Resumo: No escopo de uma maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional, o Congresso Nacional aprovou uma seqüência de leis federais que pretendeu conferir maior celeridade ao processo civil. Dentre essas leis alteradoras do diploma processual, trouxe evidência, pela relevância contextual e aplicabilidade ao processo laboral, a Lei n. 11.232/2005. Surge agora para o operador do direito processual do trabalho, a oportunidade ante a inovação processual civil, para repensar os princípios basilares do processo trabalhista e atualizar, assim, pela via hermenêutica, o diploma de processo laboral.
Palavras-chave. Processo civil – Jurisdicional – Processual.
Abstract: In the target of a bigger effectiveness in the judicial sentence, the National Congress approved a sequence of federal laws that it intended to confer greater rapidity to the civil action. Amongst these changing laws of the procedural diploma, it brought evidence, for the contextual relevance and applicability to the labor process, Law N. 11.232/2005. It appears now for the operator of the procedural law of the work, the chance before the civil procedural innovation, to rethink the fundamental principles of the working process and to bring up to date, thus, for the hermeneutic way, the diploma of labor process.
Key words: Civil Action – jurisdictional – Procedural
1. INTRODUÇÃO
Os propósitos do legislador, quanto às alterações introduzidas no sistema de processo civil não impressionam aqueles operadores do Direito que lidam com o processo do trabalho. As muitas alterações promovidas no processo civil, são espelhos dos princípios e regras que há muito vem sendo aplicados no processo do trabalho. Não é exorbitante afirmar que os princípios e as regras, que orientam e inspiram o processo do trabalho, vêm infundindo muitas das alterações introduzidas no atual processo civil.
Busca-se analisar as alterações infundidas pela nova redação da Lei 11.232 de 22 de dezembro de 2005, no sistema processual brasileiro e suas possíveis repercussões no Processo do Trabalho ora vigente.
O nosso sistema de processo civil atualmente passa por uma gradual, mas grande reformulação de suas normas, arraigada pela Emenda Constitucional no. 45/2004. Tal emenda, que nos trouxe meios de controle externo do Poder Judiciário, acarretando a reorganização das competências da Justiça do Trabalho, maior transparência dos atos do Poder Judiciário, bem como ampliou a interpretação dos princípios constitucionais do amplo acesso à Justiça, da celeridade, da economia processual e principalmente, da efetividade da prestação jurisdicional, instituído pela nova redação do inciso LXXVIII da Magna Carta: “art. 5º, LXXVIII da CF: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Avalia-se, até então, as alterações introduzidas pela Lei 11.232/2005, em particular, o seu artigo 475-J, inovam no processo trabalhista e se a ele também se aplicam.
2 A REFORMA PROCESSUAL E A LEI 11.232/05
Assim, a Lei 11.232/05 apresenta a reforma tão necessária das normas até então instituídas. Objeto de projeto de lei ordenada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, vem a trazer forças a um dos pontos mais fracos do nosso sistema processual, a execução. O projeto trazia à tona toda a quimera da efetividade da prestação processual, aproximando do processo de conhecimento a execução da sentença, que hoje a nova redação intitula de cumprimento da sentença. Tem-se um processo civil que podemos chamar de sincrético, eis que ele tem atualmente em seu bojo, procedimentos tanto de natureza cognitiva, quanto a executiva em sentido amplo. Não existe mais o divisor de águas, que antes separava o processo de conhecimento do processo de execução.
Atualmente, o sistema processual brasileiro passa pelo que denomina o Prof. Gustavo Filipe Barbosa Garcia de Terceira Fase de Reforma do Processo Civil, que regula o processo de execução das obrigações por quantia certa. A título de didática, exporemos pormenosamente as primeiras e segunda fases. A primeira fase da Reforma, se deu com o advento da Lei 8.952/94 quando trouxe nova redação do Código de Processo Civil que era regido até então pelo Código de 1939. Essa lei reformou o dispositivo do processo de execução no tocante às obrigações de fazer e não fazer. A segunda fase foi inserida pela Lei 10.444/2002, trazendo a reforma do processo de execução tangente às obrigações de entrega de coisa.
1. Direitos Fundamentais de Primeira, Segunda e Terceira Gerações no Direito Laboral:
Para aprofundar o estudo, passamos a examinar os direitos fundamentais das três gerações do âmbito do Direito do Trabalho.
Os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos civis e políticos, também chamados de liberdades públicas negativas, porque consubstanciam a defesa do indivíduo perante o Estado. Já os de segunda geração, depois de liberto o homem das garras do Estado, servem para trazer ao ser humano as condições materiais mínimas necessárias ao exercício da vida digna; são direitos positivos, como os sociais, econômicos e culturais. Por fim, os de terceira geração são os direitos de solidariedade e fraternidade, como o direito à paz no mundo, ao desenvolvimento econômico dos países, à preservação do meio ambiente, à comunicação e do patrimônio comum da humanidade.
Na vertente trabalhista, embora se tenha avançado bastante com relação a liberdade sindical, ainda restaram importantes restrições que impedem a efetividade dos direitos laborais.
Já aos de segunda geração não se pode reclamar, porque a Constituição Cidadã não só manteve aqueles já existentes, como criou vários outros, como se vê em seu artigo 7º. Quanto à terceira geração, temos como exemplo a proteção ao meio ambiente, com previsão em seus artigos 7º, XII; artigo 200, II e VII e artigo 225 e seus parágrafos.
O processo de transformação é demorado, principalmente porque o Poder Judiciário, como regra e, por sua própria natureza é conservador e, por isso, demora mais a apreender e a se adaptar às grandes mudanças.
3 A APLICAÇÃO DAS NOVAS NORMAS PROCESSUAIS NO PROCESSO DO TRABALHO
Segundo regra os artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, o direito processual comum é fonte subsidiária do direito processual do trabalho, tendo como requisitos da sua aplicação à omissão do dispositivo na legislação trabalhista e desde que haja compatibilidade entre as normas do processo civil e o processo do trabalho, por força do Princípio da Proteção que rege o Direito do Trabalho.
Segundo aduz o Prof. Jorge Luiz Souto Maior:
Das duas condições fixadas no art. 769, da CLT, extrai-se um principio, que deve servir de base para tal análise: a aplicação de normas do Código de Processo Civil no procedimento trabalhista só se justifica quando for necessária e eficaz para melhorar a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista”( SOUTO MAIOR. 2006. p.920)
Com o advento das novas normas processuais civis, o processo trabalhista que até então era vanguardista quanto a efetividade da prestação jurisdicional, eis que a execução era e é uma mera fase de uma única ação, está perdendo o seu lugar para o processo civilista. O processo civil tende a cada dia se aproximar mais do processo trabalhista. Os estudiosos da área estão verificando na prática que o processo do trabalho é muito mais célere que as normas aplicadas até então pelo processo civil. O processo trabalhista construiu suas bases desde as suas origens observando essas premissas, quais sejam: a celeridade, a economia processual e a efetividade da prestação jurisdicional.
Alguns doutrinadores, na lição de Manoel Antonio Teixeira Filho e Wagner D. Giglio, defendem a tese de que é inadequado falar em processo de cognição e em processo de execução no processo trabalhista, sendo o correto afirmar que se trata de meras fases processuais de conhecimento e de execução, eis que se tratam de fases de uma mesma ação.
3.1 A Fidelidade Principiológica no Direito do Trabalho
De acordo com o art. 769 e 889 do Diploma Obreiro, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, nos casos omissos, com exceção onde for incompatível com as normas aplicadas ao processo do trabalho e desde que não tenha previsão legal na Lei 6830/1980, “a execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União […] será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.
No processo de conhecimento, a legislação processual comum é a primeira fonte subsidiária (art. 769 da CLT), mas no de execução cai para a segunda fonte, havendo um filtro anterior, o da Lei dos Executivos Fiscais (art. 889 da CLT).
“Art. 769: Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Art. 889: Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.”
O Principio da Proteção que norteia o direito trabalhista, não permite a aplicação das normas do direito processual civil, ao processo trabalhista. A exceção seria quando a legislação trabalhista for omissa ou quando for compatível com o processo trabalhista. Tal prudência se observa tendo em vista a Fidelidade Principiológica dos preceitos que norteiam o Direito do Trabalho. Todas essas reformas que estão ocorrendo no processo comum devem atender aos requisitos da Fidelidade Principiológica e o Diploma Consolidado deverá ser omisso nessas matérias.
O Princípio da Proteção tem por norte desenvolver uma proteção jurídica à parte hipossuficiente, visando devolver o equilíbrio no plano jurídico, o desequilíbrio intrínseco ao plano fático. No caso em estudo, o principio observa-se para evitar que sejam privilegiados os interesses puramente individuais em detrimento de toda uma coletividade. O Princípio da Proteção está umbilicalmente ligado a própria razão de ser do Direito do Trabalho, o qual surge da desigualdade existente entre a relação empregado-empregador.
Conforme se denota da lição do brilhante jurista mineiro, Prof. Maurício Godinho Delgado:
“O principio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atua como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundamentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social pratica. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente.” (DELGADO, 2006, pág. 198)
O legislador não tem como permanecer cego quanto a idéia de falsa igualdade existente, sendo obrigado a compensar esta desigualdade com uma proteção jurídica favorável ao trabalhador, que limite o direito do mais forte.
O direito do mais forte é bem delimitado por Jean-Jaques Rousseau:
“O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em direito, a obediência em dever. Daí o direito do mais forte, direito tomado ironicamente na aparência, e realmente estabelecido em princípio. Obteremos, porventura, uma explicação dessa palavra? A força é uma potência física, não vejo qual moralidade poderá resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade, é no máximo um ato de prudência. Em que sentido poderá ser um dever?” (ROSSEAU, 2000, p.20)
O fundamento histórico da proteção que rege o artigo 769 da CLT, está no sentido que no nascedouro da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, era muito mais eficaz que as regras até então praticadas pelo Código de Processo Civil de 1939. A CLT era muito mais avançada que o CPC de 1939. Este era muito patrimonialista, ritualístico e ineficaz.
Todo esse resguardo seria para proteger o sistema executivo trabalhista, que à época era a “obra-prima” do legislador, com regras muito mais avançadas, modernas e eficazes que o então CPC de 1939. Como dito anteriormente, veio a resolver muitas dificuldades que até então inibia a real efetividade da prestação jurisdicional, eis que o sistema executivo comum até então praticado intrincava a execução.
3.2 A Subsidiariedade do Código de Processo Civil no Processo do Trabalho
Observa-se em uma leitura atenta a CLT que a mesma não é omissa. Ela tem um rito próprio para a execução, previsto em seus artigos 876 a 892.
Segundo a doutrina majoritária, a aplicação das normas do processo civil se valida quando for necessária e eficaz para melhorar a efetividade da prestação jurisdicional trabalhista. As regras do Código de Processo Civil não vinculam, como pensam alguns, ao juízo trabalhista, pois eles são estanques. A utilização das regras do processo civilista somente se justifica quando for necessária e eficaz para melhorar a efetividade da prestação jurisdicional do ramo trabalhista. Ocorre que nem toda a legislação do processo comum é subsidiária ao processo do trabalho, de modo que nem tudo o que é princípio em um, o é também no outro. Há autonomia dos processos trabalhista e o comum, daí porque o admite por suprimento desde que, além de lacuna no sistema a ser preenchida, não colidam os princípios deste com os princípios do direito do trabalho, sobretudo a execução trabalhista.
É necessário cautela para a aplicação das regras do processo civilista, eis que em muito reflete apenas os interesses individuais e não o da coletividade.
Quanto ao aspecto instrumental do processo, conforme bem menciona o Prof. Jorge Luiz Souto Maior (2006, pág 920): “vale lembrar que o direito material trabalhista é um direito social por excelência, cuja ineficácia pode gerar graves distúrbios tanto de natureza econômica quanto social.”
Outro é o entendimento do jurista Manoel Antônio Teixeira Filho, que para ilustrar esse segmento da doutrina, ora transcreve:
“Uma leitura dos arts. 876 a 892, da CLT, evidencia que o processo do trabalho não é omisso no tocante aos temas da liquidação da sentença e da conseqüente execução. Sendo assim, nenhum intérprete ou operador do Direito está legalmente autorizado a colocar à margem esses dispositivos da legislação processual trabalhista, para substituí-los – de maneira arbitrária, portanto – pelos componentes da Lei n. 11.232/2005. Bem ou mal, pois, a CLT contém normas reguladoras do procedimento da liquidação e do processo de execução. Sob este aspecto, torna-se irrelevante o fato de as disposições da citada Lei serem, em tese, mais eficientes do que as integrantes do processo do trabalho; a isto sobreleva a particularidade, já ressaltada, de este processo não ser omisso quanto às matérias tratadas por aquela norma processual civil”. (TEIXEIRA FILHO, 2006, p.274)
E aduz ainda:
“Devemos advertir que a recuperação da efetividade da liquidação e da execução trabalhistas, que tanto se almeja, deverá ser conseguida de ‘lege ferenda’, vale dizer, mediante alteração da respectiva legislação, e não por meio de arbitrária substituição, por obra doutrinaria ou jurisprudencial, das normas da CLT pela Lei 11.232/2005 – que, por óbvio, não foram elaboradas com vistas ao processo do trabalho, no qual, aliás, não raro, funcionam como uma espécie de ‘rolhas redondas’ em orifícios quadrados.” (TEIXEIRA FILHO, 2006, p.275.)
Essa é uma posição doutrinária que está se tornando minoritária a cada dia que passa. Até mesmo porque a vasta maioria da doutrina e da jurisprudência vem tomando partido contrário a esse entendimento. O processo trabalhista vem adotando a incidência de regras não omissas, porém aplicadas, eis que mais céleres e efetivas da prestação jurisdicional. Como exemplo, temos as restrições ao reexame necessário, que está regrado no artigo 475, parágrafos 2º e 3º do CPC, em contraposição à necessidade de reexame sempre que a decisão seja desfavorável à Fazenda Pública. Tal matéria foi objeto de Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, Súmula 303, onde regra a adoção do CPC, apagando o requisito da omissão e aplicando o CPC subsidiariamente.
“Súmula 303 do TST: FAZENDA PÚBLICA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 9,71, 72 e 73 da SBDI-1) – Res. 129/2005 – DJ 20.04.2005
I – Em dissídio individual, está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na vigência da CF/1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo:
a) quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos;
b) quando a decisão estiver em consonância com decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ou com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho.
II – Em ação rescisória, a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório quando desfavorável ao ente público, exceto nas hipóteses das alíneas “a” e “b” do inciso anterior.
III – Em mandado de segurança, somente cabe remessa “ex officio” se, na relação processual, figurar pessoa jurídica de direito público como parte prejudicada pela concessão da ordem. Tal situação não ocorre na hipótese de figurar no feito como impetrante e terceiro interessada pessoa de direito privado, ressalvada a hipótese de matéria administrativa”. (MALLMANN, 2007)
Assim, temos a seguinte, das muitas manifestações majoritárias de nossos Tribunais:
“REEXAME NECESSÁRIO. Tratando-se de condenação inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, fato que dispensa o reexame obrigatório, na forma do artigo 475, § 2º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, e, ainda, diante do entendimento contido na Súmula 303, item I, do TST, não cabe o reexame necessário.” ( MALMANNJ, 2007)
“REMESSA DE OFÍCIO. Não se conhece da remessa de ofício, por incabível, uma vez que o valor arbitrado à condenação não ultrapassa o correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos. Aplicação do art. 475, §§ 2º e 3º, do CPC. Adoção do entendimento consagrado na Súmula nº 303 do TST.” (HALFEN, 2007)
Testemunha-se que, mesmo timidamente, a omissão está dando lugar à eficácia da prestação jurisdicional. A lacuna da lei não se trata mais em procurar preencher o vazio da lei em comento, e sim buscar meios de cumprir com a eficácia da prestação. Mesmo que haja texto escrito na matéria, ainda assim há uma omissão na lei se ela não atende à interpretação dos princípios constitucionais do amplo acesso à Justiça, da celeridade, da economia processual, e principalmente, da efetividade da prestação jurisdicional.
4. O ARTIGO 475-J DO CPC E O PROCESSO DO TRABALHO
Com o objetivo de alcançar ao credor o “bem da vida”, ou seja, concretizar o direito reconhecido na decisão sentencial transitada em julgado, o legislador trouxer inovações buscando aperfeiçoar os meios para assegurar o cumprimento de obrigação de pagar quantia certa.
Não são raras as dificuldades do credor em receber o seu “bem da vida”. Assim, o legislador, não podendo modificar a situação real, transmuda a realidade criando regras que trazem a efetividade.
Entre todas as alterações inseridas pela Lei 11.232/2005, o objeto de nosso estudo é o artigo 475-J do CPC.
A regra até então vigente no processo civil, que em sendo ajuizada a ação de execução, o devedor é citado para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, efetuar o pagamento da dívida ou nomear bens à penhora, atendida a ordem preferencial, sob pena de seguir-se a penhora de bens, tantos quantos bastem ao pagamento do valor da condenação.
Com a nova redação, o artigo 475-J do CPC passou a adotar:
“Art. 475-J: Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
§ 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.
§ 2o Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.
§ 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.
§ 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.
§ 5o Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte…” (CPC Artigo 475-J)
Segundo a maioria dos doutrinadores, o curso do prazo legal de 15 (quinze) dias é automático, com termo inicial concomitante com o momento em que a decisão judicial se torne exeqüível. O devedor deverá voluntariamente cumprir com a obrigação, mediante o pagamento do valor devido, sob pena de sofrer acréscimo de multa de 10 (dez) por cento, e, sob indispensável requerimento e iniciativa do credor, indicar bens e dar seguimento à penhora.
A regra trabalhista é que, dispensada a iniciativa do credor, os atos iniciais de cumprimento da obrigação de pagar quantia certa, apontada na decisão judicial consiste na citação do devedor para que no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, efetue o pagamento da dívida ou garanta a execução, nos termos do artigo 880 da CLT. Caso o devedor não efetue o pagamento, a CLT permite ao devedor nomear bens à penhora com a finalidade de garantir a execução, sem que o débito se sujeite a qualquer acréscimo além daqueles previstos em sentença.
Verifica-se que a multa do artigo 475-J do CPC não pode ser vista fora da sua conjuntura, qual seja, a nova fase de execução de título judicial comum e o trabalhista.
Alguns doutrinadores estão denominando essa multa como sendo astreintes, mas entende-se que as astreintes se tratam de multa pecuniária diária ante o não cumprimento de uma obrigação imposta; e a multa do artigo 475-J é uma multa única, não sendo relevante para o legislador quanto tempo o devedor irá procrastinar o cumprimento de sua obrigação.
Guarda inexorável lógica a aplicação dessa multa com a estrutura processual trabalhista, até mesmo porque o sistema processual trabalhista adota outras três multas no processo do trabalho que são aplicadas mesmo sem previsão na CLT. São elas: a multa e indenização por litigância de má-fé, atos atentatórios à dignidade da justiça, na fase de execução, e multa por embargos de declaração quando são meramente protelatórios. Em sendo aplicável no processo trabalhista, o prazo de 15 dias é razoável para o cumprimento de sua obrigação, eis que esse prazo foi estabelecido no processo comum, visto que coincide com o recurso contra a sentença do processo de conhecimento, a apelação, no prazo legal de 15 dias. No processo trabalhista, a ritualística é outra. O recurso de apelação aqui é denominado de recurso ordinário e o prazo para sua interposição é de 8 dias. Ou seja, o prazo de 8 dias é muito mais exíguo que o delimitado no artigo em comento, que é de 15 dias, quase o dobro que o prazo do processo trabalhista. De se lembrar, ademais, que a apelação tem em regra efeito suspensivo, como se observa no artigo 520 do CPC. O recurso ordinário não tem efeito suspensivo, em face da regra geral prevista no artigo 899 da CLT .
O Egrégio Tribunal Regional da 2ª Região, de São Paulo, vem adotando tal posicionamento mesmo que indiretamente. Editou a Súmula nº. 1, onde explicita que o valor incontroverso deverá ser satisfeito em quarenta e oito horas.
“Súmula 01: EXECUÇÃO TRABALHISTA DEFINITIVA. CUMPRIMENTO DA DECISÃO. O cumprimento da decisão se dará com o pagamento do valor incontroverso em 48 horas, restando assim pendente apenas o controvertido saldo remanescente, que deverá ser garantido com a penhora.”
Em recente decisão do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 9ª. Região, a Turma curitibana posicionou-se a manter a decisão monocrática de satisfazer o pagamento da condenação no prazo de 15 dias, sob pena de incidir a multa de 10 por cento sobre a condenação. É uma das únicas, mas promissoras decisões dos Tribunais que ainda virão.
Para dirimir controvérsias jurisprudenciais quanto ao termo a quo, salienta-se que é do entendimento majoritário do nosso Egrégio Tribunal de Justiça que a partir da intimação da parte para pagar em 15 dias, estando em condições de ser paga e não sendo, à condenação seja acrescida a multa de 10% do artigo 475-J do CPC.
“AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO COM SEGUIMENTO NEGADO. CUMPRIMENTO VOLUNTÁRIO DA SENTENÇA E MULTA. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO.
De ser mantida a decisão que negou liminar seguimento ao agravo de instrumento, confirmando a decisão singular que excluiu do valor cobrado pela parte credora a multa de 10%, prevista no art. 475-J do CPC, introduzido pela Lei 11.232/2005.
Necessidade de prévia intimação da parte para cumprimento voluntário da sentença.
Entendimento desta Câmara, a partir da interpretação do novel dispositivo em conjunto com os princípios do direito, corroborado por precedentes de outros Grupos Cíveis desta Corte.” (HERMANN JUNIOR, 2007)
Sendo esse o entendimento do nosso Tribunal de Justiça, deverá o Tribunal Regional do Trabalho seguir o mesmo entendimento, eis que até o presente momento, ainda não entende como aplicável a multa em estudo.
4.1 A Execução Provisória e a Multa de 10%
As regras do CPC de 1939, com as alterações de 1973 permitiam o levantamento de depósito apenas com o oferecimento de caução idônea, o que trazia pouquíssima ou nenhuma efetividade. Com a Lei 10.444/02, que trouxe a redação do art. 588 do CPC, permitiu ao credor provisório, a liberação do valor, sem caução, desde que a execução abordasse sobre crédito de natureza alimentar, provasse o estado de necessidade e que o valor se limitasse a 60 salários mínimos.
O legislador ainda não estava satisfeito. A atual Lei 11.232/05, acrescentou outras possibilidades de liberação desse valor em execução provisória. A que nos interessa são as dos incisos I e II do parágrafo 2º do art. 475-J do Codex. O inciso II inovou no sentido que em caso de pendência de agravo de instrumento junto aos Tribunais Superiores, há a possibilidade de levantamento desses valores.
A novidade aplicada ao processo do trabalho seria no sentido de que a CLT nada dispõe sobre a execução provisória. A Lei de Execuções Fiscais, aplicada subsidiariamente a CLT por determinação legal, também não trouxe nenhuma previsão. Assim, tendo em vista a adequação e a compatibilidade de aplicação das normas do CPC, as mesmas devem ser aplicadas. Quanto à execução provisória, deverá também ser admitida, inclusive porque os recursos do sistema processual dessa Justiça Especializada, não são dotados de efeito suspensivo, ou seja, permitem a exigência provisória do julgado.
Em relação à multa prevista no art. 475-J, do CPC, em que pese haver entendimento no sentido da aplicação tão-somente à execução definitiva no processo civil, a doutrina trabalhista vem se posicionando quanto a possibilidade de sua aplicação, também, à execução provisória da sentença. Partindo da premissa que está tramitando mais uma alteração legislativa, onde regrará que o recurso de apelação será recebido, em regra, apenas no efeito devolutivo, estamos frente a uma alteração que trará a efetividade processual, pois, a execução provisória passará a ser a regra no nosso sistema processual. Contudo, ressalvamos a imperatividade de na hipótese de execução provisória, a necessidade de requerimento do credor, da abertura do prazo de 15 dias, conforme consta o referido art. 475-J, em função da responsabilidade objetiva que poderá incidir sobre o mesmo, na casualidade de o julgado vir a ser reformado.
5. A INCLUSÃO DA MULTA NO PROCESSO DO TRABALHO: UMA ALTERAÇAO BEM-VINDA
Verifica-se que flagrante está que a norma trabalhista tornou-se ineficaz. O processo trabalhista antes muito mais célere e eficaz, agora perde lugar para um processo muito mais eficiente, o atual processo civil comum. Avista-se que muitas dessas relevantes inovações do Código de Processo Civil apresentam uma origem no direito processual trabalhista.
No entendimento do aplaudido jurista, Luciano Athayde Chaves:
“Ora, não faz sentido algum se manter o interprete fiel ao disposto no art. 880 da CLT enquanto o processo comum dispõe, agora, de uma estrutura que superou a exigência de nova citação para que se faca cumprir as decisões judiciais, expressando, assim, maior sintonia com as idéias de celeridade, economia e efetividade processuais. É a hipótese mais do que evidente de lacuna ontológica do microssistema processual trabalhista”. ( CHAVES, 2006, p.60.)
Já o celebrado doutrinador Marinoni aduz que:
“A imposição de multa pecuniária visando dissuadir o demandado ao inadimplente é instituto perfeitamente compatível com a realidade brasileira, já que o seu objetivo, em relação à sentença que impõe o pagamento de soma, ‘é convencer o devedor a pagar”. (MARINONI, 2006, p.150)
E prossegue:
“Todos sabem que, na lógica do sistema processual vigente, não há vantagem no pagamento imediato da condenação. Se o condenado tem ciência de que a satisfação do crédito declarado na sentença demora para ser efetivada, prefere esperar que o lesado suporte o tempo e o custo da execução por expropriação. Ora, como é pouco mais do que óbvio, o simples fato de o infrator poder trabalhar com o dinheiro durante o tempo da demora – que não é pequeno – da execução por expropriação somente pode lhe trazer beneficio, com igual prejuízo ao lesado”. (MARINONI. 2006, p.150.)
Assim, frente a todas essas inovações, o legislador não poderia ficar inerte. Atualmente, está em tramitação o PL 7152 de 2006, de autoria do Deputado Luiz Antônio Fleury, do Estado de São Paulo, onde acrescenta parágrafo único ao art. 769 do Decreto-Lei nº 5.452/1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 1º O art. 769 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“(…)
parágrafo único: O direito processual comum também poderá ser utilizado no processo do trabalho, inclusive na fase recursal ou de execução, naquilo em que permitir maior celeridade ou efetividade de jurisdição, ainda que existente norma previamente estabelecida em sentido contrário.” (CLT art. 769)
A justificativa para a tramitação do projeto de lei nos mostra que o legislador está atento a todas essas mudanças importantes em nome da celeridade e efetividade processual, como transcreve:
“Sabemos todos que se há um campo onde as medidas menos formais e mais céleres precisam ser imediatamente incorporadas, é no Processo do Trabalho, diante da natureza alimentar das questões em debate.
Este, aliás, é um princípio já consolidado no mundo jurídico brasileiro.
O art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
determina que se apliquem ao processo do trabalho as normas do processo civil, de modo subsidiário, quando houver omissão sobre o tema na legislação trabalhista. Porém, quando há disposição celetista sobre o tema, nos termos do referido artigo, fica impedida a utilização, no processo do trabalho, das normas do processo civil, ainda que propiciem maior celeridade e efetividade de jurisdição.
Esta limitação legal, todavia, não teria razão de existir, pois gera uma estagnação do processo do trabalho em relação aos avanços patrocinados no âmbito do processo civil. Não há sentido razoável ou lógico em se impedir de aplicar, justamente no processo que se pretende mais rápido e célere, as criações legislativas que combatam a morosidade ou os empecilhos à efetividade da jurisidição.
Deste modo o processo do trabalho também poderá se utilizar dos avanços conseguidos pelo processo comum, sem necessidade de outras tantas alterações legislativas. O termo “poderá” estabelece uma possibilidade, de acordo com aquilo que os tribunais trabalhistas venham a entender que possa ser aproveitado ou que permita avançar na busca de soluções adequadas às necessidades verificadas no processo do trabalho. Não haverá, portanto, imposições.
O texto ora proposto, ainda, elimina eventual controvérsia sobre futuras alterações do próprio processo do trabalho, de modo a que as normas do processo civil poderiam ser aplicadas apenas em relações às disciplinas pré-existentes. Assim, se o processo do trabalho resolver disciplinar de modo diferente uma determinada situação, ainda que em confronto com a celeridade por todos buscada, esta solução, por mais recente, é que irá prevalecer.
Com isso são eliminadas dúvidas sobre a obrigatoriedade da incorporação das alterações do processo comum no processo do trabalho, bem como das alterações posteriores do processo laboral restar sem efeito diante de normas outras já previstas no processo civil, e, ainda, aos tribunais do trabalho a adequada razoabilidade na aplicação das medidas que propiciem avanços e, ao mesmo tempo, não se engessa o processo do trabalho para o futuro.
Nesse sentido, solicito o apoio de meus nobres pares no trâmite desta proposição.
Sala das Sessões, em 30 de maio de 2006.” (FLEURY, 2006)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essas são as primeiras impressões que tivemos com a redação das novas regras do processo civil e o entendimento doutrinário e jurisprudencial até então verificados. Certamente outros entendimentos virão e poderão modificar o entendimento até então praticado.
Para que seu escopo seja realmente alcançado, para que se obtenha a tão pugnada efetividade da prestação jurisdicional, para que se consagre o direito constitucional à razoável duração do processo, e para que este se consiga em seu fim um mecanismo de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, é preciso se desapegar a velhos institutos ou velhos dogmas, não para desprezá-los ou desconsiderá-los, mas sim para reestruturá-los, interpretá-los com maleabilidade, ter uma certa transigência, em beneficio de um bem maior, a satisfação com celeridade da prestação jurisdicional.
Para concluir, enquanto o processo civil vem passando por diversas reformas legislativas, com o objetivo de sanar os obstáculos da prestação jurisdicional, o processo do trabalho, também merece ser aprimorado, como magnificamente está sendo com a tramitação de projeto de lei, a fim de oferecer soluções mais adequadas, eficientes e céleres, trazendo a satisfação do bem da vida, em especial, ao crédito alimentar trabalhista.
Informações Sobre o Autor
Fabiana Pacheco Genehr
Advogada Trabalhista. Pós – Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade de Caxias do Sul/RS. Pós–Graduanda em Direito Processual do Trabalho pela Universidade de Caxias do Sul/RS