1. Introdução
A legislação penal ou processo penal militar possui particularidades que não são encontradas na legislação aplicada aos civis, com institutos e penalidades próprias, que são destinados aos homens e mulheres que se dedicam a defesa da segurança nacional, que é essencial para o desenvolvimento do país.
Nenhuma nação alcança seus objetivos nacionais sem que tenha ordem pública e segurança nacional. Se um país permite que seu território seja invadido, ou que suas leis não sejam observadas, estará abrindo mão de sua soberania. O Estado existe para proteger e defender não somente o povo, elemento essencial de sua existência, mas também o território, em seus diversos aspectos, terra, mar, ar, plataforma continental.
Devido às particularidades enfrentadas pelo país no período compreendido entre 1964 a 1985, existiu um distanciamento entre a sociedade civil e os militares que integram as forças armadas e as forças policiais. Nas faculdades de Direito, que são responsáveis pela formação dos dirigentes e legisladores do país, dificilmente existe uma disciplina dedicada ao estudo do Direito Penal Militar ou Direito Processual Penal Militar.
Para muitos essas disciplinas estariam sujeitas a um ramo delimitado de atuação, o que não exigiria um enfoque sobre os seus institutos, princípios ou fundamentos. A organização da Justiça Militar na maioria não é conhecida, levando a afirmações divorciadas do texto constitucional que a Corte Castrense seria um Tribunal de exceção.
No Brasil, apenas uma vez existiu um Tribunal de exceção que foi criado pelo então presidente Getúlio Vargas, que chegou ao poder mediante uma revolta no ano de 1930. Com a Constituição de 1937 denominada de Constituição Polaca foi criado o Tribunal de Segurança Nacional destinado a julgar os opositores do regime. As decisões proferidas por este Tribunal eram apreciadas em 2 ª instância pelo Superior Tribunal Militar.
No ano de 1946, o Brasil promulgou uma nova Constituição, que seguindo as Constituições anteriores reconheceu a Justiça Militar como órgão do Poder Judiciário. A partir desta nova Carta, a nação não mais conheceu nenhum que pudesse ser considerado um Tribunal de exceção.
Devido às funções que desenvolvem assim como acontece na maioria das nações desenvolvidas que são tomadas como paradigmas, o militares são julgadas por uma Justiça Especial, que é composta por civis, que prestam concurso para o ingresso em seus quadro, e por militares.
Nos processos militares, a ampla defesa e o contraditório devem ser observados sob pena de nulidade, ou mesmo de expressa violação a Constituição, a qual todos devem obediência, sejam civis ou militares, autoridades ou mesmo servidores de qualquer escalão. Afinal, segundo Rui Barbosa, a Constituição é a verdadeira soberana dos povos.
A menagem é uma espécie prevista no Código de Processo Penal Militar, que é aplicada pelo juiz militar nos casos e situações previamente estabelecidos em respeito ao princípio da legalidade.
2. Previsão legal da menagem
O Código de Processo Penal Militar segue sistemática semelhante a adotada pelo Código Processual Penal. O diploma militar foi instituído pelo Decreto-Lei 1002 de 21 de outubro de 1969, para regular os processos de competência da Justiça Militar Federal e Estadual.
No Título XIII do C.P.P.M., o legislador cuidou das medidas preventivas e assecuratórias que são necessárias para o bom andamento do processo e a efetiva prestação jurisdicional. O processo militar se inicia com a ação penal militar que fica sob a responsabilidade do Ministério Pública Militar, que possui as mesmas garantias asseguradas ao Ministério Público da Justiça Comum ou Federal.
A menagem está prevista nos arts.263 a 269 do Código Penal Militar, e poderá ser aplicada tanto aos militares como aos civis que praticarem um crime militar, próprio ou impróprio, em área sujeita a administração militar ou em tempo de guerra.
Por força da vigente Constituição Federal, os civis somente podem ser processados na Justiça Militar Federal, tendo em vista que a Justiça Militar Estadual estabeleceu de forma clara, que esta possui competência apenas e tão somente para julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei.
Com base no texto constitucional, a menagem na Justiça Militar Estadual não mais poderá ser aplicada aos civis, sob pena de violação do princípio da legalidade e do devido processo legal, que se aplica a todos as instâncias do Poder Judiciário brasileiro.
3. Conceito e alcance da menagem
A menagem é uma prisão cautelar concedida ao militar ou civil que tenha praticado um crime militar cuja pena privativa de liberdade em abstrato não exceda a quatro anos. Para a concessão da menagem deve ser considerada a natureza do crime e os antecedentes do acusado.
O local de cumprimento da menagem segundo o art. 264 do Código de Processo Penal Militar é o lugar em que residia o militar quando ocorreu o crime, ou a sede do juízo que o estiver apurando, ou ainda o quartel, acampamento, ou estabeleci mento ou sede de órgão militar.
Com base nas regras estabelecidas no Código, conclui-se que a menagem é um benefício concedido ao acusado para se evitar que este fique em um estabelecimento prisional está o julgamento em 1 ª instância do processo ao qual responde pela prática em tese de um crime militar. O mesmo tratamento será dispensado ao civil que tenha praticado um crime militar.
A menagem foi criada em 1969 sendo um avanço para a legislação militar, ao permitir uma espécie de prisão especial, independentemente do grau de instrução do acusado. Mas, em atendimento ao art. 267 do Código de Processo Penal Militar, este instituto perde a sua validade com a prolação de uma sentença condenatória, ainda que esta não tenha transitado em julgado.
4. Conclusão
A legislação militar ainda não tem sido objetivo de um estudo mais sistemático por parte da doutrina, que se dedica em regra ao estudo da legislação penal e processual que é aplicada as pessoas que integram a sociedade civil.
Os militares que se dividem em estaduais e federais possuem funções essenciais para o desenvolvimento do país, e ficam sujeitos a uma legislação especial, que possui institutos próprios, e crimes que tem como fundamento a qualidade de serem praticadas em autoria apenas por pessoas que tenham a qualidade de militar.
A menagem é uma prisão cautelar que somente é encontrada na legislação militar, e que tem por objetivo evitar até o julgamento de uma sentença de 1 ª instância o convívio do acusado com pessoas que estejam condenadas.
O instituto pode ser considerado como avanço quando comparado com época em que surgiu. Atualmente, a menagem fere flagrantemente o princípio da inocência estabelecido na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos. O fato de uma pessoa ser condenada em 2 ª instância, ainda não significa que esta seja culpada, tendo em vista que não existe uma sentença transitada em julgado.
As sentenças de 1 ª instância não são absolutas, uma vez que admitem recursos, assim como o oferecimento de uma denúncia não é a certeza de condenação do acusado. Existem processos em que o próprio Ministério Público após oferecimento da denúncia, observa no curso da instrução probatória que as provas não suficientes para a condenação do acusado, e pleiteia nas alegações finais a absolvição do denunciado, em busca de um princípio maior que a Justiça, que pode ser considerada como o verdadeiro ideal do direito.
Por fim, deve-se o observar que a aplicação da menagem, que traz em seu bojo um cerceamento da liberdade, ao invés da liberdade provisória, poderá levar ao Estado em caso de absolvição do acusado a uma responsabilidade civil, com base no art. 37, § 6 º, da Constituição Federal.
Com o advento da nova Carta Constitucional, no Estado de Direito, a liberdade é a regra, a prisão a exceção, que somente poderá ser cerceada, com indícios de autoria e materialidade. Caso o contrário, o Estado responde pelo tempo em que deixou o acusado preso sem que houvesse necessidade ou que este pudesse colocar em perigo de forma efetiva a aplicação da Justiça ou mesmo a instrução probatória.
Informações Sobre o Autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa
Juiz de Direito Titular da 2ª AJME do Estado de Minas Gerais, Professor de IED e Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Membro Titular da Academia Mineira de Direito Militar e Parceiro Assessor da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais.