Resumo: O dever de motivar os atos administrativos nunca foi expressamente assegurado em nenhuma constituição brasileira. Por essa razão, a doutrina administrativa jamais foi uníssona sobre a obrigatoriedade de motivação. Nesse singelo trabalho demonstrarei que, hodiernamente, em respeito ao Estado Democrático de Direito e aos princípios da moralidade, transparência, contraditório e controle jurisdicional, a motivação se tornou em uma obrigatoriedade na edição dos atos administrativos.
Palavras-chave: Atos administrativos. Motivo. Motivação. Obrigatoriedade de motivação.
Sumário: 1. Conceito de ato administrativo; 2. Diferença entre motivo e motivação; 3. Obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos; 3.1. O dever de motivar e atos vinculados ou discricionários; 3.2. O dever de motivar e a Lei 9.784/99; 3.3. O dever de motivar e a Constituição Federal de 1988; 4. Conclusão.
1. Conceito de ato administrativo
Inexiste uma uniformidade entre os doutrinadores sobre o conceito de ato administrativo. Praticamente, cada doutrinador possui seu conceito, acrescentando ou excluindo determinadas características que, na sua visão pessoal, são imprescindíveis para a conceituação de “ato administrativo”. José Cretella Junior expõe essa dificuldade de definição[1]:
“Noção incerta, reclamando, por esse motivo, ampla indagação que lhe delimite o campo exato, a definição do ato administrativo tem sido motivo dos maiores desencontros por parte dos doutrinadores a tal ponto, que não é exagero afirmar serem as definições propostas em número quase igual ao dos autores que as formularam”.
Dentro dessa diversidade, vários critérios são adotados pela doutrina para conceituar ato administrativo. Entre eles, os critérios objetivo e subjetivo são os mais utilizados. Este leva em consideração o órgão que pratica o ato e aquele o tipo de atividade exercida. Pelo critério subjetivo, ato administrativo é aquele que foi proferido por um órgão administrativo, excluindo os atos provenientes do Legislativo ou do Judiciário. Pelo critério objetivo, ato administrativo é aquele praticado no exercício da função administrativa, seja ele editado por órgãos administrativos, judiciários ou legislativos. Atualmente, os conceitos doutrinários misturam os dois critérios, sem adotar de forma absoluta nenhum dos critérios. Não obstante a variação dos conceitos doutrinários, coleciona-se, neste trabalho, específicos pontos que são elementos essenciais para a caracterização do ato administrativo:
a) que a vontade emane do Estado ou de agentes com a prerrogativa deste;
b) seu conteúdo deve visar efeitos jurídicos com interesses públicos;
c) deve ser regido basicamente pelo direito público;
d) sujeita-se à lei;
e) é passível de controle judicial.
Para José dos Santos Carvalho Filho[2] ato administrativo é “a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”. Nessa esteira, Di Pietro[3] aponta que ato administrativo é a “declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”.
Alguns autores preferem utilizar um conceito amplo, que comporta quase todos os pontos essenciais para a caracterização do ato administrativo. É o caso do ilustre doutrinador Diógenes Gasparini, in litteris:
“Do exposto, podemos conceituar o ato administrativo como sendo toda prescrição unilateral, juízo ou conhecimento, predisposta à produção de efeitos jurídicos, expedida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, no exercício de suas prerrogativas e como parte interessada numa relação, estabelecida na conformidade ou na compatibilidade da lei, sob o fundamento de cumprir finalidades assinaladas no sistema normativo, sindicável pelo Judiciário.” [4]
2. Diferença entre motivo e motivação
Motivo e motivação são institutos autônomos e não se confundem. Motivo é a situação fática ou jurídica que impulsionou à feitura do ato. Não pode haver, jamais, um ato administrativo sem o elemento motivo. Motivação pode ser entendida como a explanação, a fundamentação, a explicitação dos motivos que conduziram o agente público para a elaboração do ato administrativo. Com esteio na lei 9784/99, Hely Lopes Meirelles[5] diz que “denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato”. Motivar significa apresentar e explicar, de maneira clara e congruente, os elementos que ensejaram o convencimento da autoridade, indicando os fatos e os fundamentos jurídicos que foram considerados. Geralmente a motivação é apresentada sob a forma de “considerandos”. Como bem ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, a motivação:
“Integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele. É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou com base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo […]”.[6]
Em sua clássica monografia sobre o tema, Antônio Carlos de Araújo Cintra[7] resume a motivação como a “justificativa do ato”. E ainda demonstra que a motivação pode ser contextual – quando a motivação está no próprio ato – ou aliunde – quando a motivação repousa em instrumento diverso.
Essencial característica do instituto da motivação é o período em que ela deve ser oferecida quando da elaboração de um ato administrativo. A motivação deve sempre ser prévia ou concomitante à expedição do ato. Não se pode aceitar motivação ulterior, visto que seria imoral e antiético o administrador fabricar as razões e os motivos a posteriori. Ilustra-se essa situação com o exemplo de um particular que impetra um mandado de segurança em desfavor de uma autoridade pública e esta, nas informações do mandamus, apresenta um motivo novo, ainda não conhecido pelo particular. Nesse caso, resta evidente que o direito constitucional do contraditório, ampla defesa e devido processo legal foi maculado, já que em mandados de segurança não é permitido a réplica e nem a produção de provas anterior, excluindo qualquer possibilidade do impetrante rechaçar os novos motivos apresentados.
Cretella Júnior[8] faz importantes anotações sobre o tema e define que ato motivado, em direito, é aquele cuja parte dispositiva é precedida de exposição de razões ou fundamentos que justificam a decisão, quanto aos efeitos jurídicos. O autor ainda sustenta que é mister que os motivos sejam expostos de maneira concreta, precisa e clara não sendo suficiente uma vaga referência. “Expressões genéricas como “melhor serviço”, “altos fins”, “interesse do povo”, “conveniência geral” não servem para motivar o ato, configurando mera logomaquia”.
3. Obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos
3.1. O dever de motivar e atos vinculados ou discricionários
Um dos critérios classificadores dos atos administrativos se relaciona com o grau de liberdade da vontade do agente que edita o ato administrativo. Por vezes, a vontade do agente está limitada pela lei e o autor deve se restringir aos exatos ditames da lei e reproduzir os elementos previamente definidos ao elaborar e expedir o ato. Essa característica está presente nos atos vinculados. Nesses casos, o agente não possui a liberdade de apreciação da conduta, não há valoração subjetiva, ele apenas transmite ao ato os comandos da lei. Um exemplo de ato vinculado é a licença para dirigir: os elementos para o deferimento e expedição desse ato já estão determinados na lei; portanto, se o particular preencher todos os requisitos legais, obrigatório é a expedição dessa licença. Em virtude dessa obrigatoriedade, costuma-se dizer que o particular possui um direito subjetivo de exigir do agente público a edição de determinado ato, desde que se trate de ato vinculado e o referido particular preencha a plenitude dos requisitos legais.
Por outro lado, há alguns atos que a própria lei autoriza o agente a proceder de mais de uma maneira possível, ensejando uma avaliação subjetiva do agente. A própria lei dá certa margem de liberdade ao agente diante de um caso concreto. Estamos diante de atos discricionários. Exemplo de ato discricionário é a autorização para porte de arma. Além dos requisitos legais, a edição do ato dependerá de uma avaliação subjetiva da Administração Pública que analisará o mérito administrativo – conveniência e oportunidade para a edição do ato.
Esse critério de classificação – grau de liberdade da vontade do agente – foi, por muito, o diferenciador na idéia da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. O dever de se motivar estava relacionado à característica intrínseca do ato – vinculado ou discricionário. Dessa maneira, foram surgindo entendimentos e doutrinas que consubstanciaram no nascimento de duas correntes.
A primeira corrente, mais antiga, defende que somente os atos vinculados devem ser obrigatoriamente motivados. Isso porque, nos atos vinculados, a Administração deve demonstrar que os motivos expostos coadunam com os motivos legais. Ademais, a discricionariedade do agente comporta também a faculdade de se motivar. Dessa maneira, em atos discricionários, a motivação é dispensável. Nesse sentido, José Cretella Júnior:
“Dispensa-se a motivação nos atos administrativos, precedidos de parecer fundamentado de órgão consultivo, como também nos atos discricionários em que a lei faculta à autoridade administrativa a apreciação da oportunidade e da conveniência, sendo exemplo deste último caso a promoção por merecimento, em que o funcionário, superior hierárquico, promove outro, de grau mais baixo na hierarquia, apreciando a seu talante os motivos determinantes da promoção”. [9]
A segunda corrente entende que os atos discricionários, exatamente por possuir um grau de liberdade maior e possibilitar uma avaliação subjetiva do agente, é que compulsoriamente sempre devem ser motivados. Os atos vinculados, em regra, também deverão pronunciar sua motivação. Porém, em alguns casos de atos vinculados em que a lei regular plenamente a edição do ato, a motivação expressa e obrigatória resta mitigada e em segundo plano. Essa é a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“A motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Em algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, naqueles em que há aplicação quase automática da lei, por não existir campo para interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples menção do fato e da regra de Direito aplicanda pode ser suficiente, por estar implícita a motivação. Naqueloutros, todavia, em que existe discricionariedade administrativa ou em que a prática do ato vinculado depende de aturada apreciação e sopesamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, é imprescindível motivação detalhada. […]
[…] em se tratando de atos vinculados (nos quais, portanto, já está predefinida na lei, perante situação objetivamente identificável, a única providência qualificada como hábil e necessária para o atendimento do interesse público), o que mais importa é haver ocorrido o motivo perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para segundo plano a questão da motivação.” [10] (grifo nosso)
As supracitadas correntes, hodiernamente, perderam força e raramente são utilizadas quando da aferição da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. Houve uma significante evolução jurisprudencial e doutrinária e a maioria absoluta dos atuais doutrinadores (até mesmo os que outrora utilizavam essa divisão) não mais relaciona a obrigatoriedade de motivação com a discricionariedade ou vinculação do ato. Essa situação fica evidente nas palavras de Di Pietro:
“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.” [11] (grifo nosso)
3.2. O dever de motivar e a Lei 9.784/99
Um dos fatos que mais contribuíram para essa desvinculação e a conseqüente evolução doutrinária foi a edição da Lei federal nº 9.784/1999 – lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Em seu artigo 50, a referida lei elenca situações de fato e de direito que quando presentes obrigam o agente público a motivar o ato, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos presentes. De extrema relevância a citação, in litteris, desse artigo[12]:
“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.”
Conforme facilmente se percebe, o artigo não faz nenhuma diferenciação entre atos vinculados ou discricionários. Todos os atos que se encaixam nas situações dos supracitados incisos, seja vinculados ou discricionários, devem compulsoriamente ser motivados. Impende destacar a importância e a extensão do primeiro inciso: qual é o ato administrativo que não negue, limite ou afete algum direito ou interesse? A maioria absoluta dos atos administrativos já se encaixa nessa situação do inciso I e, conseqüentemente, devem possuir motivação.
A amplitude e o imenso alcance desse artigo sobre os atos administrativos não deixa nenhum resquício de incerteza ou de dúvida: a regra ampla e geral é a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. Prontamente, os doutrinadores foram se adequando e reproduzindo esse mesmo entendimento. Essa mudança fica cristalina nas palavras de Diogenes Gasparini:
“A motivação, como vimos ao tratar do princípio da motivação, é necessária para todo e qualquer ato administrativo, e a discussão motiva/não motiva parece resolvida com o advento da Lei federal n. 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal. Pelo art. 50 dessa lei todos os atos administrativos, sem qualquer distinção, deverão ser motivados, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos. Assim, tanto os atos administrativos vinculados como os discricionários devem ser motivados. O fato de esse artigo elencar as situações em que os atos administrativos devem ser motivados não elide esse entendimento, pois o rol apresentado engloba atos discricionários e vinculados.” [13] (grifo nosso)
Na mesma direção, as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado. Note-se que o artigo 111 da Constituição Paulista de 1989 inclui a motivação entre os princípios da Administração Pública; do mesmo modo, o artigo 2º da Lei nº 9.784, de 29-1-99, que disciplina o processo administrativo federal, prevê a observância desse princípio, e o artigo 50 indica as hipóteses em que a motivação é obrigatória.” [14] (grifo nosso)
Não podemos olvidar que a mesma lei carrega, em seu artigo segundo, alguns princípios que deverão ser obedecidos pela Administração Pública. Alguns estão expressamente esculpidos no art. 37 da Constituição Federal – legalidade, moralidade e eficiência. Outros, de não menos importância, também foram elevados à posição de princípio. Rememora-se que os princípios não são meras normas jurídicas, são as balizas-norteadoras, as vigas-mestras do sistema normativo e que, conforme Celso Antônio Bandeira de Mello[15], “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer” (grifo nosso). Portanto, a obediência, pela Administração Pública, aos princípios infra-relacionados[16], constitui em uma premissa básica na aplicação da lei:
“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I – atuação conforme a lei e o Direito;
II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX – adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI – proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. (grifo nosso)
Ratificando cabalmente a tese da obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, a lei 9784/99 traz, de forma expressa, o princípio da motivação. O princípio da motivação está lado a lado com princípios de inquestionável influência e aplicação na Administração Pública, como os princípios da razoabilidade, moralidade, finalidade e interesse público. Outrossim, o consagrado artigo, em seu inciso VII, ainda preceitua que nos processos administrativos serão observados os critérios de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. Indicar os pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão significa justificar, fundamentar, explicitar os motivos que deram embasamento ao ato – em suma, nos processos administrativos da Administração Pública, a motivação sempre deve ser observada.
Impende registrar que, em geral, os doutrinadores não citam exceções à regra da obrigatoriedade de motivação. Apenas José Cretella Júnior diz que “dentro das exceções se incluem certas providências de cunho delicado ou secreto, na órbita internacional, militar ou mesmo civil”[17] e Hely Lopes Meirelles preceitua que “para a dispensa de um servidor exonerável ad nutum não há necessidade de motivação do ato exoneratório” [18]. As raríssimas exceções, nesse caso, confirmam a regra.
A motivação dos atos administrativos, portanto, se tornou em um princípio que, por expressa disposição legal, deve ser obedecida no âmbito da Administração Pública federal. Outrossim, seguindo a mesma direção, várias Constituições estaduais também alçaram a motivação como um princípio ou uma compulsoriedade a ser observada pela Administração Pública. Para demonstrar essa situação, apresenta-se, ipsi litteris, em seqüência, o art. 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal[19], o parágrafo 2º do art. 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais[20] e o art. 19 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul[21]:
“Art. 19. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Distrito Federal, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, motivação e interesse público, e também ao seguinte: […] (grifo nosso)
Art. 13 – A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade.
§ 1º – A moralidade e a razoabilidade dos atos do Poder Público serão apuradas, para efeito de controle e invalidação, em face dos dados objetivos de cada caso.
§ 2º – O agente público motivará o ato administrativo que praticar, explicitando-lhe o fundamento legal, o fático e a finalidade.
Art. 19 – A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, visando à promoção do bem público e à prestação de serviços à comunidade e aos indivíduos que a compõe, observará os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da publicidade, da legitimidade, da participação, da razoabilidade, da economicidade, da motivação e o seguinte: […]”
Consoante havia mencionado, a jurisprudência igualmente foi acompanhando a evolução legislativa e doutrinária e também passou a reconhecer a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos como um princípio. Demonstra-se esse progresso jurisprudencial por meio de alguns recentes julgados de tribunais de instâncias e competências totalmente diferentes que comprovam definitivamente a aceitação da jurisprudência do princípio da motivação. O primeiro julgado é um mandado de segurança do Superior Tribunal de Justiça, em seguida uma representação do Tribunal de Contas da União e, por derradeiro, uma apelação em mandado de segurança do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. DESPROPORCIONALIDADE. A comissão do processo administrativo disciplinar concluiu que o impetrante praticou a infração prevista no art. 117, IX, da Lei n. 8.112/1990 c/c o art. 10, I, da Lei n. 8.429/1992. Recomendou sua demissão em razão de ele ter exercido influência na contratação de determinada sociedade empresarial com inexigibilidade de licitação, tendo sido alocados recursos públicos para o pagamento dos serviços por ela prestados. Porém não foi o impetrante quem celebrou o contrato, nem foi o responsável pela liberação dos recursos públicos. Servidores acusados da prática de infrações disciplinares menos graves não sofreram sanção devido ao reconhecimento da prescrição. Assim, vê-se que, ao prevalecer a pena de demissão, a conduta do impetrante é tida por mais relevante do que a daqueles outros servidores responsáveis pela contratação e liberação dos recursos. Diante disso, é necessário decretar a nulidade da pena de demissão aplicada com violação dos princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da individualização da pena, da necessidade de motivação dos atos administrativos, com o desiderato de que outra seja aplicada, ao considerar o grau de envolvimento do impetrante, o fato de não obter proveito para si ou para terceiro em detrimento de sua função pública, as atenuantes relativas ao tempo de serviço público, a ausência de anterior punição funcional, bem como a capitulação das condutas dos demais participantes.” [22] (grifo nosso)
“REPRESENTAÇÃO. CONTRATAÇÃO DIRETA IRREGULAR. INSTRUÇÃO DE PROCESSO DE DISPENSA, INEXIGIBILIDADE E RETARDAMENTO. PROCEDIMENTO DE PESQUISA DE PREÇO. MULTA. DETERMINAÇÕES. 1. Deve ser observada a necessidade de instruir o processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento com a razão da escolha do fornecedor, a justificativa de preço e o documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados, atentando-se ainda para o cumprimento do princípio da motivação dos atos administrativos. 2. Deve ser estabelecido procedimento padronizado de pesquisa de preços, em que seja exigido o mínimo de três propostas e completo detalhamento da proposta pelo fornecedor, em conformidade com o solicitado e deve haver vinculação entre o valor indicado na proposta e o efetivamente contratado. 3. Deve-se abster de contratar por inexigibilidade de licitação quando houver viabilidade de competição.” [23] (grifo nosso)
“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. DIREITO DE ACESSO AOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DA PROVA DE REDAÇÃO, DE VISTA DA ALUDIDA PROVA E DE PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. I – Não se vislumbra, na espécie, o exaurimento do objeto da presente impetração, decorrente do cumprimento da decisão liminarmente proferida nestes autos, na medida em que tal decisão não tem o condão de caracterizar, por si só, a prejudicialidade do mandamus, em face da natureza precária daquele decisum, a reclamar o pronunciamento judicial quanto ao mérito da demanda, até mesmo para se confirmar, ou não, a legitimidade do juízo de valor liminarmente emitido pelo julgador. II – O acesso aos critérios de correção da prova de redação, bem assim de vista da aludida prova e de prazo para interposição de recurso é direito assegurado ao candidato, encontrando respaldo nos princípios norteadores dos atos administrativos, em especial, o da publicidade e da motivação, que visam assegurar, por fim, o pleno exercício do direito de acesso às informações, bem como do contraditório e da ampla defesa, com observância do devido processo legal, como garantias constitucionalmente consagradas (CF, art. 5º, incisos XXXIII, LIV e LV). III – Apelação e remessa oficial desprovidas.” [24] (grifo nosso)
O Direito comparado, conforme aponta Hely Lopes Meirelles[25], também assegura a motivação como um princípio. O autor brasileiro utiliza duas citações de autores publicistas renomados na Argentina e na França, para comprovar essa tese. Inicia pelo argentino Rafael Bielsa:
“Por princípio, as decisões administrativas devem ser motivadas formalmente, vale dizer que a parte dispositiva deve vir precedida de uma explicação ou exposição dos fundamentos de fato (motivos-pressupostos) e de direito (motivos determinantes na lei). […]
No Direito Administrativo a motivação – como dissemos – deverá constituir norma, não só por razão de boa administração, como porque toda autoridade ou Poder em um sistema de governo representativo deve explicar legalmente, ou jurídicamente, suas decisões.” [26]
Em seguida, transcreve, in litteris, passagem do livro do francês Jèze, cujo nome é muito citado e elogiado pelo jurisconsulto brasileiro. As palavras desse excelente autor francês se encaixam perfeitamente na tese desse presente trabalho monográfico e confirma que essa tese – obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos -, mesmo “além mar”, possui respaldo doutrinário:
“Para se ter a certeza de que os agentes públicos exercem a sua função movidos apenas por motivos de interesse público da esfera de sua competência, leis e regulamentos recentes multiplicam os casos em que os funcionários, ao executarem um ato jurídico, devem expor expressamente os motivos que o determinaram. É a obrigação de motivar. O simples fato de não haver o agente público exposto os motivos de seu ato bastará para torná-lo irregular; o ato não motivado, quando o devia ser, presume-se não ter sido executado com toda a ponderação desejável, nem ter tido em vista um interesse público da esfera de sua competência funcional.”[27] (grifo nosso)
3.3. O dever de motivar e a Constituição Federal de 1988
Com a promulgação da “Constituição-Cidadã”, na data de 5/10/1988, a Administração Pública se viu cercada por vários princípios que deverão nortear suas condutas e balizar seus atos no trato com os particulares. A Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, dispõe que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Esses são os princípios expressos do Texto Constitucional. Não obstante, outros princípios também estão presentes na Constituição, porém de maneira implícita.
Impende destacar que o fato do princípio estar presente na Constituição de maneira implícita de forma alguma retira qualquer parcela de sua importância e aplicação, visto que não existe hierarquia entre os princípios implícitos e expressos. Consoante Henrique Savonitti Miranda[28] “todos possuem a mesma importância para o Direito. Tanto é assim que indispensáveis princípios para o contorno do regime jurídico administrativo apresentam-se de forma implícita, como ocorre com o princípio da supremacia do interesse público”.
Neste diapasão, o Ministro Marco Aurélio Mello, em uma decisão no ano de 1994, em face de um recurso extraordinário, deixou brilhantes palavras sobre os princípios implícitos na Constituição Federal de 1988:
“[…] os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral.” [29]
Como se sabe, o princípio da motivação não está explicitado diretamente no Texto Constitucional. A doutrina, então, se divide em duas correntes diametralmente opostas. A minoria não consegue verificar, nem de maneira implícita, que o constituinte quis assegurar a motivação como um princípio da Administração Pública. Nada obstante, a maior parte dos doutos publicistas defende a idéia de que se pode inferir que o princípio da motivação está inserido – implicitamente – no Texto Constitucional. Passemos a analisar os dois entendimentos e seus seguidores.
A primeira corrente é quase que capitaneada singularmente por José dos Santos Carvalho Filho. O autor examina o texto constitucional e não enxerga, nem de maneira implícita, como vontade do constituinte a exigência obrigatória de motivação dos atos administrativos. Algumas passagens do Texto Constitucional são utilizados para embasar essa posição. O primeiro deles é a inexistência de mandamento constitucional expresso e específico do dever de motivar. Sustenta o autor:
“No que se refere à motivação, porém, temos para nós, com o respeito que nos merecem as respeitáveis opiniões dissonantes, que, como regra, a obrigatoriedade inexiste. Fundamo-nos que a Constituição Federal não incluiu (e nem seria lógico incluir, segundo nos parece) qualquer princípio pelo qual se pudesse vislumbrar tal intentio; e o Constituinte, que pela primeira vez assentou regras e princípios aplicáveis à Administração Pública, tinha tudo para fazê-lo, de modo que, se não o fez, é porque não quis erigir como princípio a obrigatoriedade de motivação. Entendemos que, para concluir-se pela obrigatoriedade, haveria de estar ela expressa em mandamento constitucional, o que, na verdade não ocorre.” [30]
O supracitado douto lembra também que o artigo 93, X, da Constituição Federal preceitua que “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros” (grifo nosso). Para ele, o constituinte ao utilizar a expressão “decisões administrativas” está se referindo a atos administrativos decisórios, proferidos em processos administrativos em que haja conflito de interesses e não a atos administrativos propriamente ditos. Ademais, consoante o autor, o termo “motivadas”, inserido no texto constitucional, pode ser interpretado como apenas uma vontade do constituinte em exigir que todas as decisões administrativas dos tribunais possuam o elemento motivo, como já está mais do que pacificado entre os doutrinadores e não como uma obrigatoriedade de motivação. Para completar, Carvalho Filho destaca que o art. 93, X, se situa no Capítulo que a Constituição reserva ao Poder Judiciário. Logo, mesmo entendendo que o texto constitucional exige a motivação, essa exigência se restringiria aos atos do Poder Judiciário, não alcançando, portanto, os atos do Poder Executivo.
A segunda corrente é o entendimento que – data máxima vênia aos doutrinadores divergentes – deve prosperar. Ela consegue enxergar no Texto Constitucional o princípio implícito da motivação. Possui incontáveis seguidores e numerosos embasamentos constitucionais que, indubitavelmente, justificam e asseguram a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos.
Primeiramente, averigua-se que o artigo 1º da Constituição Federal reza que[31] “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” (grifo nosso). República, etimologicamente, significa “a res é pública”, ou seja, “a coisa é pública”; e, Estado Democrático de Direito, em poucas palavras, pode ser entendido como o Estado limitado pelo direito. Por conseguinte, não se pode conceber que, em um Estado onde a coisa é pública, limitado pelo direito e em que “todo o poder emana do povo […]”[32] (art. 1º, parágrafo único), se aceite a prática e a edição de atos que efetivamente tem o condão de modificar, reduzir, ampliar ou até anular interesses e direitos dos cidadãos sem a devida fundamentação, sem a justificação e a explicitação dos motivos que ensejaram a prática do ato. O povo, como titular do poder, possui o direito de conhecer o que tem sido feito com ele e quais foram os motivos das ações. E essa “prestação de contas do poder” pressupõe a motivação. Nas prudentes palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, a motivação:
“[…] dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesse, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana do povo(…)”. Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como “Estado Democrático de Direito”, proclamando ainda ter como um de seus fundamentos a “cidadania”, os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.”[33] (grifo nosso)
Outro ponto importante que vêm ao encontro da idéia de obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos é que a Constituição brasileira de 1988 assegurou como direito fundamental que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade […]”, além de garantir “a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. O constituinte, portanto, teve o esmero de possibilitar que os particulares tenham alcance a informações e documentos que afetem seus interesses, demonstrando, mais uma vez, a repulsa à hipótese da Administração Pública afetar os interesses dos particulares sem uma coerente e clara motivação. Ademais, a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (CF/1988, art. 5º, LV) também exige a motivação dos atos administrativos. Afinal, o contraditório amplo e irrestrito só poderá ser efetivado se o litigante conhecer os fundamentos e os motivos que ensejaram a prática do ato administrativo que afetou seus interesses. Conforme a doutrina de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari:
“Sem a explicitação dos motivos torna-se extremamente difícil sindicar, sopesar, ou aferir a correção daquilo que foi decidido. Sem a motivação fica frustrado ou, pelo menos, prejudicado o direito de recorrer, inclusive perante a própria Administração ou o Poder Judiciário. Não basta que a autoridade invoque um determinado dispositivo legal como supedâneo de sua decisão; é essencial que aponte os fatos, as inferências feitas e os fundamentos de sua decisão […]”[34]
Nessa esteira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou uma apelação em mandado de segurança confirmando que a motivação tem como um de seus objetivos a possibilidade do pleno exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.
“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PERDA DE OBJETO NÃO CONFIGURADA. DIREITO DE ACESSO AOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DA PROVA DE REDAÇÃO, DE VISTA DA ALUDIDA PROVA E DE PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. I – Não se vislumbra, na espécie, o exaurimento do objeto da presente impetração, decorrente do cumprimento da decisão liminarmente proferida nestes autos, na medida em que tal decisão não tem o condão de caracterizar, por si só, a prejudicialidade do mandamus, em face da natureza precária daquele decisum, a reclamar o pronunciamento judicial quanto ao mérito da demanda, até mesmo para se confirmar, ou não, a legitimidade do juízo de valor liminarmente emitido pelo julgador. II – O acesso aos critérios de correção da prova de redação, bem assim de vista da aludida prova e de prazo para interposição de recurso é direito assegurado ao candidato, encontrando respaldo nos princípios norteadores dos atos administrativos, em especial, o da publicidade e da motivação, que visam assegurar, por fim, o pleno exercício do direito de acesso às informações, bem como do contraditório e da ampla defesa, com observância do devido processo legal, como garantias constitucionalmente consagradas (CF, art. 5º, incisos XXXIII, LIV e LV).” (grifo nosso)[35]
A Constituição permite e incentiva um controle social sobre a Administração Pública, tanto que criou dois instrumentos judiciais que servem para controlar e garantir a moralidade administrativa: a ação popular[36] e a ação de improbidade administrativa[37]. Nessa esteira, a explanação dos motivos que ensejaram a prática do ato coaduna com a orientação constitucional do controle social e oferece maior legitimidade ao ato, visto que aumenta o convencimento e a aceitação do ato administrativo perante a sociedade. Seguindo exatamente essa mesma orientação, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou uma apelação em mandado de segurança nesse sentido:
“ADMINISTRATIVO. SERVIÇO PÚBLICO DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. REVISÃO DE TARIFAS. EXIGÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ART. 15 DA LEI N. 9.427/96: INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. 1. A impetrante diz que “a ANEEL deixou transcorrer in albis o prazo de 30 (trinta) dias que a lei prevê para que ela se manifeste sobre o pedido de revisão, verificando-se, conseqüentemente, a aceitação tácita, nos termos do parágrafo 2º do artigo 15” da Lei n. 9.427/96. 2. O artigo 15, § 2º, da Lei n. 9.427/97, para não ser declarado inconstitucional, deve ser interpretado, conforme a Constituição, no sentido de que o prazo de trinta dias corre a partir do momento em que o processo encontra-se devidamente instruído. Esta é, aliás, a orientação expressamente prevista na Lei n. 9.784/99, art. 49: “Concluída a instrução do processo administrativo, a Administração tem o prazo de trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada”. 3. Deve, ainda, ser interpretado em conformidade com o princípio da motivação dos atos administrativos, de modo que a “imediata aplicação” não dispensa justificativa expressa e suficiente, por meio de “ato específico da ANEEL, que autorize a aplicação de novos valores”. A “imediata aplicação” não significa “automática aplicação”, o que a própria impetrante reconhece, tanto que pretende a expedição de ato autorizativo. 4. Estabelece o art. 50 da mencionada Lei n. 9.784/99 que “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções…”. A necessidade motivação dos atos administrativos resulta do princípio democrático e da regra do devido processo legal, porque indispensável ao convencimento do cidadão e ao consenso em torno da atividade administrativa (Celso Antônio Bandeira de Mello). Seria absurdamente contraditório admitir o suprimento da exigência de motivação expressa pelo simples silêncio (leia-se omissão) da Administração. 5. A motivação do ato, no caso, mais se impõe como requisito mínimo para permitir o controle social do ato administrativo, diante da tendência de prestigiar a participação do usuário na organização e prestação dos serviços públicos.
6. Negado provimento à apelação.” [38] (grifo nosso)
Adiciona-se outra razão para se inferir do Texto Constitucional a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos. No capítulo destinado ao Poder Judiciário, o art. 93 da Constituição determina expressamente que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [,,,]”, assim como “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública […]” (grifo nosso). Constitucionalmente assegurado está, por conseguinte, a motivação das decisões do Poder Judiciário no exercício da função atípica de administrar. Reflita-se: se no exercício de uma função atípica, um dos Poderes da República deve motivar todos seus atos, fica evidente que o agente público – que sempre deve procurar o interesse público – no exercício da sua função ordinária de administrar e envolvendo interesses de particulares também deve proceder da mesma maneira. É extremamente forçoso pensar de maneira diversa. Assim também pensa Diógenes Gasparini[39],citando Lúcia Valle Figueiredo:
“A motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, consoante já decidiu o STF (RDP, 34:141). Hoje, com mais razão, essa afirmação é de todo pertinente, pois a Constituição Federal exige que até as decisões administrativas dos Tribunais sejam motivadas (art. 93, X). Daí a correta observação de Lúcia Valle Figueiredo: “Ora, se, quando o Judiciário exerce função atípica – a administrativa – deve motivar, como conceber esteja o administrador desobrigado da mesma conduta?” [40]
Seguindo o mesmo norte, apresenta-se mais um convincente argumento dessa corrente: a necessidade de motivação dos atos administrativos tendo em vista a submissão ao controle judicial. Sua essência, em última análise, está no art. 5º, XXXV, da CF/88 (princípio do amplo acesso ao Judiciário ou infastabilidade de jurisidição): “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
O Brasil utiliza o sistema da unidade de jurisdição em que apenas os órgãos do Poder Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões com o caráter de definitividade. No equilíbrio harmônico entre os Poderes, o Judiciário se incumbe da relevante missão de examinar a legalidade e a constitucionalidade de atos e leis, sempre de forma imparcial e afastado dos interesses políticos que estão presentes, freqüentemente, no Executivo e no Legislativo. É coerente e implícito no ordenamento jurídico brasileiro que os órgãos do Poder Judiciário possuam um poder de fiscalização e controle sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário. José dos Santos Carvalho Filho faz importantes observações sobre o tema:
“O Judiciário, por ser um Poder eqüidistante do interesse das pessoas públicas e privadas, assegura sempre um julgamento em que o único fator de motivação é a lei ou a Constituição. Assim, quando o Legislativo e o Executivo se desprendem de seus parâmetros e ofendem tais direitos do indivíduo ou da coletividade, é o controle judicial que vai restaurar à situação a legitimidade, sem que o mais humilde indivíduo se veja prejudicado pelo todo-poderoso Estado.”[41] (grifo nosso)
O constituinte inseriu no Texto Constitucional direitos e garantias fundamentais que limitam a interferência estatal na vida privada da sociedade (seja pessoa física ou jurídica). Esses direitos e garantias fazem o papel de um “escudo” que protege os cidadãos contra atos e condutas abusivas, ilegais e arbitrárias por parte do Estado, que sempre deverão ser invalidados por meio do controle judicial. Em virtude dessa premissa, o agente público, ao elaborar e praticar um ato administrativo, deve sempre explicitar claramente os motivos do mesmo, tendo em vista que há a possibilidade desse ato, em uma eventual impugnação, vir a ser examinado por um controle judicial. Neste diapasão, sustenta Hely Lopes Meirelles:
“Denomina-se motivação a exposição ou a indicação por escrito dos fatos e dos fundamentos jurídicos do ato (CF/88. art. 50, caput, da lei 9784/99). Assim, motvo e motivação expressam conteúdos jurídicos diferentes. Hoje, em face da ampliação do acesso ao Judiciário (CF/88, art. 5º, XXXV), conjugado com o da moralidade administrativa (CF/88, art. 37, caput), a motivação é, em regra, obrigatória.”[42] (grifo nosso)
O direito à apreciação judicial só pode ser efetivado em face da motivação, visto que o juiz só poderá averiguar e analisar o atendimento dos princípios da moralidade e atendimento do interesse público, entre outros, se a motivação estiver presente e explícita. A motivação é, por conseguinte, uma exigência constitucional e um pressuposto para a efetivação do direito à inafastabilidade da jurisdição.
No ano de 1997, a atual ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia Antunes Rocha escreveu o famoso artigo Princípios constitucionais do processo administrativo no Direito brasileiro. Ela sustenta, escorreitamente, que a necessidade de motivação – a autora utiliza a expressão “motivação suficiente” – é um princípio constitucional implícito. Um dos fundamentos utilizados para embasar sua tese é justamente a tentativa de evitar e impedir que o Estado utilize de seu poder supremo de forma arbitrária e discriminatória contra o cidadão no momento da aplicação de um ato administrativo. Acrescenta, ainda, que a motivação dos atos decisórios estatais é que permite o entendimento e a aceitação do ato por parte do particular, pois sabe que suas garantias do devido processo legal e da segurança jurídica foram observadas e respeitadas. Esse é o posicionamento defendido pela ilustre autora no seguinte excerto:
“O dever de fundamentação formal e suficiente dos atos decisórios estatais, especialmente aqueles emitidos em processo judicial ou administrativo, tem como finalidade dar concretude ao princípio da juridicidade e da precedência da norma de Direito aplicável aos casos, objeto de atuação do Estado, a impedir o arbítrio e qualquer forma discriminatória contra o cidadão. Tanto o princípio da proteção jurídica do cidadão ou de qualquer pessoa, quanto o sistema de controle dos atos estatais somente podem ser garantidos quando a decisão do Estado mostrar-se objetiva e fundamentadamente. É a fundamentação do ato decisório que torna possível ao interessado submeter-se a ele, ciente de que se acha resguardada, de qualquer forma, a sua segurança jurídica e, ainda, se permitindo que ele aceite o conteúdo do ato e a aplicação do Direito ao caso em que figura como parte. A sua segurança jurídica, no caso, mostra-se pela possibilidade de que dispõe de fazer o controle jurídico do ato de decisão, circunscrevendo-se, assim, o âmbito de sua proteção assegurada no e pelo Direito. Note-se que os efeitos da motivação substancial e formalmente contidos no ato decisório não se inscrevem apenas no plano do interesse imediato do administrado ou jurisdicionado, mas no plano da coletividade, em razão da garantia dos fins coletivos que são buscados no regime político democrático e no exercício legítimo do poder que nele se põe como único possível de ser aceito. Quando um cidadão tem a sua segurança jurídica, todos os outros certificam-se da sua. A efetividade jurídica garantidora do patrimônio de um cidadão é que assegura a eficácia social do Direito em toda a coletividade.”[43]
Por derradeiro, expõe-se um fundamento mais abstrato, porém o de maior significância. Por isso, primeiramente, é mister fazer uma introdução sobre o tema. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) vêm aplicando novas interpretações e novos enfoques a tradicionais princípios de interpretações constitucionais. Um desses princípios é o princípio da “Força Normativa da Constituição”, pilar base que visa conferir maior efetividade e maior eficácia às regras e aos princípios constitucionais. Com o intuito de dar maior eficácia à “vontade constitucional”, nossa Corte Suprema, no ano de 2008, ao enfrentar a antiga questão do nepotismo na Administração Pública, garantiu ao princípio da moralidade uma enorme relevância e uma aplicabilidade plena e imediata. Isso porque, por meio da força efetiva desse relevante princípio, o Supremo Tribunal Federal limitou e afastou o nepotismo da Administração Pública nos três Poderes. Registra-se que a decisão resultou em uma súmula vinculante.
O mais importante dessa decisão é que o Supremo Tribunal Federal, corte máxima de nosso país e guardiã de nossa Constituição, se alinhou com uma importante e recente tendência da doutrina de afirmar, peremptoriamente, que atos imorais são atos ilegais, visto que ofendem o princípio da moralidade. Os princípios constitucionais balizadores da Administração Pública (art. 37, caput) – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – não são meros “enfeites” ou regras abstratas e distantes que não se aplicam na vida prática. São regras constitucionais efetivas que merecem ser respeitadas e aplicadas com total eficácia. Nesse sentido, irretocável é a decisão[44] do STF no Recurso Extraordinário 579951/RN ao tratar sobre o tema:
“O Tribunal deu parcial provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que reputara constitucional e legal a nomeação de parentes de vereador e Vice-Prefeito do Município de Água Nova, daquela unidade federativa, para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista. Asseverou-se, inicialmente, que, embora a Resolução 7/2007 do CNJ seja restrita ao âmbito do Judiciário, a vedação do nepotismo se estende aos demais Poderes, pois decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF, tendo aquela norma apenas disciplinado, em maior detalhe, aspectos dessa restrição que são próprios a atuação dos órgãos jurisdicionais. Ressaltou-se que o fato de haver diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo não significaria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coibir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais, que não configuram meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de eficácia, cuja materialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial. Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que encerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste formalmente essa conduta. Ressaltou-se, ademais, que admitir que apenas ao Legislativo ou ao Executivo fosse dado exaurir, mediante ato formal, todo o conteúdo dos princípios constitucionais em questão, implicaria mitigar os efeitos dos postulados da supremacia, unidade e harmonização da Carta Magna, subvertendo-se a hierarquia entre esta e a ordem jurídica em geral.” (grifo nosso)
Por conseguinte, é indubitável afirmar que a Constituição Federal não mais coaduna com atos que atentem contra os princípios da Administração Pública, entre eles o da moralidade. Repita-se: atos imorais são atos ilegais. Na verdade, conforme sustenta Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[45], os atos contrários à moralidade administrativa são nulos. O controle de moralidade não é controle de mérito administrativo. Um ato contrário à moral administrativa não está sujeito a uma análise de oportunidade e conveniência, mas a uma análise de legitimidade. Por isso, o ato contrário à moral administrativa não deve ser revogado, mas declarado nulo.
Agir com moralidade exige que o administrador paute suas condutas por padrões éticos que objetivam alcançar a consecução do interesse público, independentemente do nível de poder ou da esfera federativa em que atue. A moralidade administrativa é, como de costume, excelentemente bem definida por Hely Lopes Meirelles:
“A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública (CF, art. 37, caput). […] E, ao atuar, o agente administrativo não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o incoveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. […] o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: “non omne quod licet honestum est”. […]
O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais da toda atividade pública será ilegítima.” [46]
Feita essas considerações, fica fácil perceber a ligação direta entre um ato motivado e o princípio da moralidade. Um agente público que edita ato administrativo sem fundamentar os motivos, sem explicitar as razões, de forma arbitrária e cesarista, não pode estar harmonizado com o princípio da moralidade. Se a motivação apenas vêm acrescentar legitimidade e respaldo social ao ato, por que não motivar? Será que o agente público está tentando esconder algo? Ele sabe que omitindo a motivação, mais nebuloso e difícil fica a percepção por qualquer cidadão (ou até por um magistrado) de suas verdadeiras intenções imorais e antiéticas. A moralidade e o atendimento do interesse público devem estar evidentes em um ato administrativo e esses dois pré-requisitos são facilmente identificáveis quando o agente público apresenta a motivação (de forma clara e explícita). Desse modo, não há como negar que a falta de motivação desarrima significantemente do princípio constitucional da moralidade, conseqüentemente, atos imotivados são atos ilegítimos.
4. Conclusão
Antes de iniciar a conclusão deste artigo, lançarei uma situação hipotética que muito nos auxiliará na compreensão prática (vida real) da necessidade de motivação dos atos administrativos.
Imagina-se um estado brasileiro que, de acordo com estudos estatísticos, percebe que sua população está aumentando gradativamente e em cinco anos sua capacidade energética não mais atenderá toda população. Consciente desse percalço, o governador estadual resolve editar um decreto governamental para determinar a construção de uma usina hidrelétrica em um rio estadual muito importante para a região, que serve de subsistência e fonte de renda a inúmeras famílias ribeirinhas. Porém, apenas por desídia ou falta de assessoramento jurídico, o governador publica esse decreto sem apresentar a motivação e os fundamentos claros que ensejaram a prática do ato. Apenas informa que construirá uma usina hidrelétrica no determinado rio estadual. De imediato a imprensa publica a notícia e a população local, ao ficar sabendo da notícia, logo se preocupa com as conseqüências desse ato e com isso surgem manifestações contrárias e resistência de líderes populares. A sociedade provoca o Ministério Público local que encomenda estudos e análises técnicas para empresas especializadas em impactos ambientais.
Após dois meses, o Ministério Público recebe os estudos que comprovam que a construção da usina hidrelétrica efetivamente acarretará impactos ambientais e resolve impetrar, no Poder Judiciário, uma ação civil pública. Ao receber a peça jurídica, o magistrado não consegue visualizar a motivação e a fundamentação clara e congruente que conduziu o governador a elaborar o decreto e, assim sendo, resolve embargar a obra. Após cinco anos de disputa judicial, a obra (que já havia sido iniciada) continua embargada, a ação civil pública continua em julgamento e o Estado está com grave déficit energético, impactando em sua economia e na qualidade de vida local. Em suma, todos permanecem prejudicados.
Depois da apresentação dessa situação hipotética, indaga-se: será que se esse ato possuísse motivação clara e explícita, com a apresentação dos estudos estatísticos que ratificam a previsão do déficit energético, a irresignação da imprensa e da sociedade seria a mesma? Será que a sociedade e o Ministério Público não se viu limitado de seu direito fundamental de velar pela probidade administrativa ao impugnar um ato administrativo que nem ao menos esclarece as justificativas que ensejaram a sua elaboração? Será que a falta de motivação não restringiu o direito constitucional do contraditório e ampla defesa? Será que o magistrado que recebeu a ação civil pública não encontrou dificuldades e obstáculos – tendo em vista a ausência de motivação – para analisar a legalidade e o atendimento dos princípios da moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e atendimento do interesse público? Será que se esse decreto fosse expedido com uma profunda, clara e coerente motivação, apresentando as vantagens e as desvantagens da construção da usina hidrelétrica, o desfecho prático da situação seria o mesmo?
É inegável que a motivação nesse decreto traria maior legitimidade e respaldo social para o ato, oportunizando à comunidade e ao Ministério Público de analisar com maior amplitude os “ônus e os bônus” dessa construção e assim decidir se apóia ou resiste à obra. Em caso de resistência, a motivação permitiria que o contraditório fosse realizado de forma mais completa, podendo refutar com maior fundamento o ato resignado. Do mesmo jeito, a motivação possibilitaria um controle judicial (que é um direito fundamental expresso na Constituição) mais abrangente e sem restrições, ensejando que o magistrado decida com maior convicção se o ato atendeu os princípios da moralidade, razoabilidade e interesse público. Ademais, a motivação clara e precisa estaria harmonizada com o conceito de República e Estado Democrático de Direito, em que todo poder emana do povo e que a ele todos os governantes devem obediência.
No desenvolvimento deste trabalho, apresentei vários fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e legais que ratificam a obrigatoriedade de motivação como um princípio. Na conclusão, demonstrei, por meio de uma situação hipotética, a importância da motivação de forma prática e efetiva. Portanto, queda convincente e indubitável que a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos é um princípio que decorre de vários preceitos constitucionais e que deve ser obedecido rigorosamente por todos os agentes públicos, sob pena de ineficácia prática e nulidade dos atos administrativos editados sem a devida motivação.
Para terminar o presente artigo, deixa-se registrado as brilhantes palavras[47] do saudoso Hely Lopes Meirelles que, de forma magistral, soluciona a situação hipotética supracitada e coaduna e lastreia todo o meu trabalho:
“No Direito Público o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, seus programas, seus atos, não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados no Direito e na Lei. Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato administrativo.
Ora, se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, claro está que todo ato do Poder Público deve trazer consigo a demonstração de sua base legal e de seu motivo. Assim como todo cidadão, para ser acolhido na sociedade, há de provar sua identidade, o ato administrativo, para ser bem recebido pelos cidadãos, deve patentear sua legalidade, vale dizer sua identidade com a lei. Desconhecida ou ignorada sua legitimidade, o ato da autoridade provocará sempre suspeitas e resistências, facilmente arredáveis pela motivação.” (grifo nosso)
Informações Sobre o Autor
Bruno Cesar Gonçalves Teixeira
Advogado, Servidor Público efetivo na Câmara dos Deputados, Assessor Jurídico, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Público