Desmistificando o novo Código Civil

O novo Código Civil não deixa de ser uma miscelânea, como se estoque do popular “bazar de turco” e, como nele, oferecendo bons artigos que até poderão ser desvalorizados pelos ruins.

Miscelânea com um Código Comercial:

Considero-o uma miscelânea porque – e isso tem passado despercebido da mídia – ele é, também, um código comercial (o vigente data de… 1850!) caracterizado num inusitado “Livro II – Do Direito de Empresa”, com 230 artigos sobre o Empresário; a Sociedade Não Personificada; a Personificada; a Sociedade Simples; em Nome Coletivo; em Comandita; a Limitada; a Anônima; a Cooperativa, e muito mais matéria desse campo empresarial. Nesse seu aspecto de código comercial, destaquem-se inovações relevantes como as que tratam das “Empresas dependentes de autorização governamental para funcionar” que podem ser, por exemplo, bancos, postos de gasolina, dentre inúmeras outras, e faculta ao Poder Executivo negar-lhe permissão de se estabelecer, “se a sociedade não atender às condições econômicas, financeiras ou jurídicas especificadas em lei, ou quando sua criação contrariar os interesses da economia nacional“, além de reservar àquele Poder cassar a respectiva autorização de funcionamento pelo art. 1.125: “Ao Poder Executivo é facultado, a qualquer tempo, cassar a autorização concedida a sociedade nacional ou estrangeira que infringir disposição de ordem pública ou praticar atos contrários aos fins declarados no seu estatuto e, também faculta ao Poder Executivo a exigência para “que se procedam a alterações ou aditamento” em “contrato ou estatuto” de sociedade, como afirmação do Estado em defesa da ordem jurídica ou do interesse coletivo” (art. 1.129). Por outro lado, esclarece a distinção entre “empresa nacional” e empresa estrangeira, exigindo, quanto a esta, autorização do Poder Executivo para funcionar: art. 1.126: “É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração.” e, no art. 1.134: ”A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira”. Cuidou, mais, – e perigosamente para os direitos conjugais – da alienação dos bens da empresa: art. 978. “O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens,  alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa  ou gravá-los de ônus real.”

A vacatio legis:

É importante lembrar que a aplicação do código estará suspensa por um ano, prazo em que poderão ser aditadas correições dos artigos ruins e supridas omissões, tal como o IBDFAM se dispõe a provocar no Congresso Nacional (suas propostas – e o texto integral do Código Civil recém sancionado – estão no site www.gontijo-familia.adv.br). O somatório das circunstâncias, mormente a da vacatio legis, faz com que seja acertada e oportuna a opção dos codificadores por um contexto de matéria consolidada, deixando para a legislação especial aditiva questões em processo de estudo e as que são complexas, merecendo discussão pela sociedade civil por envolverem problemas e soluções que extrapolam o mundo jurídico ao se desdobrarem no campo da ciência biotecnológica e no da moral a que o Direito há de estar sempre sujeito. Por isso que erram os críticos ao inquinar o código como ultrapassado por não disciplinar assuntos ainda não pacificados como os relativos às pesquisas científicas e ao emprego de suas conquistas já em prática como as das mutações genéticas de pessoas, animais e alimentos, no que se incluem a clonagem, a inseminação artificial humana, a plantação e a venda de agricultáveis transgênicos; o uso dos vários meios de comunicação na Internet e as conseqüências legais dos seus subprodutos como a infidelidade conjugal virtual, o comércio on-line, o domínio de sites e e-mails; a previsão legal de indenização específica pelo infrator dos deveres do casamento; os relacionamentos homossexuais e sua juridicidade (num exemplo pontual, é de se ver que sequer se concluiu sobre a natureza civil ou familiar de uma “união gay”), e as crítica sobre omissões se multiplicam num índex ad infinitum e que se prestam mais para confirmar como razoável aguardar-se que fenômenos sociais emergentes tenham sua disciplina em legislação aditiva.

Na linha dos bons artigos:

Anoto a mudança de rumos para melhor, na ênfase dada à primazia da ética, do social e do operacional, aspectos ressaltados pelo prof. Miguel Reale, principal artífice do código e para quem a inclusão desses valores essenciais são os pilares da obra e que denomina eticidade, socialidade e operabilidade:

O conteúdo ético:

Miguel Reale, mestre de todos nós, em três trabalhos publicados no Estado de São Paulo, edições de 19, 20 e 21 de agosto de 2001, justificou que ele e seus companheiros redatores do anteprojeto procuraram superar o apego do Código Bevilaqua ao formalismo jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida do Direito tradicional português e da escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do valioso trabalho empírico dos glozadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional haurido na admirável experiência do Direito romano. E, que, não obstante os méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com aqueles se deve compatibilizar.

Sobre o pilar da ética, ganha vulto, desde logo, o artigo 113: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”; o art. 187. “Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”; o art. 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” No transcorrer do texto continua freqüente a referência à probidade e à ética, à correção (corretezza) ao contrário, diferentemente do que ocorre no código vigente, demasiado parcimonioso nesse aspecto.

A busca do social:

Justifica, ainda, o Prof. Miguel Reale, que buscaram superar o manifesto caráter individualista de um código então previsto para aplicação num Brasil daquela época, um País agrícola, com 80% da população no campo. Hoje o quadro é radicalmente outro, com 80% do povo brasileiro ativo nas cidades, numa alteração de 180 graus na sua mentalidade, inclusive pela influência dos modernos meios de comunicação (já acessíveis aos que moram no campo e que, por isso mesmo, têm usos e costumes mais atualizados que os dos seus bisavós). Essa alteração naturalmente terá de, cada vez mais, condicionar o interesse particular ao coletivo, para disciplinar a vida comunitária. Daí a necessidade do predomínio do social sobre o individual. Os artigos já mencionados como exigentes de ética também são imantados da agora indispensável socialidade que ressalta, dentre outros, no art. 421 que declara a função social do contrato: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” Pela mesma razão, no art. 422: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.” No caso de posse, superando as disposições até agora universalmente seguidas, que distinguem apenas entre a posse de boa e a de má-fé, o código leva em conta a natureza social da posse da coisa para reduzir o prazo de usucapião que, conforme o art. 1.238, é fixado em 15 anos para a aquisição da propriedade imóvel, independentemente de título e boa-fé, reduzido a dez anos “se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.” Pelo art. 1.239, cai para cinco anos para o possuidor adquirir o domínio de área em zona rural não superior a 50 hectares, se torná-la produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nele sua moradia. O mesmo sentido social caracteriza o art. 1.240, segundo o qual, se alguém “possuir, como sua, área urbana até 250 metros quadrados, por cinco anos ininterruptos, e sem oposição, utilizando-a para sua moradia e de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel.” Outro exemplo da preponderância do princípio de socialidade está no art. 1.242, segundo o qual “adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestavelmente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.” Esse prazo é reduzido a cinco anos “se o imóvel houver sido adquirido onerosamente, com base em transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico.” O prof. Reale destaca o caráter revolucionário de dois parágrafos do art. 1.228: § 4.º – “O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela tiverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.”; § 5.º – “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para a transcrição do imóvel em nome dos possuidores.” Mais que cuidar apenas do aspecto social da propriedade, o código inovou com a figura da prestação de serviços à comunidade como pena civil ao abrir margem à possibilidade de se adotar a técnica de prestação de serviços, como sucedâneo da reparação de danos: art. 948. “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II – na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.” e pelo art. 949: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

A operabilidade do novo Código:

Esse 3º pilar busca dar praticidade ao código ao criar soluções normativas e facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito e, para isso, o primeiro cuidado, pelo que esclarece mestre Reale, foi eliminar dúvidas que vêm persistindo. Exemplifica-se com a distinção entre prescrição e decadência, baldados que foram os esforços no sentido de unificar entendimento de quais eram os casos de uma ou de outra, com graves conseqüências de ordem prática. O novo código, ao que parece, esclareceu o que foi considerado possível pelos seus redatores, com um elenco taxativo dos casos de prescrição; enquanto os de decadência foram previstos em imediata conexão com os incisos que a prevêem. Igualmente, procurou por termo a sinonímias que costumam dar lugar a dúvidas fazendo, por exemplo, distinção entre associação e sociedade, aquela para indicar entidades de fins não econômicos, e esta para as de objetivos econômicos. Reale considerou não menos relevante a resolução de lançar mão, sempre que possível, de cláusulas gerais, como acontece naqueles casos que exigem probidade, boa-fé ou correção (corretezza) por parte do titular do direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance da regra jurídica. É o que se prevê o art. 575, parágrafo único – “Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade.” O código, em suma, se esforça para atender as hipóteses de “indeterminação do preceito”, cuja aplicação no caso concreto ficará ao arbítrio do juiz à luz das circunstâncias ocorrentes, tal como se dá quando for indeterminado o prazo de duração do contrato de agência, e uma das partes resolver rescindi-lo fixando tempo incompatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do contratante, cabendo ao juiz, consoante dispõe o art. 720 e seu parágrafo único, decidir sobre sua razoabilidade e o valor devido. Como se vê, o que o Código objetiva alcançar é o Direito em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma e, aí merece menção o § 1.º do art. 1.240, o qual estatui que, no caso de usucapião de terreno urbano, “o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.” que atende, assim, à existência da informal união estável, considerada nova entidade familiar.

As falsas inovações:

A mídia vem, induzida por pretensos analistas do novo Código, enunciando como inovações simples incorporações de princípios e incisos já consolidados na Constituição Federal, na Lei do Divórcio e noutros diplomas legais e que, como a seguir observados, não são novidades:

Família:

Ela deixar de ser apenas a constituída pelo casamento para abranger as comunidades formadas também pela união estável ou por qualquer genitor e descendente (exemplo, mãe solteira) ocorre por inovação constitucional, desde 1988.

Virgindade:

Deixar de ser mencionada no novo código resulta da igualdade de direitos também imposta pela CF e que serviu de pá de cal no então já caduco desvirginamento da mulher como causa para o marido pedir a anulação do casamento e para o pai deserdar a filha “desonesta“.

Adultério:

É procedimento que continua a configurar conduta desonrosa e grave violação dos deveres do casamento e, assim, ainda justificador de separação. Mas, agora, o adúltero não mais ficará impedido de casar com a amante. Impedimento, aliás, que nunca vingou nos pretórios do País.

Casamento religioso:

O com efeito civil continua a exigir, para sua validade procederem os noivos à habilitação e ao registro civil (que teve seu prazo dilatado para 90 dias, o que para a jurisprudência sempre foi irrelevante).

Casamento civil

O das pessoas pobres ser gratuito pela isenção delas de todas as despesas cartorárias para a habilitação, celebração e expedição da respectiva certidão deixou de ser novidade faz tempo.

Sobrenome:

Sua assunção no casamento por qualquer dos nubentes foi direito reconhecido pela Justiça desde a vigência da igualdade constitucional, assim permitindo ao marido que o desejar assumir o apelido da mulher, condição  que passou a ter interesse para a obtenção de vistos consulares. Nesse sentido, o código esclarece, no art. 1.565 que “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.” para, deixar expresso no § 1º que “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”.

Guarda dos filhos:

Ao contrário do apregoado pela mídia que a alardeia como conquista social, desde há muito que, em caso de litígio, a guarda de filhos menores fica a critério exclusivo do juiz que, no interesse do menor, perqüire quem tem “melhores condições de exercer a guarda”, agora apenas incorporada ao código. Aproveito esse tópico para discordar da crítica contra a omissão de passar esse instituto da forma tradicional para ser guarda compartilhada:

Dela discordo por conhecer na prática, casos ruinosos para os menores objetos de sua convenção consensual pelos genitores. Comprovadamente ela se revela negativa para a segurança biopsicossocial dos filhos, na medida em que eles acabam sendo usados no jogo dos interesses dos pais. Lamento que essa forma de guarda seja tão simpaticamente apresentada, como vem sendo na mídia, reclamada de maneira convincente ou emocional por quem não a obtém, sem que os próprios repórteres que absorvem como verdadeiras as lamúrias e reclamações possam saber – em decorrência do segredo de justiça protetor da intimidade das partes – que, muitas vezes ficou apurado, nos autos, não possuir, quem reclama condições sequer de ter acesso ao menor, pelos riscos que oferecem os seus desequilíbrios psíquicos aferidos por psicólogos das varas de família. É bom que se lembre que o leigo, na verdade, ou entende por guarda compartilhada a liberdade de quem não a tem de exercê-la podendo adentrar na hora que bem quiser na casa do titular da guarda, invadindo sua privacidade a pretexto de estar com os filhos, ou considera que o co-titular da guarda compartilhada possa, permanentemente, interferir na formação do menor e dar-lhe orientação diferente da preferida pelo outro, assim com ele conflitando ou, pior ainda, confundindo-a com a guarda alternada, dividida entre os genitores, prevendo os dias da semana – ou alternando as próprias semanas – em que cada qual fica com os filhos. Um horror!

Igualdade dos filhos:

Este é um outro direito antigo, decorrente do ordenamento constitucional que impõe a absoluta isonomia dos filhos de qualquer origem e  proibindo discriminação.

As reais inovações:

Por outro lado, o novo código traz, realmente, dispositivos “novidadeiros”. Alguns são meramente adjetivos, como o que substitui o termo “homem” pela palavra pessoa; ou a que identifica o casamento como comunhão plena de vida com direitos iguais para os cônjuges; ou passarem chefia e pátrio-poder a ser poder familiar exercido, conjuntamente, pelo marido e pela mulher e que, em caso de divergências, um juiz decidirá. Outras, terão grande repercussão na vida social e na dos cidadãos, como estas

Maioridade civil:

É uma inovação para a qual não vejo outra razão que não a do interesse do Estado em desonerar a previdência social das pensões de filhos menores de 21 anos de segurados falecidos. No outro polo ao reduzir a maioridade para 18 anos criou uma situação que, se livra desse ônus a previdência social, irá sacrificar a mãe viúva para o sustento deles. Acrescento que além de inúmeras outras conseqüências; talvez mais gravemente ainda, na esteira dessa leviandade codificada veio também a redução da idade mínima para a

Emancipação:

do menor aos 16 anos e esse poder antes limitado ao pai é, agora, estendido à mãe: o absurdo está em que um jovem desses tal como o de 18 anos – jamais terá condição financeira de arcar com uma indenização de perda e danos que acarrete a terceiros, a que hoje seus pais se obrigam. Essa redução é tão mais irracional e ilógica quanto sopesada com a resistência que demagogos vêm opondo aos que defendem sua aplicação no campo penal para lástima dos que se sentem vitimas impotentes dos pivetões que, nos seus 16 anos de idade, j á praticaram e vêm praticando mais latrocínios, estupros e homicídios que adultos marginais.

Proibição do Estado intervir na família:

O código ressalva a intervenção condicionada à proteção da família e a que objetive propiciar recursos educacionais e científicos. Um prosaico exemplo pode ser o de uma campanha o de um incentivo para o planejamento familiar, cuja adoção dependerá, entretanto, da livre decisão do casal ou, eventualmente, da mãe “solitária”.

Limitação ao parentesco colateral:

O código em vigor menciona como de parentesco até o sexto grau (artigo 331, CC.), enquanto o recém sancionado limita-o na linha colateral ao quarto grau: art. 1.592. “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”.

Regime de bens:

sofreu perigosa inovação na medida em que poderá ser alterado a qualquer tempo, após o casamento, desde que por autorização judicial. Acredito que ao examinar o caso concreto, o magistrado antes de autorizar a alteração procederá a uma profunda perquirição sobre possível lesão ao direito de terceiros, credores de algum dos cônjuges ou sobre a circunstância de o regime vigente como disciplina daquela sociedade conjugal o ser como o é exatamente para proteger – muitas vezes por orientação dos pais ao então nubente, contra o que foi considerado à época do casamento um evidente “golpe do bau” agora intentado por força da influência conseqüente ao tempo de convivência íntima ou de temor de ameaças.

“Regime de participação final nos aqüestos”

Esse regime, ao meu ver é absolutamente estapafúrdio e non sense. Ele, se é que teremos oportunidade de encontrar algum casal temerário a ponto de ousar adotá-lo, será extremamente eficaz apenas como fonte de animosidade entre marido e mulher na administração dos bens que forem adquiridos pessoalmente por um deles e, principalmente, para tornar infernal a efetivação de uma partilha dos que se conseguir discriminar como… bens partilháveis! Para o operador experiente na prática do Direito de Família chegar a essa mesma conclusão bastará fazer um – ainda que superficial – exercício de futurologia – para antecipar o que resultará da mixórdia resultante dos seus incisos: pelo art. 1.672. “cada cônjuge possuirá patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento”; o artigo seguinte esclarece que “integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía (?!) ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento”; e, aí vem o busilis da questão no seu parágrafo único. “A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis”; devendo chegar ao clímax no momento previsto no art. 1.674. “Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens, e seu parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.” Acrescente-se como munição nessa guerra o previsto a seguir no art. 1.675 “Ao determinar-se o montante dos aqüestos, computar-se-á o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução”; e no art. 1.676 “Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar, além das dificuldades que representaram os art. 1.678 “Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge” e o art. 1.679 “No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido.” Como se não bastassem os até aqui evidenciados empecilhos, Serão de previsíveis as deslealdades que irão ocorrer pelo emprego de testas de ferro apresentando-se como credores para prejudicar a meação do outro porque, pelo art. 1.680. “As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro”. Os demais incisos disciplinadores desse tresloucado regime não são menos perturbadores. Por essas e por muitas outras razões enraizadas numa experiência profissional de 42 anos na militância do Direito de Família também identifico esse regime como natimorto, erigido no código para substituir no limbo dos nossos institutos jurídicos que – como ocorre com algumas vacinas-  não pegaram, o jamais formalizado regime dotal. Naturalmente será aconselhável aos nubentes que não queiram um dos regimes tradicionais, optar por um pacto antenupcial com cláusulas adequadas à situação personalíssima deles, para ser o regime que considerem como melhor para a disciplina da sociedade conjugal a ser constituída pelo seu casamento.

Dívidas de um só dos cônjuges:

O novo código, em boa hora para a defesa dos interesses de cada cônjuge – incluiu, de maneira simplificada, a reiteração do preceito insculpido no artigo 3º, da Lei 4.121/62 (o Estatuto dos Direitos da Mulher Casada), sobre ser de cada cônjuge a respectiva responsabilidade das dívidas de qualquer natureza firmadas somente por ele. A  simplificação desse preceito está em que, agora ele deixou de condicionar, para que o outro fique isento das dívidas, que essas não tenham sido contraídas em benefício da família, para o que resumiu: “dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua  meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros”.

Aval:

para a eficácia da fiança ambos os cônjuges participam dela, condição que o novo código mantém e exige para legitimar o aval.

Pensão alimentícia:

O artigo art. 1.694.explicita um direito pensionário que não é novo na nossa estrutura legislativa: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” No entanto, este capítulo do novo código é muito mais detalhado e abrangente que o atual por incorporar conquistas jurisprudenciais, lições doutrinárias e dispositivos de leis especiais. Desde logo reitera o princípio fundamental da proporcionalidade, que deve informar o instituto dos alimentos, no seu § 1o: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.” enquanto no § 2o dá foros de juridicidade, por absurdo, à culpa, ao constranger o inocente a subsidiar o culpado: “Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” No art. 1.695 deixa claro os pressupostos da situação das partes que poderão ser os pólos do procedimento pensionário: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.” E reitera, no art. 1.696, a reciprocidade assistencial (nesse sentido, vide meu trabalho sobre o “Mito da Cegonha”, dos gregos, sob o título “Da Ingratidão ativa de filhos”, no nosso site ou in COAD/ADV, Boletim Informativo n. 18/2000). Diz o art. 1.696: ”O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.”, no art. 1.697 a extensão (e a limitação) desse dever parental: “Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.”, esclarecendo, a seguir, a possibilidade da complementação pensionária/parental no art. 1.698. “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.” para, então manter ativa a cláusula rebus sic stantibus, na roupa nova da teoria da imprevisão, ensejando a revisão dos alimentos no art. 1.699. “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.” Já no art. 1.700 põe fim à contradição legislativa que perdurava quanto à transmissibilidade da obrigação pensionária, deixando expresso que “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.” O art. 1.701 reaviva parte da alternativa prevista no código atual e que desde há muito deixara de ser aceita na prática forense: “A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor”. E, no parágrafo único. “Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação. “ Também não é novidade – tirante o absurdo da possibilidade do cônjuge mesmo culpado, ser beneficiado com alimentos – o teor do art. 1.702. “Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.” Também não passa de mera repetição o justo mandamento do art. 1.703. “Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.” Novidade lamentável é o retrocesso doutrinário e jurisprudencial condicionado no art. 1.704. “Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.” com o que, tacitamente, deixou de existir na sua plenitude aquela racional diferenciação feita pelos juristas entre os alimentos decorrentes do “jus sanguinis”, por isso que indisponíveis, dos oriundos do casamento e das uniões estáveis que, não sendo um direito natural mas sim previstos numa situação ficta, seriam renunciáveis no ato da separação judicial consensual ou da homologação da dissolução formal da convivência informal. Essa inovação pouco razoável tornará duvidosa a eficácia da renuncia ao direto a alimentos naqueles atos judiciais. Não menos absurda e ainda mais lamentável, inclusive por razões já expostas, é o surpreendente teor do seu parágrafo único. “Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.” Na mesma categoria que considero teratológica  está o art. 1.705, de um lado herético ao invadir a área do processo civil e, de outro, a modificar o uso e costume processual da regra geral da proteção do direito à intimidade pelo segredo de justiça acobertando pelo sigilo as ações de alimentos nas varas de família. E o faz, como se já não houvesse o império da isonomia constitucional dos filhos de qualquer natureza e que dispensaria remissão ou tratamento diferenciado ao “filho havido fora do matrimonio”, na medida em que apenas enseja o segredo de justiça nas suas ações de alimentos caso o segredo seja requerido expressamente: “Para obter alimentos, o filho havido fora do casamento pode acionar o genitor, sendo facultado ao juiz determinar, a pedido de qualquer das partes, que a ação se processe em segredo de justiça.” Reprisa o art. 1.694 alguns dos que têm legitimidade para pleitear a assistência material e o faz não apenas aplicando o princípio da proporcionalidade como o da adequação do quantitativo ao suprimento da qualidade de vida do alimentando na conformidade do status social a que faz jus: “Podem os parentes , os cônjuges ou conviventes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua  educação” Mas, ficou estabelecido que, tanto o novo casamento quanto uma união estável e o concubinato de pessoa beneficiada com pensão alimentícia, faz cessar a obrigação alimentar do devedor. Acaba, assim, a detestável e imoral situação da mulher separada que recebe pensão e tem um companheiro e, mesmo agora sendo mulher de outro homem não dispensa a pensão que lhe paga o “ex” nem casa para não perder a pensão, não formalizando seu novo relacionamento exatamente porque essa inexistência de possibilidade documental torna sempre muito difícil ao alimentante comprovar em juízo essa nova união dela: art. 1.708: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar pensão alimentícia.” e acrescentando no parágrafo único: “Com relação ao cônjuge credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno”. Em contrapartida o art. 1.709 traz disposição expressa na Lei do Divórcio: “O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio.” E, numa inovação que causará polêmica e poderá vira impedir o tradicional emprego do salário mínimo como referencial pensionário de obrigação dos alimentantes autônomos, surge o imperativo art. 1.710. “As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido.” Artigos esses que se sucedem a estes outros que agasalham normas já vigentes no ordenamento jurídico: art. 1.706. “Os alimentos provisionais serão fixados pelo juiz, nos termos da lei processual.”; art. 1.707. “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

União estável:

Este é um título de um dos capítulos do Livro do Direito de Família e de uma pobreza constrangedora para matéria tão importante, o que parece indicar que neste ponto os codificadores preferiram deixar a matéria aguardando maior estudo, discussão e abrangência no aguardado Estatuto da União Estável, em tramitação no Congresso Estatuto da União Estável. Certamente nessa tramitação há de ocorrer o aperfeiçoamento dos dispositivos que constam dos ainda Projetos de Lei para, principalmente, tornar-se um poderoso aditivo complementar dessa matéria (des)tratada no novo código, talvez até mesmo , talvez até mesmo se posicionando quanto à união gay. O fato é que o conteúdo desse título no novo código desmerece o notório saber jurídico dos seus redatores porque em nada contribui para o aperfeiçoamento da legislação especial que trata da matéria. Muito pelo contrário. Minha esperança reside na possibilidade de, ainda durante a vacatio legis, um bom Estatuto da União Estável ser convertido em lei. Malgré tout, até lá o que temos de concreto para analisar é o conteúdo desse título, realmente, muito frugal. Nele, a figura da união estável ficou ilíquida quanto ao tempo certo de sua duração. Optaram os codificadores por caracterizá-la mais genericamente, como sendo a convivência pública, contínua e duradoura, de um homem e de uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Foi oportuno terem distinguido-a da expressão concubinato que passa a designar, expressamente,  as “relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar”. Entretanto, o código deixa claro que um homem e uma mulher, mesmo ainda “casadas” com terceiros mas deles separadas de fato e, apesar de mesmo assim e por isso impedidas de casar, poderão vir a ter uma convivência caracterizada não como simples concubinato e sim como união estável se for pública, contínua e duradoura: art. 1.723. “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” e, seu parágrafo 1º “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521;  não se aplicando a incidência do inciso VI  no caso de a pessoa casada se achar separada de fato.” e, mais: art. 1.727. “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.”

A união estável e a sucessão, e a ordem de vocação hereditária:

O cônjuge sobrevivente – mas não o companheiro – passa a figurar na ordem de sucessão, entre os herdeiros necessários, em concorrência com os descendentes e ascendentes do falecido: art. 1.829, “A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.” e, art. 1.830: “Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.”; mais: Art. 1.832: “Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. Interessante observar quanto a esse ponto o vacilo dos codificadores – que vêm conferindo à sua obra o mérito da operabilidade por sepultar dúvidas que ocorrem na interpretação e aplicação do atual – ao omitir o companheiro supérstite do aqui colacionado artigo 1.829 que estabelece a ordem da vocação hereditária que, por essa força de lei é numerus clausulus (vide que é um elenco, uma ordem, expressamente instituída como legítima). É numerus clausulus por imposição legal, mas essa realidade não impede o testador de instituir outros herdeiros também por ser um direitoprevisto no próprio código: mas, nessa hipótese, tais herdeiros o são por liberalidade do testador. Noutra linha de raciocínio, é de ser reiterado que, como já mencionado, aquele elenco de herdeiros (que também não podem ser excluídos da sucessão pelo testador à exceção dos colaterais) não contempla na sua categoria o companheiro supérstite tal como também ele não foi recepcionado como herdeiro em qualquer outro inciso do Livro do Direito das Sucessões, nem no Livro do Direito de Família, no título Da União Estável. Contudo, vide que ele é tratado meramente como “participante da sucessão do outro” de maneira discriminatória em relação ao cônjuge, no capítulo Das Disposições Gerais” no art. 1.790: “A companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.” Expostas tais premissas, receio que a conclusão lógica seja a da possibilidade do testador excluir da sucessão a sua companheira, gerando essa conclusão óbvia e previsível discussão, salvo se formos socorridos no futuro Estatuto da União Estável.

Testamento:

As cinco testemunhas para a validade de qualquer testamento teve seu número reduzido a duas para o lavrado de forma pública e a três para o testamento particular que, numa saudável modernização – poderá ser de teor datilografado ou digitado e para a sua confirmação, bastará o depoimento de apenas uma testemunha, na falta ou impossibilidade das demais. Além dos testamentos “marítimo” e “militar”, o código prevê o “aeronáutico”. É de ser destacada a permissão de clausular restritivamente a legítima, desde que justificadamente, conforme expressa o art. 1.848 e seus parágrafos que, no entanto, proíbem o testador “de estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.”

Proteção da pessoa:

O código vigente não trata dessa matéria que passa a dispor, no novo, como “os direitos da personalidade”, de um capítulo autônomo, nele incluídos o direito à integridade do próprio corpo, direito ao nome, que não pode ser utilizado comercialmente por ninguém sem a autorização da pessoa, direito à privacidade etc. Proíbe “os atos de disposição do próprio corpo, quando importarem diminuição permanente da integridade física, ou contrariarem os bons costumes, salvo exigência médica”, sendo “intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”, com exceção dos casos previstos em lei” (art. 11), ficando certo no art. 12 que “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” e, no seu parágrafo único: “Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.”, mais adiante, no art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”

Dano Moral:

Suprindo omissão do código atual, no art. 159 considera, também, ato ilícito o que causar dano moral, portanto suscetível de indenização, conforme art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Em princípio, penso que essa maior explicitação sobre ato ilícito e conseqüente possibilidade de indenização, poderá vir a ser empregada também no Direito de Família, como chave para abrir, – sem maiores discussões – o acesso do cônjuge vítima de atos desonrosos praticados pelo outro e que ensejaram uma iniciativa separatista pela violação dos direitos e obrigações imanente ao contrato de casamento.

Anulação de negócios:

Foram estabelecidas novas causas para anulação de negócios: lesão, quando uma pessoa assume ônus desproporcional, por necessidade ou inexperiência; estado de perigo, quando a pessoa assume obrigações excessivas para salvar-se de um grande dano; onerosidade excessiva, quando uma parte fica em extrema desvantagem no contrato por motivos extraordinários ou imprevisíveis. É o caso, por exemplo, de alguém que, para pagar uma cirurgia urgente de pessoa da família, vende seu carro ou sua casa por preço vil. Essa venda pode ser anulada porque foi celebrada quando o vendedor encontrava-se em “estado de perigo”. Conceituando a lesão, ocorrida “sob premente necessidade, ou por inexperiência“, prescreve, objetivamente, que se aprecia “a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico“: art. 156. “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.” e seu parágrafo único. “Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”, e o art. 157. “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”, mais os § 1º “Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.”, o § 2º: “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.” Detalhe-se que ele autoriza a resolução dos “contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que, de forma prudente, abranda ou simplifica a majestade do contrato, quando tacitamente torna apenas relativos os velhos princípios que mandam que pacta sunt servanda, dos códigos individualistas, pela justa e sempre presente cláusula rebus sic stantibus insculpida no art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato” e seu parágrafo único: “Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação”.

Responsabilidade do administrador:

Com certeza contribuirá para a moralização dos negócio a inovação determinando que os administradores, mesmo que não sejam sócios, têm responsabilidade solidária pelos prejuízos causados pela empresa à sociedade.

Multa de condomínio:

O atual não trata disso e a Lei de Condomínio e Incorporação diz que a multa por atraso é de até 20% do valor devido; agora, o código disciplina melhor essa figura jurídica ao criar multa severa para o condômino problemático e redução do valor máximo da multa por atraso de pagamento: art. 1.337: “A multa para quem atrasa o pagamento do condomínio é limitada ao valor máximo de 2%.“ e, pelo art. 1.337 – “O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas  condomíniais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.” e, no seu parágrafo único: “O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.” Acrescentando no art. 1.336: “São deveres do condômino: I – Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção de suas frações ideais. § 1º “O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa  de até dois por cento sobre o débito.”

Imóveis em geral:

O novo código reduz os prazos para usucapião como já visto; também cria nova modalidade de desapropriação social que se dá quando estabelece no art. 1.228, § 4º “O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.”, mais o § 5º: “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para a transcrição do imóvel em nome dos possuidores.” Também permite Confisco de imóvel abandonado com dívidas fiscais presumindo abandonado e, em razão disso, passando ao patrimônio do Estado sem direito a qualquer indenização, o imóvel, urbano ou rural,  em débito com o Fisco, desde que a posse não esteja sendo exercida pelo proprietário. Assim, uma casa fechada e abandonada, que esteja em débito com o IPTU, passa ao patrimônio do Município sem necessidade de desapropriação. O mesmo se diga das propriedades urbanas na situação prevista no art. 1.276, “O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições” e, identicamente, quanto ao rural no seu § 1º: “O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.” esclarecendo no § 2º “Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.” Finalmente (para não alongar este trabalho despretensioso), jogou uma pá de cal também na renegada e caduca enfiteuse, também conhecida como emprazamento ou aforamento, proibindo novas constituições (Livro Complementar) mas, submetendo, a bem do direito adquirido, as situações “existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil, de 1º de janeiro de 1916, e leis posteriores“, e impondo-lhe “limitações desestimuladoras de seu prolongamento precário“, tudo em consonância com a função social da propriedade que é, como visto, um dos pilares do novo código.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Segismundo Gontijo

 

Advogado e professor

 


 

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