A discussão acerca dos cartéis e seus
efeitos para o consumidor voltaram à ordem do dia no Brasil. A recente
diminuição na quantidade dos produtos oferecida aos consumidores dentro das
embalagens somadas a coincidência temporal das atitudes destes empresários,
levou a suspeita de que está em curso um tipo de prática anticoncorrencial
vedado pela legislação brasileira, ou seja, a prática de cartel. Entretanto, ao
contrário do que muitos pensam, esta infração à ordem econômica não é
caracterizada meramente pelo acordo de preços entre concorrentes com vistas a
dividir o mercado. A prática de cartel vai além deste espectro, sendo
caracterizada por qualquer tipo de combinação entre empresas que esteja
restringindo a livre concorrência.
Para apurar esta possível prática
ilícita à ordem econômica, já está em curso uma investigação dirigida pela
Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) e
Secretaria de Direito Econômico (SDE), com vistas a apurar uma possível conduta
anticoncorrencial praticada pelos agentes econômicos em questão. Se a
SDE, com base em suas investigações, formar convicção sobre a existência desta
prática restritiva a concorrência, será aberto um processo administrativo que
será remetido ao CADE para julgamento e eventual aplicação de sanção que, neste
caso, pode chegar até 30% do faturamento anual da empresa. Contudo, vale
ressaltar que a prática de cartel não é um problema recente no Brasil. Somente
no último ano, a SDE abriu mais de 200 processos por indícios de formação de
cartel. Os setores atingidos por esta conduta são os mais diversos possíveis,
desde sucos de laranja até aviação. Neste ponto, faz-se de extrema importância
frisar que nem todo o paralelismo constitui cartel, pois o possível paralelismo
muita vezes é uma atitude perfeitamente normal, resultante dos movimentos do
mercado, onde não entram os pressupostos de racionalidade da prática infrativa, não podendo ser caracterizados como uma atitude
condenável.
Contudo, nos casos em que efetivamente
existe a prática de cartel há um grande problema, e ele é chamado “prova”. A
doutrina é praticamente unânime em declarar que a prova do acordo entre os
agentes que praticam este ilícito é muito difícil de ser caracterizada,
principalmente porque ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio
conforme reza o direito brasileiro. Além disto existe
um outro problema. Em virtude de o CADE ser um órgão administrativo, muitas
vezes as partes vencidas se dirigirem ao judiciário com vistas a reverter a decisão proferida pelo órgão julgador das condutas
antitruste. A reversão de algumas decisões ocorre mais pela não habitualidade
do uso da lei antitruste pelas cortes, do que pela não ocorrência da prática infrativa à ordem econômica. Logo, percebe-se que tão
importante quanto a prova, é a formação de um processo
consistente que sobreviva (após julgamento no CADE) ao possível crivo de um
sistema judiciário que não está habituado a julgar condutas como a dos cartéis.
Como a prática de cartel é algo
extremamente difícil de provar, o direito brasileiro foi buscar nas leis
norte-americanas um mecanismo que criasse instabilidade nos mesmos. Instalou-se
no direito pátrio, por intermédio da lei 10.149 o chamado “acordo
de leniência”. Este acordo, fornece
ao primeiro membro do acordo ilícito a possibilidade de denunciá-lo,
contando com o benefício de redução de pena ou extinção da ação punitiva pela
administração pública. Entretanto, para funcionar plenamente, este mecanismo
ainda deve contar com pressupostos importantes que devem ser amadurecidos, como
a consciência plena da ilicitude somada ao claro receio
de punição.
No Brasil ainda falta a criação de uma cultura de concorrência. Aos poucos este
cenário tende a mudar, com a adequação da disciplina jurídica brasileira ao
poder de mercado. Uma economia livre com certa regulação, como a que está sendo
implantada, revela o surgimento de algumas práticas infrativas
a ordem da livre concorrência vigente, como nos casos de abuso de posição
dominante, concentração econômica e os famosos cartéis. Nossa lei antitruste
ainda é recente e nossa gradual abertura para uma economia de mercado ainda
está em curso. Há
muito amadurecimento por vir. Mas os mecanismos para coibir os cartéis existem
e estão inscritos na lei. A repressão desta prática anticompetitiva
está apenas começando.
Informações Sobre o Autor
Márcio C. Coimbra
advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).