Resumo: O presente estudo tem o objetivo de analisar as impressões do Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, cujas conclusões foram reunidas no documento “Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente”, sob a perspectiva dos Direitos Fundamentais e do Direito ao Trabalho, verificando as ações do Estado na efetivação e consolidação de garantias elementares.
Palavras-chaves: Emprego. Trabalho Decente. Direito Ao Trabalho. Direitos Fundamentais.
Sumário: 1. Introdução. 2. A perspectiva dos números. 3. O caso brasileiro. Análise do PNUD. 4. O direito do trabalho como elemento de promoção do desenvolvimento humano. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos[1], ao esclarecer que sua origem se fundamenta no “reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” e também na idéia de que “os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito”, fixa dois elementos fundamentais à vida em sociedade: o respeito à dignidade da pessoa humana e a responsabilidade do Estado em sua promoção.
A concepção, embora abstrata, é programática. Para que a dignidade e o gozo direitos mínimos sejam estendidos a todos, é imperativa a atuação do Estado da sociedade.
A República Federativa do Brasil, ao eleger, na Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos artigo, indicou, de forma expressa, seu alinhamento com tal perspectiva. No entanto, a questão que se coloca em perspectiva é o efetivo cumprimento dessa agenda, haja vista que a consolidação desse princípio depende, também, da integração dos esforços de diferentes agentes econômicos.
O crescimento econômico sustentado é o ponto de partida para o combate e a redução das desigualdades sociais. Ressalte-se, todavia, que o crescimento, por si só, não será suficiente se desacompanhado de políticas efetivas de criação e distribuição de renda. E justamente nesse viés é que se coloca a questão do trabalho humano, que se apresenta como articulador entre crescimento e desenvolvimento humano.[2]
O alcance dessa realidade, contudo, se mostra cada vez mais distante quando a própria vida humana tem sua identidade questionada, tal como afirma BAUMAN[3]:
“O aspecto novo, caracteristicamente pós-moderno e possivelmente inaudito, da diversidade dos nossos dias é fraca, lenta e ineficiente, institucionalização das diferenças e sua resultante intangibilidade, maleabilidade e curto período de vida. Se desde a época do “desencaixe” e ao longo da era moderna, dos “projetos de vida”, o “problema” da identidade” era a questão de construir a própria identidade, como construí-la coerentemente e como dotá-la de uma forma universalmente reconhecível – atualmente, o problema da identidade resulta principalmente da dificuldade de se manter fiel a qualquer identidade por muito tempo, da virtual impossibilidade de achar uma forma de expressão da identidade que tenha boa probabilidade de reconhecimento vitalício, e a resultante necessidade de não adotar nenhuma identidade com excessiva firmeza, a fim de poder abandoná-la de uma hora para outra, se for preciso. Não é tanto a co-presença de muitas classes que é a fonte de confusão, mas sua fluidez, a notória dificuldade em apontá-las com precisão e defini-las – tudo isso revertendo à central e mais dolorosa das ansiedades: a que se relaciona com a instabilidade da identidade da própria pessoa e a ausência de pontos de referência duradouros, fidedignos e sólidos que contribuem para tornar a identidade mais estável e segura.”
Nesse contexto, além do questionamento sobre a própria existência do homem e de sua posição na sociedade, devemos considerar os reflexos da atividade econômica na promoção do desenvolvimento social. E, nessa perspectiva, nota-se que apesar das inúmeras possibilidades apresentadas pela evolução tecnológica e pelo processo da globalização, ainda observamos situações de trabalho forçado e degradante, na mais concreta e visível negação dos princípios fundamentais.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cujo foco é a promoção do desenvolvimento humano, traçou, a partir da premissa de que não há que se falar em desenvolvimento sem a criação de condições para que os indivíduos possam exercitar suas capacidades em postos de trabalho com qualidade, que lhes assegurem não apenas um retorno financeiro imediato, mas também sejam provedores de proteção social.[4]
A efetiva aplicação dos princípios consolidados em âmbito internacional nessa questão tende a nos aproximar de um maior equilíbrio social e da verdadeira promoção dos direitos e garantias fundamentais.
No entanto, muitas vezes a perspectiva de respeito aos direitos e garantias fundamentais do homem pode ser posicionado em segundo plano em razão de interesses meramente econômicos. Inquestionavelmente, a expansão econômica é condição necessária, mas não singular, para a promoção do desenvolvimento humano, a construção de sociedades justas e geração de postos de trabalho capazes de atender, quantitativa e qualitativamente, à crescente oferta de mão-de-obra. A conjugação de todos esses fatores depende, fundamentalmente, de políticas de Estado.[5]
Há que se advertir, todavia, que as mutações observadas no cenário econômico internacional acabam por transformar o Estado, antes considerado autossuficiente sob o ponto de vista das relações internacionais, em ator coadjuvante no processo de adoção e consolidação de políticas econômicas e sociais. Atualmente, o “Estado Global” substitui o “Estado-Nação”, que até outrora era o núcleo elementar dos interesses e políticas sociais e um sistema fechado de cultura, comportamento e política.[6]
No seio desse aparente conflito que se opera entre as necessidades internas do Estado e os anseios de alinhamento com os interesses globais, encontra-se o Direito do Trabalho.
Definitivamente, o Direito do Trabalho de hoje não lembra em nada aquele que foi objeto da regulação pelo Estado Novo na década de 40. O Brasil, ainda tímido em seu processo de industrialização, submetia-se a um regime autoritário e corporativista, concepção que foi determinante para a adoção de um modelo altamente protecionista no que diz respeito às relações individuais e coletivas de trabalho.[7]
Passados mais de 60 anos, a legislação trabalhista, entorpecido por concepções equivocadas e distantes dos reais princípios do Direito Laboral, se mostra completamente alheia à realidade, orbitando sem rumo e desconexa de seus objetivos de promoção de justiça social.
Na opinião de ROMITA[8], esse distanciamento é uma das causas da desigualdade no trabalho e da ausência de resultados efetivos na promoção do trabalho decente:
“Não é função do direito do trabalho proteger o empregado. Função do direito do trabalho é regular as relações entre empregado e empregador, tout court. Afirmar a priori a função protecionista do direito do trabalho em benefício do empregado desconhece a bilateralidade da relação de emprego. Aceito o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, seria de rigor a aceitação de igual dose de proteção concedida ao empregador […]. Para exercer sua função social, ao reconhecer a inicial posição de desvantagem em que se encontra o trabalhador quando celebra um contrato subordinativo, o direito do trabalho equilibra as posições econômicas dos respectivos sujeitos por meio da concessão de garantias ao mais fraco,com o intuito não de protegê-lo, mas de realizar o ideal de justiça. Repugna ao ideal de justiça a proteção de um dos sujeitos de certa relação social. O ideal de justiça se realiza quando o direito compensa as desigualdades iniciais pela outorga de garantias aptas a igualar as posições (ou, pelo menos, atenuar as desigualdades sociais).”
A adoção de uma nova concepção dos princípios de equilíbrio nas relações de trabalho, mais próxima da realidade edificada pela economia em escala global, pode ser o início do longo caminho que tem a percorrer na busca de maior efetividade na geração e promoção do desenvolvimento humano.
Antes, contudo, faz-se mister nos debruçarmos sobre os dados que nos permitem concluir, até o momento, que, embora se verifique melhoria em diversos aspectos, há deficiências nevrálgicas que nos impedem de superar antigos desafios no que diz respeito à distribuição de riquezas e oferta de oportunidades concretas de trabalho decente.
2. A PERSPECTIVA DOS NÚMEROS
Segundo os dados mais recentes da Pesquisa Mensal de Empregos elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, com números referentes a dezembro de 2009, o número de pessoas em idade ativa (aquelas com 10 anos ou mais), foi estimado em 41 milhões, considerando as seis regiões metropolitanas pesquisadas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre). [9]
A população efetivamente ocupada foi estimada em 21,8 milhões de pessoas, número que representa um acréscimo de 212 mil postos de trabalho em relação a novembro de 2009, com aumento de 1%. Na comparação com dezembro de 2008, foi verificada alteração de 1,4%, ou seja, foram gerados 308 mil postos de trabalho no período de um ano.[10]
Analisando os números agregados, verifica-se maior ocupação de homens (54,3% em comparação a 45,7% das mulheres), com faixa etária entre 25 e 49 anos (62,3%), instrução de 11 anos ou mais (57,3%), em empreendimentos com mais de 11 empregados (59,1%), com 2 anos ou mais de vínculo empregatício (67,1%) e que trabalham entre 40 e 44 horas semanais (51,5%).[11]
Por outro lado, o perfil da população desocupada indica predominância de mulheres (57,5% em comparação a 42,5% dos homens), com faixa etária entre 25 e 49 anos (49,7%), 11 anos ou mais de estudo (55,7%), experiência de trabalho anterior (81,2%) e que estão procurando nova colocação há mais de 31 dias e menos de 6 meses (45,5%).[12]
Em números absolutos, o contingente de desocupados, estimado em 1,6 milhão no agregado das seis regiões metropolitanas pesquisadas, indicou redução de 7,1% em relação a novembro de 2009 e estabilidade no confronto com dezembro de 2008.[13]
Analisando tais dados, portanto, ainda que superficialmente, poder-se-ia definir um grupo bastante específico para o qual poderiam ser direcionadas as políticas públicas de geração e promoção de emprego.
O número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada no setor privado, estimado em 9,8 milhões em dezembro de 2009, apresentou elevação de aproximadamente 1,5% em relação novembro, ou seja, um incremento de 141 mil postos de trabalho com carteira assinada.[14]
Desde dezembro de 2003 até dezembro de 2009, o percentual de indivíduos empregados com carteira assinada no setor privado cresceu de 39,1% para 44,7%, uma variação positiva de 14,32%. Na mesma esteira, o número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado neste mesmo período, sofreu declínio de 20,5% (dez/03: 16,1%; dez/09: 12,8%).[15]
Os dados que indicam a recuperação da economia brasileira também foram verificados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), através de seu relatório “Panorama Laboral 2009”[16]. A publicação, cujo escopo concentra-se na análise dos reflexos da crise mundial na América Latina e Caribe, conclui que o principal obstáculo criado pela retração econômica global é a interrupção dos bons resultados observados até então nos mercados de trabalho, mesmo com diversos programas lançados pelos governos nacionais na tentativa de amenizar os impactos.
Os principais dados convergem para o mesmo cenário avaliado pelo IBGE, isto é, de que a crise afeta mais as mulheres, os jovens e aqueles que possuem menos estudo.
A chegada da crise econômica, segundo a avaliação da OIT, colocou fim a um ciclo positivo que já durava 5 anos, período no qual o bom desempenho das economias latino-americanas e caribenhas havia gerado significativa redução das taxas de desemprego, passando de 11,4% em 2002 para 7,5% em 2008.[17]
Com a chegada da crise, muitos indivíduos foram obrigados a se conformar com atividades no setor informal ou com trabalhos à margem da legislação trabalhista. Além disso, há que se considerar as perdas salariais que sempre ocorrem nos períodos de retomada da economia, pois dificilmente os salários voltam aos patamares de antes da crise.[18]
O impacto mais imediato da crise foi a redução da capacidade de geração de empregos em nível regional. A taxa de desemprego urbano médio subiu de 7,7% nos três primeiros semestres de 2008 para 8,5% no mesmo período em 2009.[19]
De acordo com as informações apuradas, o significativo número de inatividade reflete não apenas os indivíduos que efetivamente tiveram seus postos de trabalhos extintos, mas também incluem aqueles que deixam de procurar emprego devido às condições deterioradas do mercado laboral. Em médio prazo, isso poderia significar um gravame social na medida em que se reduzem as possibilidades de recolocação e, conseqüentemente, de desenvolvimento humano.[20]
É evidente que cada região se recupera de maneiras e em prazos distintos. Dentre os países da América Latina, o Brasil se destaca e ratifica as perspectivas de retomada de crescimento principalmente em razão das medidas adotadas logo após a instalação da crise em âmbito mundial, que incluem o fomento ao mercado interno, a política monetária e as políticas de isenção tributária estendidas a alguns setores da cadeia produtiva.[21]
As alternativas observadas nos países da América Latina para o enfrentamento da crise, e que refletem com precisão a estreita ligação que existe na região entre economia e níveis de emprego.
A queda do emprego no setor privado foi compensada com aumento da participação de trabalhadores autônomos e de pessoas ocupadas em empreendimentos familiares. Além disso, nota-se o crescimento das ocupações no mercado informal, 3,1% de aumento no segundo semestre de 2009 em relação ao mesmo período de 2008, o que acaba, inclusive, gerando maior flexibilização de direitos nos setores formais, haja vista que o acesso ao emprego formal torna-se tão difícil que são feitas concessões excessivas, com redução de proteção legal.[22]
A dimensão do setor informal no Brasil continua sendo motivo de preocupação, uma vez que apenas os trabalhadores formais podem ter acesso às garantias legais e a proteção social. A redução da informalidade é um obstáculo a ser superado pelas políticas públicas, especialmente em razão de atingir de forma mais significativamente as mulheres e jovens.
Segundo dados da pesquisa “Perfil do trabalho decente no Brasil”, realizada pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, os índices de ocupação formal caíram de 46,4% para 43,9% entre 1992 e 1999, apresentando recuperação a partir de 2002 e atingindo patamares de 46,3% em 2006 e 49,5% em 2007. No entanto, como já demonstrado pelos números, os efeitos mais nefastos da crise, ao menos na América Latina, se traduziram em retomada do aumento das taxas de desemprego e a interrupção da geração de empregos formais.[23]
A revista The Economist, em edição especial sobre o Brasil publicada em novembro de 2009, atribui a informalidade no país à dificuldade que as empresas possuem no que diz respeito ao recolhimento de impostos e no atendimento a todas as particularidades da legislação trabalhista, seja em relação a custos ou quantidade de regras. Nesse cenário, não deveria ser surpresa o tamanho do setor informal. O surpreendente é verificar que o setor informal é muito menos produtivo do que o setor formal, pois possuem menos capital a disponível e entendem ser “mais barato” empregar mais pessoas ao invés de investir em maquinário. Ainda assim, são mais lucrativos do que os competidores formais, o que constitui certo estímulo ao não pagamento de impostos e observância à legislação. Há pouco incentivo para que cresçam, uma vez que as maiores companhias atraem mais atenção do fisco. O resultado dessa economia informal, que, segundo a publicação, representa 6,9% de todo o PIB brasileiro, é a redução de receita tributária pelo governo e a criação de duas classes de trabalhadores: uma defendida vorazmente por sindicatos e gozando de garantias cada vez mais extensas e a outra que não tem proteção alguma a não ser o salário pago em dinheiro “vivo” ao final da semana.[24]
São justamente esses trabalhadores que ocupam o núcleo de observação do Programa das Nações Unidas para o de Desenvolvimento (PNUD). A conclusão do relatório, que analisaremos em seguida, é de que apenas o acesso ao trabalho decente é capaz de converter o crescimento econômico em desenvolvimento humano.
3. O CASO BRASILEIRO. ANÁLISE DO PNUD.
Na tentativa de esclarecer a relação entre economia, desenvolvimento humano e acesso ao trabalho, o relatório do PNUD[25] orienta:
“Se a expansão da economia não resulta sempre em empregos decentes nem se traduz necessariamente em desenvolvimento humano, para alcançar o vínculo virtuoso entre esses três elementos – em que o objetivo final é o desenvolvimento humano – é preciso que o crescimento gere empregos de qualidade, com proteção social e respeito aos direitos do trabalho, e que permita às pessoas serem partes integrais da sociedade. […] A articulação de políticas econômicas e políticas sociais favorece a ampliação e competitividade das economias em um mundo globalizado e promove melhores condições para a inserção dos países no mercado global e para seu desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, são importantes os elementos que conectam o desenvolvimento econômico e social – como a geração estável e sustentável de empregos e renda, a superação de disparidades produtivas por meio de medidas que estimulem a contribuição das pequenas empresas ao desenvolvimento; a possibilidade de canalizar uma proporção maior de recursos para a melhoria da educação e para sua efetivação/universalização; a promoção da igualdade de gênero e raça/cor no mundo do trabalho; a extensão da proteção social e a implementação de programas integrais de luta contra a pobreza, consistentes com uma política fiscal adequada.”
Obviamente, as deficiências do Brasil que resultam no déficit de ocupações decentes e na ausência de resultados sustentáveis no combate às desigualdades produzidas no mundo do trabalho não tiveram origens contemporâneas. Elas se concentram, fundamentalmente, em quatro grandes fatores, quais sejam: (a) desemprego e informalidade, que afastam trabalhadores da proteção social e lhes proporciona inserção inadequada; (b) mão-de-obra com baixos salários e produtividade; (c) não continuidade no emprego; (d) desigualdades observadas entre gênero e raça/cor.[26]
A década de 90 foi marcada pela estabilização econômica do Brasil e o início do processo de privatizações. Os efeitos, todavia, parecem ter sido mais negativos do que positivos, uma vez que a abertura da economia forçou a reestruturação produtiva das empresas, que passaram a dar grande ênfase a iniciativas de redução de custos, especialmente no que diz respeito a mão-de-obra, investimento em equipamentos. A estabilidade monetária, alcançada com a adoção do Plano Real e a drástica redução da inflação, não significou, contudo, momentum capaz de gerar crescimento da economia e produzir efeitos na geração de empregos.[27]
O comportamento do PIB, segundo o estudo, apresenta relação direta com os índices de ocupação. Entre 1993 e 1998, apesar do crescimento médio do PIB ter sido de 3,3%, a taxa de ocupação cresceu apenas 1,2%. Já no período compreendido entre 2002 e 2006, embora o PIB tenha crescido também nesse mesmo patamar, a taxa de ocupação evoluiu apenas 2,9%.[28]
Embora o crescimento do trabalho formal tenha sido tímido, não se pode deixar de mencionar que, especialmente durante o período de 1999-2003, foi desperdiçada grande chance de se estabelecer um ciclo virtuoso, com crescimento do PIB e melhoria nos índices de ocupação.[29]
Resta claro, como já destacado em outros documentos anteriormente citados, que a falta de geração de postos de trabalho decente na economia formal acaba por iniciar um processo de migração para a economia informal, especialmente entre 1992-1999, o que ocorre não apenas pela dificuldade na obtenção de vagas, mas também pela deterioração dos salários e elevada carga tributária suportada também pelo empregado. A partir de 2004, há uma retomada da formalização, processo que decorre, especialmente, de novo ciclo de crescimento econômico verificado a partir de então, de expansão do crédito em setores focados em segmentos populares do mercado interno – o que auxilia a contratação de mão-de-obra e criação de regimes tributários mais favoráveis às micro e pequenas empresas.[30]
No Brasil, qualquer ciclo de geração de posições formais acaba encontrando obstáculos bastante conhecidos: a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho, situações de violação de direitos humanos, como o trabalho infantil e o trabalho forçado, e baixos índices de escolaridade, que acabam refletindo não apenas na capacidade produtiva dos trabalhadores, mas também nos salários que recebem em razão desse estigma.[31]
Muito embora os índices indiquem maior penetração da educação básica e aumento do tempo de escolaridade, ainda há um longo caminho a percorrer, haja vista que os incrementos foram menores do que outros países em desenvolvimento. Importante mencionar, todavia, que o crescimento econômico pode contribuir para a melhoria da escolaridade na medida em que o maior uso da tecnologia demanda trabalhadores mais qualificados. O ponto negativo em relação ao aumento dos níveis de exigência pelas empresas é que ela ocorreu sem aumento real nos salários dos trabalhadores.[32]
Outro aspecto relevante levantado pela pesquisa no que diz respeito ao emprego decente é a correlação entre a chamada taxa de sindicalização (total de trabalhadores sindicalizados comparado com o total de ocupados da categoria) e os níveis de informalidade e precarização do trabalho. Em 1998, referida taxa atingiu 16,7%, o menor índice desde 1992. Em 2006, apesar de apresentar pequeno crescimento, chegando a 19,1%, a queda na sindicalização representa não apenas a perda de um ideário coletivo, mas também a ausência de entidade que representa e defenda os interesses dos trabalhadores, bem como participe do diálogo necessário à formatação de políticas públicas efetivas para a melhoria da qualidade dos postos de trabalho.[33]
Resta claro que o indivíduo possui melhores condições de desenvolvimento a partir do momento em que tem oportunidades de exercer suas capacidades, o que ocorre com a adequada instrução e o estabelecimento de um padrão de vida decente:
“[…] para reduzir a pobreza e construir sociedades mais equitativas, não é suficiente apenas gerar postos de trabalho — é necessário que esses postos de trabalho sejam produtivos, adequadamente remunerados, exercidos em condições de liberdade, eqüidade, segurança e sejam capazes de garantir uma vida digna. O conceito, portanto, implica a existência de oportunidades de emprego produtivo e seguro, o respeito aos direitos do trabalho — com especial ênfase nos fundamentais (liberdade sindical e de negociação coletiva, eliminação do trabalho infantil e do trabalho forçado ou escravo e de todas as formas de discriminação) —, a proteção social e o diálogo social, assim como a promoção da igualdade de gênero. O trabalho decente não é apenas um tema de justiça social, mas também de desenvolvimento socioeconômico. Melhores condições de trabalho contribuem não só para melhorar as condições de vida dos trabalhadores e aumentar o bem-estar, mas também para elevar a produtividade da mão-de-obra empregada — o que fortalece as empresas e o país e pode se reverter em melhores condições de trabalho, estabelecendo-se um círculo virtuoso.”[34]
Vale acrescentar que a geração de postos de trabalho, isoladamente considerada, não será suficiente para o desenvolvimento humano. Ele deverá vir acompanhado condições macroeconômicas favoráveis, capazes de não apenas manter os postos de trabalho, mas de estimular melhorias na geração e distribuição de renda. Da mesma forma, alinhar a busca pela produtividade com a criação de condições adequadas de desenvolvimento humano, privilegiando não apenas a proteção social, mas também a mobilidade no emprego, ou seja, a capacidade de o trabalhador se adapte às variações do mercado, o que pode lhe garantir a manutenção dos postos em tempos de crise como a que observamos recentemente.[35]
É justamente nesse âmbito que mais possui influência a integração do Brasil a uma economia em escala global.
O processo de aproximação dos países gera, além do estreitamento das relações políticas, econômicas e sociais, grandes oportunidades de desenvolvimento, especialmente pelo aumento da demanda por fatores de produção e maior acesso a tecnologias antes restritas a poucos países. Ademais, o fluxo de recursos também sofreu significativo incremento com a globalização, possibilitando a redução dos custos de capital e permitindo, além de formação de cadeias globais de produção, o incremento no potencial de investimentos. Embora a doutrina caminhe no sentido do argumento de que a globalização é responsável tão somente pelo fechamento de postos de trabalho, a verdade é que ela pode, sim, ter contribuído para a geração de outros tantos.[36]
O aspecto mais visível da globalização, qual seja a pressão pela redução de custos trabalhistas, o que poderia gerar perda de garantias e redução de proteção aos trabalhadores, acaba por esconder algo que demanda intensa reflexão:
“Nesse contexto, é fundamental que os ganhos de competitividade sejam obtidos por meio da elevação da produtividade das empresas e dos trabalhadores, não por meio do rebaixamento do padrão de proteção social. Isso pode ser obtido com capacitação e qualificação dos trabalhadores, e com medidas que elevem a competitividade sistêmica do país, como investimentos em infra-estrutura. A abertura comercial pode estimular a demanda por mão-de-obra qualificada, em detrimento daquela com menor qualificação, e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do emprego em alguns segmentos produtivos e aumentar a heterogeneidade do mercado de trabalho e da estrutura produtiva. A expansão do comércio internacional também cria possibilidades de ganhos de eficiência, se houver especialização nas áreas comparativamente mais vantajosas — o que pode, a longo prazo, beneficiar o nível de emprego global”.[37]
Observa-se, portanto, a real possibilidade de melhoria nas condições de trabalho e de desenvolvimento humano a partir da adoção de políticas convergentes no âmbito econômico e social. Embora a doutrina não aceite, a globalização gerou ganhos de produtividade que auxiliam na formatação de uma economia mais robusta, preparada para resistir a crises e com chances de tirar real proveito de momentos de crescimento.
Cabe-nos, agora, analisar os reflexos mensurados pela doutrina no âmbito do mercado de trabalho para, ao final, concluirmos pelos caminhos necessários ao alcance de desenvolvimento humano através da atividade laboral.
4. O DIREITO DO TRABALHO COMO ELEMENTO DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO.
Para SOUTO MAIOR[38], as transformações estruturais observadas no cenário global indicam preocupante perspectiva para o Direito do Trabalho:
“Nesta substituição do homem pela máquina – que, aliás, não é dado inédito na história –, há uma diminuição do valor do trabalho e, conseqüentemente, uma diminuição da importância do direito do trabalho (surgem as idéias de flexibilização e desregulamentação). O trabalho volta, assim, a ser uma noção de direito, não de liberdade. […] Vive-se, por isso, uma tensão entre a desvalorização do trabalho – determinada pelo desemprego e pelo conseqüente excesso de oferta de mão-de-obra – e a consciência de que o trabalho valorizado é a forma de conferir dignidade ao homem, ao mesmo tempo que lhe confere status social e cidadania; em outras palavras, é um pressuposto de sua liberdade.”
DORNELES[39], por sua vez, reconhece a vinculação do Direito Laboral ao sistema capitalista, o que lhe agrega, portanto, alguns de seus elementos:
“Como visto, o trabalho objeto do Direito do Trabalho – qual seja, produtivo, prestado livremente pelo trabalhador, por conta alheia, de forma subordinada e não-eventual – apenas aparece com a (e dentro da) era capitalista. Assim, pode-se dizer que o Direito do Trabalho é um ramo próprio do modo de produção capitalista e, portanto, está essencialmente vinculado ao desenvolvimento deste. Nesse sentido, o Direito do Trabalho não pode se pretender revolucionário de modo a perquirir a derradeira emancipação do trabalhador, uma vez que está atrelado a um contexto sócio-político-econômico que lhe estabelece limites e possibilidades.
Partindo, portanto, da premissa de que o Direito do Trabalho integra o núcleo do próprio modo de produção capitalista e de que, nessa perspectiva, há a necessidade de intervenção estatal regulatória, há que se analisar se a postura adotada no Brasil seguiu tendência considerada adequada para não apenas administrar as tensões entre empregados e empregadores, mas também para, a partir do desenvolvimento econômico, abrir espaços para efetivação dos direitos de personalidade.
DORNELES[40] avalia a repercussão das decisões históricas tomadas a partir do cenário da década de 30 no plano laboral:
“A ideologia revolucionária constituída com a Revolução de 1930 moldou o Estado pós-revolucionário. Houve uma extensão e um aprofundamento do intervencionismo evidenciados na burocratização, na racionalização e na centralização da tomada de decisões até então desconhecidas. […] Foi nesse processo de reestruturação do Estado nacional que se consolidou a regulação do mercado de trabalho brasileiro e se moldou o nosso Direito do Trabalho. […] No Brasil, portanto, tem-se que o mercado, no período compreendido como capitalismo organizado, não atingiu a mesma autonomia que conseguiu nos países centrais. Permaneceu sob a tutela do Estado, […] o que resultou ao Estado a primazia quase total sobre a sociedade civil e, conseqüentemente, sobre o trabalho. […] A consolidação da legislação trabalhista no Brasil não se deu da mesma forma que em alguns países centrais no cenário capitalista mundial. Nestes, os direitos trabalhistas foram conquistados a partir das lutas dos trabalhadores, que, organizados, fizeram-se representar no Poder Público por partidos políticos e consolidaram, via legislação estatal, uma regulação preservacionista do Trabalho. No Brasil, os direitos trabalhistas deram-se predominantemente por concessão estatal, sem a participação ativa dos trabalhadores (ou com pouca participação ativa), em um período em que a luta de classes caracterizava-se como prejudicial ao processo de transição para a era capitalista, e, portanto, foi incorporada pelo Estado. (grifos nossos)
No mesmo sentido, SOUTO MAIOR[41]:
“Como aos trabalhadores brasileiros, de modo generalizado, tenha faltado uma teoria, uma idéia que os convencessem das razões que tinham para se rebelar contra as condições de vida que a recente Revolução Industrial brasileira lhes impunha e para lutar por uma vida melhor, o direito advindo acabou parecendo uma dádiva do Estado, conforme criou a ideologia doutrinária da época – concepção que vem até os nossos dias. […] Conclui-se portanto, que o grande problema do direito do trabalho no Brasil, foi a ausência de ideais de justiça, ou, pelo menos, a ausência da difusão desses ideais perante a classe trabalhadora, que pudessem formar uma consciência de classe e de cidadania nos trabalhadores. Isso provocou, ou pelo menos levou a crer, por uma atitude puramente ideológica, que o direito conquistado teria sido um direito concedido”.
Curiosamente, embora seja aceito que o direito do trabalho adquiriu, no Brasil, uma perspectiva transversa, distorcida e desprovida de ideários coletivos, não se aceita a superação do discurso meramente ideológico de que a legislação trabalhista deva conceder ampla proteção ao trabalhador.
Causa certa ojeriza à doutrina mais conservadora a aceitação de que o passo inicial para a efetivação de direitos sociais é a aceitação de que a existência do lucro, a necessidade de formação de relações internacionais e a presença das forças do mercado fazem parte da equação que pode resultar em pleno desenvolvimento.
A partir desse cenário que se podem planificar os direitos mínimos que interessam não apenas à classe trabalhadora, mas também à sociedade na qual ela está inserida, ainda que nesse processo seja necessário o afastamento do Estado como ator central da produção legislativa e se conceda maior autonomia às partes envolvidas.
No ensinamento de GONZALEZ PINTO[42]:
“Contemporaneamente, o Estado é, ainda, o maior produtor de normas jurídicas, mas tem perdido a detenção do monopólio de elaborá-las. As transformações econômicas e políticas têm provocado retrocesso e perda da capacidade do Estado de manter-se como instância central da regulação social. A conseqüência dessa evolução na técnica jurídica, é uma maior flexibilidade do direito e de sua dispersão em vários níveis de formulação. Com a redução da jurisdição do direito elaborado pelo Estado, a tendência é de aumento dos espaços transnacionais de elaboração do direito. A partir do processo de internacionalização e desenvolvimento dos meios de produção, as empresas têm adquirido maior mobilidade e eficiência no trato com as diferentes legislações nacionais e têm aumentado o seu poder de influenciar a modificação das legislações […].”
É absolutamente necessário, pois, tirar proveito dos espaços que foram criados para a discussão entre empregados e empregadores. Não se deve partir do princípio que a classe trabalhadora é formada integralmente por indivíduos alheios aos anseios sociais de desenvolvimento humano e desprovidos de consciência sobre quais os limites do dirigismo do poder econômico.
O caráter pejorativo que se deu ao debate acerca da flexibilização acaba por aniquilar um profícuo espaço de amadurecimento das relações de trabalho. Nas palavras de ROMITA[43]:
“A Constituição de 1988 representa a vitória do retrocesso, o apego às concepções retrógradas impostas pelo Estado Novo e, assim, impede a democratização das relações de trabalho no Brasil. O entrave deve ser afastado: o ingresso da democracia no campo das relações de trabalho é inevitável. A prática tem demonstrado que os obstáculos opostos pela Constituição de 1988 ao avanço da regulação democrática são inoperantes: basta lembrar que a unicidade sindical imposta pela (sic) art. 8º, II, já não subsiste diante da pluralidade sindical de fato, que temos. Nenhuma constituição pode conter a vida ou parar o vento com as mãos. As mudanças devem perseguir os seguinte objetivos: 1º – eliminar o entulho autoritário e corporativista; 2º – compatibilizar a regulação das relações de trabalho com a norma fundamental contida no art. 1º da Constituição; 3º – podar os excessos de normatividade, reduzindo o luxo de minúcias ao essencial.”
Mais adiante, ROMITA[44] conclui, com cirúrgica precisão:
“A função do direito no Estado-providência tradicional se exerce mediante um ordenamento protetor-repressivo, ao passo que, no Estado-providência adaptado à nova realidade, concebe-se o ordenamento jurídico como dotado de função promocional. O legislador resiste à tentação de impor aos atores sociais um comportamento que entende desejável e, em vez de adotar essa atitude, cria mecanismos e procedimentos aptos a ensejar a esses atores sociais a auto-regulação de seus interesses e a criação de meios de composição das suas controvérsias.”
O Direito pode, sim, servir de base para a promoção de um campo mais equilibrado no qual empregados e empregadores possam solucionar controvérsias com fundamento nos parâmetros mínimos que a legislação determina. Não se pretende, todavia, que o Direito seja um fim em si mesmo, criando mecanismos que alimentam tão somente sua própria existência, sem conferir autonomia aos atores e deixando de cumprir sua função primordial que é promover a distribuição equilibrada de forças e não a supremacia de uns sobre os outros.
5. CONCLUSÃO
A oferta efetiva de trabalho decente depende, então, inicialmente, da conscientização de que o componente econômico é essencial. Sem crescimento sustentável não há bases para a adoção de políticas que possam expandir a oferta de postos qualificados ou incrementar a formalidade.
As políticas macroeconômicas devem estar alinhadas ao cenário internacional, pois é a partir delas que se torna possível a expansão do PIB e se estrutura o fortalecimento dos mercados internos, responsável por gerar demanda e estimular melhorias nos processos produtivos.[45]
No plano microeconômico, é necessário observar diretrizes que incentivem a rentabilidade, a produtividade e os aspectos pessoais dos trabalhadores, especialmente a escolaridade e o acesso a novas tecnologias.[46]
É possível, portanto, alinhar crescimento econômico, fortalecimento das instituições e desenvolvimento humano. No caso brasileiro, tal solução dependerá do amadurecimento das concepções forjadas no passado e na aceitação de que o Estado, atualmente, não é capaz de atender satisfatoriamente a todas as demandas que se apresentam, especialmente ao optar pela via legislativa. Sabedores de que a configuração das relações de trabalho no país não decorrem da união de classes em torno de um objetivo comum, a alternativa, dado o cenário atual, é democratizar as relações de trabalho, conferindo aos agentes, verdadeiramente, maior autonomia de atuação para consecução de seus objetivos.
Informações Sobre o Autor
Luiz Antonio Grisard
Advogado. Possui graduação em Direito pelas Faculdades Integradas Curitiba (2002) e Especialização em Direito do Trabalho pela mesma instituição, MBA Executivo in Mangement pela FAE Business School e Master of Business Adminstration (MBA) pela Baldwin-Wallace College (Berea, Ohio, Estados Unidos). Mestrando no Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.