A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e a Lei Maria da Penha

Resumo: A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará, adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA em 1994, constitui-se no marco histórico internacional na tentativa de coibir a violência contra a mulher. O Estado brasileiro ratificou a Convenção de Belém do Pará em 1995, pelo qual se obrigou a incluir em sua legislação normas específicas para o trato do problema. Em 2006, o Governo brasileiro cumpriu o que determinou a Recomendação Geral n° 19 do Comitê da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW, a Convenção de Belém do Pará e a Constituição Federal de 1988. A nova lei brasileira encontra seu fundamento na CF/88, que determina a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares. Neste contexto, a presente pesquisa buscou descrever o referido instrumento regional, bem como a sua contribuição para o advento da lei específica da violência contra a mulher no Estado brasileiro.


Palavras-chaves: Convenção de Belém do Pará. Direitos humanos. Lei Maria da Penha.


Sumário: 1. Introdução; 2. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; 3. A Lei Maria da Penha: contexto histórico; 4. A Lei Maria da Penha e a promoção e proteção aos direitos humanos das mulheres pelo Estado brasileiro; 5. Considerações finais.


1. Introdução


“Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.” (BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS)


Há séculos é negado à mulher um “status” de sujeito de direitos, na medida em que na sociedade ocidental, em sua maioria machista, é dominada por valores que priorizam o masculino. Nota-se que há séculos existe uma desigualdade no tratamento entre mulheres e homens. A mulher não pode continuar sendo considerada como um “segundo sexo” [1]. Nesse contexto, a discriminação de gênero ainda persiste viva em nossos cotidianos. A violência contra as mulheres é uma das manifestações dessa desigualdade material .


Nesse contexto, os movimentos feminista e de mulheres se organizaram de modo sistemático, na busca de incluir os direitos das mulheres como prioridade dos Estados. A partir dos anos 80 do século XX, a violência passou a ser um dos temas objetos de reivindicação dos movimentos de mulheres, na medida em que os índices de mulheres agredidas por seus maridos ou companheiros aumentou de modo significativo. Tal tema passou a ser uma das prioridades em âmbitos nacional e internacional, passando a integrar a agenda internacional de prioridades para a proteção e promoção dos direitos das mulheres.


2. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher


Em 1993 foi adotada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher. Foi a partir da definição dada por tal instrumento ao termo “violência contra a mulher” [2] que o problema passou a ser tratado como específico. Segundo Flávia Piovesan[3] a definição dada por tal instrumento internacional à violência contra a mulher “rompe com a equivocada dicotomia entre o espaço público e o privado, no tocante à proteção dos direitos humanos, reconhecendo que a violação destes direitos não se reduz à esfera pública, mas também alcança o domínio privado”.


A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará foi editada pela Organização dos Estados Americanos – OEA em 1994 e ratificada pelo Estado brasileiro em 1995. Este instrumento é de grande relevância, na medida em que foi uma das reivindicações dos movimentos de mulheres e feminista durante muito tempo.


A Convenção de Belém do Pará é o primeiro tratado internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres a reconhecer expressamente a violência contra a mulher como um problema generalizado na sociedade. Veja o que diz parte do Preâmbulo do instrumento em comento:


“A Assembleia Geral […] Preocupada porque a violência em que vivem muitas mulheres na América, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, é uma situação generalizada; […] Convencida da necessidade de dotar o sistema interamericano de um instrumento internacional que contribua para solucionar o problema da violência contra a mulher; […]”


A Convenção afirma ainda, que a violência contra a mulher traduz uma grave violação aos direitos humanos e à ofensa à dignidade humana, constituindo-se em uma forma da manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres.


Desse modo, a violência contra a mulher constitui-se em um padrão de violência específico, baseado no gênero[4], que cause, morte dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher.


3. A Lei Maria da Penha: contexto histórico


Em 1998, o Centro para a Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM, juntamente com Maria da Penha Maia Fernandes, encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA petição contra o Estado brasileiro, relativo ao caso de violência doméstica por ela sofrido (Caso Maria da Penha de n° 12.051).[5]


Em 1983 Maria da Penha sofreu uma tentativa de homicídio por parte de seu marido, que atirou em suas costas, deixando-a paraplégica. Na ocasião, o agressor tentou eximir-se de culpa, alegando para a polícia que se tratava de um caso de tentativa de roubo.[6]


Duas semanas após o atentado, Maria da Penha sofreu nova tentativa de assassinato por parte de seu marido, que, dessa vez, tentou eletrocutá-la durante o banho. Com isso, Maria da Penha decidiu ajuizar ação de separação.


Conforme apurado junto às testemunhas do processo, Viveiros teria agido de forma premeditada, pois, semanas antes da agressão, tentou convencer a até então esposa a fazer um seguro de vida em seu favor e, cinco dias antes, obrigou-a a assinar o documento de venda de seu carro sem que constasse no documento o nome do comprador. Posteriormente à agressão, Maria da Penha ainda descobriu que o marido era bígamo e tinha um filho em seu país de origem, a Colômbia.[7]


Até a apresentação do caso ante a OEA, passados 15 anos da agressão, ainda não havia uma sentença condenatória pelos Tribunais brasileiros. Ademais, o agressor ainda encontrava-se livre. Diante desse fato, as peticionárias denunciaram a tolerância da violência doméstica contra Maria da Penha pelo Estado brasileiro, haja vista não ter adotado por mais de 15 anos medidas efetivas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias da vítima. A denúncia do caso específico de Maria da Penha foi também uma espécie de evidência de um padrão sistemático de omissão e negligência em relação à violência doméstica e intrafamiliar contra muitas das mulheres brasileiras.[8]


Denunciou-se a violação aos artigos 1° (Obrigação de respeitar os direitos), 8° (Garantias judiciais), 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos; dos artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres dos Homens bem como os artigos 3°, 4°, “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, 5° e 7° da Convenção Interamericana para Prevenir, Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, também conhecida como Convenção de Belém do Pará.


Como no caso Maria da Penha não haviam sido esgotados os recursos da jurisdição interna, ou seja, o caso ainda estava sem uma decisão final, condição essa imposta pela Convenção Americana para a admissibilidade de uma petição, utilizou-se a exceção prevista pelo inciso II, “c”, do artigo 46, que exclui essa condição nos casos em que houver atraso injustificado na decisão dos recursos internos; exatamente o que havia acontecido no caso de Maria da Penha.


Assim se manifestou a Comissão:


“En el presente caso no se ha llegado a producir una sentencia definitiva por los tribunales brasileños después de diecisiete años, y ese retardo está acercando la posibilidad de impunidad definitiva por prescripción, con la consiguiente imposibilidad de resarcimiento que de todas maneras sería tardía.  La Comisión considera que las decisiones judiciales internas en este caso presentan una ineficacia, negligencia u omisión por parte de las autoridades judiciales brasileñas y una demora injustificada en el juzgamiento de un acusado e impiden y ponen en definitivo riesgo la posibilidad de penar al acusado e indemnizar a la víctima por la posible prescripción del delito. Demuestran que el Estado no ha sido capaz de organizar su estructura para garantizar esos derechos.  Todo ello es una violación independiente de los artículos 8 y 25 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos en relación con el artículo 1(1) de la misma, y los correspondientes de la Declaración.”[9]


Importa lembrar que o Estado brasileiro não respondeu ao que Maria da Penha denunciou perante a CIDH.


Em 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu informe n. 54[10], responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, recomendando, entre outras medidas:


“1. Completar rápida y efectivamente el procesamiento penal del responsable de la agresión y tentativa de homicidio en perjuicio de la señora Maria da Penha Fernandes Maia.


2.  Llevar igualmente a cabo una investigación seria, imparcial y exhaustiva para determinar la responsabilidad por irregularidades o retardos injustificados que impidieron el procesamiento rápido y efectivo del responsable; y tomar las medidas administrativas, legislativas y judiciales correspondientes.


3. Adoptar, sin perjuicio de las eventuales acciones contra el responsable civil de la agresión, medidas necesarias para que el Estado asigne a la víctima adecuada reparación simbólica y material por las violaciones aquí establecidas, en particular su falla en ofrecer un recurso rápido y efectivo; por mantener el caso en la impunidad por más de quince años; y por evitar con ese retraso la posibilidad oportuna de acción de reparación e indemnización civil.


4. Continuar y profundizar el proceso de reformas que eviten la tolerancia estatal y el tratamiento discriminatorio respecto a la violencia doméstica contra las mujeres en Brasil. En particular la Comisión recomienda:


a. Medidas de capacitación y sensibilización de los funcionarios judiciales y policiales especializados para que comprendan la importancia de no tolerar la violencia doméstica;


b. Simplificar los procedimientos judiciales penales a fin de que puedan reducirse los tiempos procesales, sin afectar los derechos y garantías de debido proceso;


c. El establecimiento de formas alternativas a las judiciales, rápidas y efectivas  de solución de conflicto intrafamiliar, así como de sensibilización respecto a su gravedad y las consecuencias penales que genera;


d.Multiplicar el número de delegaciones especiales de policía para los derechos de la mujer y dotarlas con los recursos especiales necesarios para la efectiva tramitación e investigación de todas las denuncias de violencia doméstica, así como de recursos y apoyo al Ministerio Público en la preparación de sus informes judiciales;


e. Incluir en sus planes pedagógicos unidades curriculares destinadas a la comprensión de la importancia del respeto a la mujer y a sus derechos reconocidos en la Convención de Belém do Pará, así como al manejo de los conflictos intrafamiliares,


f. Informar a la Comisión Interamericana de Derechos Humanos dentro del plazo de sesenta días contados a partir de la transmisión del presente Informe al Estado, con un informe de cumplimiento de estas recomendaciones a los efectos previstos en el artículo 51(1) de la Convención Americana.”


O Caso Maria da Penha foi o primeiro de aplicação da Convenção de Belém do Pará. A utilização desse instrumento internacional de grande relevância para a proteção e promoção dos direitos humanos das mulheres e o seguimento das peticionárias perante a CIDH sobre o cumprimento da decisão pelo Estado brasileiro, foram decisivas para que o processo fosse concluído em âmbito nacional e, posteriormente, para que o agressor fosse levado à prisão em outubro de 2002. Portanto, quase vinte anos após ter cometido o crime e poucos meses antes de ocorrer a prescrição.


O relato do caso pode ser encontrado no livro “Sobrevivi, posso contar”, de autoria de Maria da Penha Maia Fernandes, publicado em 1994 com o apoio do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher – CCDM e da Secretaria da Cultura do estado do Ceará – SECULT.


Um antecedente legislativo ocorreu em 2002 através da Lei n. 10.455 que acrescentou ao parágrafo único do artigo 69 da Lei n° 9.099/95 a previsão de uma medida cautelar, de natureza penal, que consistia no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo magistrado oficiante no Juizado Especial Criminal. Outro antecedente ocorreu em 2004 com a Lei n. 10.886, que criou, no artigo 129 do Código Penal Brasileiro – CPB, um subtipo de lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção.


Nessa conjuntura, houve um esforço conjunto do consórcio das organizações não governamentais – Agende, Advocacy, Cepia, Cfemea, Cladem e Themis e da SPM – que veio fortalecer os vários anos de trabalho do movimento de mulheres com a questão da violência. Em 2004, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial, o qual foi coordenado pela ministra Nilcéa Freire, com o objetivo de elaborar proposta de medida legislativa e outros instrumentos para coibir a violência doméstica contra a mulher. Participaram do citado grupo representantes do Consórcio Feminista em suas reuniões, das quais resultou o anteprojeto de lei n. 4559, encaminhado ao Congresso Nacional. [11]


Com a realização de audiências em âmbitos regionais e nacional, inclusive no Congresso Nacional, conseguiu-se a aprovação da Lei n. 11.340/06, a qual trata de maneira específica a violência doméstica e familiar contra as mulheres – Lei Maria da Penha, “como é carinhosamente chamada e conhecida por todos, desde o presidente Lula, o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, incluindo o Supremo Tribunal Federal, até as pessoas mais humildes.” [12]


Ressalte-se a atuação brilhante da relatora do projeto de lei Deputada Jandira Feghali.


A aprovação do mencionado PL foi fruto de uma luta histórica dos movimentos de mulheres e feminista.


O PL n. 4.559/04 foi aprovado em 22 de março de 2006 com 106 votos a favor e 1 contra. A nova lei obriga o Estado a intervir de modo direto a fim de evitar qualquer tipo de agressão contra mulheres e meninas. O instrumento é de suma importância.


A lei aprovada pelo Senado é considerada uma das mais avançadas em toda a região ibero-americana. Além de contemplar a criação de um sistema integral de prevenção, proteção e assistência, estabelece competências e obrigações do Estado em âmbitos federal, estadual e municipal.


Ponto bastante importante da Lei é que abrange o conceito da expressão “violência de gênero” em seus vários aspectos: físico, psicológico, patrimonial, econômico, trabalhista, institucional, sexual e de matrimônio. Assim, como diz a Lei, o Estado deverá destinar recursos financeiros para o trabalho de violência contra as mulheres.


O PL n°. 4.559/02 foi de suma importância para as mulheres, pois, passados dezoito anos da promulgação da Constituição Cidadã, tal documento veio regulamentar o artigo 226, parágrafo 8°, que impõe ao Estado assegurar “assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência, no âmbito de suas relações”.


Com a aprovação do citado PL, o Estado brasileiro deu cumprimento aos acordos internacionais previstos na Convenção de Belém do Pará e a Recomendação Geral n. 19 do Comitê da CEDAW/ONU que, em sua 29ª Sessão, ocorrida em 2003, recomendou ao Estado brasileiro a elaboração de uma legislação específica sobre violência doméstica contra a mulher. Ademais, a violência contra  a mulher foi um dos temas tratados também durante a 39ª Sessão do Comitê da CEDAW/ONU, ocorrida em 2007. A partir da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, iniciou-se, no Estado brasileiro, uma nova era no combate à violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher e, desse modo para a proteção e promoção dos direitos das mulheres.


4. A Lei Maria da Penha e a promoção e proteção aos direitos humanos das mulheres pelo Estado brasileiro


Na 39ª Sessão do Comitê da CEDAW, ocorrida em julho de 2007, o Estado brasileiro lá compareceu a fim de prestar contas sobre a condição da mulher brasileira. A partir das apresentações oral e escrita do VI Relatório Nacional Periódico, as experts do Comitê elaboraram e direcionaram as Recomendações n. 4 e 8 ao Estado brasileiro.Veja:


IV. O Comitê conclama o Estado Parte a dar prioridade para reformar – sem demora – os dispositivos discriminatórios do Código Penal, de maneira a adequar o Código à Convenção e às recomendações gerais do Comitê, em particular à Recomendação Geral n° 19 sobre violência contra as mulheres.


VIII. O Comitê insta ao Estado Parte tomar todas as medidas necessárias para combater a violência contra as mulheres em conformidade com a Recomendação Geral do Comitê n° 19 para prevenir a violência, punir os agressores e prover serviços para as vítimas. Recomenda que o Estado Parte adote sem demora legislação sobre violência doméstica e tome medidas práticas para seguir e monitorar a aplicação desta lei e avaliar sua efetividade. Requer ao Estado Parte prover informação abrangente e dados sobre a violência contra as mulheres em seu próximo relatório periódico.”


Segundo o VI Relatório Nacional Brasileiro houve a aprovação da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, que trata sobre a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher – Lei Maria da Penha. A referida Lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher conforme previsto no parágrafo 8° do artigo 226 da CF/88, da CEDAW e da Convenção de Belém do Pará. Dispôs ainda sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterou o Código de Processo Penal – CPP, o Código Penal – CPB e a Lei de Execução Penal – LEP. [13]


Dessa maneira, a Lei Maria da Penha trouxe várias mudanças. Ademais, recepcionada pela sociedade como uma conquista importante, porquanto prevê ações rigorosas para os agressores, além de proibir a utilização do instituto da transação penal nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, até então muito utilizado, bem como a prisão em fragrante ao agressor.[14]


Após 10 meses de vigor da Lei Maria da Penha, existiam políticas públicas sobre a temática importantes para a sociedade, como o aumento do número de serviços que compõem a Rede de Atendimento à Mulher. Em 2007, já funcionavam, no Estado brasileiro, 93 Centros de Referência, 65 Casas-Abrigo e 396 Delegacias Especializadas


no Atendimento à Mulher. Ademais, merece destaque a instalação de vários Juizados ou Varas especializados em Violência Doméstica e/ou Familiar contra a Mulher, dotados de competências cível e criminal, além de Defensorias Públicas especializadas no atendimento às mulheres conforme previsão na Lei Maria da Penha. Em 2007, já existiam 139 Juizados ou Varas para esse fim e 15 Defensorias específicas.[15]


O Estado brasileiro, como se pode notar, tem desenvolvido ações para a promoção e proteção aos direitos humanos das mulheres, em particular à temática da violência contra a mulher. Contudo, nota-se que as mudanças não são tão eficazes. O Poder Judiciário não é sensível às questões de gênero[16]. Ademais, o preconceito das pessoas ainda é grande, o que se pode constatar pelas declarações de um magistrado da Comarca de Sete Lagoas, em Minas Gerais, que classificou a Lei Maria da Penha como uma lei “diabólica”, declarando, sem nenhum constrangimento, que “o controle sobre a violência contra a mulher iria tornar o homem um tolo”. O magistrado fez críticas à mulher independente, que “nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides”. Na Vara onde o magistrado desempenha a judicatura, todos os pedidos referentes à violência doméstica contra a mulher foram indeferidos,em 2007.[17]


Ensina a expert do Comitê da CEDAW Sílvia Pimentel[18] que:


“As reações a essa lei revelam claramente a necessidade de enfrentar os valores culturais patriarcais e as tensões axiológicas existentes na sociedade, no interior do Poder Judiciário, e até mesmo entre membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, Advocacia e Polícia. O grande desafio dessa lei é precisamente sua implementação, que depende tanto da criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar por todo o Brasil, da melhora da infraestrutura judiciária nacional enquanto um todo e, muito especialmente, da superação da ideologia patriarcal que mina os Direitos Humanos das mulheres, reforçando estereótipos sociais, preconceitos, discriminação e violência contra nós.”


Portanto, é preciso que os profissionais do Direito – magistrados, promotores de justiça, advogados, defensores públicos – zelem pela efetivação dos Direitos Humanos e não reproduzam as relações assimétricas desiguais de gênero.


5 Considerações finais


É fato inconteste que a Lei Maria da Penha constitui-se em uma conquista de elevada importância para os movimentos feminista e de mulheres, já que integrou o rol das reivindicações de tais movimentos em âmbitos nacional e internacional.


A Lei é uma ação afirmativa ou discriminação positiva na medida em que tem por fim promover um equilíbrio das relações desiguais existentes entre homens e mulheres. Contudo, existe uma lacuna entre a igualdade de jure e de facto.


Vale ressaltar que, com o surgimento da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha) inaugurou-se uma nova era no combate a violência doméstica contra a mulher. Entretanto, falta às mulheres uma consciência crítica, pois muitas comparecem perante o Juiz e o Ministério Público para renunciar ao seu direito de pedir ao Poder Judiciário que puna efetivamente o agressor. Assim, algumas mulheres perdem a oportunidade de fazer o agressor se conscientizar que não pode agredi-la. Seria válido se o Poder Judiciário aplicasse medidas sócio-educativas aos homens que cometem esse tipo de crime, pois seria uma medida muito eficaz.


Deve se ter em mente que a mulher, mesmo recorrendo à Polícia e ao Poder Judiciário, arrepende-se, concilia-se e perdoa quem a agrediu. Isto ocorre não porque a “mulher gosta de apanhar”, como muita gente fala de maneira irresponsável. Esse comportamento faz parte da formação da mulher na sociedade patriarcal.


Por fim, para dar efetividade ao texto contido na Lei Maria da Penha, se faz necessário uma continuidade da luta pela igualdade entre homens e mulheres, respeito e consenso. Isso é transformar a sociedade num aspecto de grande relevância. As mulheres têm consciência disso historicamente, tanto que sempre estiveram presentes nos movimentos sociais, e daí surgiram grandes conquistas, como por exemplo, a Lei Maria da Penha.


 


Referências

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______. VI Relatório Nacional Brasileiro: Convenção pela Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres — CEDAW/Organizações das Nações Unidas. Brasília: SPM, 2008.

BRASIL. Presidência da República. Participação do Brasil na 29ª Sessão do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação da Mulher – CEDAW. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2004.

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<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=480999>. Acesso em: 10 maio. 2009.

 

Notas:

[1] Cf. BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo.

[2] A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher definiu violência contra a mulher como sendo “qualquer ato de violência baseado no gênero que resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou psicológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou na esfera privada”.

[3] Cf. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos, p. 202.

[4] Cf. LOPES, Ana Maria D’Ávila gênero “é uma construção cultural de determinada sociedade em um determinado momento histórico, a respeito de comportamentos qualificados como femininos ou masculinos”. (Gênero, discriminação e tráfico internacional de mulheres. In: Estudos sobre a efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Lília Maia de Morais Sales (Org.) Fortaleza: UNIFOR, 2006)

[5] Vide Página Oficial do CEJIL Disponível em <http://cejil.entornos.com.ar/casos/maria-da-penha> Acesso em 14 abr. 2010.

[6] Idem.

[7] Ver Página Oficial da CIDH. Disponível em < http://www.cidh.org/women/brasil12.051.htm> Acesso em 14 abr. 2010.

[8] Idem.

[9] Ver Página Oficial da CIDH. Disponível em <http://www.cidh.org/women/Brasil12.051a.htm> Acesso em 14 abr. 2010.

[10] Idem.

[11] Cf. PIMENTEL, Sílvia. A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um imperativo. p. 28.

[12] Idem.

[13]  Ver VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 217-218

[14] Cf. SOUZA, Mércia Cardoso de. A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e suas implicações para o direito brasileiro. p. 368.

[15] VI RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO, 2008, p. 53.

[16] Cf. PIMENTEL, Sílvia. A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um imperativo. In: Direitos Humanos. p. 28.

[17] JUIZ CRITICA LEI MARIA DA PENHA. Diário do Nordeste on line.

[18] Cf. PIMENTEL, Sílvia. A superação da cegueira de gênero: mais do que um desafio – um imperativo. In: Direitos Humanos. p. 30. 


Informações Sobre os Autores

Mércia Cardoso De Souza

Mestranda em Direito Público – linha de pesquisa Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. Bolsista CAPES. Pesquisadora colaboradora do Centro de Direito Internacional – CEDIN e Instituto de Investigação Científica Constituição e Processo – CNPq/PUC Minas. Auxiliar Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará – TJCE

Gabriela Flávia Ribeiro Mendes

Acadêmica de Direito da PUC Minas. Pesquisadora colaboradora da PUC Minas

Sarah Dayanna Lacerda Martins Lima

Bacharel em Direito (UNIFOR), Aluna da Pós-Graduação “lato sensu” em Direito Internacional (UNIFOR)

Jacira Maria Augusto Moreira Pavão Santana

Acadêmica de Direito na Universidade de Fortaleza (UNIFOR).

Magnolia Bandeira Batista de Oliveira

Aluna da Pós-Graduação “lato sensu” em Administração Judiciária (UVA-CE), Técnica Judiciária do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE

Jaqueline Souza da Silva

Bacharel em Serviço Social (UECE)


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