1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
A jornada normal de trabalho corresponde ao período de tempo durante o qual o empregado deve permanecer à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, pois o contrato de trabalho gera para o empregado o dever de sujeitar-se às ordens e à direção da pessoa que se aproveita dos frutos da sua atividade, relacionadas à fixação de como, onde e quando a atividade será prestada.
Historicamente, a limitação da jornada de trabalho impõe-se a partir da Revolução Industrial, em virtude da posição intervencionista então adotada pelo Estado, tratando-se de reconhecer, à época, fundamentos de ordem biológica, social e econômica legitimadores da limitação do tempo de trabalho diário. A primeira convenção da Organização Internacional do Trabalho, não por acaso, consagrou o princípio da jornada de oito horas diárias ou de quarenta e oito horas semanais. A duração do trabalho é regulamentada com vistas à tutela da saúde, da vida moral e social do indivíduo, da economia em geral e, ainda, da liberdade individual.
O organismo humano sofre desgastes quando se põe em atividade. A fadiga, muscular e nervosa, instala-se insidiosamente no organismo humano quando desenvolve prolongada atividade. Se o organismo humano se entrega a uma atividade reiterada, sem ponderável solução de continuidade, ou seja, sem intervalos regulares, a fadiga se converte em fadiga crônica. Esta predispõe o indivíduo às doenças e conduz à invalidez e à velhice precoces, abreviando a vida humana. A fadiga decorrente do trabalho está associada, já nos primórdios do capitalismo industrial, aos acidentes do trabalho, às doenças infectocontagiosas como a tuberculose e até mesmo à mortalidade em índices alarmantes. A fadiga, por fim, trata de diminuir a capacidade de trabalho e rendimento do empregado durante a sua atividade.
A justificação à limitação da duração do trabalho diz respeito, sobretudo, à dignidade humana. Ao trabalhador deve ser assegurado o direito fundamental a uma vida pessoal, familiar e social alheia à profissional, em que possa se desenvolver intelectual, moral e fisicamente. As diversas esferas da vida do empregado, assim, devem ser, tanto quanto possível, dissociadas, protegendo-se a sua personalidade.
O fundamento econômico para a limitação da duração do trabalho é também reconhecido. O direito do trabalho está intimamente relacionado ao desenvolvimento da infra-estrutura técnica e econômica: é verdade que o direito do trabalho não avança senão nos limites das possibilidades técnicas e econômicas, mas também é verdade que o progresso tecnológico e econômico muitas vezes depende do direito do trabalho. A limitação da duração do trabalho, assim, exerceu uma ação estimulante sobre o processo técnico e sobre o próprio rendimento dos empregados; por outro lado, avanços tecnológicos, como a robótica, a telemática e a informática, são instrumentos eficazes à redução da jornada.
Nesse contexto, o estudo sobre a jornada de trabalho não compreende apenas a duração da atividade, diária ou semanal, mas também o horário em que o trabalho é prestado, o tempo em geral à disposição do empregador, durante o qual, apesar de não trabalhar, o empregado permanece aguardando ordens, e os intervalos para repouso e alimentação.
2. DURAÇÃO NORMAL DA JORNADA DE TRABALHO
Segundo a Constituição (art. 7o, inciso XIII), a jornada normal de trabalho tem a sua duração limitada a oito horas diárias, observado o limite semanal de quarenta e quatro horas. Nada obsta, todavia, a fixação de jornadas inferiores àquela prevista na Constituição, pela lei, por normas coletivas de trabalho ou mesmo por vontade das partes, no contrato individual de trabalho.
Têm jornada reduzida, de seis horas diárias, assim, por exemplo, aqueles que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento, nos termos do inciso XIV do art. 7o da Constituição. Trata-se, aqui, da hipótese em que os turnos se sucedem, de forma ininterrupta, revezando-se periodicamente os turnos de trabalho: o empregado está sujeito à prestação de trabalho em turnos variados, com revezamento periódico, o que importa alteração intermitente e habitual do seu horário de trabalho, sem interrupção da atividade empresarial. São insuficientes para descaracterizar o regime de turnos ininterruptos de revezamento as pequenas interrupções intervalares da jornada de trabalho, como o intervalo intrajornada, o intervalo interjornadas e o descanso semanal remunerado.[1]
Determinadas profissões contam, também, com regime de duração diferenciada para o trabalho diário. Assim, por exemplo, têm jornada normal de quatro horas os médicos e radiologistas; têm jornada normal de cinco horas os jornalistas e músicos; têm jornada normal de seis horas os bancários, telefonistas e operadores cinematográficos. Para os professores, a jornada normal, num mesmo estabelecimento de ensino, é limitada em razão do número de aulas ministradas, correspondendo o limite diário do trabalho a quatro aulas consecutivas ou seis intercaladas.
Por fim, o art. 58-A da Consolidação das Leis do Trabalho prevê a possibilidade de contratação de empregados em regime de tempo parcial, com duração semanal do trabalho não excedente a 25 (vinte e cinco) horas. O salário a ser pago aos trabalhadores em regime de tempo parcial deve ser proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que trabalham em tempo integral, nas mesmas funções.
3. APURAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
O empregado participa com suas funções na empresa sempre vinculado a certo período de horas, que, acumuladas, constituem a jornada de trabalho, diária ou semanal. Como já vimos, a jornada normal de trabalho corresponde não apenas ao período de tempo durante o qual o empregado efetivamente trabalha, mas também compreende o período de tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador, aguardando ordens.
No Brasil, nos termos do art. 4o da Consolidação das Leis do Trabalho, a duração do trabalho corresponde ao período de tempo durante o qual o empregado deve permanecer à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, uma vez que ao empregador cabe determinar como, onde e quando a atividade será prestada.
3.1. Deslocamento Residência-Trabalho e Vice-Versa
O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não é, em regra, computado na jornada de trabalho. No entanto, de acordo com o § 2o do art. 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, quando o empregador fornecer a condução, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo despendido no deslocamento residência–trabalho e vice-versa, ou em parte do respectivo deslocamento, no trecho coberto por condução fornecida pelo empregador, é considerado tempo à disposição deste, integrando-se à duração do trabalho.[2]
A jurisprudência tem reconhecido, a respeito, que o tempo gasto entre a portaria da empresa e o local da prestação de serviços, com condução fornecida pelo empregador, é também tempo à disposição deste, integrando-se à jornada de trabalho.
Destacamos, todavia, que a mera insuficiência de transporte público não enseja o reconhecimento do tempo de deslocamento em condução fornecida pelo empregador como horas in itinere, computáveis na jornada de trabalho,[3] salvo se houver incompatibilidade de horários entre o transporte público e a jornada de trabalho.[4]
3.2. Regime de Sobreaviso
Por analogia ao disposto no art. 244, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata do regime de sobreaviso para os trabalhadores ferroviários, é possível considerar de sobreaviso o trabalhador, em geral, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço.
Nesse regime, todavia, é imprescindível a fixação do trabalhador em sua própria casa, ficando tolhida a sua liberdade de locomoção e disposição de tempo em proveito próprio. A jurisprudência não tem reconhecido o regime de sobreaviso pela simples utilização, pelo empregado, de bipe, telefone celular ou outro meio de comunicação relacionado à empresa, ainda que fornecido o equipamento por essa, como forma de viabilizar o rápido contato com o empregado.[5]
A generalização do uso do telefone celular, todavia, dificulta a constatação de estar ou não o empregado em regime de sobreaviso, especialmente nas situações em que o empregado é habitualmente chamado pela empresa fora do horário normal de trabalho, pois, embora, em decorrência da inovação tecnológica, o empregado não permaneça, necessariamente, em sua própria casa, aguarda a qualquer momento o chamado para o serviço, o que limita a sua disposição de tempo para as outras esferas da vida, inclusive nas esferas íntima e social.
Durante o sobreaviso, o trabalhador é remunerado à base de 1/3 do salário normal. Se for chamado para o serviço, todavia, o tempo correspondente à prestação de trabalho deve ser integrado à sua jornada para todos os efeitos.
3.3. Regime de Prontidão
Por analogia ao disposto no art. 244, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata do regime de prontidão para os trabalhadores ferroviários, é possível considerar de prontidão o trabalhador, em geral, que permanecer nas dependências da empresa, em repouso, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço.
Durante a prontidão, o trabalhador é remunerado à base de 2/3 do salário normal. Se for chamado para o serviço, todavia, o tempo correspondente à prestação de trabalho deve ser integrado à sua jornada para todos os efeitos.
3.4. Empregados que Exercem Atividades Externas
A falta de permanente controle ou fiscalização do empregador sobre a atividade do empregado que exerce atividades externas, incompatíveis com a fixação de horário de trabalho, nos termos do art. 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho, impede a apuração da respectiva jornada de trabalho.
Destacamos que, para inserir-se nessa exceção, não basta ao empregado o trabalho externo. Além de externo, o trabalho não deve estar subordinado a horário, pela absoluta impossibilidade de fixação do mesmo, estando o trabalhador alheio à fiscalização e controle da sua atividade pelo empregador. Também não se insere na exceção o trabalhador externo se a sua produção, sendo suscetível de mensuração, não puder ser realizada senão ultrapassando o limite ordinário de horas de trabalho, diário ou semanal.
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, tal condição deverá ser obrigatoriamente anotada na carteira de trabalho e Previdência Social do empregado.
3.5. Empregados Ocupantes de Cargo ou Função de Confiança
Os empregados ocupantes de cargo ou função de confiança são depositários de uma confiança especial e imediata do empregador. Detêm, normalmente, poderes de mando, representação e substituição do empregador, circunstância que, se não descaracteriza o vínculo de emprego, suscita, em relação aos direitos e deveres decorrentes do vínculo, um tratamento relativamente diferenciado por parte da legislação social.
Segundo o art. 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho, assim, os empregados que exercem cargo ou função de gerência não estão sujeitos a horário de trabalho. Trata-se, aqui, de preceito que deve ser compreendido restritivamente, aplicando-se apenas ao empregado que exerce cargo de especial relevância (gerência), dotado de efetivo poder de gestão, com padrão salarial diferenciado, correspondendo o seu salário, no mínimo, a um valor 40% mais elevado do que o devido aos empregados do mesmo cargo efetivo.[6]
Para os bancários, há norma especial pertinente à caracterização do exercício de cargo ou função de confiança. O empregado gerente, referido no art. 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho, é aquele que detém poderes de mando, representação e substituição do empregador; em relação aos bancários, todavia, as circunstâncias que caracterizam o trabalhador como exercente de função de confiança são aquelas previstas no art. 224, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, que se reporta aos bancários que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, não se exigindo, em relação a tais trabalhadores, amplos poderes de mando, representação e substituição do empregador.
4. REGISTRO E CONTROLE DA JORNADA DE TRABALHO
As empresas que possuem mais de dez empregados estão obrigadas à adoção de mecanismo, manual, mecânico ou eletrônico, de registro da jornada de trabalho, nos termos do art. 74, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho. O registro deve ser individual e dizer respeito, no mínimo, ao horário de entrada e de saída do serviço. A Portaria no 3.626/1991, do Ministério do Trabalho e Emprego, dispensa o registro dos intervalos para repouso e alimentação, devendo, todavia, os horários correspondentes a esses intervalos estar indicados no registro.
Segundo o § 1o do art. 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, os cinco minutos que antecedem ou sucedem o início ou o término do trabalho, anotados em registros, não serão computados na jornada de trabalho, observado o limite máximo de dez minutos diários. Extrapolados qualquer desses limites, toda a jornada cumprida e anotada será considerada como tal.
5. PRORROGAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
As horas trabalhadas além da duração normal do trabalho, em prorrogação à jornada, são chamadas de horas extras ou horas suplementares. Segundo o art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de, no máximo, duas horas suplementares, mediante acordo escrito entre empregado e empregador ou mediante acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho.
Excepcionalmente, nos termos do art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho, ocorrendo necessidade imperiosa, a duração extraordinária do trabalho poderá prorrogar-se além das duas horas suplementares, observado o limite máximo de 12 horas diárias.
Em regra, a prorrogação da jornada normal de trabalho não pode ser imposta, de forma unilateral, pelo empregador, pois o empregado não está legalmente obrigado à prestação de trabalho suplementar, salvo nos estreitos limites da necessidade imperiosa e da força maior (art. 61 da Consolidação das Leis do Trabalho), ou na hipótese de previsão expressa em acordo coletivo de trabalho ou em convenção coletiva de trabalho. O trabalho extraordinário deve ser transitório e excepcional.
O empregador pode, portanto, suprimir o trabalho suplementar prestado com habitualidade. No entanto, em decorrência da supressão, deverá pagar ao trabalhador uma indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal.[7]
Para os trabalhadores contratados sob o regime de tempo parcial, no entanto, é vedada a prestação de trabalho suplementar (art. 59, § 4o, da Consolidação das Leis do Trabalho), de forma que a eventual extrapolação à jornada semanal máxima de 25 (vinte e cinco) horas descaracteriza o próprio regime de tempo parcial.
A prorrogação da jornada normal de trabalho enseja, naturalmente, o pagamento das horas extras acrescidas em, no mínimo, 50%, em relação ao valor da hora normal de trabalho, nos termos do art. 7o, inciso XVI, da Constituição.[8]
Para os empregados diaristas e mensalistas, os arts. 64 e 65 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelecem a forma de apuração do salário-hora normal, sobre o qual incidirá o acréscimo mínimo de 50% para fins de apuração do valor da hora extra.
Para o empregado mensalista: o salário-hora será obtido a partir da divisão do salário-mês por um divisor; o divisor é o resultante de trinta vezes o número de horas normais de trabalho por semana, dividido por seis. Assim, por exemplo, para um empregado sujeito a 44 horas normais de trabalho por semana, o divisor corresponderá a 220 (30 × 44 / 6 = 220). O seu salário-hora, portanto, corresponderá ao resultado da divisão do salário-mês por 220.
Para o empregado diarista: o salário-hora será obtido a partir da divisão do salário-dia pelo número de horas normais de trabalho no dia. Assim, por exemplo, para um empregado sujeito a oito horas normais de trabalho por dia, o salário-hora corresponderá ao resultado da divisão do salário-dia por oito.
Na apuração física das horas extras prestadas, devem ser observados os limites diário e semanal à duração normal do trabalho; todavia, as horas excedentes aos referidos limites devem ser apuradas de forma não cumulativa.
Exemplos:
1) Empregado sujeito à duração normal do trabalho limitada a oito horas diárias, observado o limite semanal de 44 horas, que trabalha, de fato, à razão de nove horas por dia, de segunda a sexta-feira:
Podemos perceber, com facilidade, que a hora suplementar que corresponde à nona hora diária, na sexta-feira, corresponde, também, à quadragésima quinta hora semanal. Assim, o período de trabalho respectivo, na sexta-feira, implica o cômputo de uma hora extra, e não de duas, sob pena de computar-se, indevidamente, em dobro a hora do trabalho suplementar.
2) Empregado sujeito à duração normal do trabalho limitada a oito horas diárias, observado o limite semanal de quarenta e quatro horas, que trabalha, de fato, à razão de dez horas por dia, de segunda a sexta-feira:
Podemos perceber, com facilidade, que as horas suplementares que correspondem à extrapolação da jornada semanal de 44 horas, na sexta-feira, à razão de seis, já abrangem as duas horas excedentes ao limite diário de oito horas, nesse dia. Assim, o período de trabalho respectivo, na sexta-feira, implica o cômputo de seis horas extras, e não de oito, sob pena de computar-se em dobro parte das horas do trabalho suplementar.
3) Empregado sujeito à duração normal do trabalho limitada a oito horas diárias, observado o limite semanal de quarenta e quatro horas, que trabalha, de fato, à razão de onze horas por dia, de segunda a sexta-feira:
Podemos perceber, com facilidade, que as horas suplementares que correspondem à extrapolação da jornada semanal de 44 horas, na sexta-feira, à razão de 11, já abrangem as três horas excedentes ao limite diário de oito horas, nesse dia. Assim, o período de trabalho respectivo, na sexta-feira, implica o cômputo de 11 horas extras, e não de 14, sob pena de computar-se em dobro parte das horas do trabalho suplementar.
6. REGIME COMPENSATÓRIO
Afirmamos, anteriormente, que, “a prorrogação da jornada normal de trabalho enseja, naturalmente, o pagamento das horas extras acrescidas em, no mínimo, 50%, em relação ao valor da hora normal de trabalho, nos termos do art. 7o, inciso XVI, da Constituição”.
A Constituição, todavia, resguarda a possibilidade de flexibilização da jornada de trabalho, autorizando, sob determinadas condições (art. 7o, inciso XIII), a compensação das horas trabalhadas a mais em um dia com a conseqüente redução da jornada em outros. Nessa hipótese, o trabalho extraordinário não será remunerado.
No tradicional regime compensatório, as horas trabalhadas além da duração normal do trabalho, diária, serão compensadas pela correspondente redução em outro dia da mesma semana, de forma que é mantido o limite semanal da jornada de trabalho. As horas de trabalho, assim, normais ou suplementares, estão limitadas ao teto semanal, normalmente de 44 horas.
Admite-se, ainda, a adoção da chamada semana espanhola, que alterna, na compensação, a prestação de 48 horas em uma semana e 40 horas em outra.[9]
O § 2o do art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, todavia, estendeu a possibilidade de compensação, criando a possibilidade de que as horas trabalhadas além da duração normal do trabalho, diária, sejam compensadas pela correspondente redução em outro dia qualquer, dentro do período de um ano. É o que se costuma denominar banco de horas.
Nessa sistemática de compensação, com claro prejuízo para os trabalhadores, que historicamente lutaram pela adoção de limites rígidos à duração do trabalho, importa, apenas, que, no período de até um ano, o trabalho não exceda à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 (dez) horas diárias.
Entendemos que a violação a qualquer dos requisitos ínsitos à adoção do regime compensatório descaracteriza o pacto de compensação, acarretando o pagamento das horas de trabalho suplementar como extraordinárias, com o adicional devido, ainda que compensadas. Não é esse, todavia, o entendimento jurisprudencial majoritário, que impõe tal efeito somente às horas trabalhadas além da jornada máxima semanal, deferindo às outras horas suplementares, excedentes ao limite diário, apenas a incidência do adicional.
Entendemos ainda que, se o contrato de trabalho extinguir-se antes que o total de horas seja compensado, na sistemática do banco de horas, qualquer que seja a causa da extinção, o empregado terá direito a receber todas as horas remanescentes, com adicional, junto com as demais verbas rescisórias.
O Tribunal Superior do Trabalho consolidou os seguintes entendimentos, a respeito da jornada de trabalho:[10]
a) a compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva;
b) o acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em contrário;
c) o mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional;
d) a prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada, sendo que, nessa hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quando àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.
Por fim, segundo o art. 60 da Consolidação das Leis do Trabalho, a adoção de regime compensatório, como a prorrogação da duração da jornada de trabalho em geral, em trabalho insalubre, não prescinde de prévia autorização do Ministério do Trabalho e Emprego. A disposição, todavia, é rejeitada pela jurisprudência, pois não teria sido recepcionada pela Constituição de 1988.[11]
Além disso, ressalvamos que eventual regime compensatório que implique, por si só, ultrapassar habitualmente o limite máximo de 10 (dez) horas diárias de trabalho, é inválido, pois afronta do disposto no art. 59 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas).[12]
7. Trabalho noturno
O trabalho noturno, para o empregado urbano, é aquele prestado entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, conforme previsto no art. 73, § 2o, da Consolidação das Leis do Trabalho, e, para o empregado rural, corresponde àquele prestado entre as 21 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, na lavoura, ou entre as 20 horas de um dia e as horas do dia seguinte, na atividade pecuária, nos termos da Lei no 5.889/1973.
Além disso, eventualmente, algumas categorias profissionais podem ser beneficiadas com horário noturno diferenciado[13].
O trabalho noturno, causador de um desgaste biológico maior em relação ao trabalho diurno, será remunerado com um adicional, em relação ao valor da hora normal diurna, de, no mínimo, 20% para o trabalhador urbano, e de, no mínimo, 25% para o trabalhador rural. O adicional noturno sempre deverá ser calculado sobre a remuneração do trabalhador, seja o trabalho noturno habitual ou não, em atenção ao disposto no art. 7o, inciso IX, da Constituição.[14]
Se um trabalhador ganha, normalmente, R$ 10,00 (dez reais) por hora, esse mesmo trabalhador, no período noturno, ganhará R$ 12,00 (doze reais) pelo mesmo trabalho; se um trabalhador foi contratado mediante a promessa de pagamento de um salário mensal de R$ 1.000,00 (mil reais), se trabalhar todo o mês no período noturno, ganhará salário de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).
Para o trabalhador urbano, exclusivamente, a hora do trabalho noturno não será computada como de 60 minutos, mas como de 52 minutos e 30 segundos, nos termos do art. 73, § 1o, da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, a hora de trabalho noturno tem a sua duração cronologicamente reduzida, tratando-se de empregado urbano, de forma que, a cada 52 minutos e 30 segundos trabalhados à noite, computar-se-á uma hora de trabalho. Das 22 horas de um dia às 5 horas do dia seguinte, portanto, haverá um total de oito horas legais, embora haja apenas sete horas cronológicas.
Por fim, a jurisprudência e a doutrina fixaram o entendimento de que o trabalho que é integralmente prestado no período noturno e termina por ser prorrogado para além desse continua sendo considerado noturno para todos os efeitos, inclusive quanto à redução horária e à incidência do adicional noturno.[15] Assim, se o empregado trabalha das 22 horas de um dia às 7 horas do dia seguinte, todo o período deve ser considerado noturno para fins de uso do redutor horário e da incidência do adicional noturno.
Ao menor de 18 anos é vedado o trabalho noturno.
8. INTERVALOS
8.1. Intervalos Intrajornada
Os intervalos intrajornada, destinados a repouso e alimentação do empregado, correspondem a lapsos temporais em que esse pode suspender a execução das suas atividades, entre dois períodos de uma jornada de trabalho, não permanecendo à disposição do empregador. Em regra, tais intervalos não são remunerados, nem são computados na duração do trabalho.
Segundo o art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho, em qualquer trabalho contínuo cuja duração normal exceder de seis horas será devido um intervalo intrajornada de, no mínimo, uma hora, e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, de no máximo duas horas. O intervalo mínimo de uma pode ser reduzido mediante autorização do Ministro do Trabalho e Emprego, quando verificada a existência de refeitório no local de trabalho, desde que os respectivos empregados não estejam sujeitos à prestação de horas extras. Se a jornada normal não exceder de seis horas, será obrigatória a concessão de um intervalo intrajornada de 15 minutos quando a duração ultrapassar quatro horas. Em ambos os casos, os intervalos intrajornada não serão computados na duração do trabalho.
O art. 72 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece, para os empregados em serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), um intervalo para repouso de 10 (dez) minutos a cada 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo.[16] A Norma Regulamentadora 17 (Portarias 3.435/1990 e 3.751/1990, do Ministério do Trabalho e Emprego), todavia, estabelece, para os digitadores, um intervalo para repouso de 10 (dez) minutos a cada 50 (cinqüenta) minutos de trabalho consecutivo. Trata-se de intervalo que é remunerado e computado na duração do trabalho.
Eventuais intervalos intrajornada concedidos pelo empregador, não previstos em lei, por liberalidade ou costume, representam tempo à disposição da empresa, e, portanto, devem ser computados na duração do trabalho.[17]
Caso não seja concedido, no todo ou em parte, o intervalo intrajornada, deverá ser pago como tempo à disposição do empregador e, portanto, remunerado, desde que se trate de intervalo normalmente computado na duração do trabalho, como ocorre com aquele previsto no art. 72 da Consolidação das Leis do Trabalho; tratando-se de intervalo que normalmente não é computado na duração do trabalho, como ocorre com aquele previsto no art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho, deverá ser objeto de indenização, observados os termos do § 4o do art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho[18].
Ressaltamos que, em relação aos intervalos intrajornada, deve ser observada, sempre, a sua integralidade.[19] O fracionamento do intervalo mínimo é irregular, como a sua diminuição,[20] salvo na hipótese prevista no § 3o do art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho.
8.2. Intervalos Interjornadas
O direito do trabalho prevê, além do intervalo intrajornada, a existência de outro, interjornadas, que corresponde ao interregno mínimo que deve haver entre o término de uma jornada de trabalho e o início de outra.
Segundo o art. 66 da Consolidação das Leis do Trabalho, entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso, e, segundo o art. 67 da Consolidação das Leis do Trabalho, será assegurado a todo empregado um descanso semanal remunerado de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, preferencialmente ao domingo. Da mesma forma, a Lei no 605/1949 trata de estabelecer a obrigatoriedade da concessão de um dia destinado ao repouso semanal remunerado, além dos eventuais feriados.
O intervalo previsto no art. 66 da Consolidação das Leis do Trabalho não é remunerado;[21] os intervalos previstos no art. 67 da Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei no 605/1949 são.
A Constituição estabelece que o descanso semanal deva preferencialmente coincidir com os domingos (art. 7o, inciso XV). Algumas empresas, todavia, estão autorizadas a trabalhar em domingos: o Decreto no 27.048/1949 fixa as espécies de empresas que estão autorizadas a trabalhar em domingos, como, por exemplo, os restaurantes existentes em rodovias, devendo organizar escalas de trabalho para que o descanso semanal remunerado de cada um de seus empregados recaia em domingo, uma vez a cada sete semanas, conforme disciplina o Ministério do Trabalho e Emprego.
As demais empresas que atuam no comércio podem funcionar em domingos, conforme dispõe a Lei no 10.101/2000, que determina, no entanto, que os respectivos empregados devem contar com o descanso em domingo, uma vez a cada quatro semanas.
Os descansos remunerados, semanal ou feriados, deve ser remunerado com o valor equivalente a um dia de trabalho. Se houver desrespeito aos respectivos descansos, sem a concessão de folga compensatória em outro dia da semana, o dia de descanso, na realidade trabalhado, deverá ser remunerado em dobro, sem prejuízo do pagamento correspondente ao repouso remunerado, nos termos da Lei no 605/1949.[22]
Ressalvamos, todavia, que o empregado, para receber a remuneração pertinente ao repouso semanal, deverá cumprir integralmente a sua jornada de trabalho na semana a que se refere o repouso.
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Garcia Schwarz
Juiz do Trabalho (TRT-SP) e Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul. Pós-Graduado em Ciência Política, em Direitos Sociais e em Imigração e Mediação Intercultural, Mestre em Direito e Doutorando em Direito e em História Social (PUC-SP e Universidad de Castilla – La Mancha). Autor dos livros “Trabalho Escravo: A Abolição Necessária” (Ed. LTr, 2008) e “Direito do Trabalho” (2.ed., Ed. Elsevier, 2009).