Convenção para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial: A tutela do meio ambiente cultural

1. A Tutela do Patrimônio Cultural Imaterial no Plano Internacional[1]


Foi em maio de 1964, na Carta de Veneza[2], que trouxe em seu artigo 1 º a conceituação de monumento histórico, sendo ele  “não só grandes criações, mas também as obras modestas, que tenham adquirido com o tempo, uma significação cultural”. Dentre as razões que precedem aos artigos da Carta, destacamos ser a preservação, fundamental, como “uma mensagem espiritual do passado” que “perduram no presente como testemunho vivo de tradições seculares” de determinado povo pois, “a humanidade, cada vez mais consciente da unidade de valores humanos, as considera um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade”.


Em novembro de 1972, ocorreu na França, a Conferência Geral da UNESCO, que deu origem a Convenção sobre a Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural[3], indicavam dentre as constatações, que “o patrimônio cultural e o natural são cada vez mais ameaçados de destruição, não somente pelas causas tradicionais de degradação, mas também pelas mudanças de vida social e econômica, que as molestam com fenômenos de alteração e destruição ainda mais temíveis”. Apresentou-se, ainda, serem “a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio culturalumempobrecimento nefasto do patrimônio de todos os povos do mundo”.


A UNESCO, em novembro de 1976, na Recomendação de Nairobi[4], ao conceituar “conjunto histórico e tradicional”, incluiu as “aldeias e lugarejos” dotados de “valor sócio-cultural”.


Em outubro de 1982, realizou-se no México o 3º Colóquio Interamericano sobre Revitalização de Pequenas Aglomerações promovido pelo ICOMOS[5], que deu origem a Declaração de Tlaxcala, que reafirmou serem as pequenas aglomerações “reservas de modos de vida que dão testemunho de nossas culturas, conservam uma escala própria e personalizam as relações comunitárias, conferindo assim, uma identidade a seus habitantes”. Recomendando ser necessário o esforço com urgência para “identificar, encorajar, manter em vigor e reforçar no espírito das comunidades o prestígio e o valor do uso” de  “técnicas” .


Em 1985 na Conferência Mundial sobre as Políticas Culturais, realizada pela ICOMOS, que originou a Declaração do México, e trouxe “uma noção mais aberta[6] de patrimônio cultural ao compará-la com as anteriores, trazendo o princípio 23:


O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos históricos, a cultura, as obras de arte e os arquivos e bibliotecas.” [7] (g.n.)


Esta convenção apresenta em seu 4o princípio: “Todas as culturas fazem parte do patrimônio comum da humanidade”. Além disso, ela tem fundamental importância comparando-a com a Convenção de Salvaguarda Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, pois esta define patrimônio cultural, “apenas em termos de bens móveis e imóveis, conjuntos arquitetônicos e sítios urbanos ou naturais[8], reportando desta forma, os aspectos não materiais.


Em novembro de 1989, realizou-se em Paris, a Conferência Geral da UNESCO, que deu origem a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, “documento base sobre a questão que fundamenta as propostas da UNESCO no sentido da preservação do também chamado patrimônio imaterial”.[9]


Esta convenção considerou ser a cultura tradicional e popular, parte do Patrimônio Universal da Humanidade e da “cultura viva”, sendo “um poderoso meio de aproximação entre os povos e grupos sociais existentes e de afirmação de sua identidade cultural”. No item A da recomendação, define a cultura tradicional e popular como:


o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, artesanato, a arquitetura e outras artes.”[10]


Ao fazermos a leitura desta Recomendação na íntegra, observamos que não há referência ao patrimônio cultural imaterial, neste sentido:


neste documento da UNESCO, em nenhum momento menciona-se ou se faz referência a o ‘patrimônio imaterial’ ou a ‘bens de natureza imaterial ou intangível’ (…) ao contrário, o conceito de cultura tradicional e popular (…) toma  o lugar dessas expressões, indicando que na proteção desse patrimônio estariam igualmente em jogo os aspectos materiais e imateriais.[11]


Visto que esta Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, trouxe formas de proteção “como desenvolvimento de ações que incluem mas ultrapassam as meras formas de registro e documentação. Recomenda-se claramente, a proteção econômica e o fomento a essas expressões e uma ação de proteção mais ativa e compreensiva dos seus processos de desenvolvimento e evolução.[12]


Em continuidade aos esforços para encontrar mecanismos de proteção do patrimônio cultural imaterial, países da “Europa Central e Oriental foram os primeiros a solicitar ajuda da UNESCO para o estabelecimento de políticas”.[13] Foi quando, em 1995 na República Tcheca, em Seminário, a Unesco tomou por compromisso, “analisar de forma regional a aplicação da Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular”, estimular sua “difusão e estudar a conveniência da instituição de um instrumento jurídico internacional que intensificasse essa salvaguarda”.[14] Este evento foi importante por dar origem a redação do “Manual Metodológico” com princípios para a proteção da cultura tradicional e popular contra a exploração comercial inadequada, aprovado na II Conferência do Trabalho e realizado no mesmo país em maio de 1997.


Das análises realizadas, buscaram-se também mecanismos para a proteção dos bens, passando-se do Direito Autoral, às atuações e supervisão de autoridade legal, o uso dos registros e o tratamento quanto à propriedade intelectual, temas estes que serão tratados adiante.


Em abril de 1997, ocorreu na Tailândia o Fórum Mundial sobre a Proteção do Folclore, ocasião em que se confirmou a necessidade de que os Estados membros, envidassem forças para estruturar, no nível nacional, formas de identificação, preservação e proteção da cultura popular e tradicional, a fim de que se pudesse partir para a proteção no nível internacional.[15]


Uma inovação ocorreu no sentido da imaterialidade e patrimônio, no ano de 1997 em Marrakech, no Marrocos, oportunidade em que se realizou uma Consulta Internacional sobre a Preservação dos Espaços Culturais Populares, onde a Divisão de Patrimônio Cultural da UNESCO recomendou a criação de mecanismos para a proclamação de “chefs d´oeuvres du patrimoine oral de l´humanité[16] dos espaços culturais e formas de expressão cultural populares, recomendação que foi acatada pela UNESCO, a qual “lançou bases e os critérios para a concessão” de um novo título, com conceito de patrimônio oral.


Devemos ainda, retornar ao ano de 1996, quando a UNESCO, na busca por instrumentos de tutela do patrimônio cultural imaterial, apresentou aos Estados membros o projeto “Tesouros Humanos Vivos”, a fim de cumprir a decisão de 1993, criando um “dispositivo de proteção para os chamados “bens culturais vivos””.[17]


O projeto Tesouros Humanos Vivos teve a finalidade de preservação, continuidade das tradições orais ameaçadas de desaparecimento, que com o reconhecimento e apoio oficial, possibilita aos detentores (grupos ou indivíduos) de saberes sobre significativas expressões da cultura tradicional, condições de reprodução e de transmissão para as futuras gerações. A fim de dar condições, àqueles que obtém o reconhecimento público, podem receber auxílio financeiro e incentivo, inclusive, fiscal, para desenvolverem seus conhecimentos, técnicas, transmissão de conhecimentos tradicionais e autorização do registro de seu conhecimento.


Em maio de 2001, a UNESCO proclamou pela primeira vez[18], uma lista das obras de patrimônio oral e imaterial da Humanidade, a Proclamação de Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, onde foram selecionadas dezenove, considerando-se seu valor excepcional, ocasião em que se destacou a necessidade e urgência de proteger e salvaguardar o patrimônio cultural imaterial.


“Al crear una distinción internacional para el patrimonio cultural inmaterial, la Organización destacó ante la comunidad internacional la importancia de tomar en consideración este patrimonio, elemento esencial de la preservación de la identidad de la diversidad cultural de los pueblos.[19]


Em 2003, com a Conferência da UNESCO em sua 32º sessão, em Paris, foi aprovada a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, em 17 de outubro, tendo por fim a proteção e o respeito ao patrimônio cultural imaterial deste bem e de seu reconhecimento recíproco, cooperação e assistência internacionais. Em seu artigo 2o trouxe a definição de Patrimônio Cultural Imaterial:


“Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável.”[20](g.n.)


Esta convenção entrou em vigor no âmbito internacional em 20 de abril de 2006[21] e em relação as Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, foram incorporadas à Lista representativa do patrimônio cultural imaterial da humanidade os elementos, que anteriormente à entrada em vigor desta Convenção, foram proclamados “Obras Primas do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”[22].


1.1 A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial


A proteção do Patrimônio Cultural Imaterial conta, atualmente, com uma série de ações pelo mundo, objetivando sua continuidade. As políticas públicas são imprescindíveis para sua tutela.


Trataremos das ações de tutela, partindo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que observou a vontade universal, a preocupação comum de proteção do patrimônio cultural imaterial da humanidade[23]   e a relevância e alcance de suas atividades na  elaboração de instrumentos normativos para a proteção do patrimônio cultural.


Quanto à salvaguarda, não existia um instrumento multilateral de caráter vinculante destinado ao patrimônio cultural imaterial, e embora a existência de acordos, recomendações e resoluções internacionais no trato do patrimônio cultural e natural, era mister sua complementação.


A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial foi criada e aprovada na 32ª Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, realizada em Paris em 2003,  e  entrou em vigor, na esfera internacional em 20 de abril de 2006, conforme tratado no histórico, foi o primeiro documento internacional a definir de forma clara e precisa, o patrimônio cultural de natureza imaterial.


Este documento foi elaborado, observando-se os preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural de 1972, a Recomendação da UNESCO sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular, de 1989, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2001, e a Declaração de Istambul, de 2002.


Considerou-se para a salvaguarda a profunda interdependência, que existe entre o patrimônio cultural imaterial e o patrimônio material cultural e natural.


Reconheceu serem “os processos de globalização e de transformação social, ao mesmo tempo em que criam condições propícias para um diálogo renovado entre as comunidades, geram também, da mesma forma que os fenômenos da intolerância, graves riscos de deterioração, desaparecimento e destruição do patrimônio cultural imaterial, devido em particular à falta de meios para sua salvaguarda.


A Convenção foi elaborada, em reconhecimento ao papel “das  comunidades, em especial as indígenas, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos desempenham um importante papel na produção, salvaguarda, manutenção e recriação do patrimônio cultural imaterial, assim contribuindo para enriquecer a diversidade cultural e a criatividade humana”.


Isto porque o patrimônio cultural imaterial cumpre uma “inestimável função” “como fator de aproximação, intercâmbio e entendimento entre os seres humanos”.


1.1.1 Conceito de Patrimônio Cultural Imaterial


A Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial traz a definição de patrimônio cultural imaterial, em seu artigo 2º, compreendendo os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto aos instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são inerentes, que os grupos e em alguns casos, os indivíduos reconheçam como parte de seu patrimônio cultural.


Este patrimônio cultural imaterial é “recriado” constantemente pelas comunidades, grupos e indivíduos em função de seu Meio Ambiente (entorno), sua interação com a natureza e sua história, gerando um sentido (sentimento) de identidade e continuidade, contribuindo para:


“a) … fomentar e acompanhar sua aplicação;


b) oferecer assessoria sobre as melhores práticas e formular recomendações sobre medidas que visem a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial;


c) preparar e submeter à aprovação da Assembléia Geral um projeto de utilização dos recursos do Fundo, em conformidade com o Artigo 25;


d) buscar meios de incrementar seus recursos e adotar as medidas necessárias para tanto, em conformidade com o Artigo 25;


e) preparar e submeter à aprovação da Assembléia Geral diretrizes operacionais para a aplicação da Convenção;


f) em conformidade com o Artigo 29, examinar os relatórios dos Estados Partes e elaborar um resumo destes relatórios, destinado à Assembléia Geral;


g) examinar as solicitações apresentadas pelos Estados Partes e decidir, de acordo com critérios objetivos de seleção estabelecidos pelo próprio Comitê e aprovados pela Assembléia Geral, sobre:


i) inscrições nas listas e propostas mencionadas nos Artigos 16, 17 e 18;


ii) prestação de assistência internacional, em conformidade com o Artigo 22.


1. O Comitê será responsável perante a Assembléia Geral, diante da qual prestará contas de todas as suas atividades e decisões.


2. O Comitê aprovará seu Regulamento Interno por uma maioria de dois terços de seus membros.


III. Salvaguarda do patrimônio cultural imaterial no plano nacional.”


1.1.2 Funções dos Estados Partes


Ao  Estado Parte cabe, em seu território, adotar medidas para garantir a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, identificando-o, e definindo seus elementos caracterizadores, com a participação das comunidades, grupos e organizações não governamentais (ongs)[24].


1.1.3 Das Medidas de Salvaguarda


A convenção, traz como medida para identificação do patrimônio cultural imaterial a utilização de um ou mais inventários.


Devendo, o inventário, ser atualizado com regularidade. Cabendo a cada Estado Parte, apresentar relatório periódico ao Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, contendo as disposições legislativas, regulamentares ou de outra natureza que tenham adotado para implementar a Convenção.


E, baseado nas atividades do Comitê e nos relatórios dos Estados Partes, o Comitê apresentará um relatório em cada sessão da Assembléia Geral, que se dará ciência na Conferência Geral da UNESCO.


A fim de garantir a salvaguarda, o desenvolvimento e a valorização do patrimônio cultural imaterial, o artigo 13 da Convenção traz outras medidas as quais os Estados Partes deverão empenhar-se, são elas:


“a) adotar uma política geral visando promover a função do patrimônio cultural imaterial na sociedade e integrar sua salvaguarda em programas de planejamento;


b) designar ou criar um ou vários organismos competentes para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial presente em seu território;


c) fomentar estudos científicos, técnicos e artísticos, bem como metodologias de pesquisa, para a salvaguarda eficaz do patrimônio cultural imaterial, e em particular do patrimônio cultural imaterial que se encontre em perigo;” (g.n.)


Devendo ainda:


“(…) adotar as medidas de ordem jurídica, técnica, administrativa e financeira adequadas para:


d)…


i) favorecer a criação ou o fortalecimento de instituições de formação em gestão do patrimônio cultural imaterial, bem como a transmissão desse patrimônio nos foros e lugares destinados à sua manifestação e expressão;


ii) garantir o acesso ao patrimônio cultural imaterial, respeitando ao mesmo tempo os costumes que regem o acesso a determinados aspectos do referido patrimônio;


iii) criar instituições de documentação sobre o patrimônio cultural imaterial e facilitar o acesso a elas.”


Com base no princípio da Participação em Direito ambiental, são fundamentais a  Educação e a Informação, para a continuidade e identidade nacional. Assim, o artigo 14 da Convenção trata da Educação, conscientização e fortalecimento de capacidades, sendo cada Estado Parte responsável de se empenhar, no sentido de:


“a) assegurar o reconhecimento, o respeito e a valorização do patrimônio cultural imaterial na sociedade, em particular mediante:


i) programas educativos, de conscientização e de disseminação de informações voltadas para o público, em especial para os jovens;


ii) programas educativos e de capacitação específicos no interior das comunidades e dos grupos envolvidos;


iii) atividades de fortalecimento de capacidades em matéria de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, e especialmente de gestão e de pesquisa científica; e


iv) meios não-formais de transmissão de conhecimento;


b) manter o público informado das ameaças que pesam sobre esse patrimônio e das atividades realizadas em cumprimento da Convenção;


c) promover a educação para a proteção dos espaços naturais e lugares de memória, cuja existência é indispensável para que o patrimônio cultural imaterial possa se expressar.(g.n.)


Além do Estado Parte, é imprescindível a participação das comunidades, grupos e indivíduos, conforme  artigo 15 da Convenção, cabendo a ele assegurar a participação mais ampla possível das comunidades, dos grupos e, quando cabível, dos indivíduos que criam, mantêm e transmitem esse patrimônio e associá-los ativamente à gestão do mesmo.


1.1.4 Do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade


De acordo com Ferreira, com “a internacionalização da questão ambiental e os debates que se realizam nas últimas décadas, nos foros internacionais, sobre os problemas ambientais de interesse geral, como o da poluição transfronteiriça, (…) surgiu um novo conceito – o de “interesse comum da humanidade[25]. Igualmente, há  “íntima relação” entre as declarações,  documentos e referências, “com outros, próprios do Direito Internacional, entre os quais o de herança comum da humanidade ou patrimônio comum da humanidade, que levam em consideração a existência de legítimos interesses da humanidade como um todo em relação ações e fatos que possam afetar a sobrevivência da espécie humana sobre a Terra.”[26]


Fernandes Silva ao tratar do patrimônio cultural e do interesse comum da Humanidade, afirma que “esse interesse decorre da necessidade de proteger determinados bens em prol da espécie humana, pois estão diretamente relacionados a sua sobrevivência.[27]


Há, portanto, a “obrigação de se legar às futuras gerações um meio ambiente sadio e equilibrado”, a “idéia de patrimônio relaciona-se também com o legado das gerações que nos precederam e que devemos transmitir intacto para as gerações que nos sucederem[28].


Assim, com a finalidade de identificar os bens, buscar mecanismos de proteção e  garantir maior visibilidade do patrimônio cultural imaterial, aumentar o grau de conscientização de sua importância, e propiciar formas de diálogo que respeitem a diversidade cultural, o Comitê, por proposta dos Estados Partes interessados, conforme artigo 16 da Convenção criou, mantém atualizada e dá publicidade a uma Lista representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.


Além disso, o artigo 17 prevê uma outra lista, com o fim de que sejam adotadas as medidas adequadas de salvaguarda do patrimônio imaterial em perigo, que será criada, mantida e atualizada pelo Comitê, denominada: Lista do patrimônio cultural imaterial que necessite medidas urgentes de salvaguarda. O patrimônio será inscrito nesta lista, a pedido do  Estado Parte interessado.


1.1.5 Programas, projetos e atividades


Nos termos do artigo 18 da Convenção, o Comitê fará periodicamente a seleção, das propostas[29] dos Estados Partes e promoverá os programas, projetos e atividades de âmbito nacional, sub-regional ou regional para a salvaguarda do patrimônio que, no seu entender, reflitam de modo mais adequado os princípios e objetivos da Convenção, considerando-se as necessidades especiais dos países em desenvolvimento.


O Comitê realizará o acompanhamento da  execução dos programas, projetos e atividades por meio da disseminação das melhores práticas, segundo modalidades por ele definidas.


1.1.6 Cooperação e Assistência internacionais


Prevista no artigo 19 da Convenção, a cooperação internacional abrange o intercâmbio de informações e de experiências, iniciativas comuns, e a criação de um mecanismo para apoiar os Estados Partes em seus esforços para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial.


Observando-se a legislação nacional, o direito e práticas consuetudinárias, os Estados Partes aderindo a convenção, reconhecem que a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial é uma questão de interesse geral para a humanidade e neste sentido se comprometem a cooperar no plano bilateral, sub-regional, regional e internacional.


A assistência internacional poderá ser concedida, de acordo seguintes objetivos, constantes do artigo 20:


“a) salvaguardar o patrimônio que figure na lista de elementos do patrimônio cultural imaterial que necessite medidas urgentes de salvaguarda;


b) realizar inventários, em conformidade com os Artigos 11 e 12;


c) apoiar programas, projetos e atividades de âmbito nacional, sub-regional e regional destinados à salvaguarda do patrimônio cultural imaterial;


d) qualquer outro objetivo que o Comitê julgue necessário.”


Cada Estado Parte pode apresentar ao Comitê, uma solicitação de Assistência Internacional para a salvaguarda, em seu território, do patrimônio cultural imaterial, podendo ainda, fazer-se outra, em conjunto com dois ou mais Estados Partes, conforme artigo 23 da Convenção.


As Formas de Assistência Internacional[30],estão previstas no artigo 21 da Convenção e é concedida ao Estado Parte, pelo Comitê, que poderão se realizar das seguintes formas:


“a) estudos relativos aos diferentes aspectos da salvaguarda;


b) serviços de especialistas e outras pessoas com experiência prática em patrimônio cultural imaterial;


c) capacitação de todo o pessoal necessário;


d) elaboração de medidas normativas ou de outra natureza;


e) criação e utilização de infraestruturas;


f) aporte de material e de conhecimentos especializados;


g) outras formas de ajuda financeira e técnica, podendo incluir, quando cabível, a concessão de empréstimos com baixas taxas de juros e doações.”


Nos termos do artigo 24, o Estado Parte Beneficiário de acordo com suas possibilidades, deverá compartilhar os custos das medidas de salvaguarda para as quais a assistência internacional foi concedida, devendo apresentar um relatório sobre a utilização da assistência concedida.


1.1.7 Fundo para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial


O artigo 25 da Convenção,constituiu um fundo fiduciário, conforme o estabelecido no Regulamento Financeiro da UNESCO, que será composto por:


“a) contribuições dos Estados Partes;


b) recursos que a Conferência Geral da UNESCO alocar para esta finalidade;


c) aportes, doações ou legados realizados por:


i) outros Estados;    


 ii) organismos e programas do sistema das Nações Unidas, em especial o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ou outras organizações internacionais;     


iii) organismos públicos ou privados ou pessoas físicas;


d) quaisquer juros devidos aos recursos do Fundo;


e) produto de coletas e receitas aferidas em eventos organizados em benefício do Fundo;


f) todos os demais recursos autorizados pelo Regulamento do Fundo, que o Comitê elaborará.”


Poderão ser aceitas pelo Comitê dos projetos por ele aprovados, as contribuições ou assistência de outra natureza oferecidos com fins gerais ou específicos, vinculados a projetos concretos.


O Artigo 26 da Convenção trata das contribuições dos Estados Partes ao Fundo, que se obrigam a depositar no Fundo, no mínimo a cada dois anos, uma contribuição cuja quantia, calculada a partir de uma porcentagem uniforme aplicável a todos os Estados, será determinada pela Assembléia Geral.[31]


Pode ainda, ocorrer contribuições complementares de caráter voluntário e um Estado Parte não poderá, em nenhum caso, exceder 1% da contribuição desse Estado ao Orçamento Ordinário da UNESCO. Para fins de planejamento das atividades estabelecidas na Convenção, o artigo 27 solicita dos Estados Partes que desejarem efetuar Contribuições voluntárias suplementares ao Fundo, informem ao Comitê.


Poderão ocorrer Campanhas internacionais para arrecadação de recursos, cabendo, de acordo com as possibilidades o apoio dos Estados Partes, em benefício do Fundo sob os auspícios da UNESCO, conforme artigo 28.


Esta Convenção foi aprovada na íntegra pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo n º 22, de 01 de fevereiro de 2006; sendo ratificada em 15 de fevereiro de 2006;passando a vigorar em território nacional em 01 de junho de 2006, através do Decreto 5.753 de 12 de abril de 2006.


Quando da aprovação da Convenção  em 17 de em outubro de 2003, em Paris, pela Conferência Geral da UNESCO,o Brasil já havia regulamentado, há três anos, o parágrafo 1 º do artigo 216 da Constituição Federal instituindo o Registro como instrumento para a tutela de bens culturais de natureza imaterial, como também criado o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial por meio do Decreto 3.551/2000.


 


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Notas:

[1] Este trabalho foi desenvolvido a partir da  dissertação de Mestrado defendida em 2007 pela autora, cujo título é “Tutela do Patrimônio Cultural Imaterial no Direito Ambiental Brasileiro”, orientada pela Prof.ªDrª Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida.

[2] Isabelle Cury (org.), Cartas Patrimoniais, p. 91.

[3] Ibid., p. 177.

[4] Ibid., p. 219.

[5] Conselho Internacional de Monumentos e Sítios.

[6] PATRIMÔNIO IMATERIAL: O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, p. 119.

[7] Isabelle Cury (org.), op. cit., p. 275.

[8] No documento “Propostas, Experiências e Regulamentos Internacionais sobre a Proteção do Patrimônio Imaterial”, elaborado em 1998 pelo Grupo de  Trabalho Patrimônio Imaterial, destacou que foi a partir Convenção do México em 1972, “alguns Estados liderados pela Bolívia, solicitaram a esta organização (UNESCO) o estudo da proteção das expressões tradicionais populares do ponto de vista jurídico, uma vez que este  importante aspecto do patrimônio cultural não havia sido contemplado nessa Convenção.”  PATRIMÔNIO IMATERIAL: O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, p. 120.

[9] Ibid., mesma página.

[10] Isabelle Cury (org.), Cartas Patrimoniais, pp. 294-295.

[11] PATRIMÔNIO IMATERIAL: O Registro do Patrimônio Imaterial: Dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, p. 121.

[12] Ibid., mesma página.

[13] Ibid., mesma página.

[14] Ibid., mesma página.

[15] Ibid., p. 122.

[16] Grandes obras do Patrimônio Oral da Humanidade.

[17] Ibid.

[18] Em 2003, em adição a primeira lista de vinte e oito obras como patrimônio cultural imaterial mundial (sendo elas nacionais ou multinacionais), destacando-se a proclamação da primeira obra no Brasil, sendo ela o conjunto das as expressões orais e gráficas da tribo Wajãpi. A terceira proclamação ocorreu em 2005.

[19] Disponível em: <http//www.unesco.org>, acesso em: 03-12-2003.

[20] Artigo extraído da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, apensa por cópia ao Decreto 5.753 de abril de 2006.

[21] Entrada en vigor de la Convención para la Salvaguardia del Patrimonio Cultural Inmaterial, disponível em: <http://portal.unesco.org/es/ev.php>, acesso em: 29-09-2006.

[22] Conforme artigo 31 da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial.

[23] A UNESCO é um órgão ligado a ONU, com fins de promoção da Cultura e Meio Ambiente no Mundo.

[24] A expressão “Estados Partes” designa os Estados vinculados pela Convenção e entre os quais a  Convenção esteja em vigor. 

[25] Tutela Penal do Patrimônio Cultural, p. 17.

[26] Ibid., p. 18.

[27] As cidades brasileiras e o Patrimônio Cultural da Humanidade, p. 39.

[28] Ivete Senise Ferreira, Tutela Penal do Patrimônio Cultural, p. 18.

[29] As propostas apresentadas pelos Estados Partes, devem estar de acordo  com os critérios definidos pelo Comitê e aprovados pela Assembléia Geral. O Comitê receberá, examinará e aprovará as solicitações de assistência internacional formuladas pelos Estados Partes para a elaboração das referidas propostas. 

[30] O Artigo 22 trata os requisitos para a prestação de assistência internacional cabendo ao Comitê definir o procedimento para exame das solicitações de assistência internacional, devendo ainda determinar os elementos que devem constar das solicitações, a exemplo: medidas previstas, intervenções necessárias e avaliação de custos. Em situações de urgência, a solicitação de assistência será examinada em caráter de prioridade. As decisões do Comitê serão a partir de estudos e as consultas que julgar necessários, para fazê-lo.

[31] Conforme parágrafo 1º do artigo 26 da Convenção.


Informações Sobre o Autor

Daisy Rafaela da Silva

Doutoranda em Direito pela UNIMES/Santos-SP. Mestre em Direito (Direitos Difusos e Coletivos) pela UNIMES/Santos-SP. Professora de Direito Ambiental na Graduação e Pós-graduação do Centro UNISAL e FACIC-Cruzeiro. Integra os Grupos de Pesquisa: “Direito das Minorias” e “Ética e Meio Ambiente” do Curso de Mestrado em Direito do Centro UNISAL, cadastrado no CNPq.


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