América do Sul: Nova leitura

Na última semana, o Brasil foi
anfitrião de um encontro que reuniu 12 mandatários da América Latina, chamado
“Reunião de Presidentes da América do Sul”. Na abertura da reunião, o
presidente Fernando Henrique sugeriu a discussão de cinco temas, a saber: democracia,
comércio, ciência e tecnologia, narcotráfico e infra-estrutura. O resultado do
encontro foi a divulgação de um texto com 14 páginas
com conclusões sobre estes assuntos. Entretanto, o encontro desejou mostrar
muito mais do que isto.

O Brasil deixou claro que sediando o encontro e propondo os assuntos a serem
debatidos, deseja assumir a condição de líder sul-americano. Contudo, tal
posição ainda não está clara em um continente que conta com líderes poderosos
em seus países e ambiciosos no âmbito internacional. Logo, o Brasil tentou
conquistar alguns de seus vizinhos de uma outra maneira, ou seja, aparentando
uma suposta política de leve desalinhamento com os
Estados Unidos. Assim, a cooptação de alguns presidentes e suas nações se torna
mais fácil. Exemplos destes líderes, desalinhados com Washington, são Hugo Chávez, que recentemente enfrentou os EUA realizando
visitas a Saddam Hussein e Mohamad Kadafi, e Alberto Fujimori, que tem sua mais recente
eleição questionada pela comunidade internacional em decorrência de prováveis
fraudes, e até o discreto Ricardo Lagos, aliado do socialista Salvador Allende quando do golpe militar chileno.

Curiosamente, se analisarmos o texto
que contém o resultado do encontro, chamado “Comunicado de Brasília”,
encontraremos alguns aspectos interessantes. Um dos principais assuntos da
pauta era “democracia”. No texto final encontramos a seguinte passagem; “(…)
garantir a manutenção de processos eleitorais livres, periódicos,
transparentes, justos e pluralistas”. Ora, é no mínimo intrigante encontrar as
assinaturas de Alberto Fujimori e Hugo Chávez neste
documento. A do peruano por razões óbvias, aqui já explicadas. A do venezuelano
também, pois logo que assumiu a presidência, dissolveu o Congresso e a Suprema
Corte, convocando novas eleições e indicando novos juízes. Ambos afrontaram a
liberdade política e o Estado de Direito, pilares básicos de qualquer sociedade
democrática. Logo, enxergar as assinaturas destes presidentes em um documento
com este teor é realmente intrigante.

Um outro ponto de discussão foi a integração econômica e livre comércio. Pela primeira vez,
o Brasil está tomando uma posição firme, demandando que os Estados Unidos abram
suas fronteiras aos produtos brasileiros, sem restrições. Em troca, o Brasil,
como líder do bloco sul-americano, se compromete a trabalhar pela implantação
da ALCA até 2005. Este é o papel internacional do governo brasileiro, ou seja,
lutar pela livre comercialização dos produtos de nossos empreendedores no
exterior, o que até agora era realizado de maneira tímida. Portanto, esta
política internacional pode ser comparada a um jogo de xadrez, onde o Brasil,
para conseguir atingir o mercado norte-americano, deve se apresentar como líder
de seus vizinhos latinos, como forma de amadurecer a implantação da zona de
livre-comércio das Américas, a ALCA. Neste ponto, reside um dos aspectos
fundamentais da Reunião de Presidentes da América do Sul.

Os Estados Unidos contam com dinheiro e
empresas fortes, sendo um modelo de democracia e sucesso social, o maior
exemplo do se que intitula liberalismo. Logo,  o êxito de um país, passa
por empresas sólidas que possam gerar lucros, impostos e empregos. O bem estar
social é resultado direto do sucesso dos empresários, que resulta no
fortalecimento da economia. Quem gera os impostos que sustentam os governos e
seus programas são os empresários, consumidores e sua
inter-relação.  Os governos nacionais sabem disto. A parte sul da América
detém somente 3% do comércio internacional. Portanto, a América do Sul precisa
dos Estados Unidos e seus líderes também sabem disto. Logo, acreditar que a
conseqüência do encontro foi uma afirmação de posições latinas, claramente
desalinhadas coma política econômica americana, é uma leitura equivocada dos
resultados. Na realidade, a nova leitura é: Apesar de nesta parte do mundo encontrarmos presidentes como Hugo Chávez
e Alberto Fujimori, o Brasil começa, inteligentemente, a desenhar um engenhoso
jogo político, onde pela primeira vez toma a frente das negociações,
apresentado-se como o grande mediador entre os Estados Unidos e a América do
Sul. Se não fosse desta forma, por que será que no painel, atrás dos
presidentes estava escrito, em inglês: “Meeting of the Presidents of South America”?

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Márcio C. Coimbra

 

advogado, sócio da Governale – Políticas Públicas e Relações Institucionais (www.governale.com.br). Habilitado em Direito Mercantil pela Unisinos. Professor de Direito Constitucional e Internacional do UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. PIL pela Harvard Law School. MBA em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Mestrando em Relações Internacionais pela UnB.
Vice-Presidente do Conil-Conselho Nacional dos Institutos Liberais pelo Distrito Federal. Sócio do IEE – Instituto de Estudos Empresariais. É editor do site Parlata (www.parlata.com.br) articulista semanal do site www.diegocasagrande.com.br e www.direito.com.br. Tem artigos e entrevistas publicadas em diversos sites nacionais e estrangeiros (www.urgente24.tv) e jornais brasileiros como Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Zero Hora, Jornal de Brasília, Correio Braziliense, O Estado do Maranhão, Diário Catarinense, Gazeta do Paraná, O Tempo (MG), Hoje em Dia, Jornal do Tocantins, Correio da Paraíba e A Gazeta do Acre. É autor do livro “A Recuperação da Empresa: Regimes Jurídicos brasileiro e norte-americano”, Ed. Síntese – IOB Thomson (www.sintese.com).

 


 

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