1. Introdução; 2. Previsão Legal; 3. Desrespeito aos princípios ; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.
1. Introdução
Um assunto que muito tem sido discutido ultimamente é o da obrigatoriedade ou não da aceitação do cheque como forma de pagamento.
Muitos defendem que não podem os comerciantes se obrigar a efetivar a compra quando o único meio de que dispõe o consumidor para pagamento é o cheque, posição essa equivocada.
Para uma melhor compreensão do assunto, necessário se faz analisarmos algumas premissas básicas presentes nas relações mercantis e que contribuirão para a elucidação da vexata quaestio. Inicialmente, devemos lembrar que economicamente é o comércio o principal meio de circulação de riquezas e, que sem esta circulação, impossível será o desenvolvimento econômico de uma nação.
Ademais, os títulos de crédito, e entre eles incluí-se o cheque, tiveram seu aparecimento na idade média, para possibilitar o estímulo justamente da atividade mercantil, já que nem todas as pessoas dispunham de dinheiro em espécie para concretizar uma compra.
Ora, se foram os título de crédito criados justamente para alavancar as atividades dos comerciantes, e por conseqüência estimular a circulação de riquezas, claro está que esses títulos desenvolvem preponderante papel no desenvolvimento econômico mundial, como bem acentuou Fran Martins: “Com o aparecimento dos títulos de crédito e a possibilidade de circulação fácil dos direitos neles incorporados, o mundo na verdade ganhou um dos mais decisivos instrumentos para o desenvolvimento e o progresso”[1].
Talvez a falha dos que defendem a não obrigatoriedade da aceitação da cártula esteja na interpretação técnica do direito, sem considerar que a sua compreensão exige mais do que a simples técnica, como bem nos ensina o Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “Estudar o direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade. Para compreendê-lo é preciso, pois, saber e amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama é capaz de dominá-lo rendendo-se a ele”[2].
2. Previsão Legal
Em se tratando de relação de consumo, submete-se à interpretação legal do assunto em tela, às determinações contidas na legislação consumerista.
Neste sentido, estabelece o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor que: “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação reguladas em lei especial”.
Vejam bem, o dispositivo citado estabelece que não pode o comerciante deixar de efetuar uma venda se o consumidor se dispuser ao pronto pagamento. Temos que pagamento, segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa: “é o cumprimento efetivo da obrigação exigível, pela realização da prestação; é o correspectivo em dinheiro, ou coisa de valor equivalente ao do objeto da compra e venda”[3].
Poderia o legislador, ter criado a restrição para que fosse obrigatória a venda quando do pagamento em dinheiro, mas não o fez, justamente para prestigiar os títulos de crédito tão importantes em nosso desenvolvimento econômico.
Ora, se o pagamento não exige que seja necessariamente em dinheiro, a recusa na aceitação do cheque configura a infringência por parte do comerciante do citado dispositivo, na medida em que recusando o título, e não dispondo de outro modo de pagamento, estará ele se recusando a vender.
Ademais, estabelece a Lei nº 7.357/85, também conhecida como Lei do Cheque, em seu artigo 1º, que: “o cheque contém (…) II – a ordem incondicional de pagar quantia determinada”, além da previsão de que é pagável á vista, considerando-se não-escrita qualquer menção em contrário, previsto no artigo 32 da mesma lei.
Assim sendo, em se tratando de um título que confere ordem de pagamento a vista, portanto servindo como forma hábil para pagamentos, e determinando a lei consumerista que não pode o comerciante se recusar a vender mercadoria quando se dispuser o consumidor ao pronto pagamento, por interpretação analógica, mister se faz à compreensão de que possui o cheque aceitação obrigatória no pagamento de compra e venda mercantil.
3. Desrespeito aos princípios
Considerando-se também, que a proteção do consumidor é garantia fundamental prevista na Constituição Federal, e que, a recusa da aceitação do cheque como forma de pagamento na compra e venda mercantil configura forma de discriminação ferindo os princípios fundamentais constitucionalmente previstos, temos que tal violação implica na corrosão do alicerce do sistema normativo pátrio.
É de se lembrar ainda, que a prática de discriminação fere o mais importante dos princípios constitucionalmente previstos que é o da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no inciso III do artigo 1º da Carta Maior, bem explicado nas palavras do Professor José Afonso da Silva: “Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”[4].
Tal atitude discriminatória como já dissemos, fere da mesma forma o Princípio da Igualdade e também na lição do citado professor, temos que : “O dispositivo começa enunciando o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Embora seja uma declaração formal, não deixa de ter sentido especial essa primazia ao direito de igualdade, que, por isso, servirá de orientação ao intérprete, que necessitará de ter sempre presente o princípio da igualdade na consideração dos direitos fundamentais do homem”[5].
É de se verificar assim, que ao discriminar indistintamente o consumidor, o comerciante ferirá os princípios básicos que norteiam nosso ordenamento jurídico, e como ensina o ilustre Professor Celso Antonio Bandeira de Mello: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e aluí-se toda a estrutura neles esforçada”[6].
4. Conclusão
Temos assim, que a recusa na aceitação do cheque, quando da efetivação de uma operação de compra e venda mercantil, implica em desrespeito a legislação do consumidor e fere os princípios mais básicos constitucionalmente previstos.
E não é só, da mesma forma que a legislação de defesa do consumidor considera infringência a recusa da venda quando o consumidor se dispuser ao pronto pagamento, a lei que define os crimes contra a economia popular, define em seu artigo 2º que: “são crimes desta natureza, I – recusar individualmente em estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência; sonegar mercadoria ou recusar vende-la a quem esteja em condições de comprar a pronto pagamento”.
Com isso, é de se verificar que não se trata apenas de desrespeito a princípios ou mera infringência de dispositivo legal, trata-se também da prática de crime tipificadamente previsto em nosso ordenamento jurídico.
É natural, que como toda regra comportará suas exceções. Pois tem o cheque como requisito legal, o fato da identificação do sacador, ou seja, seu emissor. Desta maneira, somente o cheque emitido por pessoa física presente ao estabelecimento comercial, e na pessoa do comerciante, importará na obrigatoriedade que aqui defendemos, isto porque, só assim se fará à devida identificação do consumidor para a correta conferência dos dados e assinatura, restando necessária à apresentação de documento hábil com esta finalidade.
5. Bibliografia
Informações Sobre o Autor
Sergio Gabriel
Advogado militante na área empresarial em São Paulo, Professor Universitário nas disciplinas de Direito Empresarial, Direito do Consumidor, Direito Comercial e Prática Jurídica e membro da Comissão de Coordenação do curso de Direito da Universidade São Francisco, Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Cruzeiro do Sul, Membro do Fórum do Idoso Vítima de Violência