É sabido que uma das formas de resolução de antinomias jurídicas é a aplicação do princípio da posterioridade, ou seja, a lei posterior que trata do mesmo assunto da anterior a revoga, expressa ou tacitamente.
Pois bem. A Lei n. 6.368/76 dispunha sobre o delito de tráfico ilícito de entorpecentes no seu artigo 12, cominando pena de 3 a 15 anos de reclusão e multa.
A lei n. 11.343/2006 revogou a legislação anterior de forma expressa, no seu artigo 76, passando a tratar do tráfico ilícito de drogas exaustivamente nos seus artigos 33 e seguintes.
A nova Lei, ao mesmo tempo em que aumentou a pena privativa de liberdade do tráfico para 5 a 15 anos de reclusão, estabeleceu uma causa de diminuição de pena de um a dois terços, vedada a conversão em pena restritiva de direitos, ao condenado pelo referido crime que, sendo primário e de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (§ 4º do artigo 33).
Num primeiro momento, a lei nova parece ser prejudicial, pois aumenta a pena do tráfico, mas considerando-se a possibilidade de diminuição de pena, esta pode ficar aquém da pena mínima anterior. Exemplo: diminuindo-se 2/3 da pena mínima (5 anos), chegaremos ao quantum de 1 ano e 10 meses de reclusão (além da multa), muito inferior aos 3 anos de pena mínima prevista no art. 12 da revogada Lei n. 6.368/76.
Faz-se necessário analisar se o agente condenado pelo crime do art. 12 da aludida Lei faz jus à redução de pena prevista no parágrafo 4º do art. 33 da atual, e se fizer, qual será a base de cálculo para a redução.
A possibilidade de combinação de leis penais pelo Poder Judiciário, apesar de haver vozes da doutrina em sentido positivo, sempre foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, ao entendimento de que se estaria aí criando uma nova lei, usurpando de maneira inconcebível a função típica do Poder Legislativo.
Assim, pareceria impossível utilizar o critério de redução de pena da Lei nova sob o quantum da punição previsto no art. 12 da Lei antiga. Neste sentido foi o voto da Ministra Ellen Gracie no julgamento do “habeas corpus” n. 95.435/RS, julgado no corrente ano.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu no HC 112.647-SP (5ª Turma) ser impossível a combinação de leis, sendo, no entanto, admissível a aplicação do dispositivo do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 se considerar a pena prevista no “caput” do referido artigo, e não com base na antiga Lei de Tóxicos.
Não obstante o reconhecimento da impossibilidade de criação de lei nova combinando-se critérios de mais de uma lei para o julgamento do caso concreto, a tese que prevaleceu no E. Supremo Tribunal Federal foi a seguinte: o espírito da Lei nova é dar tratamento privilegiado ao agente que não é dado à práticas delituosas, pois ele mesmo se diferencia dos grandes traficantes, e não merece receber reprimenda como se tal fosse.
Neste ínterim entendeu-se ainda, que não há neste caso combinação de leis penais. A situação seria outra. Combinação de leis ocorreria, por exemplo, se em ambas houvesse a aludida causa de diminuição, mas com critérios diferentes e o réu (ou condenado) pretendesse utilizar de alguns da lei velha e outros da lei nova a fim de criar uma terceira regra que o beneficiasse.
Portanto, é necessário afirmar a possibilidade, segundo o Pretório Excelso, da aplicação da causa de diminuição de pena prevista na Lei 11.343/2006 ao crime cometido na égide da Lei n.º 6.368/76. E a base de cálculo da pena seria mesmo a do art. 12 da lei anterior, não havendo invasão de competência legislativa.
Informações Sobre o Autor
Leo Junqueira Ribeiro de Alvarenga
Advogado, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Braz Cubas, pós-graduado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo.