Resumo: O presente artigo trata da manifesta vantagem para o requerente, em se optar pelos Juizados Especiais Cíveis e não, quando possível, pelo procedimento sumário ou ordinário. No dia a dia forense, muito se tem orientado pela desvantagem do procedimento sumaríssimo, inclinando-se cada vez mais a advocacia ao rito sumário, numa falsa alusão à celeridade processual, coisa que, na prática, boa parte das vezes costuma não se confirmar.
Sumário: I- Introdução; II – Processo e prova; III – Decisão interlocutória; IV – Gratuidade de Justiça; V – Recurso Extraordinário; VI – Do cumprimento de sentença e da intimação pessoal; VII – Por que não o rito sumário?; VIII – Conclusões.
I- Introdução¹
Sim, é verdade, está o caos. Não há juizado no Brasil isento de algum tipo de problema crônico, e, a maioria deles, sabe-se, ligados a morosidade.
Todavia, este fato não quer dizer que processualmente falando, perderam os juizados sua funcionalidade.
O objetivo deste trabalho, portanto, refere-se a tal praticidade, e tem cunho claramente cotidiano. É, em suma, um ensaio extraído do dia a dia.
Por fim, gostaríamos de render homenagens ao professor Ovídio Araújo Baptista da Silva, falecido dia 22 de junho de 2009.2
Perde o Processo Civil brasileiro um dos seus escritores mais inconformados. Morre a vida, o corpo, fica a obra – fonte, bebedouro de inspirações.
II – Processo e prova:
Empiricamente falando, é ainda a fase instrutória, entre as etapas do processo3, a que apresenta maior nível de morosidade. Seja por chicana, seja pela pouca operacionalidade cartorária, é nesta fase que o procedimento tende a reduzir sua velocidade, não poucas vezes, à zero.
Assim sendo, neste aspecto, são bastante funcionais os Juizados Especiais Cíveis. Nos termos do artigo 3º da lei nº 9099/1995, a possibilidade instrutória nesta sede se mostra bastante reduzida4, empreendendo com isso uma desejável praticidade ao procedimento.
No entanto, deve-se admitir que esta ausência de complexidade não costuma se reverter automaticamente em celeridade processual – em se considerando para tal o tempo correspondente entre a distribuição do pedido inicial e a prolação da sentença.
Todavia, como a prática probatória é bastante simplificada, é impossível negar que também mais tranquilo, nestes casos, fica o patrocínio da causa, exigindo-se bem menos do advogado, seja do autor, seja do réu.
Ademais, como o rito em questão é regido pela informalidade e pela oralidade (artigo 2º), boa parte dos atos processuais pode ser resolvido de maneira bem mais simples nos Juizados Especiais Cíveis.
Para a defesa também há imensa vantagem. A contestação é apresentada, muita das vezes, três, quatro meses após a citação5, e a partir do momento em que é citado, (a fim de conhecer da demanda, bem como da hora e dia marcados para a audiência de conciliação), já pode o réu ter acesso aos autos do processo, preparando sua defesa de forma tranquila, com prazo infinitamente maior do que aquele naturalmente previsto em sede ordinária ou sumária. 6
Outra vantagem que nos parece bastante significativa, corresponde a redação do artigo 33 da lei nº 9099/95. Sabe-se que o procedimento padrão é divido em quatro momentos distintos, isto no que se refere à prova das alegações7, todavia, nos juizados especiais cíveis, todos estes momentos concentram-se em um só – na audiência de instrução e julgamento – o que simplifica e muito o procedimento.8
Ademais, não há neste procedimento, como no rito comum, a preclusão dos atos probatórios9 – estes, inclusive, podem ser requeridos na própria audiência de instrução e julgamento, sem a necessidade de aviso prévio.
Desta forma, sem muito esforço, pode-se desde já vislumbrar quão vantajoso é o rito em questão. Assim, caso seja possível a sua escolha, aconselhamos que de tal modo proceda a parte interessada, mesmo que o resultado esperado demore mais a se concretizar, o que não é uma regra (pelo contrário).10
III – Decisão interlocutória:
Não pretendemos discutir neste trabalho, se é realmente correto não ser possível o recurso de decisões interlocutórias nos Juizados Especiais Cíveis. Não nos parece, contudo, ser esta a melhor orientação, mas nos ocuparemos deste assunto em artigo específico.
Deste modo, conquanto questionável, esta é a realidade atual, principalmente após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 57.6847/BA, de relatoria do ministro Eros Grau, sepultando de vez com a utilização do mandado de segurança como substituto imediato do recurso de agravo de instrumento.
Eis o teor da notícia, ora extraída do Informativo nº 547 do Supremo Tribunal Federal:
“INFORMATIVO Nº 547 – TÍTULO – Juizados Especiais e Mandado de Segurança contra Decisão Interlocutória – PROCESSO RE – 576847 – ARTIGO – Não cabe mandado de segurança contra decisão interlocutória proferida em Juizado Especial. Essa foi a orientação firmada pela maioria do Tribunal, ao negar provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que indeferira a petição inicial do mandado de segurança da recorrente — impetrado contra decisão liminar concedida em primeiro grau, no âmbito dos Juizados Especiais —, extinguindo o feito sem julgamento do mérito. Asseverou-se que a Lei 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento das causas cíveis de complexidade menor, razão pela qual consagrou a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Não caberia, por isso, nos casos por ela abrangidos, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento ou a utilização do instituto do mandado de segurança, cujos prazos para interpor e impetrar, respectivamente, não se coadunam com os fins pretendidos pela Lei 9.099/95. Aduziu-se ser facultativa a opção pelo rito sumaríssimo, com as vantagens e limitações que a escolha acarreta. Asseverou-se, ademais, que a admissão do mandado de segurança ensejaria ampliação da competência dos Juizados Especiais, o que caberia exclusivamente ao Poder Legislativo. Por fim, afastou-se a ofensa ao princípio da ampla defesa, haja vista a possibilidade de impugnação das decisões interlocutórias quando da interposição de recurso inominado. Vencido o Min. Marco Aurélio, que provia o recurso, por considerar estar-se diante de exceção alcançada pela Lei 1.533/51, já que, não obstante essa lei revelar como regra o não cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial, tal previsão pressuporia a possibilidade de ter-se recurso contra essa decisão, o que, na espécie, não se teria. Concluía, assim, que o afastamento do mandado de segurança importaria o afastamento da própria jurisdição. RE 576847/BA, rel. Min. Eros Grau, 20.5.2009. (RE-576847)”.
Não queremos da mesma forma discutir quanto ao acerto da decisão colacionada, embora seja lógico imaginar que também com ela não concordamos.
Todavia, ainda que a nosso juízo seja a decisão desacertada, é fato que em relação àquelas demandas mais simples, mais uma vez os Juizados Especiais Cíveis se mostrarão uma belíssima opção.
Assim sendo, após tal orientação, muito dificilmente terá o processo que ultrapassar novos obstáculos de ordem procedimental, se não aqueles já existentes da própria organização burocrática da serventia – percalços estes que devem ser solucionados antes pela ciência da Administração, do que pelos estudiosos do Direito11.
O que estamos querendo dizer é que nos Juizados Especiais Cíveis o desenvolver processual será, desde então, mais evidente, presumível, menos sujeito aos problemas que em outras sedes poderiam ocorrer.
Evitam-se manobras que infelizmente podem ser provocadas por advogados mal intencionados, mais preocupados em postergar com a solução judicial e a consequente entrega do bem requerido, do que efetivamente com a defesa técnica e possível.
O processo, desta forma, nos Juizados Especiais Cíveis, será mais previsível, o que permite inclusive oferecer previsões ao cliente, mesmo que tal prática não seja lá muito indicável.12
É bem verdade também que por si só o sistema recursal brasileiro é tanto quanto caótico13, e o quadro tende a se agravar ainda mais quando o assunto são decisões interlocutórias.
Portanto, conquanto realmente à beira de um abismo, até assim, processualmente falando, são os juizados especiais cíveis nas matérias que lhe competem bastante funcionais, sendo importante ferramenta a favor do jurisdicionado na busca de seus direitos.
É realmente interessante, deve-se admitir, um ambiente mais organizado e um processo com atos processuais praticados em menor intervalo de tempo, mas o que aparentemente pode soar uma resposta mais imediata, tende a se converter em verdadeira dor de cabeça, devido muito as sucessivas possibilidades recursais existentes no procedimento ordinário e sumário (e o efeito suspensivo daí advindo).
Outrossim, na prática forense, ao escolhermos (quando possível) um rito e ao invocarmos certos argumentos, é inevitável conjecturar estarmos diante de um adversário pouco ético, ainda que, evidentemente, seja lamentável ter que pensar desta forma.
Os principais atos dos Juizados Especiais Cíveis, apesar de organizados em espaço de tempo na maior parte das vezes bastante longos14, são, neste mesmo grau, muito mais simples e definidos.
Nesta sede, por exemplo, não correrá o causídico o risco de submeter-se ao debate de questões interlocutórias até a mais alta corte do país, ou quem sabe se sujeitar a entraves de ordem eminentemente protelatória, criados por seu adversário com o intuito claro de retardamento.
Ademais, pela marcha processual até certo modo estável, não oferece o procedimento grandes oportunidades para surpresas desagradáveis. Não seria plausível que o processo, por lógica, se comportasse de forma diferente, já que sob sua responsabilidade estão tutelas de direitos simples, não necessariamente em conteúdo, mas em solução judicial15.
Por estas razões, mais uma vez, acreditamos ser ainda o Juizado Especial Cível um ótimo negócio – tanto para o autor, que tem em suas mãos um instrumento pouco suscetível à chicana, quanto para o réu, que tem a possibilidade de formular sua defesa com um tempo infinitamente maior do que aquele previsto nos demais procedimentos.
IV – Gratuidade de Justiça:
Tratamos do tema em outro trabalho, ora publicado nesta revista Dialética de Direito Processual nº 78. Exploraremos, contudo, novamente este assunto, só que agora sob a ótica dos Juizados Especiais Cíveis, objeto central deste ensaio.
Pois bem, no artigo mencionado, sobre o ponto atual utilidade da exceção de pré-executividade após a lei 11232/2005 e 11.382/2006, assim nos manifestamos:
“No entanto, deve se estar perguntando que utilidade teria a exceção, sendo por isso merecedora de retaliação por falta de interesse, se toda ocorrência discutível nesta sede poderia ser da mesma forma observada como objeto nos embargos do executado. Apontaremos algumas destas vantagens. A primeira delas, a nosso ver, corresponde a desnecessidade do recolhimento de custas judiciais. Para se valer dos embargos do executado, será obrigatório o adiantamento, de acordo com o artigo 19 do Código de Processo Civil, das despesas do processo. É bem verdade realmente que pode o devedor, quando da distribuição do pedido inicial, requerer que lhe seja concedido o benefício da gratuidade de justiça, todavia, o que a rigor, em sua essência, teria natureza contenciosa, têm a jurisprudência transformado em verdadeiro procedimento de jurisdição voluntária. O que se está tentando dizer é que o devedor, pelo teor do artigo 4º da lei nº. 1060/50, para que o benefício da gratuidade de justiça fosse concedido, deveria apenas anexar ao pedido afirmação de pobreza, ficando a cabo da outra parte, caso entendesse oportuno, contraditar o requerimento perquirido, indicando-lhe sua desnecessidade, visto deter o requerente condições de antecipar as despesas do processo. Todavia, atualmente, além dos requisitos já exigidos, cobra-se também que o interessado traga outra série de documentos, para que o juiz, sem prévia oitiva da parte contrária, examine se a concessão de gratuidade é devidamente possível. Não se discorda que a medida, embora ultrapassando a norma, seja legítima, já que no fim das contas, o Poder Judiciário também é interessado no adiantamento das despesas, mas deve-se admitir que, na prática, o benefício da concessão é bem mais difícil de ser alcançado sob essa orientação (…) A análise quanto a concessão ou não de gratuidade de justiça é perigosamente instável. Ademais, pode muito bem o executado ter condições de arcar com as custas de certa demanda (de maneira isolada), mas panoramicamente falando, se considerada todas as demais contendas judiciais nas quais se encontra envolvido, ser retirado desta condição de suficiência”.16
Neste caminho, também aqui neste respectivo ensaio tais argumentos se mostram plausíveis. Como se sabe, nos termos do artigo 54 da lei nº 9099/1995, o acesso ao Juizado Especial Cível independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.
Ora, a determinação é legal, não abrindo espaço para qualquer controvérsia!
É fácil notar, portanto, a praticidade desta via procedimental. Escolhendo esse caminho – quando possível – se isentará o interessado do debate referente à gratuidade de justiça, não poucas vezes obstáculo instransponível no dia a dia.
Academicamente falando, não há maiores dificuldades no raciocínio. Deve se calcular se determinada pessoa possui ou não direito à justiça gratuita, levando-se em consideração não apenas os rendimentos que aufere, mas também os custos que detém para sua mantença pessoal.
Lógico que o padrão a ser considerado deve ser o do homem da rua, até mesmo para que não se cause nenhuma injustiça, exigindo do menos afortunado o pagamento das custas do processo, e do mais enriquecido não.
Mas, ainda sim, em se considerando o procedimento estritamente legal, nem mesmo se afortunado fosse, poderia a parte ter sua gratuidade de justiça analisada, caso tal impugnação não tivesse pela parte contrária sido feita, em razão do artigo 4º e segs. da lei nº 1060/50.17
Deste modo, aquilo que por lei era necessariamente contencioso, assumiu com o tempo outro contorno, menos ligados à necessidade de impugnação pela parte contrária e permitindo ao magistrado que, de ofício, exija prova maior do que aquela prevista em lei.18
Os Juizados Especiais Cíveis, consequentemente, são por mais este motivo uma boa opção para a parte requerente, eis que não necessitará se sujeitar ao crivo discricionário do magistrado para ter seu direito à ação exercido gratuitamente.
Nestes termos, no rito sumaríssimo, foge o interessado do debate quanto a gratuidade de justiça requerida, deixando tal hipótese para momento posterior (caso realmente este momento venha a existir)19.
No mesmo caminho, também não poderá a sentença de primeiro grau, na letra do artigo 55 da lei nº 9099/95, condenar o vencido em honorários de advogado, salvo comprovada litigância de má-fé.
Isto posto, acabamos agora de oferecer mais um argumento, mais uma razão para que, contrariamente ao que se tem pregado por aí, opte o interessado por ingressar com sua ação no Juizado Especial Cível, seja o da sua cidade, seja o da comarca do réu, seja o do local da obrigação fato, nos termos do artigo 4º da lei nº 9099/1995.
V – Recurso Extraordinário:
Atualmente, se orientando por antigo reclame doutrinário20, exige o Código de Processo Civil em seu artigo 543-A, que a questão constitucional ventilada em recurso extraordinário deva oferecer repercussão geral.
Nestes moldes, deve o debate ultrapassar em importância o limite subjetivo das partes envolvidas no conflito, detendo relevância econômica, política, social ou jurídica, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo supra mencionado.
Por mais esta razão, acrescendo o fato de não caber na sede sumaríssima a interposição de Recurso Especial, outra vez representam os Juizados Especiais Cíveis enorme vantagem frente aos demais ritos disponíveis no ordenamento processual brasileiro.
Como dito, não é de hoje que são produzidos trabalhos no sentido da defesa de um maior rigor na admissibilidade dos recursos propostos às instâncias excepcionais. Outrossim, o sistema recursal como um todo é alvo de severas críticas, conforme também já mencionado no sub – item Decisão Interlocutória, mormente nos comentários de rodapé nº 15.
Funcional, desta maneira, utilizar-se dos Juizados Especiais Cíveis. Além da impossibilidade de recursos em face de decisões interlocutórias (salvo embargos de declaração), também os recursos às instâncias máximas são bastante limitados, a uma, por não ser possível nesta sede, como já comentado, o recurso especial, a duas, pelo fato de dificilmente uma matéria debatida no rito sumaríssimo, deter relevância suficiente para ser admitida pelo Supremo Tribunal Federal.
Na matemática temporal, aquilo que a rigor poderia ser um contratempo, se torna um aliado poderosíssimo. Ora, se os recursos nesta sede são muito reduzidos, isso significa dizer que a decisão de primeiro grau tem muito mais força. Assim sendo, embora os atos processuais nos Juizados Especiais Cíveis sejam bem espaçados, com uma diferença significativa de tempo entre a audiência de conciliação e a de instrução e julgamento, no fim, tende o procedimento a ser mais célere, e justamente pelo fato de não possibilitar tantas opções recursais assim à parte inconformada.
Outrossim, quando possíveis, passam ainda por alguns obstáculos certas vezes instransponíveis. Ora, como dissemos, pode se tornar mais vantajoso cumprir com o decidido do que tentar revertê-lo, mormente nos casos onde para o vencido não seja alcançável a gratuidade de justiça – e não poucas oportunidades o preço da obrigação é quase o valor das custas a serem recolhidas.
VI – Do cumprimento de sentença e da intimação pessoal:
Com a publicação da lei nº 11.232/2005, muito se discutiu quanto ao termo a quo referente a contagem do prazo previsto no artigo 475-J.
Para sintetizar todos os argumentos, valemo-nos da exposição digitada por Athos Gusmão Carneiro, que assim discorre:
“A respeito do termo a quo do prazo para pagamento voluntário, é possível relacionar muitas correntes doutrinárias: A) Em primeiro, os que aceitam a orientação (por nós preconizada) de que o prazo de quinze dias simplesmente corre da data da exigibilidade da sentença, orientação já adotada pelo STJ no REsp. 954.859 (…) B) Uma segunda corrente comunga do mesmo entendimento, de que o prazo quinzenal deva correr automaticamente a partir do trânsito em julgado da condenação, mas com a restrição de que não será a multa exigível em execução provisória (…) Nesta corrente, alguns todavia sugerem que em se tratando de execução provisória, o prazo venha a correr da data da intimação do executado sobre tal execução (…) C) São diversos os processualistas para os quais o termo a quo do prazo de quinze dias será a data em que o advogado do réu venha a ser intimado para cumprir a sentença (se desta não houve recurso) ou acórdão, pressupondo-se neste segundo caso o retorno dos autos ao juízo de origem e a intimação do advogado do usual despacho ‘cumpra-se o v. acórdão’ (…) D) Por fim, aqueles processualistas que sustentam a necessidade da ‘intimação pessoal’ do devedor condenado (até, para alguns, com a exigência de mandado intimatório), a fim de que tenha início o prazo para o pagamento voluntário do montante da condenação (…) O argumento maior é o que se cuida de ato da parte, de ato material de cumprimento da obrigação, devendo pois ser o réu ‘previamente advertido quanto à consequência negativa do descumprimento da obrigação’”.21
Pois bem, embora em outra sede esta discussão seja realmente cabível, não é, para nós, da mesma forma possível nos Juizados Especiais Cíveis, e tudo isso, tão somente pela redação do Artigo 52, III da lei nº 9099/1995. Eis a norma:
“Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: III – a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V); V – nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado”.
Ademais, o próprio FONAJE, visando dirimir as controvérsias citadas, editou o enunciado 105, que assim prescreve:
“Enunciado 105. (aprovado no XIX Encontro – Aracaju/SE)
Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento)”.
Esta motivação, a rigor, pode parecer pequena, insuficiente para que se opte, quando possível, pela utilização dos Juizados Especiais Cíveis. Contudo, este não é o caso.
A consequência prática deste enunciado é marcante. Com esta definição, fugimos de imediato de duas situações: a primeira, em relação ao termo inicial do artigo 475-J do Código de Processo Civil, controvérsia que, para os juizados, não mais tem razão de existir, tendo em vista o teor da orientação já colacionada. A segunda, pois, deste debate, poderia o autor (ou o réu, a depender da hipótese) se no rito sumário ou ordinário22estivéssemos, interpor agravo de instrumento, até mesmo com efeito suspensivo, o que mais uma vez causaria a paralisação do procedimento, atrasando a entrega da prestação jurisdicional.
Nestes termos, temos aqui outra vantagem, que merece caso a caso ser avaliada. Assim, no momento da distribuição da ação, deve o advogado ponderar os interesses em jogo, e se simples for o debate, nosso conselho é que se opte pelos Juizados Especiais Cíveis, pelas razões acima expostas.
VII – Por que não o rito sumário?
É bem verdade que nos casos de não cabimento do rito sumaríssimo, pode ser uma boa opção o procedimento sumário. Talvez a grande vantagem entre tal procedimento e o ordinário, seja a concentração mais ou menos acentuada das fases do processo naquele primeiro.
Ainda que em nenhum dos ritos seja realmente possível estancar de forma absolutamente isolada cada etapa, no ordinário, parece cada fase ser tanto quanto mais nítida, o que na prática significa dizer que para a realização de cada ato, uma maior quantidade de tempo poderá, a priori, ser necessária.
Entretanto, isso não representa dizer que necessariamente seja o rito ordinário mais longo – outros fatores podem contribuir para que o procedimento sumário acabe sendo mais elástico.
Por este motivo é que dizemos ainda ser preferível o rito sumaríssimo: é bem mais simples caminhar por um processo mais ou menos previsível como é o dos Juizados Especiais Cíveis, do que se aventurar em uma demanda que, sob o intuito de ser mais célere, pode, no fim, ser muito mais prolongada do que o próprio rito ordinário.
Ademais, ressalvando -se a maior concentração das etapas processuais, e ainda o disposto na redação do artigo 280 do Código de Processo Civil, não guarda maiores diferenças o rito sumário do ordinário. Contrariamente, no procedimento sumaríssimo, além de irrecorríveis serem as decisões interlocutórias (salvo embargos de declaração), também os recursos excepcionais são reduzidos.
Outrossim, o próprio sistema recursal no procedimento sumário não guarda lá grande diferença do rito ordinário, contrariamente ao processo nos Juizados Especiais Cíveis, no qual apenas são possíveis os embargos de declaração, o recurso inominado e o recurso extraordinário.
Sobre a primeira afirmação, eis as palavras de José Carlos Barbosa Moreira23:
“Conforme oportunamente se expôs (Introdução, nº 8), são pequenas as diferenças entre o procedimento sumário e o ordinário em matéria recursal Os recursos cabíveis são os mesmos, nem variam os respectivos requisitos de admissibilidade. Contra qualquer decisão interlocutória, cabe agravo (…) ; contra a sentença, apelação (art. 513). Julgada esta, poderão caber, nos termos habituais, embargos infringentes, recurso especial e/ou extraordinário (…). Toda decisão, interlocutória ou final, é passível de embargos de declaração (…) No segundo grau de jurisdição, há duas peculiaridades: nenhuma recurso se submete à revisão(…) e o julgamento deve ocorrer no prazo de 40 dias (art. 550). Esta última disposição é, na prática, inane, frequentemente desrespeitada; aliás, nenhuma sanção específica se prevê para a respectiva inobservância”.
Sobre a segunda, Alexandre Freitas Câmara:24
“Só se admite recurso expressamente previsto em lei, sendo juridicamente impossível a interposição de recurso fora dos casos em que seu cabimento é expressamente previsto. Consequência disso é o inevitável reconhecimento da existência, no sistema processual civil (tanto no sistema comum quanto no microssistema dos Juizados Especiais Cíveis) de decisões judiciais irrecorríveis. Isto se dá, também, nos Juizados Especiais Cíveis, em que a Lei nº 9099/95 só prevê três recursos cabíveis nos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis estaduais: um recurso contra a sentença, os embargos de declaração e o recurso extraordinário. O exame deste sistema recursal exige, porém, não só a análise dos recursos cabíveis, mas também o estudo dos incabíveis, o que se fará para fixar as bases do cabimento de outros meios de impugnação das decisões judiciais que nos Juizados são proferidas”.
Igualmente, na fase de cumprimento de sentença, ainda sobre pairam diversas dúvidas quanto ao termo a quo do artigo 475-J do Código de Processo Civil. Desta maneira, tal instabilidade é capaz de ensejar no dia a dia mais um sem número de recursos contra a decisão que, pugnando por alguma das correntes mencionadas, acabar prejudicando uma das partes do processo.25
Também a gratuidade de justiça na sede sumária não é a regra, contrariamente ao que ocorre nos Juizados Especiais Cíveis. Por esta razão, devido a inconstância do debate, pode o interessado ver-se tolhido do seu direito de ação por circunstâncias que, muitas vezes, são impossíveis de serem contornadas.
Por todo o mencionado, poucas não foram as razões que nos levaram a caminhar por este posicionamento. Deste modo, quando possível, acreditamos que o ideal é que opte o interessado pelo rito sumaríssimo, eis que mais previsível e menos sujeito as armadilhas que um processo comum pode proporcionar.
VIII – Conclusões:
Do que escrevemos, pode-se extrair as seguintes conclusões: (i) a etapa probatória nos Juizados Especiais Cíveis é infinitamente mais simples se comparada com a do rito comum, o que em termos práticos tende a tornar este procedimento mais célere; (ii) no rito sumaríssimo não há espaço para recurso das decisões interlocutórias (ressalva para os embargos de declaração), o que, mais uma vez, atribui ao processo nos Juizados Especiais Cíveis maior celeridade; (iii) a gratuidade de justiça não é sequer discutível no primeiro grau do procedimento sumaríssimo – é concedida e pronto, por expressa determinação legal, pouco importando se tem a parte condições ou não de arcar com as despesas do processo; (iv) o termo inicial do artigo 475-J do Código de Processo Civil nos Juizados Especiais Cíveis está definido (enunciado 105 da FONAJE), ao contrário do que se observa no procedimento comum26·; (v) a esfera recursal no procedimento sumaríssimo é bastante reduzida, resumindo-se apenas a três recursos, o extraordinário, o inominado e os embargos de declaração, realidade esta não presente no rito sumário, que em poucas ocasiões difere do procedimento ordinário neste quesito.
NOTAS:
Informações Sobre o Autor
Fernando Barroso de Deus
Advogado em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Pós – Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense.