De acordo com o preconizado pelo parágrafo 4º, do art. 37, da Constituição Federal, “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Diante disso, em 1992, promulgou-se a Lei Federal nº 8.429, mais conhecida como Lei da Improbidade Administrativa, na tentativa de se combater a corrupção, que afligia – ou melhor, aflige o país. Assim, a norma em comento nasceu para punir aqueles que ousassem prejudicar a coisa pública.
Ocorre que, no desespero de se proteger o patrimônio público a qualquer custo, o legislador promulgou uma norma de caráter extremamente aberto, deixando para o intérprete inclusive a própria definição de improbidade administrativa, o que somente é encontrado na doutrina e jurisprudência, dando à referida matéria uma profusão de conceitos, muitas vezes contraditórios.
E não era para menos, já que a lei editada é semelhante à norma penal em branco, de conteúdo incompleto, que necessitaria da integração legislativa de uma outra norma para que pudesse ter validade. Ocorre que, in casu, inexiste a norma complementar, fazendo com que os conceitos trazidos pela Lei 8.429/92 e sua aplicação fique ao alvedrio do intérprete.
Contudo, se a edição da norma pode ser considerada uma vitória na tentativa de proteger o erário, é certo que sua aplicação tem sido feita de uma forma um tanto indiscriminada, provavelmente devido seu caráter demasiadamente acessível.
No início, na década de 90, sua utilização ainda era um pouco tímida, contudo, passados mais de 15 anos após a promulgação da Lei Federal 8.429/92, seu emprego tem sido cada vez mais comum, o que, não necessariamente deve ser encarado com bons olhos.
De acordo com o artigo 17 do diploma – que traz regras tanto de direito material quanto de processual – a legitimidade ativa é conferida ao Ministério Público ou à pessoa jurídica interessada. Assim, no início, as demandas eram quase que em sua totalidade propostas pelos Representantes Ministeriais, que, na maioria das vezes, denominam o processo de “Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa”.
Atualmente, não somente os Ilustres Membros do Parquet se aventuram por esta seara, mas também pessoas jurídicas, mormente de direito público interno, fazendo com que as ações desta estirpe tornem-se bastante comuns, para infelicidade de muitos.
Contudo, se analisarmos o mérito das ações propostas, identificamos que o manejo das mesmas tem sido feito, em muito dos casos, de forma indevida, onde o ato meramente irregular é tratado de igual forma daquele considerado imoral, devasso, este sim passível de ser punido pela Lei sub oculis.
O Professor Juarez Freitas, em sua colaboração ao “Boletim de Direito Administrativo – NDJ”, em junho de 1996, dissertou que o Princípio da Probidade Administrativa consiste na “proibição de atos desonestos ou desleais para com a Administração Pública, praticados por agentes seus ou terceiros.”
Em outras palavras, o ato, para ser caracterizado como ímprobo, deve ser desonesto, com a finalidade consciente de prejudicar a coisa pública. Assim, o dolo é elementar do tipo, a despeito de entendimentos diversos, já que, ninguém pode ser considerado desonesto por negligência, imprudência ou imperícia.
Assim, a intenção de fraudar a lei é imprescindível, já que, como diversas vezes decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça “A Lei alcança o administrador desonesto, não o inábil”.
Se assim não fosse, o “acolhimento de qualquer mandado de segurança impetrado por particular, que pressupõe a ilegalidade do ato atacado, importaria o automático reconhecimento de existência de ato de improbidade, com sujeição da autoridade responsável pelo ato às sanções previstas na Lei n° 8.429/92”, como bem ponderou Mauro Roberto Gomes de Mattos, em sua obra ímpar: “O Limite da Improbidade Administrativa”.
Entretanto, na prática, a ação tem sido utilizada de forma abusiva, não no intuito de punir aquele que prejudicou a coisa pública de forma dolosa, mas também aquele que praticou qualquer irregularidade, sem a menor intenção de fazê-lo.
Diante disso, certamente a Lei de Improbidade Administrativa deve ser encarada como uma ferramenta indispensável para defesa da probidade administrativa, mas não é a “panacéia para todos os males”, como disse Hely Lopes Meirelles. O que significa que a sua utilização deve ser feita com cautela, até mesmo para que não haja sua banalização.
Por fim, pode-se concluir que o que era para ser considerado um êxito contra a corrupção, transformou-se num fantasma, que costumeiramente assombra indiscriminadamente não somente aqueles que se aproveitam da Administração Pública imbuídos de desonestidade, mas também aqueles que imprudente ou negligentemente cometem meras irregularidades. Assim, os demandados devem tomar cuidado com suas defesas e na contratação de seus ghostbusters, eis que, não raro, o ato praticado pode até ser irregular, mas não catalogado como improbidade administrativa para efeitos da Lei 8.429/92.
Informações Sobre o Autor
Kauita Mofatto
Advogada do escritório Fernando Quércia e Advogados Associados