Chegou
ao fim a incessante procura pelo antigo ditador Saddam Hussein, este teria sido
encontrado em uma câmara subterrânea na cidade de Abduar,
a cerca de 30 km
ao sul de Tikrit, sua cidade natal.
Ocorre
que atualmente são suscitadas dúvidas sobre o destino de Saddan,
deveria o mesmo ser julgado por um Tribunal Internacional ou Iraquiano?
As
opiniões são variadas, George W. Bush manifesta-se no sentido de que um
Tribunal Iraquiano julgue Saddam seguindo as normas judiciais internacionais: “Tenho
minhas opiniões sobre a forma com a qual Saddam deve ser tratado, mas não sou
um cidadão iraquiano. Os habitantes deste país tomarão a decisão”,
afirma também que o ditador mereceria a “pena máxima”, em
outras palavras a pena de morte.
Já os principais aliados dos Estados
Unidos no Iraque, principalmente europeus (Reino Unido, Espanha, Itália), se
opõem energicamente à pena de morte.
O vice-ministro das Relações
Exteriores russo, Yuri Fedotov afirmou que “Julgar
o regime deposto, julgar seus líderes, é um assunto interno do povo iraquiano.
Só o povo iraquiano pode decidir o destino de seus ex-dirigentes”.
Raghad, a filha mais velha do
ex-presidente iraquiano Saddam Hussein declarou à emissora de TV Al-Arabiya que o líder deposto não deveria ser julgado pelo
conselho que governa o Iraque, “instituído pelos ocupantes”.
Vejamos o que a Convenção de
Genebra expõe sobre o caso em tela.
Esta Convenção, da qual os
Estados Unidos fazem parte, foi assinada em 1949 e passou a vigorar no ano
seguinte, sendo que nos últimos 50 anos, foi
reformulada várias vezes e regula, entre outras coisas, o tratamento que deve
ser dado aos “prisioneiros de guerra”.
A Cruz Vermelha Internacional é
a organização que verifica se as regras da convenção estão sendo cumpridas por
países que prendem combatentes durante um conflito.
O prisioneiro de guerra não é
considerado um criminoso, mas um soldado inimigo capturado em combate, não
sendo obrigado a fornecer informações ao país que o capturou. A convenção
também prevê que os prisioneiros de guerra tenham seus direitos humanos
respeitados.
Entretanto, seria Saddan um prisioneiro de guerra?
Acredita-se que sim, em virtude
do que expressa o art. 44, I, do Protocolo I da Convenção de Genebra: “Qualquer
combatente, nos termos do artigo 43.º, que cair em poder
de uma Parte adversa, é prisioneiro de guerra”. O único requisito é que o
prisioneiro deveria integrar as Forças Armadas de um Estado de Direito ou uma
milícia organizada, conforme o art. 43 do mesmo protocolo, o que ocorre no caso
em tela.
Caso paire dúvidas acerca status
legal do prisioneiro Saddam Hussein, a mesma deve ser apurada por “tribunal
competente”, conforme afirma o art. 5º da Convenção:
“Se existirem dúvidas na inclusão em qualquer
das categorias do artigo 4.º de pessoas que tenham
cometido atos de beligerância e que caírem nas mãos do inimigo, estas pessoas
beneficiarão da proteção da presente Convenção, aguardando que o seu estatuto
seja fixado por um tribunal competente.”
Destarte, tendo Saddam o status
de prisioneiro, pode o mesmo ser acusado de crimes de guerra. Ele teria de
ser julgado pelo mesmo tribunal disponível para os militares do país que o
capturou, e não por fóruns como as comissões especiais militares.
Reza o artigo 66 da Convenção de
Genebra:
“A Potência ocupante poderá, em caso de
infração das disposições penais por ela promulgadas em virtude do segundo
parágrafo do artigo 64.º, relegar os culpados aos seus
tribunais militares, não políticos e regularmente constituídos, com a condição
de os mesmos tribunais estarem situados no território ocupado. Os tribunais de
recurso funcionarão de preferência no país ocupado.”
Desta forma, o Tribunal deveria
estar localizado de preferência no país ocupado, no caso Iraque, entretanto não
poderia ter o cunho político e sim militar.
É fato inconteste que os Estados
Unidos já violaram diversas vezes a referida Convenção, pois como anteriormente
afirmado, os prisioneiros de guerra não são obrigados a fornecer informações ao
país que os capturou e podem ter acesso constante a representantes da Cruz
Vermelha. Este direito impediria os Estados Unidos, por exemplo, de interrogar
os combatentes presos em Guantánamo.
Ademais, como prisioneiros de
guerra, tanto os combatentes da Al-Qaeda, Taleban, ou mesmo o próprio Saddan
teriam de ficar em instalações com a mesma qualidade das prisões para soldados
americanos. As gaiolas de concreto e grades de Guantánamo
seriam então consideradas ilegais.
Importante ressaltar, que o
objetivo deste artigo não é de forma alguma defender as ações de terroristas e
regimes ditatoriais, mas sim assegurar que a Convenção de Genebra, importante
instrumento do Direito Internacional, seja respeitado.
Outro fato que devemos analisar
é a exposição de um prisioneiro de guerra a filmagens humilhantes.
Sabe-se que as filmagens do
interrogatório do soldado especialista americano Patrick Miller, feito prisioneiro do
Iraque, devem ser vistas como um espetáculo público e humilhante, o qual
consiste em clara violação da Convenção de Genebra.
Da mesma forma deve ser vista
como violação da Convenção de Genebra as transmissões feitas pelas tevês
americanas do rapaz chamado John Walker, o qual estava amarrado, ferido, sujo e
assustado, respondendo perguntas pessoais feitas por seus inimigos. Ele também
era americano. Ocorre que estava do outro lado – no caso, o Taleban,
na campanha do Afeganistão. Neste caso, a Convenção não foi sequer mencionada,
o que ocorre, será que existem dois pesos e duas medidas.
Portanto, qualquer que seja o
prisioneiro de guerra, independente de seu lado, deve ter seus direitos
condizentes com a dignidade humana respeitados.
Assim, à luz da Convenção de
Genebra, deveria o ex-presidente Saddan Hussein ser
julgado, face sua condição de prisioneiro de guerra, por um tribunal militar
(não político) regularmente constituído pelas forças de ocupação, situado no
território ocupado, no caso o Iraque.
Informações Sobre o Autor
Mateus da Fonseca Sória