Abusividade do repasse da tarifa dos boletos bancários aos consumidores por parte das instituições financeiras e recentes alterações


É prática costumeira, por parte das instituições financeiras, o repasse aos consumidores das tarifas para emissão dos boletos bancários de cobrança, também chamadas “taxas de manuseio” e/ou “custos de carnês e boletos”, advindas de contratos realizados com os fornecedores das ditas relações de consumo.


Tal prática abusiva não é restrita às instituições financeiras, sendo também praticada largamente em todo o sistema mercadológico, nos mais variados setores, tais como: imobiliárias; academias esportivas; clubes sociais e recreativos; condomínios; além das empresas concessionárias e prestadoras de serviços públicos de fornecimento de energia, água e telefonia, dentre outros.


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Nessa modalidade de cobrança acaba por haver um entrelaçamento entre várias relações jurídicas. Uma entre o consumidor e o fornecedor, quando da contratação de dado produto ou serviço, outra entre fornecedor e Banco para fins de cobrança do valor pactuado na relação anterior, e a última entre consumidor e Banco, para fins exclusivos de pagamento da mencionada cobrança.


A relação jurídica entre fornecedor e Banco, que para existir tem como fato gerador a relação anterior entre consumidor e fornecedor de produtos e/ou serviços, pois é realizada para regular a cobrança da mesma, acaba por produzir efeitos com relação ao consumidor, que em momento algum participou desta outra avença, inexistindo qualquer consentimento de sua parte neste tipo de contrato, uma vez que apenas contratou com o fornecedor outro tipo de serviço, nele não compreendida a cobrança da taxa do boleto, valendo observar ainda que, quando tal consentimento ocorre, isso se dá por meio de contrato de adesão onde não é concedida ao consumidor a opção de aceitar ou não tal cobrança, o que eiva tal consentimento de nulidade, pois em total afronta ao art. 51, III, IV e XII do Código de Defesa do Consumidor, conforme entendimento pacífico e hodierno da jurisprudência pátria, a seguir colacionada.


Vejamos, a título exemplificativo, o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cujo teor é inteiramente transcrito, por trazer em seu corpo também a posição, no mesmo sentido, de vários outros Tribunais do País:


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – BUSCA E APREENSÃO – CONTRATO – CLÁUSULAS ABUSIVAS – ART. 122 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO – TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO – ILEGALIDADE. A discussão a respeito das cláusulas contratuais em razão de violação a preceitos de ordem pública encontra guarida no art. 122, do Código Civil de 2002. A comissão de permanência suplanta a atualização do valor da moeda, pois objetiva remunerar a instituição financeira, porém, de forma ilícita, pois, não tem o cliente acesso ao índice que será aplicado quando da pactuação, permitindo que a instituição possa embutir, a seu critério, valores excessivos, configurando a cobrança implícita de juros remuneratórios. Segundo jurisprudência do STJ, consolidada pelas Súmulas 30, 294 e 296, a comissão de permanência não pode ser cumulada com outros encargos contratuais. É ilegal a taxa de emissão de boleto bancário por transferir ao consumidor ônus de cobrança da própria instituição financeira, condicionando o direito a quitação regular a pagamento de soma em dinheiro além da dívida contratada. APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0433.07.204888-0/001 – COMARCA DE MONTES CLAROS – 1º APELANTE(S): WANDERLEY FIGUEIREDO GOMES – 2º APELANTE(S): BV FINANCEIRA S/A CRED FIN E INV – APELADO(A)(S): BV FINANCEIRA S/A CRED FIN E INV, WANDERLEY FIGUEIREDO GOMES – RELATOR: EXMO. SR. DES. MARCELO RODRIGUES


ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGAR PROVIMENTO AO SEGUNDO.


Belo Horizonte, 03 de setembro de 2008.


DES. MARCELO RODRIGUES – Relator


NOTAS TAQUIGRÁFICAS


SESSÃO DO DIA 23/07/2008


O SR. DES. MARCELO RODRIGUES:


VOTO


Trata-se de duas apelações cíveis interpostas, a primeira por Wanderley Figueiredo Gomes, e a segunda por BV Financeira S/A, crédito, financiamento e investimento, em face da r. sentença de f. 126/128, pela qual o Juiz singular julgou parcialmente procedente a reconvenção e procedente a ação principal para decotar dos valores apresentados pela autora a taxa de boleto bancário, e determinar a expedição de alvará para levantamento dos depósitos efetuados pelos réu, e condenou, na reconvenção, as partes ao pagamento de 50% das custas, cada, e honorários de 10% sobre o valor da causa, e na ação principal, condenou o réu ao pagamento das custas e honorários 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade por estar litigando sob o pálio da assistência judiciária.


Em suas razões de recurso o apelante Wanderley Figueiredo Gomes alega que as cláusulas abusivas do contrato devem ser declaradas nulas, posto que estipulam taxa de comissão de permanência à taxa de mercado, com a qual não fica sabendo o consumidor, e que os cálculos são efetuados pela apelada sem demonstração dos encargos. Sustenta que é vedada a cumulação de comissão de permanência com os outros encargos. Pugna pela inversão do ônus da prova. Aduz que já esteve em atraso em seis parcelas do contrato e pagou valor bem menor do que o apresentado pela apelada, motivo pelo qual requer, alternativamente, que o valor seja considerado o mesmo e devolvida a quantia de R$765,59 (setecentos e sessenta e cinco reais e cinqüenta e nove centavos). Por fim, com o pagamento, pretende a declaração de quitação do contrato e liberação do gravame.


Recurso sem preparo por estar litigando sob o pálio da assistência judiciária.


A apelante BV Financeira S/A, crédito, financiamento e investimento, por sua vez, em seu recurso pugna pela reforma da sentença para excluir o decote da taxa de cobrança de boleto, considerando-se que ela foi contratada e é de responsabilidade do banco que efetua a cobrança, é foi informada ao consumidor no ato da contratação.


Cópia do preparo regular do recurso à fl. 145, conforme certidão de fl. 149.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.


PRIMEIRA APELAÇÃO


MÉRITO


Segundo se ressai dos autos, o apelante Wanderley Figueiredo Gomes alienou fiduciariamente um veículo em garantia de contrato de financiamento contraído com a apelada na importância de R$6.329,41 (seis mil trezentos e vinte e nove reais, e quarenta e um centavos), a ser paga em 24 prestações mensais. Em vista do inadimplemento do apelante nas últimas seis (06) parcelas, a apelada propôs a ação de busca e apreensão para a satisfação do contrato.


O apelante propôs, então, reconvenção para revisão das cláusulas que considerou abusivas, no que tange à fixação dos encargos incidentes em razão do inadimplemento.


Em detido exame dos autos, verifica-se que as razões do apelante merecem prosperar no tocante à revisão do contrato. Analisando sucintamente o contrato de fl. 08/09, observa-se que as taxas aplicadas, em caso de inadimplemento, são deixadas à escolha do credor, posto que não estipula o percentual da comissão de permanência, na cláusula 4, observando-se afronta ao que dispõe o art. 122, do Código Civil de 2002.


A clausula estipula, ainda, a possibilidade da cobrança de juros de 12% ao ano, cumulada com a comissão de permanência, além da manutenção dos juros remuneratórios, o que é vedado, conforme o enunciado da Súmula 296, do STJ. Da mesma forma, tal cláusula deixa ao alvedrio da Instituição Financeira cobrar a taxa que melhor atende seus interesses.


A comissão de permanência traz em sua essência uma função dicotômica: primária, de remuneração da instituição financeira, e secundária de atualização da moeda corrente, evidenciando nesta mecânica um nítido ato ilícito, posto que o cliente não detém acesso prévio ao índice que será aplicado pela instituição financeira, a qual unilateralmente passa a manipular as operações de crédito com controle absoluto sobre os percentuais a serem aplicados, possibilitando o alcance de valores excessivos, com a configuração implícita de cobrança de juros remuneratórios e capitalização mensal.


Tanto que a jurisprudência do STJ, conforme enunciado da Súmula 30, já sedimentou a impossibilidade da cumulação da comissão de permanência com a correção monetária.


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É certo que as regras contratuais devem ter plena observância, implicando num direito subjetivo para ambas as partes, como conseqüência lógica do seu direito de liberdade, todavia, este direito tem uma função social.


Vale dizer, tem-se que o Estado Democrático de Direito visa substancialmente efetivar os direitos fundamentais (subjetivos), porém, estes direitos estão condicionados a deveres pelas partes contratantes, os quais devem ser observados em prol de um bem maior, qual seja a sociedade.


Significa pois, que hoje não se pode admitir a tese que os contratos apenas produzem efeitos para os contratantes diretos, mas ao contrário, alcançam as necessidades de todo o corpo social, e é o que se verifica em relação à comissão de permanência deflagrada no presente caso, pelo que constatado o abuso do direito, violada estará sua função social.


Ademais, a jurisprudência já é pacífica nos tribunais superiores quanto à impossibilidade de aumento dos encargos financeiros em caso de inadimplência do mutuário, pelo que carece de validade a substituição dos juros remuneratórios e da correção monetária pactuados para o período de vigência contratual, por quaisquer outras taxas ou comissão de permanência.


E no presente caso, ao aplicar a comissão de permanência nas parcelas do contrato, está caracterizado o bis in idem na remuneração do capital, posto que já foram pactuados os juros remuneratórios da taxa pré-fixada, à razão de 2,96% ao mês.


Portanto, nos termos do art. 122, do Código Civil de 2002, é potestativa a cláusula que permite que seja a comissão de permanência calculada à taxa variável do mercado, sendo que tal ajuste coloca o devedor em inteira desvantagem, em razão da dificuldade, ou até da impossibilidade de averiguá-la, e cumula-a com os juros remuneratórios e a multa contratual.


A esse respeito é farta a jurisprudência do STJ, afastando sua aplicação cumulada:


“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO E DE ABERTURA DE CRÉDITO FIXO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. JULGADO ESTADUAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. JUROS REMUNERATÓRIOS. PERÍODO DE INADIMPLÊNCIA. LIMITE. SÚMULA N. 296-STJ.


I. Constatada a suficiente fundamentação do aresto estadual, não se vislumbra violação aos arts. 458 e 535, II, do CPC, nem a suposta nulidade alegada pela parte, que apenas teve seus interesses contrariados.


II. Segundo o entendimento consolidado na Súmula n. 296-STJ, os juros remuneratórios serão devidos após o vencimento do contrato, à taxa média de mercado, desde que não supere esta o limite avençado, permitindo-se a cumulação com os encargos da inadimplência, com exceção da comissão de permanência.


III. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 903.604/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 14.08.2007, DJ 08.10.2007 p. 306).


“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INACUMULABILIDADE COM QUAISQUER OUTROS ENCARGOS REMUNERATÓRIOS OU MORATÓRIOS. OUTORGA DE MANDATO. CRIAÇÃO TÍTULO CAMBIAL. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 60 DA SÚMULA DESTE CORTE. REGIMENTAL IMPROVIDO.


1. A Segunda Seção desta Corte já firmou posicionamento no sentido de que é lícita a cobrança da comissão de permanência após o vencimento da dívida, devendo ser observada a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, não sendo admissível, entretanto, seja cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios, nem com multa ou juros moratórios.


Incidência das Súmulas 30, 294 e 296 do STJ.


2. In casu, foram previstos encargos moratórios no contrato em comento, em decisão transitada em julgado, ante a ausência de recurso no que toca a esses pontos, de sorte que, impossível, assim, a concessão da comissão de permanência.


3. Nos termos do enunciado n.º 60 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, é nula a cláusula contratual que prevê a outorga de mandato para criação de título cambial.


4. Agravo regimental improvido” (AgRg no REsp 787.544/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 24.04.2007, DJ 21.05.2007 p. 586).


“CONSUMIDOR. MÚTUO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DAS SÚMULAS NºS 294 E 296 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Vencido o empréstimo bancário, o mutuário permanece vinculado a obrigação de remunerar o capital emprestado mediante os juros contratados, salvo se a respectiva taxa de mercado for menor, respondendo ainda pelos juros de mora e, quando ajustada, pela multa, que não pode exceder de dois por cento se o negócio for posterior ao Código de Defesa do Consumidor; na compreensão do Superior Tribunal de Justiça, a comissão de permanência é formada por três parcelas, a saber: 1) juros que remuneram o capital emprestado (juros remuneratórios); 2) juros que compensam a demora no pagamento (juros moratórios); e 3) se contratada, a multa (limitada a dois por cento, se ajustada após o advento do Código de Defesa do Consumidor) que constitui a sanção pelo inadimplemento. Recurso especial conhecido e provido” (REsp 834.968/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14.03.2007, DJ 07.05.2007 p. 273).


Assim, atento aos pedidos formulados pelo apelante em sua reconvenção e apelação, de acordo com o princípio devolutivo do recurso, e com base no art. 460, do Código de Processo Civil, verifica-se que a sentença deve ser reformada para que seja extirpada do cálculo das parcelas inadimplentes a comissão de permanência.


Por outro lado, verifica-se que houve o pagamento integral do contrato, importando tal ato na purgação da mora, devendo ser aplicado o disposto no art. 3º, §2º, do Decreto-lei 911, de 1969:


“§2º. No prazo do §1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus”.


Assim, cumpre determinar a liberação do ônus que recai sobre o bem, devido ao pagamento do total da dívida.


Com tais considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para reformar a sentença e declarar nula a cláusula 4, do contrato e parcialmente nula a cláusula 14, em seu caput, do contrato de fl. 08/09, para determinar a exclusão comissão de permanência no período de inadimplemento, devendo ser recalculada a dívida indicada pela apelada na ação de busca e apreensão, com apuração do novo saldo devedor, mediante liquidação de sentença, na forma do art. 475-B, do Código de Processo Civil, e determinar a retirada do gravame do bem objeto do contrato.


Por conseqüência da reforma, inverto os ônus da sucumbência para condenar a apelada no pagamento das custas da reconvenção, incluídas as deste recurso, e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da causa, com base no art. 20, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil.


SEGUNDA APELAÇÃO


Pugna a apelante BV Financeira S/A, crédito, financiamento e investimento pela reforma da sentença para manter a cobrança do encargo referente ao boleto bancário.


Em que pese o inconformismo da apelante, não merece prosperar sua pretensão.


Conforme se verifica da avença de fl. 08/09, cláusula 3, o boleto bancário seria emitido pela própria apelante, considerando-se que é instituição financeira, situação contratada e apresentada ao consumidor.


Não poderia, desta forma, alavancar seus ganhos cobrando taxa pela emissão de boleto, quando possui serviços nos mesmos moldes, exercendo a mesma atividade no mercado financeiro.


Por outro lado, o consumidor não pode ser impelido a arcar com o gasto de serviço contratado entre determinada instituição e outra instituição bancária, sem que tenha qualquer participação nessa relação.


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Cumpre aqui ressaltar que a própria FEBRABAN (Federação das Associações de Bancos) assume a irregularidade da referida cobrança, que através das Cartas Circulares nºs BAG 70318/97, FB 168/99, recomendou expressamente a seus associados para que suspendessem dos boletos de cobrança malsinada tarifa, haja vista a existência de tarifa interbancária instituída exclusivamente para remunerar o banco recebedor.


A esse respeito, oportuna a citação de precedente do egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, corroborando com o entendimento:


“Apelação Cível. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público em face de instituição bancária, em que se veicula pedido de obrigação de não fazer, consistente na determinação de suspensão da cobrança denominada de “tarifa de manuseio”. Impossibilidade de cumulação de pedido de obrigação de não fazer com pedido condenatório em pecúnia, nos termos do artigo 3. da Lei n. 7.347/85. A atividade precípua do Banco é, por óbvio, arregimentar valores, emprestá-los a juros e cobrar dos devedores. Não há, portanto, causa para a transferência ao mutuário de “despesas” com emissão de boletos, para percepção dos créditos do Banco. Cobrança que sequer vem amparada em cláusula contratual. A previsão da Resolução n. 2.303/96 que autoriza a taxação dos “serviços de cobrança” direciona-se às hipóteses de prestação de tais serviços a terceiros, e não ao tomador de empréstimo ao próprio Banco. Provimento parcial de ambos os recursos” (2006.001.47589 – APELACAO CIVEL – TJRJ – DES. MARILENE MELO ALVES – Julgamento: 02/05/2007).


No mesmo sentido vem decidindo o colendo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:


“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM FACE DA ONEROSIDADE EXCESSIVA, COM CONSEQÜENTE INEXISTÊNCIA DA MORA. NULIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS ATINENTES À COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, À TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO E À TARIFA DE COBRANÇA DE BOLETO BANCÁRIO” (Apelação Cível Nº 70011045564, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 16/06/2005).


Portanto, à mingua de maiores argumentações, verifica-se que a sentença do Juiz singular não merece qualquer reforma neste sentido.


Quanto à taxa de cobrança de abertura de crédito, não houve qualquer alteração do que ficou estipulado no contrato, por não ser objeto de irresignação do apelado, motivo pelo qual não carece de apreciação por este órgão julgador.


Diante de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. Custas pela apelante.


O SR. DES. DUARTE DE PAULA:


VOTO


De acordo.


O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:


Peço vista.


SESSÃO DO DIA 03/09/2008


O SR. DES. PRESIDENTE:


O julgamento deste feito foi adiado na sessão do dia 23/07/2008, a pedido do Desembargador Vogal, após os Desembargadores Relator e Revisor darem provimento ao 1º recurso e negarem provimento ao 2º recurso.


O SR. DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT:


VOTO


Sr. Presidente, do exame que fiz dos autos, estou de acordo com os votos que me precederam.


SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO AO SEGUNDO.


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS


APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0433.07.204888-0/001 .


O que ocorre, na verdade, é que os fornecedores repassam ao consumidor o custo oriundo de um contrato que eles acertaram com os Bancos, opção essa que é proposta pelo Banco ao fornecedor, no momento da contratação, que por sua vez anui, sem, repita-se, qualquer participação do consumidor, que contratou sim com dito fornecedor, mas em outra relação jurídica totalmente diversa. Assim os Bancos acabam por cobrar indevidamente do consumidor tal valor de forma agregada, popularmente chamado de “taxa”, em que pese não possuir natureza tributária, sendo assim o tomador o destinatário final de tal quantia, que acaba sendo o grande beneficiário, uma vez que esse valor é percebido tão só pela instituição bancária, sem nenhum repasse qualquer ao fornecedor.


O Banco Central do Brasil – BACEN por meio da Resolução 2303, alterada pela Resolução 2747, vedou expressamente várias modalidades de condutas, autorizando, todavia, a taxação dos “serviços de cobrança”, desde que direcionada às hipóteses de prestação de tais serviços a terceiros, e não ao tomador, assim como a Resolução 2878, alterada pela Resolução nº 2892, em cujo conteúdo haviam vários dispositivos que deixavam clara a abusividade da cobrança da sobredita tarifa nos moldes aqui rechaçados. Havia ainda a Resolução 2707 que trazia vedação expressa da cobrança da referida tarifa.


Ocorre que em 06 de dezembro de 2007 foi editada pelo BACEN a Resolução 3518, com entrada em vigor em 30 de abril de 2008, resolução essa que revogou expressamente as sobreditas resoluções.


A Resolução 3518 disciplina a cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.


Em seu artigo primeiro a sobredita resolução traz o seguinte regramento:


“Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelocliente ou pelo usuário.


Parágrafo único. Para efeito desta resolução:


I- considera-se cliente a pessoa que possui vínculo negocial não esporádico com a instituição, decorrente de contrato de depósitos, de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, de prestação de serviços ou de aplicação financeira;  II- os serviços prestados a pessoas físicas são classificados como essenciais, prioritários, especiais e diferenciados;  III- não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de
despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil.”


Verifica-se facilmente que a norma traz requisitos para a validade da cobrança de tarifa em boleto bancário ao consumidor: 1) Previsão expressa em contrato e ainda com a obrigatória participação do consumidor, donde se conclui que os contratos efetuados entre tomador e fornecedor, assim como os contratos de adesão, que por sua própria natureza não dão opção ao consumidor pela aceitação ou não desta cobrança, não poderão atingir o consumidor, sob pena de abusividade; 2) Prévia autorização (que deverá ser expressa e inequívoca) ou então solicitação expressa por parte do consumidor.


Por sua vez o artigo 9º da mesma Resolução dispõe o seguinte:


“Art. 9º É obrigatória a divulgação, em local e formato visível ao público no recinto das suas dependências e nas dependências dos correspondentes no País, bem como nos respectivos sítios eletrônicos, das seguintes informações relativas à prestação de serviços a pessoas físicas e pessoas jurídicas e respectivas tarifas: (…)


IV – demais tabelas de serviços prestados pela instituição;


V – esclarecimento de que os valores das tarifas foram estabelecidos pela própria instituição.”


Assim o Direito à informação do consumidor deve ser amplamente respeitado sob pena de ilegalidade, sem prejuízo de eventual reparação a ser apurada em sede de ação própria de perdas e danos materiais e morais (art. 6º, II e III do CDC).


Tal regramento, acima exposto, teve sensível alteração com o advento da Resolução nº 3693 do Banco Central do Brasil – BACEN, em vigor desde 26 de março de 2009, pois acrescentado ao supra transcrito art.1º, um novo parágrafo, qual seja o §2º, passando o outrora parágrafo único a ser denominado de §1º, tendo tal dispositivo vedado expressamente o repasse ao consumidor de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês e assemelhados, cujo teor segue in verbis:


“§ 2º Não se admite o ressarcimento, na forma prevista no inciso III do § 1º, de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês e assemelhados.”


Com esse novo normativo, em tese, resta sanada a abusividade do repasse da cobrança da tarifa do boleto bancário ao consumidor. Todavia, na prática, tem-se que ficar vigilante para se verificar se realmente irá haver por parte dos bancos o respeito devido ao dito normativo, passando a tratar dos custos do serviço de confecção de boletos de cobrança, carnês e assemelhados diretamente com o fornecedor desses mesmos serviços cobrados e não mais repassar tal ônus ao consumidor que não o contratou.


Mesmo antes do advento da supra mencionada Resolução do BACEN, ditas normas regulamentadoras, que regem os Bancos, já eram ilegais, da forma como vinham sendo interpretadas e aplicadas, uma vez que afrontavam diretamente o Código de Defesa do Consumidor – CDC, mormente em seus artigos 39 e 51, além de lhe ser hierarquicamente inferior. Fere ainda o Código Civil, assim como o Princípio da Boa-Fé Contratual, amplamente defendido e difundido pelo dito normativo.


Tal cobrança representa, como visto, uma prática abusiva, pois o negócio que lhe origina se dá entre o Banco e o comerciante/fornecedor, portanto, o risco do negócio não pode ser do consumidor.


O risco do negócio deve ser assumido por quem o contratou e dele participa DIRETAMENTE, não podendo, em hipótese alguma, ser repassado aos consumidores usuários desses serviços.


O Código Civil determina que a única obrigação do devedor é a de pagar pela dívida contraída. Destarte, de acordo com a Lei, as empresas que fizerem cobranças abusivas poderão ser penalizadas com altíssimas multas, dependendo sua valoração de cada caso concreto.


Toda e qualquer cobrança deve ser previamente avisada. Neste caso, se uma pessoa notar a cobrança da taxa sem tê-la autorizado, poderá exigir o dinheiro de volta, pelo dobro do valor, acrescido de juros e correção monetária (repetição do indébito), nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC.


Em São Paulo, o Projeto 915/2007, de autoria do deputado Gilmaci Santos (PRB), determinando que as taxas de manuseio e os custos de carnês e boletos não possam ser repassados ao consumidor, foi vetado, no dia 10 de junho, pelo governador José Serra.


De acordo com o projeto, os infratores seriam punidos com advertência ou multa, que variaria de 10 a 100 vezes o valor da prestação do carnê ou boleto; em caso de reincidência, a multa seria aplicada em dobro.


Atualmente, o projeto se encontra novamente na ordem do dia da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo sem data definida para votação.


Ademais existem Cartas Circulares da FEBRABAN (BAG 70318/97, FB 168/99), Notícias do Portal do Consumidor, Parecer do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça (MJ) – (Nota Técnica de número 777/2005), além de farta jurisprudência, como visto acima, que corroboram o entendimento aqui esposado.


Não se pode olvidar ainda que tal regramento do BACEN só produz efeitos jurídicos para as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, não atingindo, por conseguinte, todo um universo de pessoas físicas e jurídicas que também fazem uso de tal prática abusiva, quando da cobrança de seus créditos, que como visto é ilegal, pois em cristalina afronta ao Código de Defesa do Consumidor assim como ao Código Civil Pátrio.


Assim o consumidor deve ficar atento e exigir seus direitos, recusando-se a pagar tal taxa abusiva, cobrada no boleto bancário, buscando inclusive o Judiciário, se for o caso, através dos Juizados Especiais Cíveis, Procons e Defensoria Pública. Com essa atitude espera-se que ocorra um natural recuo das instituições financeiras e demais credores na prática de tal conduta arbitrária e atentatória aos direitos básicos do consumidor. Deve-se informar aos consumidores em geral sobre seus direitos de forma a democratizar seu acesso ao Código de Defesa do Consumidor e suas normas protetivas.



Informações Sobre o Autor

Thales Pontes Batista

Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Especialista em Direito Imobiliário, Registral e Notarial, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor – OAB/CE


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