidam o processo.
08. FUNDAMENTOS DA “EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE”
Em momento algum, o Código de Processo Civil, ou mesmo a legislação esparsa, traz qualquer previsão legal expressa acerca da possibilidade de interposição da chamada “exceção de pré-executividade”. O que, entretanto, não afasta sua previsão legal no ordenamento jurídico Pátrio. Conforme já dito no presente trabalho, o ordenamento jurídico forma um todo sistemático, segundo o magistério de Paulo Nader[22]:
“do ponto de vista prático vigora o postulado da plenitude da ordem jurídica, pelo qual o Direito Positivo é pleno de respostas e soluções para todas as questões que surgem no meio social.”
Quanto a “exceção de pré-executividade” propriamente dita, embora não prevista expressamente no Código de Processo Civil, sobre a aplicabilidade da mesma, encontramos na Constituição Federal previsão e fundamento expresso quanto a utilização do instituto.
O inciso XXXV do art. 5o da Constituição Federal, de forma expressa assegura amplamente a todos que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Repetindo o que já vinha consagrado desde a Constituição de 1946, o legislador constitucional, de forma ampla e irrestrita assegurou a todos os cidadãos o direito incondicionado de ação. Bullos[23], com acuidade doutrina que:
“Através desse princípio, todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual, coletivo, difuso ou até individual homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesse qualificado por uma pretensão irresistível”.
Analisando então o dispositivo constitucional em questão, fatalmente chegamos à conclusão de que o direito de ação, ou seja, o de se socorrer ao Poder Judiciário toda vez que se sofre uma lesão ou ameaça a direito, é incondicionado, irrestrito e amplo.
Confrontando o princípio em questão com a chamada “exceção de pré-executividade”, pode-se afirmar que aquele fundamenta esta. Vejamos: ao se buscar através da “exceção de pré-executividade” a nulidade do processo executivo nos casos cabíveis, está se submetendo ao poder judiciário uma ameaça ou mesmo lesão a direito. O simples fato de se sofrer uma execução sem fundamentos, nula ou imotivada caracteriza lesão e mesmo ameaça a direito do “suposto” devedor. Razão pela qual o mesmo pode submeter, incondicionalmente, ao Poder Judiciário tal fato, independentemente de sofrer constrição patrimonial, através de penhora ou depósito de seus bens.
Exigir-se prévia garantia do juízo para apreciação de lesão ou ameaça de direito, é negar o próprio direito de ação constitucionalmente garantido. Entretanto, é de se fazer uma ressalva, não se está aqui a negar o instituto dos embargos ou mesmo se instaurando um contraditório absurdo no processo de execução. Mais uma vez, é de se ressaltar que a aplicação da “exceção de pré-executividade” é restrita. Nos casos de sentença transitada em julgado, isenta de qualquer nulidade, o “direito de ação” do suposto devedor já foi anteriormente exercido, e mesmo nos títulos executivos extrajudiciais formais e legalmente válidos, inexiste a lesão ou ameaça a Direito, posto que a sua própria formação é prevista no Direito. Portanto, o princípio em questão se invoca nos casos em que houver, in concreto, lesão ou ameaça ao Direito, o que ocorre nos casos de execução lastreada em títulos nulos, levadas a cabo por parte ilegítima, enfim em títulos que não possuam o atributo da executividade, tal com preceituado por Pontes de Miranda.[24]
Outrossim, no inciso LV do mesmo artigo 5o em questão, a Constituição Federal assegura “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.Também aqui, encontramos fundamento legal suficiente para a “exceção de pré-executividade”. Mais uma vez, recorremos a Bulos[25], que quanto ao contraditório, doutrina:
“O conteúdo do princípio constitucional do contraditório é sobejamente claro: garantir aos litigantes o direito de ação e o direito de defesa, respeitando-se a igualdade das partes. Por isso, todos aqueles que tiverem uma pretensão a ser deduzida em juízo podem invocar o contraditório a seu favor, seja pessoa física ou jurídica.”
Confrontando as possibilidades de defesa do executado em juízo, fatalmente concluímos que a exigência de prévia garantia do juízo em determinados e restritos casos, fere o princípio do contraditório. Posto que, caso baseada em título desprovido de executividade, ou seja, eivado de vício suficiente para causar sua invalidade, exigir-se do suposto devedor que grave seu patrimônio para exercer seu direito de defesa, seria o mesmo que negar vigência ao dispositivo constitucional. Ainda mais nos casos em que o suposto devedor nem patrimônio possui. Estaria vinculado a um processo sem sequer possuir a chance de se defender.
Mais uma vez é de se ressalvar que a aplicação do instituto em questão é restrita, sob pena de se invalidar completamente o processo de execução. Somente se aplica nos casos determinados de invalidade da execução ou do próprio título. Se o título é judicial, o contraditório já foi exercido, se extrajudicial, ainda assim para sua formação concorreu o devedor, anuindo com as cláusulas do mesmo e exercendo sua liberdade de contratar (a qual sofre as limitações dos arts. 421, 422, 423 e 424 do Código Civil). Se não há elementos que invalidem o título, não há que se falar na possibilidade de “exceção de pré-executividade”.
Por fim, há que se acrescentar que o próprio CPC, no art. 733, quanto trata da execução de alimentos, prevê a possibilidade de contraditório no processo executivo. Quando permite ao devedor, no prazo de três dias a contar da citação, provar que fez o pagamento ou a impossibilidade de faze-lo.
Em conclusão podemos afirmar que a “exceção de pré-executividade”, mesmo que não expressamente prevista no CPC, encontra amparo legal no ordenamento constitucional, que assegura a todos, incondicionalmente, o direito de submeter a apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito bem como o contraditório e ampla defesa no processo. Direito este, que no caso próprio da “exceção de pré-executividade” não é ilimitado, abrangente de todo e qualquer processo executivo, somente nos casos restritos já apontados.
09. FORMA E PRAZOS
Conforme já dito, o Código de Processo Civil em nenhum de seus dispositivos prevê expressamente a “exceção de pré-executividade”, razão pela qual não há qualquer dispositivo referente a formas ou prazo de interposição.
Como se trata de instituto tendente a impedir a execução quando ausente condições ou pressupostos da ação, bem como eventuais nulidades do título ou matérias de ordem pública, que poderiam até ser conhecidas de ofício pelo juiz, é de se concluir que não há forma preestabelecida. O que nos faz afirmar que a “exceção de pré-executividade” poderá ser interposta mediante simples petição dirigida ao Juiz da execução, fundamentada de forma clara e concisa com a exposição do vício que anula ou impede o processo executivo.
Tendo em vista a própria natureza do processo executivo, sob pena de se inutilizar completamente o mesmo, o contraditório e as matérias probatórias somente poderão ser exercidos de forma sucinta. O direito alegado há de se estar suficientemente provado juntamente com a fundamentação. Segundo Danilo Knijnik[26]:
“O primeiro requisito exigível é o de que, à argüição, seja absolutamente e de todo dispensável o desenvolvimento de atividades probatórias de qualquer natureza, devendo as questões fáticas, eventualmente envolvidas na resolução do incidente, apresentar-se inteiramente pré-constituídas. Eventualmente, alguma prova poderá exibir-se, mas, ainda nesse caso, deverá apresentar-se pré-constituída, tal com ocorre na ação mandamental.”
Recebida a petição do incidente, mesmo que se trate de argüição de matéria de ordem pública, as quais o Juiz já poderia ter conhecido de ofício, ainda assim entendemos que o Juiz deverá submeter o incidente ao “credor”. O qual no prazo do art. 185 do CPC, ou seja 5 dias, poderá impugnar o pedido. Sob pena de em não o fazendo, ferir-se o princípio do contraditório. Ressaltando-se aqui, que em momento algum se deferirá ao “credor”, qualquer possibilidade de produção ampla de provas. Tal como dito alhures, qualquer questão fática deverá estar previamente e inequivocamente provada.
Após manifestação do credor, de plano, independentemente de qualquer instrução ou dilação probatória o juiz deverá proferir a decisão. Interlocutória, se negando o pedido expresso na “exceção de pré-executividade”, com o imediato prosseguimento do processo de execução. Ou através de uma sentença, que acate a “exceção de pré-executividade”, apontando a eventual falta de condição ou pressuposto da ação ou mesmo a nulidade alegada. Neste caso, pondo fim ao processo executivo.
Outra questão importante é quanto ao prazo para se alegar a “exceção de pré-executividade”. Pontes de Miranda[27], em seu memorável parecer, aponta como momento de se alegar a “exceção de pré-executividade”, o prazo de 24 horas, ou seja, antes da penhora. Com a devida vênia, humildemente discordamos do mestre.
Por se tratar de questões de ordem pública, atinentes às condições da ação ou pressupostos processuais e em todas as matérias que o Juiz deva conhecer de ofício, poderão ser oposta a qualquer momento do processo. Francisco Fernandes de Araújo[28], citando Alberto Camiña Moreira, afirma que:
“…não existe prazo para a sua prática, porque não contemplada legislativamente, e nem haveria razão de prazo preclusivo porque a natureza das matérias passíveis de serem alegadas não se subordina à peremptoriedade inerente à preclusão. Questões processuais de ordem pública podem ser alegadas a qualquer tempo; da mesma forma a prescrição, a decadência, o pagamento, a novação, a transação e a compensação.”
Portanto, a “exceção de pré-executividade” poderá ser oposta a qualquer tempo e fase processual, tendo em vista a natureza das matérias argüíveis. As quais, segundo o entendimento acima exposto, não estão subordinadas à preclusão, posto que de ordem pública.
Por fim, quanto a competência, não restam maiores dúvidas. É competente para conhecer da “exceção de pré-executividade” o juízo da execução. Quando a “exceção de pré-executividade” for interposta em execução por carta, maior dúvida não restará. Aplica-se por analogia o disposto no art. 747 do Código de Processo Civil, ou seja, poderá ser alegada tanto no juízo deprecante como no juízo deprecado. Entretanto, a decisão caberá ao Juízo deprecante.
10. RECURSOS CABÍVEIS E SUCUMBÊNCIA
A “exceção de pré-executividade” não provoca o surgimento de uma nova relação processual, como na ação incidental dos “embargos”. Daí aferirmos que o recurso a ser manejado dependerá do tipo de pronunciamento jurisdicional.
Quanto o processo executivo é extinto, ou seja, quando se acolher a “exceção de pré-executividade” reconhecendo a invalidade da execução, o recurso pertinente será a apelação. Posto que o pronunciamento jurisdicional que acatou a “exceção de pré-executividade” tem natureza de sentença.
Por outro lado, quando o juiz rejeitar a “exceção de pré-executividade”, seu ato terá natureza de decisão interlocutória. Posto que o processo executivo continuará, tendo o juiz decidido mera questão incidente. Neste caso o recurso pertinente será o agravo de instrumento.
Por fim, entendemos também cabível nos casos de “exceção de pré-executividade” a condenação em honorários de sucumbência. Outra interpretação não se retira do artigo 20 do CPC. Se a “exceção de pré-executividade” foi acatada, logicamente a sentença há que condenar a parte vencida. Por outro lado, se houve decisão interlocutória inadimitindo a “exceção de pré-executividade” ainda assim serão devidos honorários sucumbenciais, a par do disposto no § 4o do art. 20 do CPC.
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Informações Sobre o Autor
Rômulo Resende Reis
Advogado militante no Estado de Minas Gerais, Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo CAD/UGF
Santo Antônio do Amparo(MG)