Resumo: Estudo que aborda o instituto da desaposentação e vedação de acumular proventos e remuneração após a Emenda Constitucional n.º 20/98. A partir da referida emenda restou consagrado no ordenamento, consoante entendimento já defendido pelo Supremo Tribunal Federal, a impossibilidade de o servidor aposentado vir a perceber de forma simultânea proventos de aposentadoria e remuneração decorrentes de cargo público, salvo as exceções constitucionalmente permitidas. Diante da expressa vedação constitucional o objeto investigado no presente trabalho é a viabilidade da utilização do instituto da desaposentação para que o servidor público possa ingressar por concurso em outro cargo público, sem incidir na vedação de acumulação de remuneração e proventos determinada pela Emenda Constitucional n.º 20/98. O alcance do objetivo se subsidia pela seguinte questão norteadora: a desaposentação objetivando a utilização do tempo de serviço do servidor para aquisição de uma aposentadoria mais vantajosa constitui direito do servidor? O método consiste em um estudo descritivo utilizando-se de doutrinadores pátrios, levantamento da jurisprudência e do entendimento adotado pelos Tribunais. Embora o instituto seja amplamente aceito pelos doutrinadores e pela jurisprudência, a ausência de previsão legal para a desaposentação tem constituído obstáculo para a concessão do benefício pelos órgãos administrativos. Constatou-se ao final do estudo que a desaposentação constitui o exercício de um direito do servidor, consistente na renúncia de seus proventos, que poderá ser exercido independente da anuência da Administração, com o objetivo de beneficiar o servidor que almeja a aquisição de uma aposentadoria em melhores condições.[1]
Palavras-chaves: Servidor Público. Desaposentação. Vedação de acumular proventos e remuneração.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e natureza jurídica do ato de aposentadoria. 3. Da desaposentação. 4. Da vedação de acumulação de proventos e remuneração após a Emenda Constitucional n.º 20/98. 5. Da ausência de previsão legal para a desaposentação. 6. Do reconhecimento dos Tribunais do direito à desaposentação. 7. Conclusão. Referências.
1. Introdução
A aquisição de condições dignas para subsistência do cidadão após a inatividade é um anseio que assola toda a sociedade. Vivemos ainda a fase em que os proventos de aposentadoria mostram-se, muitas vezes, insuficientes para o atendimento das necessidades básicas do aposentado, que, não raro, vê-se obrigado a buscar outras fontes de renda, que lhe permitam melhorar sua condição econômica.
A partir da Emenda à Constituição n.º 20/98 a possibilidade de o servidor aposentado dar continuidade a sua atividade laborativa, mediante o ingresso por concurso em outro cargo público, restou expressamente limitada às hipóteses em que permitida a acumulação de cargos na atividade, aos cargos eletivos e aos cargos em comissão declarados em lei como livre exoneração e nomeação.
Em face dessa vedação Constitucional, a desaposentação surge como uma alternativa para o servidor inativo que busca a melhoria de suas condições econômicas.
Defende-se nesse enfoque a viabilidade da utilização do instituto para que o servidor público possa ingressar por concurso em outro cargo público, sem incidir na vedação de acumulação de remuneração e proventos determinada pela Emenda Constitucional n.º 20/98.
O tema é de fundamental relevância, uma vez que o direito a aposentadoria, constitui direito fundamental do cidadão, ligado à noção de dignidade da pessoa humana. A desaposentação, por sua vez, constitui meio para que o servidor inativo busque a aquisição de uma nova aposentadoria mais vantajosa, através da liberação do tempo abrangido pela antiga aposentadoria.
Não obstante seja o instituto amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência, a ausência de previsão legal dificulta seu estudo e aplicação, que ainda não possui uma delimitação clara sobre os efeitos da desaposentação para o servidor, motivo pelo qual a desaposentação é muitas vezes negada pelos órgãos da Administração Pública.
2. Conceito e natureza jurídica do ato de aposentadoria
Antes de adentramos no conceito de desaposentação, cumpre abordar, ainda que de forma suscinta, o conceito e a natureza jurídica do ato de aposentadoria, uma vez que sua desconstituição, em razão da vedação constitucional de acumulação de proventos e remuneração, constitui pressuposto para que o servidor possa desaposentar-se com a finalidade de ingressar em um outro cargo público e, por via de conseqüência, possa adquirir um novo benefício mais vantajoso.
Aposentadoria é o “direito garantido pela Constituição, ao servidor público, de perceber determinada remuneração na inatividade” (CARVALHO FILHO, 2003, p. 543).
Com efeito, a aposentadoria constitui um direito fundamental do servidor público, previsto no art. 40 da Constituição Federal, que após o cumprimento do período e das condições previstas no ordenamento passa a ter o direito a receber do Estado determinado valor durante a inatividade.
A concessão da aposentadoria é materializada por meio de um ato administrativo vinculado, emanado pelo Estado no exercício de suas funções, tendo por finalidade reconhecer uma situação jurídica subjetiva do servidor. No contexto do Estado Social, é ato que emana do Poder Público em sua função típica, de forma vinculada, reconhecendo o direito do beneficiário. (IBRAHIM, 2005, p. 33).
Com a mestria que lhe é peculiar a Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 413) esclarece que o ato de aposentadoria, em verdade, não é uma concessão do Estado, mas um direito que é assegurado ao agente público, formalizado através de um processo de reconhecimento de sua aquisição pelo interessado. Sob esse prisma, a aposentadoria visa garantir os recursos financeiros indispensáveis ao beneficiário, de natureza alimentar, quando este já não tenha condições de obtê-los por conta própria.
Não se trata, contudo, de nenhum privilégio, favor ou condescendência do Estado, mas, sim, de um direito fundamental do servidor-trabalhador garantido pela Carta Magna como uma das formas de se assegurar a dignidade da pessoa humana.
Desta feita, a concessão da aposentadoria constitui uma prerrogativa constitucional do servidor formalizada através de um ato administrativo emanado pelo Estado, em conseqüência do preenchimento dos requisitos legais.
Discorrendo sobre o direito à aposentadoria, afirma Roseval Rodrigues da Cunha Filho:
“Aposentadoria constitui direito personalíssimo, pelo que não se admite sua transação ou transferência à terceiros a qualquer título, sendo vedada a sua cessão a qualquer título. Não significa, necessariamente que a aposentadoria seja um direito indisponível pelo seu titular” (CUNHA FILHO, 2003, p. 8).
Corroborando o entendimento quanto à natureza disponível do direito à aposentadoria, Roberto Luis Luchi Demo aduz que “a aposentadoria é direito subjetivo e patrimonial posto ser ontologicamente direito disponível, decorrente da relação jurídico-previdenciária” (DEMO, 2003, p. 23 apud CUNHA FILHO, 2003, p. 9.).
Segundo essa linha de entendimento, a aposentadoria como direito subjetivo e personalíssimo de seu titular diz respeito única e exclusivamente ao seu beneficiário, sendo, desta forma, um direito renunciável, já que preenchidos os requisitos legais, o servidor público pode ou não a vir exercê-lo.
Costa Júnior (1998) observa que atendidos os requisitos legais terá o trabalhador direito à aposentadoria, bastando, para isso, que ele manifeste sua vontade, por meio de requerimento dirigido à autoridade competente. Assim, aposentadoria, quando alcançada, passa a ser um direito patrimonial do trabalhador e, sendo ele o legítimo titular desse direito, poderá dele dispor, como melhor lhe aprouver, no exercício do seu livre arbítrio.
Coelho (2000) ressalta, ainda, que na qualidade de direito personalíssimo, disponível, o ato de disposição do benefício de aposentadoria pertence ao inativo, não comportando ingerências do Estado, motivo pelo qual seu deferimento independe da anuência da Administração.
Em sentido oposto, cumpre destacar o entendimento adotado por Colnago (2005, p. 793 apud KRAVCHYCHYN, 2007) no sentido de que o ato de aposentadoria, na qualidade de ato jurídico perfeito, possui caráter irrenunciável, somente se admitindo sua retirada do ordenamento jurídico, em razão do princípio da paridade das formas, por outro ato administrativo com requisitos idênticos e mediante expressa permissão legal.
Posicionamento análogo restou defendido pela Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais (2003), em face do pedido de renúncia à aposentadoria apresentado por servidor estadual, almejando a posse em cargo inacumulável na esfera federal, em Parecer assim ementado:
“RENÚNCIA DE APOSENTADORIA – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA – RESPEITO AOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA LEGALIDADE E DA MORALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – OBEDIÊNCIA AO ATO JURÍDICO PERFEITO E PRESERVAÇÃO DA SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1998 – PRECEDENTES DA PROCURADORIA GERAL DO ESTADO – PROVIMENTO DO RECURSO OFICIAL RELATÓRIO.”
De acordo com o entendimento perfilhado pela referida Advocacia-Geral do Estado, tendo sido reconhecidos os direitos de determinado servidor público para apuração de seus proventos, o ato de formalização da aposentadoria configura-se em ato jurídico perfeito, sendo inadmissível sua alteração de forma unilateral pelo servidor, que ensejaria não apenas a violação ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, mas igualmente aos princípios da legalidade, moralidade e, ainda, ao planejamento fiscal público.
Assim, ao argumento de violação ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica, os defensores do caráter irrenunciável da aposentadoria sustentam a impossibilidade de sua desconstituição dar-se por ato unilateral do aposentado, dependendo, portanto, da anuência da Administração (CARDOSO, 2007).
De fato, adverte Ibrahim (2005, p. 43) que a negação das prerrogativas do ato jurídico perfeito viola a segurança jurídica levando o servidor à condição de eterna insegurança, caso seu benefício pudesse ser revisto a qualquer tempo ou até mesmo diante do deferimento, meramente abdicativo, da renúncia dos proventos de aposentadoria sem que disso advenha disso qualquer benefício ao servidor.
Desta forma, a renúncia à aposentadoria somente se apresentaria perfeitamente viável, quando realizada por ato voluntário do servidor e em seu benefício, como no caso da obtenção de uma aposentadoria mais vantajosa.
3. Da desaposentação
O conceito de desaposentação decorre de uma construção essencialmente doutrinária e jurisprudencial, especialmente em virtude da ausência de previsão legal do instituto (ARAÚJO, 2007, p. 1).
Segundo Coelho a desaposentação consiste no:
“[…] direito de o aposentado renunciar à jubilação e aproveitar o tempo de serviço para nova aposentadoria. Logo, o escopo último do fenômeno jurídico desaposentação é, exatamente, o de outorgar ao jubilado a prerrogativa de unificar os seus tempos de serviços numa nova aposentadoria” (COELHO, 2000).
Partindo para um conceito mais abrangente Castro e Lazzari definem a desaposentação como:
“O ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário. Trata-se, em verdade, de uma prerrogativa do jubilado de unificar os seus tempos de serviço/contribuição numa nova aposentadoria” (CASTRO E LAZZARI, 2006, p. 545).
Ibrahim (2005, p. 35) preleciona que a desaposentação se traduz na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, com objetivo de melhorar o status financeiro do aposentado.
Sob esse enfoque, a desaposentação consiste na renúncia aos proventos da aposentadoria tendo como principal objetivo permitir ao beneficiário a utilização do respectivo tempo de serviço/contribuição para aquisição de nova aposentadoria mais vantajosa para o servidor no mesmo regime ou em regime diverso.
Lima (s.d) escreve que o intuito da desaposentação é exatamente o de liberar o tempo de contribuição computado para a aquisição da aposentadoria, de forma que esse tempo fique livre e desimpedido para averbação em outro regime ou no mesmo regime, em razão de o servidor continuar laborando após aposentar-se.
De acordo com Araújo (2007, p. 2) o objetivo primordial do instituto é propiciar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário, através da continuidade laborativa do segurado aposentado, utilizando-se das contribuições vertidas antes e após a aposentação. Não se trata, portanto, de cumulação de benefícios ou remuneração, mas sim da cessação de uma aposentadoria para que se possa dar continuidade à atividade laborativa do servidor para, posteriormente, dar-se início a outra aposentadoria.
Ressalta a mencionada autora que a doutrina apresenta posicionamentos divergentes, ora considerando a desaposentação como a desconstituição da aposentação com vistas a possibilitar o aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria no mesmo ou em outro regime, ora restringindo o conceito de restringindo a possibilidade de aproveitamento do tempo de contribuição somente quando a nova aposentadoria for em outro regime.
No sentido de limitar a desaposentação à hipótese de obtenção de uma nova aposentadoria em outro regime, leciona Cunha Filho:
“Assim, tem-se a desaposentação como ato unilateral do aposentado, concernente no desfazimento voluntário da inatividade, aproveitando-se contudo o tempo de serviço no respectivo para jubilação em outro regime a que tenha se vinculado” (CUNHA FILHO, 2003, p.12).
Sob outro contexto, Sarruf (2007) diferencia o direito à renuncia à aposentadoria, que consistiria num ato unilateral do beneficiário de não perceber seus proventos de inatividade, da desaposentação, propriamente dita, que seria a desconstituição do ato de aposentadoria, implicando necessariamente a sua extinção.
Segundo o autor, a renúncia seria mero ato de abdicação aos proventos de aposentadoria, motivo pelo qual não garantiam ao renunciante o direito de obter a contagem de tempo de serviço para ingresso em outro regime, a saber:
“A renúncia não exerce poderes de desconstituição sobre o ato e tampouco consiste em instrumento adequado para se extinguir o vínculo existente entre o servidor e o ente público ao qual está ligado. Por conseqüência, não garante ao servidor-renunciante a obtenção de certidão de tempo de serviço para o fim de averbação em outro regime de previdência. A renúncia também não pode ser, de maneira alguma, considerada como meio de possibilitar o ingresso ou mesmo a investidura do servidor no serviço público”.
Fundamentando seu posicionamento, o autor menciona a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [2] no sentido de que a renúncia não revoga nem tampouco anula o ato de aposentadoria, que permanece íntegro em relação ao ente público, mas apenas retira do aposentado, a sua eficácia quanto à percepção dos proventos.
A jurisprudência predominante, entretanto, conforme veremos mais adiante em capítulo próprio, tem admitido a renúncia à aposentadoria, não apenas para fins da abdicação de seus efeitos patrimoniais, mas também nas hipóteses em que se deseja obter a contagem de tempo de serviço para obtenção de uma aposentadoria mais benéfica.
Importa salientar que a possibilidade de desaposentação encontra-se vinculada a melhoria econômica do servidor aposentado, sendo que seu objetivo deve nortear-se pela primazia do bem-estar do indivíduo e também de toda à sociedade (IBRAHIM, 2005, p. 39).
4. Da vedação de acumulação de remuneração e proventos após a emenda constitucional n.º 20/98
A Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, em seu art. 99, § 4º, restringia a acumulação de cargos com proventos, trazendo a ressalva de que “a proibição de acumular proventos não se aplica aos aposentados, quando ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto a contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados” (DI PIETRO, 2004, p. 464).
A Constituição Federal de 1988, no entanto, a exemplo da Constituição de 1967, silenciou a respeito, dispondo apenas sobre a proibição da acumulação remunerada de cargos públicos, o que gerou inúmeras divergências sobre admissibilidade da acumulação de proventos e remuneração pelo servidor (ARAÚJO, E., 2006, p. 291).
Discorrendo sobre a redação original da Constituição Federal de 1988, no que tange a vedação de vedação de acumulação de proventos e remuneração, se posiciona Di Pietro:
“Segundo entendemos, a Constituição de 1946 não criava, como a atual não cria, restrição ao exercício de outro cargo ou função, de qualquer natureza, por parte do funcionário aposentado por tempo de serviço. A de 1967 é que restringiu, ao estabelecer as hipóteses em que essa acumulação era permitida ao aposentado. Note-se que a constituição atual veda a acumulação de “cargo” e não se pode ampliar o sentido desse vocábulo de tal modo que abranja a situação do aposentado”. (DI PIETRO, 2004, p. 465)
A título de exemplo, a autora cita o art. 448 do Decreto n.º 42.850/63 (Brasil, 1963), então vigente no Estado de São Paulo, que permitia a acumulação da percepção de vencimentos, remunerações ou salários com proventos de inatividade ou pensões civis ou militares.
Nesse sentido, Carmem Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 275) esclarece que ausência do estabelecimento da vedação na Constituição de 1988 deveu-se a Emenda oferecida pelo Senador Nelson Carneiro, que em sua justificativa para eliminar a condição proibitiva expressa, ponderava:
“Entendo que as aspirações humanas podem ser resumidas em uma só: o ideal é que todos possam viver em segurança e felicidade enquanto dura a vida. Em segurança está o que é livre de privações, dispondo de tudo quanto seja indispensável para uma existência digna do ser humano. De certo não vive em segurança a maioria esmagadora do funcionalismo público brasileiro, em virtude de seus modestíssimos vencimentos. Falar da exigüidade de sua paga é versar um truísmo. A raríssima existência dos marajás não invalida a afirmação… Em verdade, o que assim é na atividade, pior se torna na inatividade. Ao que se aposenta ainda saudável, portador de rica experiência, veda-se-lhe a possibilidade de um novo cargo, emprego ou função pública, do qual poderia auferir algo mais com que, finalmente, aproximar-se do ideal de uma vida segura. … O que é preciso é reabrir o serviço público a todo e qualquer cidadão nele inativado, desde que prestante e útil ao serviço. Sem isso a aposentadoria se constitui um castigo” (CARNEIRO apud ROCHA, 2004, p. 451).
Não obstante os entendimentos favoráveis à possibilidade de acumulação, na doutrina majoritária, prevaleceu o entendimento manifestado em diversas decisões proclamadas pelo Pretório Excelso[3], no sentido da ilegalidade de percepção simultânea de proventos de aposentadoria com remuneração de cargo, salvo os casos excetuados pelo ordenamento jurídico.
A propósito, cabe rememorar o seguinte posicionamento manifestado pelo colendo Supremo Tribunal Federal, conforme ementa transcrita abaixo:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO. CF, ART.37, XVI, XVII.
A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição Federal, artigo 37, incisos XVI e XVII, artigo 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art.185, que continha norma igual à que está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis”.
(STF – RE nº 163.204-6 AP, DJ de 31. 03. 95).
Seguindo o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, a Lei n.º 9.527/97 (Brasil, 1997), acrescentou um parágrafo terceiro no art. 118 da Lei 8.112/90 (Brasil, 1990), passando a vedar a acumulação de proventos e remuneração, a saber:
“Art.118. […]
§ 3o Considera-se acumulação proibida a percepção de vencimento de cargo ou emprego público efetivo com proventos da inatividade, salvo quando os cargos de que decorram essas remunerações forem acumuláveis na atividade.”
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 16.12.98, restou consagrado, no § 10, do art. 37 da Carta Magna, o entendimento já defendido pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido da impossibilidade de percepção simultânea de proventos e remuneração, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.
Eis o teor do dispositivo supramencionado:
“Art. 37 […]
§ 10 – É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.”
A Emenda Constitucional n.º 20/98 cuidou, ainda, de resguardar o direito dos servidores que já vinham acumulando proventos com remuneração de outro cargo, tendo estabelecido em seu art. 11 a seguinte regra de transição:
“Art. 11 – A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo.”
Desta forma, não obstante os pronunciamentos anteriores do pretório excelso, restaram respeitadas as situações de acumulação já consolidadas antes da Emenda, observadas as regras concernentes ao teto remuneratório constitucional e à vedação da percepção simultânea de proventos.
A vedação da percepção de mais de um provento de aposentadoria à conta do regime previdenciário do art. 40 da Constituição Federal foi outra inovação introduzida pela a Emenda à Constituição n.º 20/98, tendo sido ressalvados apenas as aposentadorias decorrentes de cargos acumuláveis constitucionalmente, prevista no § 6º do art. 40 da Carta Magna (MORAES, 2001, p. 59).
Infere-se que, ressalvadas as hipóteses de direito adquirido previstas pelo art. 11 da EC n.º 20/98, bem como os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos os eletivos e os cargos em comissão, para que o servidor possa ingressar em um outro cargo público, almejando a melhoria das suas condições de aposentadoria torna-se imprescindível a desconstituição do ato de aposentadoria, sem o qual incidirá em acumulação ilícita.
Nesse sentido, Coelho (2000) traz a lume o ensinamento de João Batista Damasceno, professor e Juiz de Direito, o qual preleciona:
“Se a aposentadoria é renunciável ante a indevida acumulação, não há fundamento jurídico para seu indeferimento quando se tratar de liberalidade do aposentado. Assim, não há se negar o reconhecimento à renúncia à aposentadoria apresentada voluntária ou necessariamente, bem como a certificação de tal ocorrência e do tempo de serviço prestado pelo aposentado” (DAMASCENO, 1998, p. 279 apud COELHO, 2000).
Continua o citado magistrado, advertindo que:
“A pretensão da administração pública em formar juízo quando da apresentação da renúncia à aposentadoria, bem como a negativa em fornecer certidão de tal ocorrência, importa em violação a direito líquido e certo, ensejadora de reparação pelos meios de controle dos atos ilegais praticados pelo poder público.”
Na mesma linha, José Maria Pinheiro Madeira (2006, p. 299) defende que concedida uma determinada aposentadoria por tempo de serviço, nada impede que, posteriormente, o beneficiário dela renuncie, visando a se aposentar estatutariamente, em virtude de nomeação e exercício de cargo público, decorrente de aprovação em concurso.
Costa Júnior (1998) esclarece que a vedação da acumulação de vencimentos com proventos está consagrada pelo Supremo Tribunal Federal, só sendo permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na forma permitida pela Constituição Federal, art. 37, XVI e XVII, e art. 95, parágrafo único, I.
Desta forma, para que o servidor não incida em acumulação indevida, o caminho efetivamente necessário será a desaposentação, mediante a renúncia dos proventos de aposentadoria.
Nesse sentido, o autor destaca o entendimento do Tribunal de Contas de Minas Gerais no processo administrativo DA/011/98:5, cujo trecho, tendo em vista a clareza com que a matéria abordada, considera-se pertinente transcrever a seguir:
“Trata-se de pedido de renúncia de aposentadoria requerido pela servidora inativa Telma Mourão Blanck, em virtude de aprovação em concurso público e conseqüente ocupação de cargo no Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Considerando que na Sessão de 01/04/96 o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal rejeitou o Embargo de Declaração do Recurso Extraordinário n. 163.204 e considerou ilegal a acumulação de proventos (decorrentes da aposentadoria em cargo público) com a percepção de vencimentos (derivados do exercício de outro cargo público), ficou consagrado o postulado geral da inacumulatividade de cargos públicos, sendo vedada a acumulação de aposentadoria em cargo público com o exercício de outro cargo público, vedação que se aplica a todas as espécies de acumulações, submetida a uma única exceção: quando se tratar de acumulação que seria lícita também na atividade (letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal/88). Assim, para que a servidora tome posse no Tribunal de Alçada, o caminho jurídico adotado pela requerente é o efetivamente correto. Considerando, ainda, que a renúncia ‘é um direito patrimonial de caráter disponível’, defiro o pedido à luz da decisão do Supremo Tribunal Federal acima mencionada.”
Malgrado o entendimento favorável já esposado pela Corte de Contas Mineira, cabe destacar que a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais (2003) entende que a desaposentação representa uma burla à vedação de acumulação de remuneração e proventos, ao argumento de que a partir da emenda Constitucional nº 20/98, restou ressalvada uma única hipótese admissível de acumulação de proventos e remuneração, qual seja, a hipótese de o servidor público aposentado ter reingressado no serviço público, via concurso, antes da vigência do texto contido na Emenda Constitucional nº 20/98.
De acordo com esse entendimento, ao cogitar-se de outro caminho, como o da renúncia a aposentaria, não previsto pelo constituinte derivado, com o fulcro de afastar o obstáculo da acumulação indevida de proventos e remuneração, o servidor estaria esvaziando o conteúdo da vedação constitucional, o que, afigura-se, portanto, inadmissível.
Conclui-se, no entanto, de acordo com o entendimento da doutrina predominante sobre o tema, que a possibilidade de desaposentação, com a renuncia dos proventos de aposentadoria do servidor, para que ele possa vir a ingressar por concurso público em outro cargo, constitui direito do servidor que, visando melhorar suas condições econômicas, opta por dar continuidade à sua atividade laborativa, abrindo mãos dos proventos anteriormente concedidos.
5. Da ausência de previsão legal para desaposentação
A ausência de previsão legal acerca da possibilidade da desaposentação tem sido um dos principais óbices para a concessão do benefício pela Administração Pública. Invocando aplicação do princípio da legalidade, comumente entende a Administração pela impossibilidade do desfazimento do ato de aposentadoria, haja vista a máxima de que “à Administração somente é licito fazer a aquilo que a lei prevê” (KRAVCHYCHYN, 2007).
Discorrendo acerca da necessidade de previsão legal para a desaposentação, pondera Sarruf:
“Não se pode negar que o que se busca com a desaposentação é, em princípio, de iniciativa louvável, vez que os direitos sociais existem em favor de seus destinatários e, no caso específico do sistema da Seguridade Social, visa a proteção ao segurado. Por outro lado, também é incontestável que o mecanismo utilizado para tal consecução não encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, e admitir o instituto da desaposentação sem que haja tratamento legal adequado é violar a teoria do desfazimento dos atos administrativos” (SARRUF, 2007).
De acordo como mencionado autor, na atual legislação previdenciária inexiste qualquer dispositivo que permita a desconstituição do ato concessivo da aposentadoria, o que, num primeiro momento, impede que a Administração Pública reconheça o ato de desaposentação. Nesse prisma, a aposentadoria somente poderia ser desfeita se estivesse eivada de algum vício. Deve-se considerar, ainda, que se a Administração não possui liberalidade para apreciar o ato no momento de sua edição, tampouco poderá fazê-lo posteriormente, salvo se houvesse autorização legal expressa.
A doutrina predominante, entretanto, defende que o princípio da legalidade estrita não pode ser invocado pela administração para restringir direitos dos administrados, uma vez que a existência do Estado não constitui um fim em si mesmo, e sim um meio para a satisfação das necessidades dos cidadãos cujo bem-estar constitui o verdadeiro fundamento de sua existência (IBRAHIM, 2005, p. 65).
Admitindo-se a existência útil do Estado, o mesmo deve perseguir o bem comum sob o risco do desmoronamento de suas bases instituidoras. Sua finalidade não deve ser dimensionada apenas do ponto de vista do indivíduo, mas de toda a coletividade. Visto isto, não é suficiente ao Estado proporcionar igualdade de condições para todos, mas também meios de sobrevivência que assegurem a dignidade humana.
Nesse sentido Coelho (2000) ressalta que o não reconhecimento de um direito público individual é relegar a um segundo plano os interesses do administrado, elevando o princípio da legalidade a um patamar tal, que implicaria em sobrepor os direitos e garantias fundamentais outorgados ao cidadão pelo Poder Constituinte, como, por exemplo, o erigido no inciso II do art. 5º da Lei maior de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Da mesma forma que à administração é vedado fazer tudo que não for permitido em lei, ao Administrado somente poderão ser impostas as restrições legalmente previstas.
Lima (s.d.) afirma que inexistindo no ordenamento norma impeditiva do direito à desaposentação não é permitido a Administração Pública, sob o enfoque de uma interpretação meramente restritiva do princípio da legalidade, negar ao servidor o direito a desaposentação, aduzindo:
“O Poder Público distorce a correta aplicação do Princípio da Legalidade, uma vez que o administrado pode fazer tudo, desde que não proibido por lei; entretanto, a Administração Pública só fará aquilo que estiver previsto em lei, não podendo a Administração Pública impor ditames legais aos administrados, podendo somente impor suas restrições através de lei. […]
A ausência de previsão legal para o exercício das prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, não pode ser alegada pela Administração Pública como entrave à desaposentação, visto que cabe à pessoa, desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua vida, aposentado ou não” (LIMA, s.d.).
Destacando a necessidade de o operador do direito, ante a ausência de norma legal, valer-se da legislação correlata e dos princípios que regem o ordenamento jurídico, preleciona Cunha Filho:
“Não se pode falar em afronta ao princípio da legalidade que norteia a administração pública nos termos do citado artigo 37 da Lei Maior, ante à inexistência de norma específica pertinente à desaposentação, mesmo porque a complexidade das relações sociais impede a existência de uma norma para cada questão, razão pela qual deve o operador do Direito valer-se de legislação correlata, reitere-se, existente no que se refere ao tema em estudo e à todas as demais fontes do Direito, conforme preceitua inclusive a Lei de Introdução ao Código Civil e a legislação processual” (CUNHA FILHO, 2003).
Ibrahim (2005, p.67) alerta que, em verdade, a pretensa falta de permissivo legal é ainda muito utilizada em razão da falta de interesse da Administração e até mesmo devido à perplexidade da Administrador perante o fato do aposentado desejar desaposentar-se. Não obstante seja a interpretação baseada na legalidade estrita, ressalta o autor, que infelizmente, numa interpretação “claramente equivocada” muitas vezes o Estado prefere negar direitos a adequar-se às novas demandas sociais.
Não admitindo a renúncia à aposentadoria, o Estado estará cerceando um direito constitucional fundamental do cidadão, que é o de buscar no trabalho e na melhoria de remuneração sua ascensão social (COSTA JÚNIOR, 1998).
Desta forma, a ausência de permissivo legal não deve constituir óbice para a desconstituição do ato de aposentadoria, não sendo lícito à Administração restringir o exercício de direitos, mormente quando o seu fim é beneficiar o segurado, constituindo o interesse público nada mais do que os interesses da coletividade.
6. Do reconhecimento dos tribunais do direito à desaposentação.
Após a Publicação da Emenda à Constituição n.º 20/98, restou definitivamente consolidado o entendimento pela impossibilidade de acumulação de proventos e remuneração, tendo sido a matéria recentemente[4] analisada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 463028 – RS, na relatoria da Ministra Ellen Gracie, assim ementado:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DUPLA ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS. EC 20/98. IMPOSSIBILIDADE. 1. Servidora aposentada que reingressou no serviço público, acumulando proventos com vencimentos até a sua aposentadoria, quando passou a receber dois proventos. 2. Conforme assentado pelo Plenário no julgamento do RE 163.204, mesmo antes da citada emenda constitucional, já era proibida a acumulação de cargos públicos. Pouco importava se o servidor estava na ativa ou aposentado nesses cargos, salvo as exceções previstas na própria Constituição. 3. Entendimento que se tornou expresso com a Emenda Constitucional 20/98, que preservou a situação daqueles servidores que retornaram ao serviço público antes da sua promulgação, nos termos do art. 11. 4. A pretensão ora deduzida, dupla acumulação de proventos, foi expressamente vedada no citado art. 11, além de não ter sido aceita pela jurisprudência desta Corte, sob a égide da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e improvido.”
Não obstante o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha se pronunciado a cerca da possibilidade de o servidor renunciar sua aposentadoria com intuito de não incidir na acumulação indevida de cargo, a matéria já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, que, por diversas vezes[5], manifestou-se no sentido da possibilidade de renuncia da aposentadoria visando à nomeação em outro cargo público.
A título elucidativo, tem-se por oportuno trazer à colação as ementas dos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
Seguindo a orientação esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, o Tribunais Regionais Federais da Primeira e Quarta Região já se manifestaram pela viabilidade do servidor renunciar sua aposentadoria, com a finalidade da contagem de tempo para fins da aquisição de uma aposentadoria mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime. Nesse sentido, destacam-se os seguintes acórdãos:
Na mesma linha, merecem relevo os julgados dos Tribunais Regionais Federais da Segunda e Terceira Região que expressamente vêm admitindo o direito à desaposentação, ressaltando que a ausência de previsão para o instituto não constitui óbice para sua concessão, uma vez que inexiste no ordenamento qualquer vedação legal que impeça o servidor de renunciar o seu direito à aposentadoria:
O instituto da desaposentação encontra, ainda, o beneplácito do Tribunal de Contas da União, que ao analisar a possibilidade de cancelamento do registro do ato de aposentadoria de servidor público, visando sua renúncia para fins da contagem de tempo e obtenção de novo benefício, assim tem se pronunciado:
“APOSENTADORIA. RENÚNCIA PARA CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO JÁ PRESTADO PARA FIM DE NOVA APOSENTADORIA. CANCELAMENTO DO REGISTRO DO ATO. […] Concordando com a Unidade Técnica e o Ministério Público, e à vista de diversas deliberações que tornam pacífico o procedimento em análise” (Acórdão 2056/2003 – Segunda Câmara, Acórdão 317/03 – Segunda Câmara, Decisão nº 226/00 – Segunda Câmara, Decisão nº 03/99 – primeira câmara, Decisão 178/97 – Segunda Câmara), acolho o pedido de cancelamento do registro da aposentadoria do interessado (TCU, Acórdão 1447/2004 – Segunda Câmara).
“PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE DE RENÚNCIA COM EFEITOS RETROATIVOS. APLICAÇÃO DAS NORMAS VIGENTES NO MOMENTO DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. Somente com a renúncia da aposentadoria, o tempo de serviço que lhe dava suporte pode ser aproveitado para a produção de efeitos jurídicos no que concerne à obtenção da nova inatividade (TCU, Acórdão 1468/2005 – Plenário).”
Ressaltamos, ademais, o voto proferido pelo Conselheiro Eduardo Carone Costa, em sessão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, realizada dia 09/08/2000, referente à Consulta n.º 622.255:
“[…] Saliente-se, por oportuno, que uma vez efetivada a renúncia à percepção de proventos, o tempo de serviço já prestado poderá ser computado para completar o requisito de nova aposentadoria no outro cargo, observadas, entretanto, as condições prescritas no art. 40 da vigente Constituição federal, com as inovações introduzidas pela Emenda nº. 20/98”.
Abarcando o entendimento de que a aposentadoria constitui direito personalíssimo, renunciável por seu titular, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Julgamento da apelação Cível nº. 1.0024.06.989541-5/001(1), na relatoria do Desembargador Schalcher Ventura, publicada em 14/11/2007, considerou possível a renúncia do servidor público para fins de ingresso em outro cargo e a contagem de tempo para fins de novo benefício.
Visto isso, é de se observar que os Tribunais já deram importante passo para o reconhecimento da desaposentação como um direito do servidor, que visando condições melhores e mais dignas de aposentadoria, opta por dar continuidade à sua atividade laborativa, através do ingresso em novo cargo público.
Note-se, por derradeiro, que de acordo com o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais, almejando o servidor aposentado o ingresso em inacumulável faz-se imprescindível a renúncia aos proventos anteriormente concedidos para que o servidor não venha a incidir na vedação determinada da pela Emenda n.º 20/98.
7. Conclusão
Em arremate é possível concluir que o instituto da desaposentação apresenta-se como uma alternativa plenamente viável para que o servidor possa ingressar, por concurso público, em um novo cargo público, sem incidir na vedação constitucional determinada pela Emenda Constitucional n.º 20/98 de acumulação de proventos e remuneração.
O direito do servidor de buscar a melhoria de suas condições de vida, através do retorno à atividade laborativa e aquisição de novo benefício mais vantajoso vai de encontro ao preceito constitucional da dignidade da pessoa humana e ao desejo coletivo de bem-estar do indivíduo e de toda a sociedade.
Na qualidade de gestor da vida em sociedade, cabe ao Estado, não apenas o papel de limitar o exercício de direitos individuais, mas também de assegurar o exercício desses direitos frente ao próprio Estado. Nesse sentido, as ações estatais devem refletir um meio de se alcançar o bem estar social e não um fim em si mesmo.
Partindo dessa premissa, o direito a aposentadoria afigura-se como direito fundamental e personalíssimo do cidadão, a ser reconhecido pelo Estado mediante o preenchimento das condições legais. A fundamentalidade do direito à aposentadoria não retira, contudo, seu caráter patrimonial e disponível, que o torna passível de renúncia, visando o implemento de condição mais benéfica para seu titular.
Nesse contexto, a desaposentação nada mais é do que o direito de o servidor renunciar sua aposentadoria visando à liberação da contagem de tempo para obtenção de novo benefício mais vantajoso.
A renúncia aos proventos de aposentadoria possibilita ao servidor o ingresso em novo cargo público, sem que haja a cumulação proventos e remuneração vedada pela Emenda Constitucional n.º 20/98. Desse modo, tratando-se de cargos acumuláveis, o retorno do servidor aposentado à atividade, mediante novo concurso, somente se afigura possível mediante a desaposentação.
O não reconhecimento pelo Estado do direito do servidor público aposentado de renunciar à sua aposentadoria viola um direito constitucional fundamental do cidadão, que é o de buscar no trabalho a melhoria de sua condição econômica e social.
Assim, a ausência de previsão legal não deve constituir óbice para a desconstituição do ato de aposentadoria, não sendo lícito a Administração restringir o exercício de direitos, mormente quando o seu fim é beneficiar o segurado, constituindo o interesse público nada mais do que os interesses da coletividade.
Por fim, o reconhecimento do direito à desaposentação pela doutrina e pelos tribunais constitui importante avanço para que o instituto possa ser reconhecido e regulamentado no âmbito administrativo.
Informações Sobre o Autor
Clarissa Duarte Martins
Bacharel em direito pela Universidade Fumec/MG. Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, especialista em direito público e organização administrativa brasileira