A necessidade de um novo paradigma de civilização

Resumo: O presente artigo visa realizar um estudo relativo à necessidade de superação do capitalismo para se alcançar a tão sonhada ‘sustentabilidade’, para isso recorreremos às teorias críticas de diversos autores, dando ênfase a Educação Ambiental Ecomunitarista como forma de se caminhar a um novo paradigma.


Palavras-chave: Educação Ambiental; Ecomunitarismo; Sustentabilidade.


Sumário: 1. Introdução; 2. A busca por um novo paradigma de civilização; 3. Considerações finais. Referências.


1.INTRODUÇÃO


O presente trabalho justifica-se como requisito parcial de avaliação da disciplina Filosofia da Educação Ambiental, do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental, da Universidade Federal do Rio Grande. O trabalho objetiva relacionar os conteúdos ministrados em tal disciplina e o projeto de pesquisa que estamos desenvolvendo.


Então, pretende-se, a partir de perspectivas críticas, trabalhar a necessidade de se conseguir superar as mazelas da globalização neoliberal, buscando-se a transformação do paradigma societário capitalista rumo à transição para um modelo social menos predatório e capaz de redimensionar o ser humano.


Uma vez superado o sistema capitalista, podemos sonhar com um sistema igualitário e harmonioso entre os seres humanos e o restante da natureza, o qual o ilustre Prof. Dr. Sírio Lopez Velasco denominou de “Ecomunitarismo”, sendo esta ordem sócio-ambiental pós-capitalista alcançada através da Educação Ambiental Ecomunitarista.


2. A busca por um Novo Paradigma de Civilização


Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 56) sintetiza bem o modelo de relação entre os homens e a natureza, que o sistema capitalista vem adotando nos últimos tempos:


“A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria.”


O antropólogo uruguaio, Guillermo Ricardo Foladori (1999), também relata que pela primeira vez na história da sociedade humana, o sistema capitalista está gerando desemprego de maneira crescente e estrutural, mostrando com maior nitidez que as contradições no interior da sociedade humana são o aspecto mais cadente da crise ambiental.


O pensador francês, Félix Guattari, defende que somente haverá uma resposta à crise sócio-ecológica, se forem escala planetária e com o surgimento de uma autêntica revolução política, social e cultural, a qual reoriente os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Logo, o referido autor também defende um rompimento total com o sistema capitalista vigente, reconhecendo os efeitos drásticos do Capital sobre países do Sul:


“Uma finalidade do trabalho social regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por relações de poder só pode, no momento, levar a dramáticos impasses – o que fica manifesto no absurdo das tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo e conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível”. (GUATTARI, 1990, p. 9)


O ilustre sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos, em “Pela Mão de Alice”, já nos relatava a existência de um paradigma emergente, o ecossocialista, com as seguintes características:


“o desenvolvimento social afere-se pelo modo como são satisfeitas as necessidades humanas fundamentais e é tanto maior, a nível global, quando mais diverso e menos desigual; a natureza é a segunda natureza da sociedade e, como tal, sem se confundir com ela, tão pouco lhe é descontínua; deve haver um estrito equilíbrio entre três formas principais de propriedade; a individual, a comunitária e a estatal; cada uma delas deve operar de modo a atingir seus objetivos com o mínimo de controle do trabalho de outrem”.


Então, defendemos a necessidade de se trabalhar a noção de sustentabilidade sobre novos paradigmas. Conforme nos ensina Michael Löwy, deve haver “uma radicalização da ruptura com a civilização material capitalista. Nesta perspectiva, o projeto socialista visa não apenas uma nova sociedade e um novo modo de produção, mas também um novo paradigma de civilização” (2005, p. 40).


O Prof. Dr. Sírio Lopez Velasco (2008, p. 176) relembra Marx, quando critica o capitalismo por arruinar as duas fontes de riqueza: o ser humano e a terra, sintetizando de forma brilhante a atual situação do nosso planeta:


“Na lógica do lucro sacrifica-se a saúde humana na angústia do desemprego e da pobreza ou na jornada estressante, a violência mata todo o dia (pelo petróleo, a cor da pele ou o par de tênis do vizinho, ou ainda pela droga, a briga do casal ou o trânsito),  o ar fica irrespirável nas grandes cidades e as florestas sofrem as conseqüências da sede de ganância e da chuva ácida, o efeito estufa e o buraco da camada de ozônio  modificam perigosamente o clima e aumentam a incidência do câncer de pele, os rios os mares são diariamente envenenados (…)”


Carlos Walter Porto Gonçalves (2004, p. 23) nos relata a existência de um desafio ambiental no período atual, de globalização neoliberal, diferentemente dos outros períodos que o antecederam pela especificidade deste desafio, pois até os anos 1960, a dominação da natureza não era uma questão e, sim, uma solução para o desenvolvimento. Então, é a partir dessa globalização que intervém explicitamente a questão ambiental. Em seu livro A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, também questiona o sistema-mundo moderno-colonial, defendendo que não há razão para tal:


“Como e porque os recursos naturais devem continuar fluindo do sul para o norte? A globalização neoliberal é uma resposta de superação capitalista a essas questões, para o que, sem dúvida, procura, à sua moda, apropriar-se de reivindicações como o direito a diferença, para com ele justificar a desigualdade e, também, assimilar à sua lógica do mercado a questão ambiental.” (GONÇALVES, 2005)


O escritor peruano, Aníbal Quijano, ao tratar da colonialidade do poder, também defende o combate a essas formas sociais de manutenção do poder e dominação social:


“O que pudemos avançar e conquistar em termos de direitos políticos e civis, numa necessária redistribuição do poder, da qual a descolonização da sociedade é a pressuposição e ponto de partida, está agora sendo arrasado no processo de reconcentração do controle do poder no capitalismo mundial e com a gestão dos mesmos responsáveis pela colonialidade do poder.” (QUIJANO, 2005)


Nesse sentido, o professor da Universidade de Michigan, Fernando Coronil, relata que a globalização está fazendo aumentar as desigualdades sociais e a destruição da natureza, então, defende a necessidade de elaboração de estudos críticos para o combate ao discurso neoliberal.


“A mágica do imperialismo contemporâneo reside em conjurar seu próprio desaparecimento fazendo com que o mercado apareça como a personificação da racionalidade humana e da felicidade. Os discursos dominantes da globalização oferecem a ilusão de um mundo homogêneo que avança constantemente em direção ao progresso. Mas a globalização está intensificando as divisões da humanidade e acelerando a destruição da natureza. Os estudos pós-coloniais deveriam enfrentar as seduções e promessas da globalização neoliberal.” (CORONIL, 2005)


Logo, não haverá saída para a crise sócio-ecológica pelo mercado e sim no Estado, na sociedade civil, em movimentos sociais, em outras economias solidárias, em ONGs locais e internacionais com consciência ambiental crítica e não neoliberal, etc. Portanto, é necessário recorremos a importantes autores das teorias críticas para mostrar a importância de se buscar alternativas ao sistema capitalista, como defende o Prof. Fernando Coronil:


“Uma crítica que desmitifique as afirmações universalistas do discurso de globalização mas que reconheça seu potencial libertador, deveria tornar menos tolerável a destruição da natureza e a degradação das vidas humanas por parte do capitalismo. Esta crítica será desenvolvida em diálogo com idéias surgidas nos espaços nos quais se imaginam futuros alternativos para a humanidade, seja em “focos de resistência” ao capital, em lugares ainda livres de sua hegemonia, ou no seio de suas contradições internas.“(CORONIL, 2005).


Então, o Ecomunitarismo, defendido pelo ilustre Prof. Dr. Sirio Lopez Velasco, seria um possível paradigma de civilização, onde estaríamos livres das mazelas do capitalismo. Porém, para que possamos alcançar esse novo modelo de relação entre os homens e com o restante da natureza, há um grande caminho a ser percorrido e se dará através da conscientização ecomunitarista (VELASCO, 2008, p. 166).


3.Considerações finais


Diante de todo exposto, percebemos a necessidade de uma revolução que transforme completamente a ordem social vigente. Fernando Coronil defende a importância de se buscar alternativas ao atual sistema capitalista, que não é somente um modelo econômico da sociedade atual, mas que vem sendo moldado, como podemos observar ao longo da história, através da legitimação do “ter” sobre o “ser”.


Logo, o que defendemos não é uma harmonia romântica entre o homem e o restante da natureza, mas a necessidade de um novo paradigma como o Ecomunitarismo, pois acreditamos que o modelo de sociedade atual que foi se constituindo ao longo do tempo, está hegemonizado a partir de uma relação de opressão não somente do homem em relação à natureza, mas também em relação aos demais homens através do trabalho alienado, como Marx já havia anunciado.


Dessa forma, percebemos que o que existe não é a dominação do homem sobre a natureza, como se o homem fosse um ser separado desta e superior, mas a dominação de uma minoria de homens que detém o poder desde as sociedades pré-capitalistas, subjugando não somente a natureza natural como também humana, e o que é pior de forma legitimada, seja através da religião, da mídia, etc.


Somente através de uma Educação Ambiental problematizadora, como a E.A. Ecomunitarista, que conseguiremos caminhar para esse processo de libertação do capitalismo, possibilitando a emergência desse novo paradigma de civilização: o Ecomunitarismo (VELASCO, 2008, p. 165).


 


Referências

CORONIL, Fernando. Natureza do Pós-Colonialismo do Eurocentrismo ao Globocentrismo.  In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org.) CLACSO, Buenos Aires. 2005.

FOLADORI, Guillermo. O Capitalismo e a Crise Ambiental. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/~raizes/artigos/Artigo_42.pdf Acesso em: 02. jul. 2009.

GUATTARI, Félix. As três ecologias.  Campinas: Papirus, 1990.

LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LOUREIRO, Carlos Frederico. B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental.  2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LÖWY, Michael. Ecologia e socialismo. São Paulo: Cortez, 2005.

PORTO – GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2006.

________. O Desafio Ambiental. Rio de Janeiro: Record, 2004.

________. Os Descaminhos do Meio Ambiente. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1993.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org.) CLACSO, Buenos Aires. 2005.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós- modernidade. São Paulo: Cortez, 2000.

VELASCO, Sirio Lopez. Introdução à Educação Ambiental Ecomunitarista. Rio Grande: Ed. da FURG, 2008.

________. Ucronía. Rio Grande: Ed. da FURG, 2009.


Informações Sobre o Autor

Rafael de Carvalho Missiunas

Pós-graduando em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL; Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental – PPGEA/FURG; Pesquisador integrante do GTJUS – Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (Grupo de Pesquisa do CNPq) – FURG; Pesquisador integrante do NUPEDH – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos – da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Professor Assistente das Faculdades Atlântico Sul – Anhanguera Educacional, onde ministra as disciplinas de Direito Administrativo e Direito Processual Penal; Tutor de apoio docente do Curso de Especialização em Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio Grande – FURG;


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