A Emenda Constitucional (EC) n.º 62/2009, publicada no dia 10.12.2009, alterou a sistemática do pagamento de precatórios, trazendo novas disposições ao artigo 100 da Constituição Federal (CF) e introduzindo o artigo 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que criou o regime especial de pagamento de precatórios para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que estivessem em mora com essa modalidade de obrigação, tudo isso em conjunto com os comandos contidos nos artigos 33 e 78 do ADCT.
As alterações e inovações relativas ao artigo 100 da CF e ao artigo 97 ADCT foram realizadas pelos artigos 1 º e 2º, respectivamente, da EC n.º 62/2009, EC que conta com 7 artigos, no total, sendo que o artigo 3º trata do prazo para a implantação do Regime Especial previsto no artigo 97 do ADCT; o artigo 4º estabelece quando os entes federados voltarão a observar somente o disposto no artigo 100 da CF; o artigo 5º convalida as cessões de precatórios, independentemente da concordância da entidade devedora; o artigo 6º convalida as compensações realizadas nos termos do artigo 78, § 2º do ADCT; e o artigo 7º estabelece a data em que entra em vigor a EC, ou seja, 10 de dezembro de 2009.
Em que pese a intenção do legislador constituinte derivado ser a de resolver a inadimplência generalizada dos Estados, Distrito Federal e Municípios em relação aos seus precatórios, as novas disposições constitucionais trouxeram à baila incontáveis problemas que deverão ser resolvidos pelo Poder Judiciário nos próximos anos.
Dentre esses problemas, um dos que mais chama a atenção é o decorrente da redação do artigo 5º da EC n.º 62/2009, que convalidou todas as cessões de precatórios, independentemente da concordância da entidade devedora, nos seguintes termos:
“Artigo 5º Ficam convalidadas todas as cessões de precatórios efetuadas antes da promulgação desta Emenda Constitucional, independentemente da concordância da entidade devedora.”
Do referido artigo observam-se 2 premissas básicas: a.) que todas as cessões de precatórios efetuadas antes da promulgação da Emenda Constitucional foram convalidadas, ou seja, poderiam ter sido realizadas antes da EC 62/2009 e b.) as convalidações independem da concordância da entidade devedora.
Importante destacar que para as cessões de crédito realizadas posteriormente à promulgação da EC n.º 62/2009 valem as disposições previstas nos §§ 13º e 14º do artigo 100 da CF, que autorizaram a cessão de precatórios, independentemente da concordância do devedor, sob a condição de que a cessão somente produzirá efeitos após à notificação do tribunal em que teve origem o precatório e da entidade devedora, nos termos a seguir:
“Artigo 100 – Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.(…)
§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.
§ 14. A cessão de precatórios somente produzirá efeitos após comunicação, por meio de petição protocolizada, ao tribunal de origem e à entidade devedora.”
Observa-se que a intenção do legislador foi a de por fim à discussão que existe há anos quanto à possibilidade de cessão de precatórios, especialmente precatórios alimentares, tendo-se em vista que os direitos cedidos são direitos disponíveis e não haveria razão para limitar os direitos dos titulares dos créditos.
Ocorre que a redação do artigo 5º da EC 62/2009 trouxe um novo problema a todos os cedentes e cessionários de precatórios ao utilizar o termo “convalidadas”, pois a convalidação das cessões de precatórios acabou sendo confundida com a habilitação/homologação desses mesmos créditos, sendo certo que são institutos distintos, mas que devem ser analisados conjuntamente.
Historicamente, com a finalidade de se dar segurança jurídica à cessões de precatórios, o Poder Judiciário passou a exigir a habilitação/homologação judicial das referidas cessões, sendo que a habilitação visa garantir a devida sucessão processual do cessionário nos autos em que o precatório teve a sua origem, com a finalidade de evitar que o crédito seja pago para pessoa incorreta; e a homologação visa assegurar os termos do negócio jurídico realizado.
Diante disso, por ter o escopo de assegurar os termos do negócio jurídico celebrado, conclui-se que a homologação é um procedimento de jurisdição voluntária, no qual “o Estado exerce, por vários órgãos, função administrativa de interesses privados para a devida validade, eficácia e segurança do ato[1]”, o que quer dizer que a homologação de cessão de precatório nada mais é do que a administração de interesses privados pelo Poder Judiciário.
Importante frisar que são diversos os interesse quando se pretende a habilitação/homologação de cessões de precatório.
Inicialmente tem-se a necessidade de realizar a devida sucessão processual nos autos em que o precatório teve origem, pois isso evita que o crédito seja pago para pessoa incorreta, sucessão que se dá com a habilitação do cessionário como titular do crédito.
Além da habilitação nos autos em que o precatório teve origem, é essencial que se homologuem os termos do negócio jurídico celebrado entre o cedente e o cessionário, tendo que observar os elementos inerentes a qualquer negócio, que são a vontade, o objeto e a forma; assim como os requisitos de validade, que são a capacidade do agente, a licitude do objeto, que deve ser possível, determinado ou determinável e a forma deve ser conforme a lei, ou que esta não proíba.
No que diz especificamente aos precatórios, quando se analisam pedidos de homologação da cessão de crédito, observa-se que dentro dos elementos/requisitos do negócio celebrado deve ser atestada a.) a origem do precatório, b.) a titularidade do cedente, c.) o valor total originário do precatório, d.) o percentual e valor pertencente ao cedente, e.) a atualização do crédito, f.) percentual e valor cedido, entre outros elementos/requisitos que o julgador entender necessários.
Portanto, é imperioso concluir que a convalidação das cessões de precatórios prevista no artigo 5º da EC n.º 62/2009 diverge e não se confunde com a “homologação automática” do negócio jurídico celebrado, ao contrário do entendimento que vem sendo firmado por alguns Magistrados em suas decisões, tendo-se em vista que a convalidação é a autorização para a celebração do negócio e a homologação é análise, por parte do Poder Judiciário, dos elementos/requisitos do negócio celebrado.
Por fim, resta demonstrada a real e efetiva necessidade da homologação judicial das cessões de precatórios, que por sua vez atua em prol da almejada segurança jurídica dos negócios jurídicos celebrados entres particulares, negócios estes que atingem diretamente os interesses do Estado, configurando-se como prestação jurisdicional essencial da qual o Poder Judiciário não pode se esquivar.
Informações Sobre o Autor
Carlos Eduardo Ortega
Advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Cursando a Especialização em Direito Processual Civil Contemporâneo na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Tendo em seu currículo diversos cursos, tais como: Tributos em Espécie, Direito Administrativo Econômico, Direito do Consumidor, Contratos Bancários, Direito do Comércio Internacional, Contratos no MERCOSUL, Recentes Alterações no CPC e Curso Avançado de Direito Processual Civil. Fluente em inglês. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB – Seção Paraná. Inscrito na OAB/SP sob n.º 255.867 e na OAB/PR sob n.º 50.458