Muita coisa aconteceu e foi divulgada na mídia sobre direitos de homossexuais em 2008. Isso é um bom sinal. A evidência traz à tona questões que podem conduzir a uma maior aceitação por parte da sociedade. Leva a um combate explícito contra o preconceito.
Os tribunais proferiram decisões interessantes, favoráveis à obtenção de direitos. A imprensa tem nos mostrado, na maior parte das vezes, as sentenças positivas, Mas sabemos que as de insucesso representam a maioria delas.
Mesmo assim, 2008 foi um ano que podemos considerar como um ano de vitórias.
A decisão de maior importância foi a proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheceu, em votação apertada, que as uniões homoafetivas devem ser julgadas em varas de família. Isso significa dizer que devem ser vistas como uniões estáveis e de afeto, tal como ocorre nas relações entre heterossexuais, com a justa igualdade que se espera. A maior parte dessas relações é julgada em varas cíveis e, por isso, não são vistas como famílias e sim como sociedades de fato, uma questão relacionada à sociedades comerciais – a união de pessoas que têm como finalidade empreender esforços e valores para obtenção de lucros.
Discutir as uniões homoafetivas é vê-las como realmente são: uniões que têm como objetivo a constituição de famílias. Uma corrente dominante diz que isso é impossível diante do fato de a Constituição Federal e nosso Código Civil preverem as uniões estáveis e o casamento como relações entre homem e mulher. Mas acreditamos que isso não pode prevalecer. Além do mais, acreditamos na máxima “o que não é proibido é permitido”.
A sociedade transformou-se nesse aspecto e isso precisa ser reconhecido. Mais e mais casais assumem suas relações homoafetivas e querem proteção do Estado, como ocorre com os heterossexuais. São os direitos à igualdade e dignidade, pilares da nossa lei maior.
Em maio de 2008, o companheiro de um militar homossexual obteve o direito de receber a pensão decorrente do falecimento de seu companheiro, no Distrito Federal. Em Pernambuco, o companheiro de um funcionário da Sudene obteve o mesmo êxito, em novembro. Em julho, em São Paulo, foi reconhecida a união estável entre homossexuais que pretendiam dissolvê-la em razão do rompimento. Obtiveram esse direito e a partilha de bens havidos durante a relação. A decisão igualou os homossexuais aos heterossexuais da maneira mais ampla possível.
Foram reconhecidas várias uniões homoafetivas como verdadeiras famílias, que de fato o são, inclusive em pequenas cidades do interior do país onde não se imaginava que houvesse tamanha firmeza, convicção e aceitação integral do direito à igualdade.
Como não poderia deixar de ocorrer, houve fracassos. A Lei de Adoção, aprovada também neste ano, teve retirado artigo que previa a adoção por casais homossexuais. Tal medida foi adotada por pressão de parlamentares evangélicos e aceita para que o projeto tramitasse com mais rapidez, o que era fundamental para proteção de crianças que estão em abrigos – ou a retirada do artigo ou a postergação da aprovação. Alguns casais vêm obtendo o direito à adoção de crianças e adolescentes. Porém, são poucos e as vitórias somente são conseguidas após muito esforço, empenho e coragem.
É disso que precisamos. Vamos tendo avanços também em relação à criminalização da discriminação de homossexuais. Projeto de lei que tem esse objetivo vem tramitando, a duras penas, apesar das pressões que parlamentares favoráveis a ele vêm sofrendo dos integrantes de bancadas evangélicas e católicas que, inclusive, levaram lideranças ao Congresso com o intuito de invadi-lo para manifestação contra o projeto de lei.
Discriminar homossexuais em função de sua orientação sexual não é considerado crime em nosso país. Mas isso é fundamental e urgente. A cada dois dias um homossexual ou transexual é morto em razão de sua orientação sexual. Apenas por ser homossexual ou transexual.
A criminalização, espera-se, minimizará essa tragédia. Mas, no Estado de São Paulo, a Lei nº. 10948/2001 vem sendo cada vez mais utilizada, aplicando-se penas àqueles que praticam atos homofóbicos. Denúncias são, agora, freqüentes perante a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Aqueles que se sentem discriminados, agredidos física ou verbalmente, podem e devem denunciar. Cabem, ainda, ações na esfera civil, pleiteando indenização por danos morais. As vitorias vêm acontecendo.
Nosso julgadores estão mais habituados a proferir decisões favoráveis ao segmento GLBTT, na medida em que recebem mais e mais processos envolvendo a busca pelos direitos à dignidade e igualdade dessa natureza. Vem se formando o que chamamos de jurisprudência, um conjunto de decisões que são utilizadas como fundamento para novas ações propostas. Se tantos juízes e desembargadores julgaram favoravelmente, algum embasamento deve existir.
É a quebra do preconceito que existe também em nosso Poder Judiciário. E é isso que desejamos, para que o Legislativo seja acordado para adotar medidas que coloquem os homossexuais no patamar ao qual todos os cidadãos devem pertencer – o patamar onde a proteção do Estado abranja todos nós, como é seu dever.
Informações Sobre o Autor
Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Advogada especializada em Direito Civil, atua na área de indenizações, e sócia do escritório Mendonça do Amaral Advocacia