1 INTRODUÇÃO
No atual contexto mundial, a proteção ao consumidor foi elevada ao patamar de direito fundamental. Entretanto, no Brasil, a atuação jurisdicional nem sempre consegue dar conta das demandas decorrentes das relações de consumo de forma célere e eficiente. É nesse contexto que se amplia a importância das soluções arbitrais, já que a arbitragem representa uma alternativa à solução de uma série de conflitos que envolvem direitos disponíveis, tais como muitos dos direitos decorrentes das relações de consumo.
No Brasil, a arbitragem foi regulamentada na década de 1990, com a promulgação da Lei 9.307/96. O capítulo primeiro dessa lei enuncia que as pessoas capazes de contratar têm a possibilidade de valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. A arbitragem pode ser de direito ou de equidade, a critério das partes, a quem é permitido escolher livremente as regras que serão aplicadas na solução do litígio, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. É possível ainda às partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Entretanto, mesmo antes da regulamentação legal da arbitragem no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) já trazia na redação de seu artigo 4º inciso V um incentivo à adoção de meios alternativos para solução de litígios de natureza consumerista. O dispositivo em questão apresenta a seguinte redação:
“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: […]
V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;” [sem grifo no original]
Além do incentivo às soluções alternativas aos conflitos de consumo presente no Código de Defesa do Consumidor, no ano de 1995, a Lei dos Juizados Especiais – órgão jurisdicional encarregado, entre outras coisas, da solução judicial de lides de pouca complexidade e cujo valor não excede quarenta salários mínimos[1], categoria em que se inclui maior parte das lides consumeristas – trouxe, em seu art. 24 e seguintes, a possibilidade de adoção de solução arbitral nos seguintes termos:
“Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.
§ 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução.
§ 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos.
Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por equidade.
Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível.”
Note-se que a opção pela arbitragem, na forma prevista na Lei dos Juizados Especiais, embora também dependa do acordo entre as partes, não exige, tal como previsto na Lei de Arbitragem, que haja convenção de arbitragem determinada por cláusula compromissória[2] ou compromisso arbitral[3] entre as partes. Como não há necessidade de que as partes firmem um termo de compromisso arbitral, basta que elas escolham um árbitro dentre os juízes leigos[4].
Importante enfatizar que, mesmo sendo prescindível o termo de compromisso arbitral, como bem elucida Marcos Jorge Catalan[5]
“a opção pelo Juízo Arbitral somente será possível quando houver anuência mútua dos litigantes, pois havendo discordância de apenas uma delas, restará impossibilitado tal procedimento, prosseguindo o feito com audiência de instrução e julgamento a ser presidida por um magistrado de carreira ou pelo juiz leigo sob supervisão daquele.”
São várias as possibilidades legais de utilização da arbitragem, contudo, a despeito da ampla regulamentação e das vantagens que podem advir dessa modalidade de solução de conflitos, não há no Brasil uma cultura de utilização do instituto. Isso provavelmente se deve ao fato de que, ao mesmo tempo em que há incentivo ao uso de alternativas extrajudiciais para sanar conflitos, há entraves legais, doutrinários e jurisprudenciais, que acabam por restringir o uso da arbitragem como forma de solução de litígios.
2 OBSTÁCULOS AO USO DA ARBITRAGEM NAS LIDES CONSUMERISTAS
Não obstante o estímulo às soluções extrajudiciais para lides de consumo, essa modalidade de solução só tem lugar se a opção por adotá-la decorrer da vontade livre das partes. Isso quer dizer que a arbitragem deve ser oriunda de uma cláusula compromissória, de um compromisso arbitral ou mesmo da escolha dessa solução, por ocasião da audiência, nos Juizados Especiais, mediante a nomeação de um árbitro, jamais podendo ser, de alguma maneira, imposta, o que é perfeitamente correto.
Com o fito de assegurar a liberdade de opção pela arbitragem nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, que dispõe sobre as cláusulas abusivas, incluiu aquelas referentes à utilização compulsória da arbitragem. Essa previsão constante do inciso VII[6] do dispositivo em questão tem como escopo assegurar a autonomia das vontades na escolha da modalidade de solução para os litígios, na medida em que declara nula de pleno direito a cláusula que imponha a utilização obrigatória da arbitragem.
Como significativa parcela dos contratos de consumo são contratos de adesão[7], que, por sua natureza, trazem em seu bojo todas as cláusulas pré-definidas, em vista da previsão contida no art. 51, VII da Lei 8.078/90, o instituto da arbitragem acaba por ter a sua utilização restringida.
Com o suposto ânimo de proteger o consumidor, algumas vezes, inclusive, deixa de ser considerado o disposto no parágrafo 2º do artigo 4ª da Lei de Arbitragem que impõe condições de validade para cláusulas dessa natureza:
“§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
Esse dispositivo, na medida em que consta de uma lei específica sobre a arbitragem, serve de diretriz para interpretação da regra contida no art. 51, VII do Código de Defesa do Consumidor, de modo a viabilizar a inserção de cláusula compromissória nos contratos de consumo, todavia, mesmo atendidos os requisitos formais de validade, por vezes, a cláusula compromissória não consegue vingar. Serve de exemplo, o excerto do Recurso Inominado n.º 2005.6503-5/0 Juizado Especial Cível do Foro Regional de Piraquara, julgado pela Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná:
“[…] 1) Do pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito em face da cláusula compromissória (arbitragem). Tal pedido não pode prosperar, visto que está provado, pelo que se extrai dos autos, que a cláusula compromissória da arbitragem mostra-se abusiva, notadamente à vista do depoimento prestado na audiência de instrução e julgamento pelo autor (DAVID DE JESUS GONÇALVES), que afirmou desconhecer o significado dos termos utilizados no contrato, como “cláusula compromissória” e “arbitragem” (fl. 65), cujo conteúdo não lhe foi informado pela recorrente quando da contratação. Assim, o autor deve ser considerado como consumidor hipossuficiente na relação jurídica, devendo ser desconsiderada a possibilidade de arbitragem. Nessa linha de raciocínio é o que se extrai dos artigos 46 e 51 do CDC – Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, conforme abaixo: Art. 46 – Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor Afastada, portanto, a preliminar de extinção do processo sem julgamento do mérito. […]”
Esse julgado demonstra que, mesmo havendo concordância expressa do aderente com a arbitragem, se ficar demonstrado que este não tinha condições de compreender o significado e as consequências dessa forma de resolução de conflitos, com fundamento na proteção ao consumidor, é possível a cláusula compromissória ser afastada.
Como em geral não é viável a inclusão de cláusula compromissória nos contratos de adesão, tendo em vista o disposto no art. 51 e em outros dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, acaba restando como alternativa aplicável às relações de consumo o compromisso arbitral, já que, nesse caso, em geral, é inafastável o mútuo consentimento, condição imprescindível para o uso da arbitragem. O compromisso arbitral[8] tem lugar quando as partes optam pela arbitragem depois que surge o conflito. De acordo com Maria Helena Diniz[9], ele pressupõe a existência de um contrato perfeito e acabado, em que as partes não definiram o modo como se solucionariam conflitos futuros.
Além das limitações legais e jurisprudenciais ao uso da arbitragem nos contratos de consumo, a doutrina apresenta teses contrárias a essa modalidade de solução. Dentre os principais argumentos apontados pela doutrina, mencionam-se: a ausência do duplo grau de jurisdição e a possibilidade de o árbitro não utilizar normas de direito positivo, já que é possível, por exemplo, o julgamento por equidade e o caráter privado do juízo arbitral, que poderia, em certos casos, resultar num julgamento parcial. Outros argumentos são de que ela violaria direitos constitucionais, tais como o direito ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, assim como o princípio do juiz natural.[10]
3 DERRUBANDO BARREIRAS: VANTAGENS DO USO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Os argumentos em geral apregoados pelos doutrinadores avessos ao uso da arbitragem apresentam algumas falhas que os tornam frágeis. Primeiramente é preciso esclarecer que arbitragem não é jurisdição, já que jurisdição é uma prerrogativa do Estado, conforme elucida Nazareno César Moreira Reis[11]:
“A jurisdição é uma função eminentemente estatal porque está diretamente relacionada com as outras duas funções também próprias do Estado: a legislação e a administração. Não se pode encarar a jurisdição apenas na perspectiva dos utentes imediatos do serviço jurisdicional, ou seja, dos litigantes que estão em juízo; é preciso compreender que a função jurisdicional não existe apenas para resolver o conflito, mas especificamente para reafirmar a ordem jurídica instituída pelo Estado (basta ver, por exemplo, o art. 129 do CPC). O árbitro, ao contrário, que não está sequer vinculado necessariamente a padrões jurídicos nos seus julgamentos (Lei 9.307/96, art. 2º), intenta apenas resolver o caso da melhor forma possível, inclusive afastando as soluções estritamente legais que sejam inoportunas para a pacificação.”
Não sendo a arbitragem jurisdição, não há que se falar na violação de princípios inerentes a essa função estatal, tais como os ora mencionados. Entretanto, mesmo não tendo caráter jurisdicional, a arbitragem deve ser pautada por regras que visam assegurar os direitos das partes. A lei de arbitragem prevê a possibilidade de que o tribunal arbitral tome depoimento das partes, ouça testemunhas e determine a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.
O procedimento descrito na Lei de Arbitragem, entretanto, é omisso acerca da instrução processual. Assim, considerando a clara analogia entre o procedimento do artigo 7º dessa lei e o procedimento sumaríssimo adotado na Lei 9.099/95, Carlos Alberto Carmona[12] sustenta ser adequado suprir essa e outras lacunas da Lei de Arbitragem recorrendo-se sempre, em primeiro lugar, à Lei dos Juizados Especiais e, apenas quando isso não for possível, o juízo arbitral deve tomar como parâmetro as regras do procedimento comum do Código de Processo Civil.
Em vista disso, a previsão contida no artigo 25 da Lei 9.099/95 acerca do procedimento a ser adotado pelo juízo arbitral na instrução probatória adquiriu especial relevo na medida em que a Lei 9.307/96, que dispõe sobre a arbitragem, não trouxe detalhes nesse sentido.
Consoante o disposto no artigo 25 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), os árbitros devem dirigir o processo “com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica”. Deve ainda o árbitro proferir a decisão reputada mais justa, equânime e que mais bem atenda aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.
Considerando que, por imposição legal, o árbitro deve sempre buscar uma solução justa e que bem atenda aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum, havendo o desejo das partes em aderir à solução arbitral, deveria haver um maior incentivo para tal, pois, no Brasil, embora a celeridade seja um dos princípios constitucionais que deveriam reger o sistema, o processo judicial é notavelmente lento, e dessa lentidão resulta uma evidente ineficiência para a solução de certos conflitos.
Em muitos casos, ao final, o resultado do processo judicial é satisfatório. A despeito disso, são muitos os exemplos de situações em que a demora só faz ampliar o desgaste experimentado pelo consumidor na solução de seu problema.
Imagine-se uma situação em que valores indevidos estão sendo cobrados do consumidor. Nesse caso, o objetivo da demanda é obter uma declaração de que tal cobrança é indevida e uma condenação da parte reclamada à devolução dos valores pagos. Como, no mais das vezes, o consumidor demanda sem o patrocínio de um advogado, por serem causas que envolvem valores que não superam vinte salários mínimos[13], deixa de tomar as medidas cabíveis para evitar, por exemplo, as conseqüências de um eventual inadimplemento. Ficando inadimplente, acaba sendo inscrito em cadastros de maus pagadores e passando, muitas vezes, longos períodos, injustamente, com restrições de crédito.
Outro exemplo de situação que acarreta perdas pela demora é aquela em que o consumidor adquire um produto que, pelo mau funcionamento, precisa ser substituído. Com o decurso do tempo, algumas modalidades de produtos, tais como os eletrônicos e os de informática, fatalmente, tornar-se-ão obsoletos. Se o consumidor recebe outro idêntico, certamente é lesado.
Esses são apenas dois exemplos dentre os muitos que se poderiam citar. Em todos esses casos, se houvesse uma solução rápida, prática e satisfatória para o litígio, os direitos do consumidor estariam muito mais salvaguardados do que ficam ante a demora judicial.
Como no Brasil não há estruturado um sistema de arbitragem para solução das lides consumeristas ao alcance da comunidade, tal como se verifica em outros países, as partes raramente utilizam-se dessa modalidade de solução de conflitos. A opção das partes é majoritariamente a via judicial.
Tendo em vista que as lides consumeristas são, no mais das vezes, discutidas nos Juizados Especiais, seguindo o rito sumaríssimo, na audiência é dada mais uma oportunidade para que as partes optem pela arbitragem, entretanto, isso quase não ocorre. A população em geral desconhece essa alternativa e também não há incentivo suficiente para que ela seja utilizada, mesmo diante do fato de que, para o consumidor, em muitos casos, a arbitragem poderia ser mais vantajosa do que a realização de um acordo.
Em regra, estão presentes na audiência o conciliador, o consumidor (sem o patrocínio de um advogado, já que as causas de até vinte salários mínimos o permitem demandar assim) e a empresa, representada por seu preposto e por seu advogado. Usualmente, as propostas de acordo emanam da parte reclamada (empresa), que, evidentemente, as faz com o ânimo de melhor assegurar os seus próprios interesses. Para ter uma solução rápida, o consumidor, não raro, aceita qualquer proposta de acordo, ainda que nela veja reduzidos os seus direitos. Essa situação evidencia uma clara relação em que há hipossuficiência de uma das partes.
Embora muitos dos argumentos contrários à arbitragem sejam consistentes, devem-se levar em consideração as desvantagens do processo judicial, com destaque para a morosidade. Sopesando-se o fato de que árbitro, na condução do processo, deve assegurar princípios e conduzir o processo na forma prevista em lei, a solução arbitral, muitas vezes, acaba sendo mais vantajosa.
Assim, se na teoria a arbitragem pode aparentar ser um instituto que restringe certas garantias, na prática, muito ao contrário, ela pode evitar prejuízos, sobretudo quando utilizada como alternativa a certas modalidades de acordos, já que permite uma solução do mesmo modo rápida e ágil, mas capaz de assegurar de forma mais efetiva os direitos dos consumidores.
A rapidez decorre do fato de que o artigo 11, inciso III, da Lei de Arbitragem possibilita às partes determinar um prazo para que seja prolatada sentença arbitral, o qual, via de regra, é cumprido. Mesmo sendo adotada a arbitragem nos Juizados Especiais, a sentença arbitral tem prazo certo para ser apresentada. De acordo com artigo 26 da Lei 9.099/95, o árbitro deve apresentar o laudo arbitral ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes.
A maior efetividade da arbitragem, quando comparada à solução judicial, refere-se principalmente à possibilidade de um julgamento por pessoa especializada. Em geral escolhe-se um árbitro afeto à questão que está sendo discutida, o que propicia soluções eficientes e, em geral, mais adequadas ao caso concreto.
Mesmo diante das possíveis vantagens que poderiam advir do uso da arbitragem, o instituto quase não é utilizado. No Brasil, além dos ventos contrários à arbitragem, conforme elucida Patrícia Galindo da Fonseca[14], o protecionismo estatal acabou por gerar “a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados […] e de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos”.
4 O MODELO ARGENTINO
Na Argentina, país que, tal como outros da América Latina, estruturou seu sistema de proteção ao consumidor nas últimas décadas do século XX, a Ley 24.240 de 1993, que dispõe sobre “la defensa del consumidor”, em seu artigo 59, previu a criação de tribunais arbitrais, nos seguintes termos:
“ARTICULO 59. — Tribunales Arbitrales. La autoridad de aplicación propiciará la organización de tribunales arbitrales, que actuarán como amigables componedores o árbitros de derecho según el caso, para resolver las controversias que se susciten con motivo de lo previsto en esta ley. Podrá invitar para que integren estos tribunales arbitrales, en las condiciones que establezca la reglamentación, a las personas que teniendo en cuenta las competencias, propongan las asociaciones de consumidores y cámaras empresarias.
Regirá el procedimiento del lugar en que actúa el tribunal arbitral.”
Ao contrário do que ocorreu no Brasil, os argentinos souberam aproveitar de forma muito mais adequada os benefícios da adoção da solução arbitral para os litígios advindos das relações de consumo, na medida em que criaram um sistema estruturado de arbitragem para esse fim.
Com fundamento na legislação de proteção ao consumidor, Ley 24.240 de 1993, no ano de 1998, pelo Decreto 276, foi instituído no país o Sistema Nacional de Arbitragem de Consumo, que, conforme Paulo Borba Casella[15], trouxe e vem trazendo excelentes resultados.
Conforme elucida María Fernanda Benzrihen[16],
“El Sistema Nacional de Arbitraje de Consumo es un mecanismo alternativo de resolución de conflictos, que complementa a la Justicia y ha sido concebido para recomponer las relaciones deterioradas entre proveedores de bienes y servicios y consumidores y usuarios.
Su competencia abarca las relaciones de consumo definidas por la Ley 24.240 de Defensa del Consumidor e incluye las relaciones de intercambio realizadas en todo el territorio nacional.”
O “Sistema Nacional de Arbitraje de Consumo”, conforme ensina o Casella[17], funciona do seguinte modo: há Tribunais de arbitragem de consumo, que atuam condicionados à adesão prévia e voluntária das partes envolvidas no conflito. As decisões arbitrais, tal como no Brasil, não comportam recurso e podem ser executadas. A apresentação de litígios ao tribunal arbitral é feita diretamente pelo consumidor, sem a necessidade de intermediação de advogados, de modo a eliminar “o óbice econômico normalmente representado pela necessidade de contratação de profissional jurídico”. Caso a empresa contra quem se demanda não venha a aderir à arbitragem ou se recuse a comparecer no tribunal arbitral, o consumidor pode levar sua denúncia aos órgãos da Administração. Na Argentina, é a Direção Nacional do Comércio Interior, nos termos da Lei 24.240, o órgão encarregado da defesa do consumidor.
Segundo leciona Benzrihen[18], o sistema argentino de arbitragem de consumo, apresenta as seguintes características:
“Voluntariedad: el arbitraje de consumo es voluntario en tanto las partes que comprometen en árbitros una situación litigiosa, renuncian a su fundamental derecho a la tutela judicial efectiva. El Decreto nro. 276/98, que regula el arbitraje de consumo exige que las partes expresen de manera inequívoca su voluntad de sumisión al arbitraje, exigiendo también que se exprese la obligación de cumplir el laudo arbitral.
“Conformación Tripartita del Tribunal: el presidente de cada Tribunal Arbitral que se constituya será un funcionario estatal, perteneciente a la Secretaría en cuya órbita funciona el sistema. Los otros dos árbitros, vocales del Tribunal corresponderán uno a las asociaciones de consumidores y el otro a la de los empresarios. Los árbitros no representan a las partes litigantes, sino al sector (empresario, consumidor), afectado.”
“Unidireccionalidad del procedimiento: sólo los consumidores y usuarios pueden solicitar un arbitraje de consumo. Ello encuentra sustento en lo dispuesto por el Art. 59 de la Ley 24.240, que impone a la administración el deber de desarrollar un sistema de arbitraje que resuelva las quejas o reclamaciones de los consumidores o usuarios.
En tanto tal, puede definírselo como un sistema que garantiza el acceso a la justicia para los consumidores.”
A partir da análise das características inerentes ao sistema, é possível perceber que o uso da arbitragem como forma de solução para os conflitos consumeristas assegura um melhor acesso a justiça e permite maior celeridade e efetividade na resolução de problemas derivados dessas relações.
Sendo assim, entende-se que a adoção de um sistema similar no Brasil traria inúmeras vantagens, dentre as quais, permitir uma maior efetividade da proteção ao consumidor e um melhor desempenho do Poder Judiciário, que teria um número menor de demandas a serem julgadas e, em contrapartida, atuaria com mais celeridade.
5 COMO A ARBITRAGEM DE CONSUMO PODERIA SER IMPLANTADA NO BRASIL
No Brasil, o sistema de proteção ao consumidor, previsto no Código de Defesa do Consumidor, conforme elucida Casella[19], desde a vigência do Decreto 861/93, posteriormente substituído pelo Decreto Federal 2.181/97, estaria estruturado e teria existência legal, todavia sua operacionalidade ainda carecia ser dimensionada. O autor, já naquela época, apontava a arbitragem como alternativa plausível para viabilizar uma maior efetividade na solução dos conflitos de consumo. Sua proposta, a seguir transcrita, faz menção ao modelo argentino:
“Além e ao lado do aparato legal já existente, a proposta de utilização da arbitragem para a solução de controvérsias ligadas ao consumo pode ser alternativa eficiente para o consumidor brasileiro, a exemplo do que foi experimentado e deu resultados na Argentina.”
Conforme sugere Evandro Zuliani[20], a solução para implantação de uma arbitragem de consumo que tivesse uma rápida aceitação pelos cidadãos brasileiros, cuja mentalidade ainda é significativamente arraigada pela idéia de credibilidade estatal, a exemplo do modelo argentino, seria fazer uso da estrutura estatal.
A credibilidade nas estruturas estatais em geral e, especificamente, nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor, conforme elucida Zuliani[21], tem sua origem no protecionismo estatal. Para ratificar sua afirmação, invoca a doutrina de Patrícia Galindo da Fonseca, que justifica a existência dessa característica, argumentando que:
“O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados. […]
As dificuldades de aceitação e assimilação da arbitragem no Brasil devem-se sobretudo, à nossa formação romanista do Direito. A convicção de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos encontra respaldo no consciente coletivo de nossa sociedade.”
Tendo em vista a credibilidade dos poderes públicos, e a consequente necessidade de realização da arbitragem por órgãos ligados ao Estado, como forma de implantar uma cultura arbitral de forma gradativa e metódica[22], uma solução possível seria utilizar a estrutura já existente dos Procon’s, já que, como bem lembra Zuliani[23]
“diante das ainda existentes dificuldades de acesso à justiça e a repercussão dos serviços prestados pelos Procon, muitos veem nestes órgãos administrativos a ‘tábua de salvação’ para seus problemas de consumo – sem mencionar os cíveis, trabalhistas previdenciários etc – ledo engano. Na maioria das vezes, desconhecendo os limites da atuação administrativa que não pode ultrapassar a linha da tentativa de mediar o conflito, o consumidor sente a frustração de aguardar período (muitas vezes longo) para então ser orientado a engrossar as filas do já abarrotado Poder Judiciário.”
Todavia, como bem afirma o autor,
“é fato que a imagem construída pelos Procon decorre, sem dúvida, da expressiva quantidade de acordos realizados, entretanto, em que pese a inevitável demora no encaminhamento da reclamação, se o acordo acontece tudo vai bem, do contrário, a simples recusa do fornecedor (seja de comparecer na audiência seja de compor o conflito com o consumidor) é capaz de por termo ao procedimento administrativo.”
É sob essa perspectiva que se faz relevante a instituição de juízo arbitral nos órgãos públicos de defesa do consumidor, estrutura esta que ofereceria inúmeros benefícios, não só para as partes envolvidas, mas também para a sociedade que ganharia em qualidade e eficiência na prestação de um serviço público. [24]
Informações Sobre o Autor
Yvana Savedra de Andrade Barreiros
Graduada em Direito (UP)
Graduada em Comunicação Social – Jornalismo (PUCPR)
Especialista em Língua Portuguesa (PUCPR)
Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA)