Justiça brasileira pede choque de gestão

Estamos assistindo, passivamente, a
um crônico emperramento do Poder Judiciário, causando-lhe o seu maior mal, que
é a morosidade. Esse fato, a cada dia que passa, se torna mais grave e se
alastra, em todos os graus e esferas de jurisdição, em todo o país, sem que
haja uma sinalização que aponte caminho menos traumático para a necessária
aplicação da Justiça. Apontam-se várias causas para essa situação, entre elas,
a falta de juiz em algum rincão qualquer; o desvio de comportamento de alguns
agentes envolvidos; a falta de condições financeiras, de recursos humanos e/ou
de recursos tecnológicos. Há, porém, um fator fundamental para esse cenário
caótico: o problema de gestão.

Em verdade, os chamados
“operadores do direito” (juízes, promotores, advogados), que cuidam
da alma humana, costumam ter aversão a números, a assuntos de natureza
administrativa. E, em determinados momentos, assumem a direção de uma entidade
como a Ordem dos Advogados do Brasil, com milhares de funcionários, de
associados, de inúmeras subsecções. De igual modo, se vêem à frente de um Poder
Judiciário com um gigantesco Tribunal de Justiça como o de São Paulo, tendo a
obrigação de administrar de forma a prestar um serviço de qualidade,
transparente e digno. Não é fácil. Elege-se um desembargador, que passou toda a
sua vida a julgar todos os tipos de litígios, envolvendo os interesses e as
relações humanas, para comandar esse complexo por um período determinado. Por
sua exclusiva formação humanística, não está preparado para lidar com a administração.

Em decorrência desses fatores,
torna-se necessária a busca de uma gestão profissional, altamente qualificada,
nos tribunais, para que possam conquistar maior eficácia. A gestão
profissional, para ter êxito, precisa se amparar no conhecimento da mecânica
processual, que deverá, aí sim, ser orientada, pelos magistrados.

Hoje, 43 milhões de processos se
encontram na fila aguardando julgamento da Justiça. Desse estoque de processos
que dormitam nas prateleiras do Judiciário, 32 milhões estão emperrados ainda
no primeiro grau de jurisdição. Ou seja, todos eles poderão se tornar passíveis
de receber os recursos cabíveis, como determinam os códigos processuais. Temos,
assim, cerca de 32 milhões de processos que aguardam decisão dos magistrados de
primeiro grau das unidades federativas e que irão desembocar nos Tribunais de
Justiça e de lá para os Tribunais Superiores, aumentando, a cada dia, o caos.

O gargalo mais apertado do sistema
judiciário está no primeiro grau da Justiça Estadual, onde a via-crúcis
processual tem início e pouca solução ágil. Com um estoque de processos
carregados de muitos anos, da ordem estimada de 29,5 milhões de autos e com
mais de 10 milhões de novos casos ajuizados em 2007, os tribunais estaduais só
conseguiram julgar 8 milhões de causas, exibindo uma taxa de congestionamento
que beira os 80%.

Dos 32 milhões de processos que
estão empoeirando os tribunais estaduais, 12 milhões se encontram em São Paulo, o Estado mais
rico do país. Pior: a Justiça paulista inicia 2008 tendo que administrar um
orçamento com um corte de cerca de 40% na proposta inicial encaminhada pelo
Tribunal de Justiça ao governo estadual.

O caos poderia ser, pelo menos,
minimizado, se a Constituição Federal fosse cumprida e respeitada. A
arrecadação da taxa judiciária, permanecendo com quem é de direito, tornaria o
Judiciário de São Paulo auto-suficiente em recursos. Em alguns
lugares, como no Rio de Janeiro, o sistema é modelo. Um dos motivos é que o
Poder Judiciário do Rio recebe dinheiro das custas judiciais. Mas, por que os
outros Estados não recebem? Por que não usam a mesma sistemática?

Urge rever esse cenário. A crise de
gestão é tão antiga quanto o Judiciário, um Poder que tem de ser exercido e
respeitado. Conheço o expediente forense desde quando se costuravam os
processos com barbante e alfinetões enormes. Fiz muitas dessas costuras. O
controle dos processos era feito ou pela memória do escrevente ou por fichinhas
nem sempre bem elaboradas ou atualizadas. É incrível constatar que, após mais
de meio século, ainda usamos esses métodos.

O acesso à Justiça é condição
“sine qua non” para se fomentar a cidadania e fortalecer a democracia
e só se torna efetivo quando há resposta em tempo razoável. É hora de mudar,
enquanto for possível curar o doente. O Judiciário está à espera de um choque
de gestão.


Informações Sobre o Autor

Rubens Approbato Machado

Advogado, é ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da OAB-SP e do Instituto dos Advogados de São Paulo.


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