Resumo: Com o presente estudo, almeja-se analisar o direito fundamental da proteção à relação de emprego contra despedidas imotivadas e arbitrárias, com ênfase nas dispensas coletivas. Assim, pretende-se analisar a possibilidade de realização de dispensas coletivas, prevendo os requisitos necessários para que não se caracterize abuso de poder, a partir do disposto no artigo 7.°, I da CR/88 e da Convenção 158 da OIT.
Palavras Chaves: Desemprego – Dispensas Imotivadas – Deveres Anexos do contrato.
A maior mazela social da atualidade é o desemprego. O desemprego além de prejudicar o empregado, afetando sua auto-estima, afeta também sua família e atinge toda a sociedade.
O desemprego encolhe a economia, já que diminui o dinheiro circulante no mercado, traz custos para as empresas e ainda aumenta o ônus do Estado, devido aos programas assistenciais.
Corroborando tal afirmação, oportuno mencionar que em 2008 os valores pagos para o seguro desemprego pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ultrapassaram os 13 bilhões de reais. Prevê-se que o déficit do FAT será de um bilhão de reais em 2010 e de quase quatro bilhões em 2011.[i]
Além de onerar o Estado, as dispensas também trazem prejuízos às empresas. Os primeiros custos das dispensas são os altos valores pagos nas rescisões contratuais, que, de acordo com o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), giraram em torno de R$ 16,035 bilhões em 2007. No entanto, estes não são os únicos. Deve-se somar a estes os custos com processo seletivo, treinamento e qualificação dos novos empregados contratados.
Apesar de todos estes malefícios as políticas econômicas e sociais, no Brasil, na última década, a rotatividade de mão de obra foi 40% superior ao período anterior. Segundo a Organização Mundial do Trabalho, são 186 milhões de desempregados no mundo e 550 milhões em condição de subemprego. No país, apenas em dezembro de 2008, 650.000 mil trabalhadores perderam seus empregos. [ii]
Tal situação está relacionada não somente a crise econômica vivenciada pelo mundo em 2008 e 2009, mas também pela forma de regulação das relações do trabalho. Isso porque a facilidade jurídica conferida aos empregadores para dispensarem seus empregados favorece a rotatividade de mão de obra, não só impulsionando o desemprego, como também favorecendo a precarização das relações de emprego.
Esta possibilidade de “denuncia vazia” das relações de emprego funciona como verdadeira ferramenta de redução salarial, já que as empresas despedem imotivadamente os empregados e contratam outros com as mesmas qualificações por salários mais baixos.
Diante disto, países desenvolvidos buscaram construir um sistema jurídico que limite a faculdade dos empregadores de dispensar sem justa causa.
Neste sentido, pode-se citar a Constituição Portuguesa, a qual prevê a proibição de despedida imotivada em seu artigo 53. O Estatuto dos Trabalhadores espanhol, em seu artigo 49, prevê apenas como justo motivo para despedida as hipóteses de despedida disciplinar e a despedida por causas legalmente procedentes (extinção do posto de trabalho e inadaptação do trabalhador as modificações técnicas ocorridas na empresa). Por fim, pode-se mencionar também que o Código de Trabalho Francês dispõe que um empregador que pretenda dispensar um empregado deve convocá-lo para uma reunião, quando indicará o motivo da despedida, que deverá ter como fundamento uma causa real e séria. [iii]
De acordo com Alexandre Agra Belmonte, “o principal papel a ser cumprido pelo Direito do Trabalho nos tempos presentes, portanto, é o de evitar o desemprego desmedido e despropositado, que apenas serve para incrementar a utilização de contratos que desconsideram os seus fins sociais e geram insegurança na sociedade” [iv].
Neste cenário, viu-se a importância de se rediscutir a impossibilidade de dispensa imotivada no Brasil, nos termos do artigo 7°, I da CR/88 e a aplicação da Convenção n.° 158 da OIT.
A Constituição da República previu como direito fundamental social dos empregados a “proteção contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentro outros direitos”.
Não obstante ainda não ter sido editada lei complementar, Marlene Suguimatsu entende que o artigo 7.°, I da CR/88 acolheu a teoria da despedida flexível, calcada na teoria do abuso de direito e que propõe reconhecer a invalidade da dispensa, quando for arbitrária e/ou injustificada, e busca penalizá-la com reintegração, readmissão ou reparação indenizatória [v].
A Convenção 158 da OIT ratificada pelo Brasil em 1996 e denunciada pelo Presidente da República, por ato individual no mesmo ano, prevê que ao empregador é vedado dispensar o empregado quando não houver uma causa justificada em seu comportamento ou sua capacidade, no caso de dispensa individual e baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço nos casos de dispensa coletiva.
Destarte, o Direito do Trabalho é regulação que pertence aos direitos fundamentais, sendo que a Constituição incluiu no rol destes direitos a proteção à despedida injustificada.
Lembre-se que o Direito do Trabalho possui como principal função a regulação dos contratos de emprego, com vistas à proteção à dignidade da pessoa humana do empregado e, assim como todos os outros contratos disciplinados pelo Direito brasileiro, rege-se pelo princípio da boa fé objetiva e seus deveres anexos.
Os deveres anexos da boa fé objetiva no contrato de emprego são, dentre outros, os de informar e demonstrar aos empregados a causa objetiva da dispensa sem justa causa.
Frise-se que a referida causa objetiva deve ser pautada em motivos de força maior ou nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço, por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, nos termos da Convenção 158 da OIT.
E quando se analisa as dispensas coletivas, como a realizada pela EMBRAER em fevereiro de 2009, os princípios acima mencionados se mostram ainda mais relevantes.
Sobre o assunto, mister se faz transcrever o disposto por Renato Rua de Almeida, “De fato, o texto constitucional prevê, há mais de vinte anos, lei complementar para regulamentar, dentre outros direitos, a indenização compensatória para reparar a violação sofrida pelo empregado na proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. No entanto, e até mesmo pela ausência da regulamentação constitucional, a eficácia horizontal desse direito fundamental social deve ser garantida pela exigência do cumprimento pelo empregador, nas despedidas em massa, dos valores da boa-fé objetiva e dos seus deveres anexos, previstos nos mencionados artigos 187 e 422 do Código Civil de 2002.” [vi]
Desta forma, a dispensa coletiva dos empregados sem que se observem os deveres anexos da boa fé objetiva, sem que se demonstre sua real necessidade, em total confronto ao disposto no artigo 7.°, I da CR, ao direito fundamental da proteção da relação de emprego contra a despedida imotivada, mostra-se como uma supervalorização dos aspectos econômicos sobre os sociais.
Neste sentido, há de se mencionar o acertadamente esclarecido por Renato Rua de Almeida: “Portanto, o não cumprimento pelo empregador desses deveres anexos da boa-fé objetiva na despedida em massa torna-a abusiva, em razão da ilicitude por abuso de direito, pelo que deve ser reparada com pagamento de indenização, nos termos do artigo 927 do Código Civil, a ser medida pela extensão do dano causado aos trabalhadores despedidos, a teor do artigo 944 do mesmo diploma civil.”[vii]
Desta maneira, em razão da grande repercussão em toda a sociedade, uma vez que, por exemplo, uma dispensa de quatro mil empregados afeta aproximadamente dezesseis mil pessoas – familiares destes -, o que traz reflexos na economia de toda uma região, devemos lutar para que quando se fale em dispensas coletivas, sejam observados os deveres anexos do contrato, para que estas não se caracterizem abuso de poder, a partir do disposto no artigo 7.°, I da CR/88 e da Convenção 158 da OIT, sob o prisma da proteção aos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da boa fé objetiva.
Informações Sobre o Autor
Mariana Gusso Krieger
Advogada. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-PR