Sancionada Lei que autoriza o interrogatório e outros atos processuais por videoconferência

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Tendo em vista a
necessidade de o Poder Público lançar mão de um mecanismo eficaz que evitasse
os transtornos provocados pelo transporte de presos das unidades prisionais aos
fóruns, foi recentemente
editada a Lei n. 11.900, de 08 de janeiro de 2009, publicada no Diário Oficial
da União, no dia 09 de janeiro, que permite a utilização do sistema de
videoconferência ou
outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, em
interrogatório de presos e outros atos processuais, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, inquirição de testemunha ou
tomada de declarações do ofendido.

Muito embora a regra
continue a ser a realização do interrogatório do réu preso, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, na presença física do juiz (CPP, art. 185, §1º),
a Lei recém editada passou a autorizar, em situações excepcionais, que o juiz,
por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, realize o
interrogatório do réu preso pelo sistema de videoconferência, desde que para
atender a uma das finalidades previstas no §2º do art. 185:

“I –
prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o
preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II –
viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja
relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou
outra circunstância pessoal;

III –
impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não
seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do
art. 217 deste Código;

IV – responder à gravíssima questão de ordem pública”.

Da
decisão que determinar a realização do interrogatório por videoconferência, as
partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência.

Note-se
que, em virtude das
Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008,  que instituíram a audiência única de
instrução e julgamento (CPP, arts. 400, 411 e 531, §
5o.), em que se concentram todos os atos instrutórios
(tomada de declarações do ofendido, inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 do
Código de Processo Penal, esclarecimentos dos peritos, acareações,
reconhecimento de pessoas), o interrogatório passou a ser realizado após todos
esses atos, autorizando, assim, a Lei n. 11.900/09, que o  preso acompanhe, pelo mesmo sistema
tecnológico, a realização dessa audiência única.

Em qualquer caso,
antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de
entrevista reservada do acusado com seu defensor.  A sala reservada no estabelecimento prisional
para a realização dos atos processuais à distância será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também
pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Será também assegurado o acesso a canais telefônicos
reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o
advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

Na hipótese de o
interrogatório não ser realizado no estabelecimento carcerário na presença do
juiz ou pelo sistema de videoconferência, será requisitada sua apresentação em juízo (CPP, art.
185, §7º), tal como também preceitua o art. 399, §1º, com a redação determinada
pela Lei n. 11.719/2008.

Interessante notar
que a Lei n. 11.900/09 não se limitou a autorizar o emprego desse recurso tecnológico
apenas no ato do interrogatório, pois abarcou todos os
atos processuais que dependam da participação de
pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e
inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido (CPP, art. 185, §8º).
Em tais hipóteses, fica garantido o acompanhamento do ato processual pelo
acusado e seu defensor.

Da mesma
forma, de com acordo com
o novo §3º do art. 222 do Código de Processo Penal, na
hipótese em que a testemunha morar fora da jurisdição, a sua oitiva poderá ser
realizada por meio de videoconferência, permitida a presença do defensor e
podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de
instrução e julgamento. Em tais situações, portanto, a carta precatória poderá
ser substituída pela inquirição por videoconferência.  Cumpre consignar que o art. 217 do Código de
Processo Penal, com a redação determinada pela Lei n. 11.690/2008, já previa a
possibilidade da oitiva de testemunha por intermédio desse aparato tecnológico:
na hipótese de o juiz verificar que a presença do réu possa causar humilhação,
temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que
prejudique a verdade do depoimento.

Finalmente, o art.
222-A acrescentado pela nova Lei ao Diploma Processual Penal, dispõe que as
cartas rogatórias só serão expedidas se demonstrada previamente a sua
imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio.

Cumpre lembrar que,
por força de omissão legislativa, o sistema de videoconferência vinha sendo
utilizado, ainda que sem lei federal disciplinando a
matéria, o que foi objeto de diversos questionamentos,. Assim, a 2ª Turma do
Supremo Tribunal Federal, no HC 88.914, Rel. Min. Cezar Peluso,
já havia considerado que o interrogatório realizado por meio de
videoconferência violaria os princípios constitucionais do devido processo
legal e da ampla defesa. Da mesma forma, o Plenário dessa Corte, por maioria,
havia declarado, incidenter tantum, a  inconstitucionalidade
formal da Lei Estadual Paulista n. 11.819/2005, que disciplinou o sistema de vidoconferência, por ter invadido a competência privativa
da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). (HC 90900/SP,
rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min.
Menezes Direito, 30.10.2008. Informativo n. 526, Brasília, 27 a
31 de outubro de 2008).

Com essa Lei,
portanto, logrou-se legitimar o uso desse recurso tecnológico em nossa prática
forense, suprindo o vício de ordem formal, relacionado à competência para
legislar sobre o tema, porém, os debates calorosos sobre a matéria tendem a continuar, pela presença de inúmeros outros argumentos de
ordem material propugnados por aqueles que são contrários à utilização desse
aparato no âmbito judicial e que o consideram inconstitucional.


Informações Sobre o Autor

Fernando Capez

Procurador de Justiça licenciado e Deputado Estadual. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. Professor da Escola Superior do Ministério Público e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Autor de várias obras jurídicas