Há dias escrevemos sobre o tema comentando o PLC n° 518/2009 que altera a redação das alíneas do art. 1°, da LC n° 64/1990, de sorte a tornar mais rigorosa a seleção dos candidatos a cargos eletivos.
Esse projeto de lei resultou de iniciativa popular, pois a sociedade já está saturada com o desfile de pessoas ímprobas exercendo o poder político neste País.
Muitos dos Deputados demonstraram simpatia a essa iniciativa popular e aprovaram o projeto legislativo fazendo discursos eloqüentes em sua defesa para ganhar projeção na mídia. Porém, alguns deles tentaram procrastinar ou inviabilizar a proposta original, apresentando várias emendas, sempre sob o indefectível argumento de aperfeiçoar o projeto de lei em discussão.
Superadas as dificuldades, por esforço das lideranças partidárias, finalmente, o projeto legislativo foi aprovado na Câmara dos Deputados seguindo para a apreciação do Senado Federal, onde os senhores Senadores assumiram o compromisso de agilizar o processo legislativo deixando de apresentar emendas.
Contudo, isso não aconteceu. O Senador Dornelles (PP-RJ) apresentou uma emenda para condicionar a inelegibilidade a condenações ulteriores à vigência da nova lei. Para tanto, trocou a expressão “os que tenham sido” pela expressão “os que forem” (condenados).
Não se sabe se o nobre Senador apresentou a emenda por vontade própria, ou representando a vontade, também, de muitos de seus pares. Nem se pode saber se a intenção foi a de torpedear o projeto de lei sob exame, permitindo a candidatura dos já condenados, ou, se foi uma mera emenda de redação para unificação de linguagem.
O certo é que essa emenda irá gerar conseqüências desastrosas sob todos os aspectos. Vejamos.
Se se entender que houve alteração substancial o projeto legislativo terá que retornar à Câmara dos Deputados em obediência ao princípio bicameral (parágrafo único, do art. 65, da CF), onde novas emendas poderão ser feitas. Assim, a nova lei só seria aprovada depois de consumado o prazo de registro das candidaturas.
Se a emenda for entendida como sendo de mera redação, como sustentado pelo seu ilustre autor, não haverá necessidade de retorno do projeto legislativo à Casa de origem. Já há precedente nesse sentido do STF, quando rejeitou o pedido de inconstitucionalidade formal da Lei n° 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa, porque o substitutivo aprovado pelo Senado não alterou substancial ou formalmente o projeto remetido pela Câmara dos Deputados (ADI n° 2182 MC/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-3-2004, p.16).
Entretanto, parece não ser possível ignorar a distinção entre “os que tenham sido condenados” e “os que forem condenados”. A primeira expressão refere-se ao passado, isto é, antes da nova lei, ao passo que, a segunda, articula-se com as condenações supervenientes à nova lei.
Ora, condições de elegibilidade são aferidas no momento do registro do candidato. Como o registro das candidaturas começa no dia 5 de julho de 2010, o candidato para se tornar inelegível ao teor da interpretação literal da emenda apresentada precisaria sofrer condenação até essa data a partir da vigência da nova lei. Com isso, a maioria dos denominados “fichas sujas” poderia registrar suas candidaturas.
Como se vê, a emenda do Senador Dornelles, certo ou errado, pouco importa, trouxe uma discussão jurídica muito séria que tomará tempo de nossos tribunais e que favorecerá, ao final, quem não tenha um passado que se possa chamar de “limpo”.
Particularmente, acredito que o texto não carecia de aperfeiçoamento redacional. Já estava claro como a luz solar. Tampouco, entendo que o novo texto deva ser interpretado literalmente, mas teleologicamente, de sorte a respeitar a assinatura de 1,3 milhões de cidadãos que pleitearam o projeto legislativo em discussão, para impedir o acesso a cargos eletivos daqueles que tivessem sofrido condenação judicial em instância única ou colegiada, sem necessidade de trânsito em julgado da decisão condenatória, aplicável apenas no âmbito do Direito Penal.
O melhor que pode ser feito, a essa altura, é que o eleitor no exercício de sua cidadania, rejeite, nas urnas, os candidatos com “fichas sujas”, contando com o serviço de utilidade pública prestado pelas ONGs, que têm divulgado os seus nomes nos meios de comunicação.
Afinal, não há lei que torne honesto os desonestos, nem transforme ímprobos em homens probos. A ética há de conduzir o processo político.
As pessoas superiores são governadas pela ética; as demais, pela lei. Segundo Montesquieu “leis desnecessárias diminuem a autoridade das necessárias”. Parece ser o caso da emenda sob comento.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.