Repensando a Justiça do Trabalho

Em muitos países não há uma Justiça do
Trabalho como órgão específico e independente, mas apenas juízes pertencentes à
Justiça ordinária, com atribuições de julgar litígios trabalhistas. Noutros,
como a França e o México, as demandas dos trabalhadores são resolvidas por
entidades administrativas, sem vínculo algum com o Judiciário.

Porém, em qualquer nação, todos,
geralmente em caráter de subordinação, trabalham – ou deveriam fazê-lo -,
apesar dos efeitos nocivos da propagada globalização. Assim, raro é o cidadão
não relacionado numa prestação de serviços. Por essa razão, Wagner Giglio,
grande mestre em Direito do Trabalho, entende ser este a rigor que deveria
chamar-se de direito comum, reservando-se a qualificação de especial a outros
ramos da ciência jurídica, destinados a segmentos minoritários da sociedade.

Em sede de doutrina, não há porque se
discordar da autonomia da Justiça do Trabalho. Ao contrário, muitos até advogam
a amplitude de suas prerrogativas, dotando-lhe também de competência para
apreciar lides relacionadas a funcionários públicos, acidentes do trabalho e
amparo previdenciário, já que todas estas matérias estão ligadas ao laço comum
do emprego, sem importar ser de índole pública ou privada.

Todavia, sem qualquer sentido é a permanência de juízes classistas, os chamados vogais, na
organização funcional da Justiça do Trabalho. Esse tipo de composição paritária, inspirada no Direito Italiano da época do
fascismo, desde há muito  se apresenta obsoleta para minimizar os
conflitos oriundos do capital e do trabalho. No após-guerra, lá e em outros nações, tal modelo foi abolido; no Brasil, porém, se
manteve, alimentando os afilhados do peleguismo
sindical e do coronelismo político.

Contudo, tramita no Congresso Nacional,
embora que tardiamente e a passos de tartaruga, obstado pelo contumaz lobismo, proposta de emenda constitucional extinguindo os
cargos de juízes classistas de todas as instâncias trabalhistas, espalhadas por
este país afora. (Pela política do “dou para que dês”, em Pernambuco, por
exemplo, criou-se questionáveis Juntas para um
irrisório número de causas, sendo talvez  a expressão financeira destas
inferior ao pagamento anual de um só vogal). Segundo o relatório do Conselho da
Reforma do Judiciário, a categoria dos juízes classistas  é tida como um
corporativismo pernicioso para o país e para as atuais relações de trabalho.

Excluir os  vogais dos quadros da
Justiça laborista se insere como uma das medidas de
combate ao nepotismo. É preciso proibir o ingresso de parentes a cargos comissionados
ou assemelhados no serviço público, em todos os entes e poderes da federação.
Pela Constituição (inc. V, art. 37),  até as funções de confiança devem
ser exercidas, exclusivamente, pelo pessoal de carreira. Mas de que vale os
dispositivos constitucionais quando o próprio presidente da República com suas
malsinadas medidas provisórias, derruba direitos
individuais insuscetíveis de emendas na Carta Política, quando não, ataca, por
via oblíqua, decisões da mais alta corte de Justiça do País?

A  propósito, é
digno de elogio a recente pesquisa realizada pelo eminente sociólogo Túlio
Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, na qual se demonstra a inutilidade das
funções dos juízes classistas e a série de vícios norteadores na escolha dos
mesmos, geralmente tutelada pelo apadrinhamento político, sem que os
contemplados pertençam  de fato ou de direito a qualquer sindicato
representativo dos trabalhadores.

No Tribunal Superior do Trabalho há
apenas um juiz de carreira a mais do que os classistas. Nos Tribunais Regionais
(no mínimo, há um por Estado), um terço de seus juízes são classistas. Nas
Juntas de Conciliação e Julgamento, órgãos de 1ª instância, a cada juiz togado,
dois são vogais, com mandato de três anos e direito a uma recondução.

Também inadequadamente, certas vagas do
TST e dos TRTs são ocupadas
por membros da OAB e do Ministério Público do Trabalho, que nunca serviu ao
controle do Judiciário, ante as mazelas da indicação e a caducidade do
instituto do quinto constitucional, brecha para os detentores do poder colocar
as suas alcunhas eleitorais.

Em verdade, os classistas quando não
escolhidos por parentes de alguns juízes togados do TST ou dos TRTs,  são  sorteados
pelos caciques da política de diversas colorações ideológicas ou partidárias.
No TRT de Pernambuco há um informal acordo concedendo para cada juiz do
tribunal, de carreira ou não, o direito de alojar dois vogais nas Juntas. Na
prática, parentes fazem indicações de outros parentes, num enlace intricado de
cunho familiar e político.

Todo mês, a União gasta cerca de 30
milhões de reais para manter uns quatro mil classistas, até bem pouco
aposentados com apenas cinco anos de exercício. De um classista não se exige
qualquer curso superior. Só trabalha meio expediente, pode exercer outras atividades,
e ganha mais do que um magistrado da Justiça Estadual. Em geral, pela
quantidade, o custeio com os vogais, embora dispensáveis à prestação
jurisdicional, é bastante superior ao dos juízes de carreira, estes submetidos
a exigentes concursos e dedicação exclusiva à função judicante, por vezes
bastante árdua, sobretudo quando contraria privilégios dos poderosos.

Mesmo que os classistas, a pretexto de representar empresários e trabalhadores, fossem escolhidos
por procedimento ético, tal corporação encontra-se sem respaldo ante a
realidade econômica dos novos tempos. Hoje, no mundo inteiro, a luta
significativa é pelo emprego, e não em função do conflito por ele gerado. E se
dele resulta controvérsia, esta deve ser julgada por um juiz de carreira, de quem
se exige conhecimento jurídico e competência funcional.

Não há mais lugar para os vogais sequer
no tocante à  prestação de auxílio aos hipossuficientes,
pois estes têm suas causas patrocinadas pela Defensoria Pública. E se a demanda
evidenciar interesse público social, direito indisponível ou qualquer
incapacidade da parte, aquela deverá ser assistida pelo Ministério Público do
Trabalho, como previsto na Magna Carta e nas leis infraconstitucionais.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Miguel Sales

 

Promotor de Justiça em Pernambuco, professor de Direito

 


 

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