Resumo: Esse trabalho tem por escopo analisar os recentes acontecimentos em Honduras. Faremos uma análise do caso a partir dos institutos do Direito Internacional. Iniciamos com a deposição de Zelya, que foi amparada pela constituição hondurenha. Em seguida tratamos da questão de seu banimento, ato considerado eivado de ilegalidade. Mais adiante examinamos o instituto do asilo politico que, como veremos, embora haja dúvidas, foi um espécie de asilo diplomático. Por fim, são apresentadas as questões sobre a imunidade da embaixada brasileira e seu mau uso, como também sobre o reconhecimento do governo provisório de Roberto Micheletti pela comunidade internacional.
Palavras-chave: Crise Hondurenha. Deposição. Banimento. Asilo político. Imunidade diplomática. Reconhecimento de governo.
Sumário: 1. Introdução; 2. Deposição e banimento; 3. Direito de asilo; 3.1. Asilo territorial; 3.2. Asilo diplomático; 3.3. Distinção de refúgio e asilo político; 4. Prerrogativas e imunidades diplomáticas; 4.1. Prerrogativas e imunidades da missão; 5. O abuso da imunidade diplomática; 6. Reconhecimento de governo; 7. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO
O Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto por militares, em 28 de junho de 2009, sob a alegação de violação da Constituição. Ele tentou realizar uma consulta popular, a fim de permitir a convocação de uma nova assembléia constituinte, propondo legitimar uma pretensa recondução de seu mandato presidencial. O que era proibido pela constituição local. Devido a essa tentativa, Zelaya foi compulsoriamente retirado do país, enviado em um vôo para a Costa Rica (país próximo, também na América Central, mas não fronteiriço), sob a ameaça de prisão em eventual tentativa de retorno ao solo hondurenho. Desde então, Roberto Micheletti, presidente do Congresso, assumiu temporariamente a presidência do país, até que sejam realizadas novas eleições diretas, previstas para o dia 29 de novembro.
Em 24 de julho, Zelaya tentou regressar a Honduras, mas na ocasião foi impedido de entrar no país pelo exercito hondurenho, quando ainda estava na fronteira. ele acabou conseguindo seu intento em 21 de setembro, aparecendo de surpresa em Tegucigalpa e buscando refúgio na Embaixada do Brasil, onde está abrigado desde então, com o objetivo de frustrar o cumprimento de sua prometida reclusão.
Esse regresso, contudo, causou manifestações e conflitos internos. Tropas leais ao governo interino cercaram o prédio, o que abriu uma crise diplomática entre o Brasil e Honduras. Confrontos de rua culminaram na detenção e morte de pessoas, e na imposição de um “toque de recolher”, além de apreensão na ordem internacional. A embaixada brasileira teve temporariamente cortados os fornecimentos de energia elétrica, água, linha telefônica e alimentos, além do fato de os militares terem lançado bombas de gás lacrimogêneo nas imediações, sob a alegação de ser necessário para reprimir as manifestações nas ruas.
Tendo em vista esses acontecimentos tentaremos analisar a legalidade da deposição e do banimento de Zelaya, o seu acolhimento na embaixada brasileira e também as represálias sofridas pela nossa embaixada em território hondurenho. Analisaremos também as controvérsias concernentes a intervenção do nos assuntos internos hondurenhos, assim como o reconhecimento do governo provisório pela comunidade internacional.
2. DEPOSIÇÃO E BANIMENTO
A crise política em Honduras tem sua gênese quando o então presidente Zelaya tenta realizar uma consulta popular, a fim de permitir a convocação de uma nova assembléia constituinte, propondo legitimar uma pretensa recondução de seu mandato presidencial. Entretanto, opositores do chefe executivo rechaçam de imediato tal hipótese, visto se configurar, de per si, gravíssimo delito cometido pelo governante.
De fato, segundo alguns especialistas internacionais, a Constituição de Honduras, aprovada democraticamente em 1982, ampara legalmente a decisão da Suprema Corte de destituir o presidente Manuel Zelaya, pela tentativa de desrespeitá-la e, por meio da convocação de um plebiscito, aprovar um segundo mandato ou perpetuar-se no poder, segundo seus opositores. Estes mesmos críticos, porém, ressalvam que os opositores que “derrubaram Zelaya” fizeram tudo dentro da lei, menos o seu banimento. Eis seus argumentos, segundo esta mesma Constituição (aqui traduzida para o Idioma Português):
“Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou vice-presidente. Quem transgredir essa disposição ou propuser sua reforma perderá imediatamente seus respectivos cargos e ficará inabilitado por dez anos para o exercício de qualquer função pública”.
* A Suprema Corte entendeu que a consulta popular proposta por Zelaya para convocar uma Assembléia Constituinte destinava-se a alterar essa cláusula pétrea. Ordenou, então, que a consulta não fosse feita. Zelaya desrespeitou a decisão e deu ordem aos generais para organizarem a consulta assim mesmo. A ordem não foi cumprida.
Artigo 272: “As Forças Armadas de Honduras existem para defender os princípios do livre sufrágio e a alternância no exercício da Presidência da República”.
* Os militares agiram profissionalmente ao obedecer à Suprema Corte e não cumprir as ordens de Zelaya.
Artigo 373: “A reforma desta Constituição poderá ser decretada pelo Congresso Nacional, com dois terços dos votos”.
* Fiel ao modelo chavista, Zelaya usurpou as funções do Congresso e quis governar com as ruas. O Código Penal manda prender e processar o presidente que agir assim.
Artigo 374: “Não poderão reformar-se, em nenhum caso, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, ao período presidencial e à proibição para ser novamente presidente da República”
* Escrita com o propósito de evitar o caudilhismo, a Constituição determina que todo aquele que desrespeitar o artigo 374, como fez Zelaya, deve ser considerado “traidor da pátria”, delito punido com quinze a vinte anos de prisão.
Artigo 102: “Nenhum hondurenho poderá ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um estado estrangeiro“
Mesmo perdendo o mandato presidencial, Zelaya continuaria hondurenho e deveria ser julgado dentro do território nacional. Mas, o que aconteceu foi o banimento do presidente deposto. O banimento é de um instituto jurídico que não se aplica mais nos Estados ditos Democráticos de Direito. Inexiste tal instituto no ordenamento jurídico interno brasileiro. Nenhum Estado moderno extradita seu nacional, menos ainda adota o banimento como castigo. Expulsa-se o estrangeiro, o naturalizado em caso de perda da nacionalidade derivada por crimes ou atos nocivos aos interesses nacionais. Afirmamos que ocorreu banimento porque, juridicamente nenhum instituto corresponde à saída compulsória de um nacional do território nacional. No caso, se fosse um estrangeiro, aplicar-se-iam os institutos jurídicos de deportação, expulsão e extradição. Uma vez que a deportação se dá quando o estrangeiro entra irregularmente no território nacional ou sua estada se torna irregular por excesso de prazo no tocante ao visto, ou por exercício de um trabalho remunerado dependendo do visto adquirido, especialmente o de turista. Uma vez regularizada a situação, o estrangeiro pode regressar ao país.
A expulsão ocorre quando o estrangeiro é acusado de “atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.”
Quanto à extradição, “é a entrega, por um Estado a outro, e a pedido deste, de pessoa que em seu território deva responder a processo penal ou cumprir pena.” Todavia, cumpre insistir que nenhum Estado extradita seu nacional. Fundamenta-se na existência do tratado ou de uma promessa de reciprocidade.
Nota-se que nenhuma das hipóteses acima levantadas coaduna com o caso Zelaya.
3. DIREITO DE ASILO
O instituto do asilo carrega a pecha de conferir ao indivíduo, como efetivo sujeito de direito na seara internacional, proteção quando este ente passa a sofrer perseguição ou ameaça motivada por interesses políticos ou ideológicos e sua liberdade ou mesmo a vida é posta sob grave risco dentro do seu país de origem. Tal instituto jurídico encontra-se, atualmente, regulado por convenções internacionais específicas. A sua concessão visa dar uma proteção ao individuo, que se sente perseguido ou ameaçado por motivos políticos ou ideológicos. Segundo Mazzuoli o asilo político é, antes de tudo, uma instituição humanitária, pois no caso de crimes políticos, diferentemente do que ocorre nos crimes comuns, o seu objeto não viola bens jurídicos universamente protegidos, mas sim certa ideologia governamental.
Celso de melo divide esse instituto de duas maneiras: a) o asilo territorial ou externo ou internacional; e b) o asilo diplomático, ou interno, ou político, ou intranacional, ou extraterritorial.
O direito de asilo ainda é considerado um direito do Estado e não do indivíduo. O Estado não é obrigado a conceder asilo político. Essa orientação encontra-se no art. 1° Convenção Interamericana sobre asilo territorial, estabelecendo que o asilo é um direito do Estado e que ele admitirá dentro de seu território as pessoas que julgar conveniente. No Brasil a constituição de 1988 prevê a concessão de asilo político, tanto territorial quanto diplomático, sem quaisquer restrições. Este é um dos princípios pelos quais o Brasil deve se reger nas suas relações internacionais (CF, art.4, inc.x).
3.1. Asilo territorial
O asilo territorial trata-se do recebimento de estrangeiro, em território nacional, para o fim de preservar a sua liberdade ou a sua vida, colocadas em grave risco no seu país de origem dado o desdobramento de convulsões sociais ou políticas. É a forma perfeita e acabada de asilo político e é admitido em toda sociedade internacional. Integra uma construção consuetudinária dos países latino-americanos desde o século XIX, inclusive o Estado brasileiro que é signitário da convenção de Caracas sobre o Asilo Territorial, assinada na capital venezuelana, em 28 de março de 1957, de onde o Estado brasileiro extrai fundamento de validade para embasar a prática desta espécie de asilo a estrangeiros. O asilo territorial está também consagrado no art. 14, §§ 1° e 2° da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
“§ 1° todo homem, vitima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
§ 2° Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimadamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das nações unidas.”
3.2. Asilo diplomático
O asilo diplomático é modalidade provisória e precária do asilo político. Ao contrario do asilo territorial, no asilo diplomático o Estado asilante concede fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado em que o individuo é perseguido. Os locais dentro desse território onde é concedido a asilo diplomático, são aqueles que estão livres da jurisdição desse estado, como embaixada, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares e dado que esses espaços são dotados de imunidade à atuação jurisdicional do Estado “perseguidor” em acordo com o princípio da inviolabilidade territorial à luz da teoria do direito internacional. Essa modalidade de asilo nunca é em definitivo, posto que representa significativamente apenas um estágio provisório, uma ponte para o asilo territorial. Importa frisar, como aduz a Declaração Universal dos Direitos do Homem pelo art XIV, que o direito a asilo não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das nações unidas.
A convenção de Caracas sobre asilo diplomático de 1954, de qual o Brasil é signatário, Em seu artigo VII, a convenção regula que, em caso de urgência, “será concedido o asilo diplomático (…) pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com garantias”. Isto porque, o asilo diplomático tem por fim ou objetivo a concessão do asilo político, o qual se configura quando o asilado encontra-se em território do Estado concedente. Há dúvidas sobre a real condição do Sr. Zelaya. Segundo Rezek, apesar de Zelaya não ter apresentado um pedido formal de asilo político ao Brasil o fato de Zelaya ter se abrigado na embaixada brasileira já caracteriza concessão provisória de asilo. Rezek diz que o caso de Zelaya reúne as condições de asilo diplomático previstas nas convenções latino-americanas.
O caso mais célebre em relação a essa espécie de asilo foi o concedido pela Embaixada Colombiana em Lima a Víctor Raúl Haya de La Torre, então chefe do Partido Aprista, que tentara, sem sucesso, dar um golpe político em seu país. O caso foi levado a Corte Internacional de Justiça que, em sentença de 20 de novembro de 1950, embora reconhecendo tratar-se de asilado político, considerou ilegal o ato, por não ter se configurado o estado de urgência, exigido pela Convenção de Havana. Em nova sentença, de 13 de junho de 191, embora considerado ato ilegal, decidiu a Corte que a Colômbia não estava obrigada a entregá-lo, mas que as partes, pelos princípios da boa cortesia e boa vizinhança, deveriam chegar numa solução prática.
Mais recentemente, o governo brasileiro concedeu asilo diplomático ao ex-presidente do Equador Lucio Gutiérrez, que foi destituído do cargo no dia 20 de abril de 2005 depois que o Congresso equatoriano aprovou uma monção acusando-o de abandono de posto.
3.3. Distinção de refúgio e asilo político
Embora muitos textos internacionais se equivoquem no emprego de ambas as expressões. O instituto do asilo não se confunde com o do refúgio. A concessão do status de refugiado se dá não em virtude de uma perseguição política, mas sim em virtude de perseguição por motivos de raça, religião ou de nacionalidade, ou ainda pelo fato de pertencer a determinado grupo social ou ter determinada opinião política. O controle de normas é realizado por organismo internacional (ACNUR), enquanto que o asilo constitui ato discricionário do Estado concedente no uso do exercício de sua soberania .
Outra diferença a ser destacada entre os institutos do asilo e do refugio diz respeito a motivação de ambas as situações. O primeiro se aplica em situações de perseguição de caráter nitidamente mais individual, o segundo tem por motivos determinantes situações que atingirem sempre uma coletividade.
Dessa forma embora seja muito comum a utilização do termo refugiado por parte da imprensa. No caso Zelaya afastam-se os elementos configurativos do refúgio.
4. PRERROGATIVAS E IMUNIDADES DIPLOMÁTICAS
As prerrogativas e imunidade diplomáticas são privilégios que os estados outorgam aos agentes diplomáticos, para que estes possam exercer plenamente suas funções, sem esses privilégios os agentes diplomáticos não poderiam exercer suas atribuições de forma livre e independente.
Tais prerrogativas e imunidade são fruto do costume internacional e da prática diplomática. Estes costumes foram positivados nos arts. 20 a 42 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. É dizer que as embaixadas e os locais das missões diplomáticas não são extensão dos territórios dos seus respectivos estados. Ali são concedidos privilégios relativos à jurisdição do estado onde se localizam.
A convenção de Viena divide as prerrogativas e imunidades diplomáticas em dois grupos: a) as relativas à missão diplomática; e b) as relativas aos agentes diplomáticos. Vamos nos deter a analise das primeiras.
4.1. Prerrogativas e imunidades da missão
O embaixador para a América Central e Caribe, Gonçalo de Mello Mourão, classificou como uma agressão a represália do governo hondurenho à embaixada brasileira em Tegucigalpa. Como foi dito, a embaixada brasileira teve temporariamente cortados os fornecimentos de energia elétrica, água, linha telefônica e alimentos, além do fato de os militares terem lançado bombas de gás lacrimogêneo nas imediações, sob a alegação de ser necessário para reprimir as manifestações nas ruas. Segundo notícia, da folha online, houve também falta de comida na embaixada brasileira
Contudo a convenção de Viena de 1961 no seu art. 22, § 1°, assegura a inviolabilidade dos locais das missões diplomáticas: os locais da missão são invioláveis, não podendo os agentes do Estado acreditado neles penetrar sem o consentimento do chefe da missão. O Estado acreditado tem ainda, segundo o art. 22, § 2° da mesma convenção, obrigação de adotar medidas apropriadas para proteger os locais contra qualquer instrução ou dano e evitar perturbações à tranqüilidade da missão ou ofensas à sua dignidade. Dessa forma o governo provisório de Honduras não respeitou os mandamentos dessa convenção.
Alguns especialistas, em Honduras, estão sustentando que não há necessidade de observância da inviolabilidade do imóvel em que situada a embaixada do Brasil, em face da retirada de seu embaixador do país. Na ocasião do golpe o embaixador do Brasil em Tegucigalpa estava de férias no Brasil e o Itamaraty ordenou que ele não voltasse ao posto. Contudo a convenção de Viena sobre relações diplomáticas diz:
Art. 45, alínea ‘a’: “Em caso de ruptura das relações diplomáticas entre dois Estados, ou se uma Missão é retirada definitiva ou temporariamente: a) o Estado acreditado está obrigado a respeitar e a proteger, mesmo em caso de conflito armado, os locais da Missão bem como os seus bens e arquivos”.
Dessa forma a Convenção de Viena, protege a sede da missão diplomática mesmo no caso de suspensão temporária ou rompimento das relações entre os países.
5. O ABUSO DA IMUNIDADE DIPLOMÁTICA
Como ensina Mazzuoli, pode acontecer que o agente diplomático e, conseqüentemente o Estado que o acredita, abusem das imunidades diplomáticas que lhe foram concedidas, desvirtuado as sua finalidade. Nesse caso o estado acreditante pode se defender utilizando o art. 9°, §1°, da convenção de Viena de 1961, que afirma que o Estado acreditador poderá a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante, conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por terminadas as suas funções na missão. Uma pessoa poderá ser declarada non grata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao território do Estada acreditador. Continuando o § 2° ainda afirma: Se o Estado acreditante se recusar a cumprir, ou não cumpre dentro de um prazo razoável, as obrigações que lhe incumbem nos termos do parágrafo 1 deste artigo o Estado acreditador poderá recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da missão.
Da mesma forma que os agentes diplomáticos, os Estados também abusam dessa imunidade. Em Honduras acreditamos que houve um desvirtuamento das imunidades concedida a embaixada brasileira, ocorreu um abuso dessa imunidade, poderia o Brasil acolher o ex-presidente caso este tivesse buscado abrigo na embaixada para sair do país, ou tivesse requerido proteção dentro do território brasileiro, mas não auxiliar seu retorno à Honduras e desvirtuar a finalidade da inviolabilidade da embaixada, aumentando os conflitos internos do país e violando o princípio da não-intervenção. Acrescenta-se ainda que aparentemente a intenção do presidente não é a de requerer asilo ou refúgio político, mas sim de permanecer no território hondurenho. A situação é inédita nas relações internacionais. Em geral, um país dá asilo em sua embaixada a alguém que é perseguido e corre risco no país. Não é o caso de Zelaya, que estava em segurança na Nicarágua e resolveu voltar para Honduras, onde há um mandado de prisão contra ele. O artigo XVIII da convenção de Caracas sobre asilo diplomático de 1954, a qual foi incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo decreto 42.628 de 1957, estabelece que “a autoridade asilante não permitirá ao asilado praticar atos contrários a tranqüilidade pública, nem intervir na política interna do Estado territorial”.
Nesse sentido o embaixador de Honduras, Don Julio Rendon Barnica, atuando como agente da Republica de Honduras ante a Corte internacional de justiça, entrou com um pedido introdutório contra a República Federativa do Brasil por questões jurídicas relativas a situações diplomáticas e ao principio de não intervenção nos assuntos que são de competência interna do Estado Hondurenho.
6. RECONHECIMENTO DE GOVERNO
Além da problemática referente à condição jurídica do Presidente deposto Manuel Zelaya, talvez a questão de maior relevância seja a do reconhecimento do governo hondurenho recém empossado.
Na lição de Celso D. de A. Mello, o reconhecimento de governo deve ocorrer sempre que um novo governo se instalar em um Estado, com a violação do seu sistema constitucional, isto é, quando ele alcança o poder por meios não previstos no sistema jurídico estatal.
Deflui dessa definição as expressões “governo de fato” e “governo de direito”, sendo este o que atinge o poder através de meios não previstos na Constituição e funciona por meio de órgão não previstos na Carta Magna e aquele o que chega ao poder por processo previsto na Constituição e funciona por meio de órgãos nela previstos.
Mazzuoli assinala que da mesma forma que ocorre com o reconhecimento de Estados, o reconhecimento de governo também pode se dar “de jure” ou “de facto”. Na primeira hipótese o reconhecimento do governo por parte dos demais Estados é formal, reconhecido em documento escrito, sendo definitivo e irretratável. Será “de facto”, por sua vez, quando o reconhecimento for provisório e limitado a certas relações jurídicas apenas.
Acrescenta Celso D. de A. Mello, que reconhecer como governo de direito significa que o terceiro Estado quer manter relações com ele. Reconhecer como governo de fato quer dizer que o terceiro Estado deseja ter relações apenas de um certo tipo.
Contudo, tal distinção é considerada irrelevante por grande parte da doutrina, visto que as obrigações dos governos “de jure” e “de facto” são as mesmas. Celso D. de A. Mello salienta ainda que inclusive as obrigações assumidas em nome do país pelo governo “de facto” devem ser respeitadas pelo governo “de jure”, caso ele venha a se restabelecer.
O reconhecimento de governo se realiza ainda de forma expressa ou tácita, sucedendo o primeiro quando se traduz de maneira inequívoca (v.g. nota diplomática), e o segundo quando resultar de atos positivos dos outros Estados que reconheçam implicitamente o governo instituído (v.g. assinatura de tratado).
A manutenção ou o envio de cônsules não é considerado reconhecimento, o que é diferente de quando o Estado local concede exequatur (que, ademais é sempre necessário) a novos cônsules, nomeados por aquele Estado.
Como examina Portela, duas são as principais doutrinas relativas ao reconhecimento de governo. A primeira é a Doutrina Tovar, que defende que o reconhecimento de governos estrangeiros só deveria ser concedido após a constatação de que estes contam com apoio popular. A outra é a Doutrina Estrada que, por sua vez, entende que o reconhecimento ou não-reconhecimento expresso de um novo governo configura intervenção indevida em assuntos internos de outros entes estatais e, portanto, desrespeito à soberania. Nesse sentido, caso esteja insatisfeito com a mudança de governo, deve simplesmente romper relações diplomáticas.
O Brasil, observa Accioly, adota o princípio das situações de fato. Mas, na sua aplicação, leva em conta as seguintes circunstâncias: 1) a existência real de um governo aceito e obedecido pelo povo; 2) a estabilidade desse governo; 3) a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo Estado.
Feitas todas essas considerações, o caso hondurenho evidencia um fato recorrente em Direito Internacional, a distinção entre a prática internacional (o que é) e a doutrina (o que deve ser). Conforme supracitado, a deposição do Presidente Manuel Zelaya ocorreu em conformidade com as normas constitucionais daquele país. Inclusive, salienta o prof. Dr. Mozar Costa de Oliveira, em interessante artigo, que de acordo com o art. 4 da Constituição hondurenha, Zelaya cometeu crime de “lesa-pátria” e umas das eficácias de tal ato ilícito é a própria perda da cidadania, coisa que lá ainda não foi objeto de ação declaratória. Isso demonstra que, na prática, o reconhecimento de governo decorre de ato político, no qual cada Estado julga discricionariamente da conveniência ou não do reconhecimento. Não existe qualquer obrigatoriedade.
Concluímos citando a opinião do ilustre Prof. Celso D. de A. Mello, acerca do princípio do não reconhecimento, da qual somos partidários:
“O princípio do não reconhecimento deve ser afastado do DI, uma vez que a sua consagração é afirmar o aspecto político do reconhecimento, que deve ser afastado no futuro do DI. O reconhecimento é um ato eminentemente declaratório e deve ser dado sempre que o Estado ou governo preencher as condições exigidas pelo DI. O não reconhecimento é, no fundo, uma arma dos grandes Estados contra os fracos; no sentido inverso, ele não surte qualquer efeito. Tal fato demonstra a vulnerabilidade do não reconhecimento, que muitas vezes se transforma em intervenção”.[1]
7. CONCLUSÕES
Diante todas as considerações tecidas, concluímos este trabalho reafirmando a constitucionalidade do ato do Poder Judiciário hondurenho em depor o Presidente Manuel Zelaya, assim como a atitude antidemocrática do governo Micheletti em bani-lo, instituto em desuso nos Estados Democráticos de Direito. Harmonizamos com a opinião de Rezek, na qual Zelaya reuni as condições de asilo diplomático previstas nas convenções latino-americanas. Reputamos a falha da diplomacia brasileira, ao dar guarida ao retorno do governante deposto, desvirtuando a finalidade da inviolabilidade da embaixada. Por fim, acreditamos que o não reconhecimento do Governo, que tomou posse seguindo os trâmites legais, por parte da comunidade internacional caracteriza intervenção indevida e temerária, visto que enaltece o caráter político, mascarado sob um véu democrático.
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1903952/abrigo-a-zelaya-e-situacao-sem-precedentes-diz-jurista
http://noticias.terra.com.br/mundo/golpehonduras/interna/0,,OI3987926-EI14129,00.html
Informações Sobre os Autores
André Ramon Moreira Lopes
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Laercio Medeiros de Moura
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Leonardo Mendonça da Rocha
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Paulo Bertoldo Medeiros de Carvalho Filho
Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte