Jurisdição, processo e prova criminal

Resumo: Com a proscrição da justiça pelas próprias mãos, o Estado avoca para si o monopólio quanto à solução dos conflitos sociais, passando a utilizar o processo como forma de proporcionar o amplo debate acerca do litígio deduzido perante o Poder Judiciário. Nesse contexto, avulta a importância da prova como instrumento peculiar tendente a influenciar o Estado-juiz na adoção da solução para cada caso. O tema encontra relevo no Direito Processual Penal, haja vista que este possui como foco o bem jurídico de maior importância para o ser humano após a vida, qual seja, a liberdade. Há a necessidade premente de maior investimento estatal na colheita da prova, ante o entrelaçamento indissociável entre jurisdição, processo e prova.


Palavras-chave: Jurisdição, processo, prova criminal, garantia, decisão justa.


Abstract: With the proscription of the justice goes the own hands, the State appeals to the higher court goes itself the the supremacy goes them the solution of the social conflicts, starting to uses the process the form of providing the wide debates concerning the litigation deduced before the Judiciary Power. In that context it increases the importance of the proof as instrument peculiar to influence the State-judge in the adoption of the solution for each case. The theme finds relief in the Penal Procedural Right, have seen that this possesses as focus the very juridical of larger importance for the human being after the life, which is, the freedom. The procedural warranties are of extreme gravity so that the fair decision, larger mark of the process, it can be indeed reached.


Keywords: Jurisdiction, process, prove criminal, warranty, fair decision.


1 INTRODUÇÃO. NOÇÕES GERAIS SOBRE JURISDIÇÃO E PROCESSO


Nem sempre os litígios foram resolvidos pelo Poder Judiciário, nos moldes em que modernamente se conhece. A justiça era exercida pelas próprias mãos e inexistia uma terceira pessoa imparcial para dirimir os conflitos surgidos entre as pessoas: imperava a lei do mais forte.


A propósito, Grinover (2000, p. 21) esclarece que:


“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares; por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão.”


Após um inicial progresso, cujas origens remontam ao Direito Romano, o Estado passa a permitir que um terceiro seja escolhido para dirimir os conflitos.


Mais tarde, os contendores tinham que obrigatoriamente escolher esse terceiro e, por fim, o Estado avoca para si essa posição de terceiro.


Surge, assim, o que se chama de jurisdição, sistema pelo qual o Estado monopoliza o poder de dizer o direito. Alguns tratadistas dizem que se trata ao mesmo tempo de um poder, um dever e uma função. Desta forma, o Estado passa a ter não apenas o poder, mas também o dever da administração da justiça quanto àqueles que batem às suas portas para dirimir os seus conflitos (Grinover, 2000).


Discorrendo sobre as várias atividades do Estado, sendo a primeira a administrativa e a segunda a administrativa, Teodoro Júnior (2003, p. 5) realça que:


“A terceira é a jurisdição, que incumbe ao Poder Judiciário, e que vem ser a missão pacificadora do Estado, exercida diante das situações litigiosas. Através dela, o Estado dá solução às lides ou litígios, que são os conflitos de interesse, caracterizados por pretensões resistidas, tendo como objetivo imediato a aplicação da lei ao caso concreto, e como missão mediata restabelecer a paz entre os particulares e, com isso, manter a da sociedade”.


Por outro lado, essa jurisdição deve ser deflagrada através de outro direito, o de ação, que por sua vez se materializa por meio de uma série de atos coordenados através dos quais as partes dispõem de oportunidades para alegarem as suas razões, o que se chama de processo.


O processo é o palco onde cada pessoa se utiliza das armas legalmente admitidas para dizer que tem direito à tutela jurisdicional ou para opor resistência a uma pretensão contra si intentada.


Teodoro Júnior (2003, p. 5) ensina que a função jurisdicional não é deduzida de qualquer maneira, haja vista que:


“Para cumprir essa tarefa, o Estado utiliza método próprio, que é o processo, que recebe a denominação de civil, penal, trabalhista, administrativo etc., conforme o ramo do direito material perante o qual se instaurou o conflito de interesses. Para regular esse método de composição de litígios, cria o Estado normas jurídicas que formam o direito processual, também denominado formal ou instrumental, por servir de forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou substancial, que há de solucionar o conflito de interesses estabelecidos entre as partes, sob a forma de lide”.’


Pois bem. Chega-se à fase processual, onde imperam vários princípios, dentre eles o da ampla defesa e do devido processo legal, o da igualdade, o da imparcialidade, dentre muitos outros.


No processo as partes devem deduzir suas razões e, para isso, podem se valer das provas, sendo estas imprescindíveis tanto para o autor, para exigir a tutela jurisdicional, como para o réu, na resistência à pretensão daquele. Mittermaier  (1997, p. 35) pontua que “[…] o processo por via de acusação, em sua natureza, constitui um verdadeiro combate entre dois adversários, cada um dos quais procura demonstrar a verdade de suas asserções, e assegurar-lhes o triunfo final.”


2 O TEMA REFERENTE ÀS PROVAS


Capez (2002, p. 243) pontifica que “o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual”.


No tema referente às provas vigora o princípio da liberdade da prova, corolário do princípio da verdade real, que permeia de forma especial o Direito Processual Penal.


Isso porque o juiz deve buscar sempre a verdade dos fatos, não podendo contentar-se com a verdade puramente formal, ou seja, aquela trazida pelas partes ao processo.


Entretanto, há certas restrições a essa liberdade das provas, como por exemplo, a prova do estado civil, exigida mediante forma certa, de acordo com o artigo 155 do Código de Processo Penal; a prova relativa às questões prejudiciais; crime falimentar; relativa ao segredo profissional, conforme previsto no artigo 207 do Código de Processo Penal; e também em relação à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, vedação constitucional prevista no artigo 5º, LVI, da Constituição da República de 1988.


Conclui-se, assim, que a prova, além de prevista em lei, há de ser permeada por valores morais e éticos, devendo respeitar os demais direitos do indivíduo, que não pode ficar à mercê da voracidade condenatória do Estado.


Uma das finalidades do processo é buscar uma decisão justa e baseada na verdade dos fatos ou, pelo menos, o mais próximo possível deles. Segundo Tornaghi (1995, p. 265) a prova representa “o conjunto de atos praticados pelas partes, por terceiros (testemunhas, peritos etc.) e até pelo juiz, para averiguar a verdade e formar a convicção desse último (julgador)”.


Sintetizando bem a importância da prova, Mirabete (2003, p. 256) dispõe que:


“Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal, e imponha sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certeza de que se foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou a falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas”.


Por meio da prova a parte interessada leva a efeito a reconstrução de fatos pretéritos ou mesmo atuais, como no caso da perícia, com a finalidade de influenciar o julgador no concernente à certeza de fatos alegados.


Na dicção de Mittermaier (1997, p. 55), “[…] a condenação repousa sobre a certeza dos fatos, sobre a convicção que se gera na consciência do juiz. A soma dos motivos geradores dessa certeza chama-se prova.”


Sem que o fato esteja devidamente provado não há como o juiz proferir um decreto condenatório.


3 PROVA CRIMINAL E DECISÃO JUSTA


Em que pese o princípio do in dúbio pro reo, oportuno assentar que a decisão justa é aquela que condena o culpado e absolve o inocente, sendo este o anseio jurídico-social do processo.


Malatesta (1995, p. 90) leciona que “[…] podemos considerar a prova, referindo-nos principalmente à certeza, única base legítima da condenação judicial. Considerando-a assim, a prova é a relação concreta entre a verdade objetiva e a certeza subjetiva”.


Com tais considerações, observa-se que a prova possui o condão de influir decisivamente no convencimento do magistrado no que toca aos fatos deduzidos no processo, com reflexos no provimento a ser proferido, disto advindo a sua privilegiada posição no cenário processual.


Segundo Marques (2000, p. 331), “objeto da prova, ou tema probandum, é a coisa, fato, acontecimento ou circunstância que deve ser demonstrada no processo”. E conclui dizendo que “como o juiz se presume instruído sobre o direito a aplicar, os atos instrutórios só se referem à prova das quaestiones facti“, exceção apenas para o direito estadual, municipal, consuetudinário ou alienígena, que deverá ser provado pela parte que o alegue.


Já para Mirabete (2003, p. 257), “o objeto da prova abrange, além do fato criminoso, as circunstâncias objetivas e subjetivas que possam influir na imposição da resolução do caso”.


Entretanto, importam apenas aquelas questões que sejam pertinentes e relevantes à solução da causa, excluindo-se todos aqueles que não tenham ligação com o que se está discutindo.


Frise-se que, no processo penal, até mesmo os fatos incontroversos devem ser provados, já que o juiz não está obrigado a aceitar como verdadeiro aquilo que é admitido pelas partes, em homenagem ao princípio da busca da verdade material.


Embora a prova possua como objeto os fatos ligados direta ou indiretamente ao caso penal, alguns destes fatos não precisam ser provados. É o que ocorre com as presunções legais, em que a lei determina uma presunção de existência ou de veracidade de um determinado fato.


Sendo a presunção absoluta, a parte a quem interessar o fato estará dispensada de prová-lo; sendo relativa, a parte a quem o fato aproveita também estará dispensada de prová-lo, cabendo à parte contrária o ônus de desconstituir a presunção, fazendo prova contrária. No mesmo sentido, independe de prova o direito federal, vez que se presume, absolutamente, que o magistrado o conheça.


Consoante ensino de Tourinho Filho (2002, p. 204 e ss), também não necessitam ser submetidos à prova os fatos notórios e os evidentes. “Ambos produzem no juiz o sentimento de certeza em torno da existência do fato”. Tornaghi (1995, p. 267), pontua que “[…] no penal o que se prova não são apenas as alegações; o procedimento de prova é realmente uma reconstituição do fato criminoso e dos que estão ligados ao crime por laços circunstanciais, alegados ou não”.


Assim, todos os fatos alegados pelas partes, relevantes para a instrução do processo, devem ser objeto de prova, salvo as exceções legais.


Observa-se, desta forma, a importância colossal da prova para que o juiz tenha condições de se desincumbir de sua missão quanto à entrega efetiva da prestação juridisdicional, pois sem provas não como se falar em decisão justa.


Refrise-se que decisão justa, no Direito Criminal é aquela que condena o culpado e absolve o inocente, não havendo plausibilidade para se dizer que a decisão que inocenta por falta de provas seja justa.


 Poder-se-ia até considerá-la “justa” no contexto de ser melhor um culpado solto que um inocente preso, conforme dito popular. Ao invés de justa seria a “decisão possível”.


Inobstante, inaceitável a proposta de se trabalhar com distorções no aparelhamento investigatório estatal a tal ponto de se acolher tais posturas decisivas como efetivamente justas, com as considerações já esposadas.


O Direito Processual Penal repele presunções e ilações contra o réu, não sendo possível condenar alguém sem que se tenha um suporte probatório firme e suficiente para tanto.


Após as discussões sobre a jurisdição como poder-dever-função do Estado, da manifestação desta por meio do processo, palco de discussão e solução dos litígios, permeado por uma vasta gama de garantias, mormente no Direito Processual Penal, curial colocar em evidência o entrelaçamento indissociável de tais institutos, como forma de se alcançar a pacificação social.


 O propósito do monopólio estatal quanto ao poder de dizer o direito é justamente o de evitar a justiça privada, aquela em que o mais forte, física, política ou economicamente, sempre levava vantagem sobre o seu adversário.


O processo é inquestionavelmente o instituto de maior relevância em todo o arcabouço jurídico, podendo-se dizer sem medo de errar que, sem processo e garantias processuais, não há que se falar em justiça.


Como já dito, sem prova o processo não logra alcançar satisfatoriamente o seu maior desiderato, qual seja, a decisão justa.


Destarte, a jurisdição, o processo e  a prova convergem para a pacificação social, pois somente a decisão justa é capaz de alimentar a sociedade com a tão almejada justiça.


4 O INVESTIMENTO NA PROVA COMO FORMA DE CONSOLIDAÇÃO DA JURISDIÇÃO, DO PROCESSO E DA CREDIBILIDADE DOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA


As garantias do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da proscrição da prova ilícita, são o farol que ilumina uma sociedade livre e preparada para combater as mais execráveis formas de aviltamento do ser humano, como tão comumente ocorreu nos regimes arbitrários.


As conquistas já alcançadas na seara processual penal só tendem a aumentar, de molde a pôr em relevo o ser humano enquanto principal personagem da sociedade, pois sem o homem o Direito seria totalmente despiciendo, inútil.


Não se pode fechar os olhos, no entanto, para a situação de crescente aumento da criminalidade, máxime aquela praticada por grandes e bem montadas organizações criminosas, compostas até mesmo por agentes públicos que, ao invés de defenderem o direito e a justiça, são justamente os grandes mentores dos crimes chamados de “colarinho branco”.


O que se observa com clareza solar é que, em que pese o entrelaçamento indissociável entre a jurisdição, o processo e a prova, esta não tem sido adequadamente contemplada pelos órgãos encarregados de sua colheita.


É inquestionável que o indivíduo deve ter todos os seus direitos preservados durante a investigação criminal, pois em nome das “razões de Estado”, não se pode devassar brutalmente a vida de alguém a fim de que a justiça seja feita a todo e qualquer custo.


Não se admitem violação de domicílio, agressões físicas e psicológicas, ameaças, torturas, dentre outras formas de aviltamento do ser humano, para que a prova seja colhida.


Quando o Estado não investe adequadamente na investigação criminal, algumas situações ficam claramente demonstradas:


1 – Não se importa com o respeito aos direitos humanos, na medida em que por meio de sua omissão e leniência autoriza de forma tácita e velada a prática de execráveis humilhações contra o indivíduo.


2 – Coloca em xeque a atuação das Polícias Militar e Judiciária, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Isso porque a ausência de prova consistente no processo penal acaba por dar azo à absolvição do acusado, em que se pese ser este muitas vezes culpado, em homenagem à liberdade do indivíduo. Se o Estado não é capaz de investigar não está o indivíduo obrigado a “dar uma mãozinha” acusando a si próprio.


A liberdade concedida a um criminoso não é algo tão simples quanto parece ser. É gerada uma dívida social muita grande. Um sentimento de impunidade e insegurança paira sobre a sociedade, que se vê refém diante da falência do aparelhamento estatal. O cidadão que paga seus impostos não vislumbra a contrapartida por parte dos órgãos encarregados da segurança. A resposta que se espera sofregamente não acontece.


Ora, se apesar da atuação das polícias a prova não é satisfatoriamente colhida, o Ministério Público terá sérias dificuldades em ser exitoso quanto ao alcance de um decreto condenatório. De igual forma o juiz não poderá proferir uma sentença que corresponda aos anseios de justiça, porque malgrado saiba em seu íntimo que o acusado é culpado, não poderá, sem provas, condenar alguém.


O descaso com a prova, como se observa, compromete os institutos processuais acima vistos, haja vista que a finalidade precípua do processo, qual seja, a pacificação social, não é nem de longe alcançada.


Destarte, reverbere-se que os direitos e garantias devem ser reforçados sim, mas o Estado deve, outrossim, investir decisivamente na questão da colheita da prova, de molde a preservar a legitimidade e idoneidade dos institutos processuais, os quais se propõem a resolver os litígios sociais respeitando o indivíduo, mas também colocando na balança o direito à segurança, e também como forma de preservar os próprios direitos humanos.


Em países em que o respeito aos direitos humanos tem avançado nota-se um maior investimento na questão investigatória, o que revela que a prova legítima e eficazmente obtida é o anseio comum do acusado e da sociedade. Desta, porque espera uma decisão segundo os ditames da justiça, e daquele porque deve ser respeito em sua integridade física e moral.


Muito pouco produtivo será aumentar a quantidade de juízes, promotores, delegados, policiais nas ruas, bem como de leis, se o elo entre a jurisdição, o processo e prova não for reforçado.


Pergunta-se: Se não houver investimento em investigação, haverá alguma resposta satisfatória em termos de segurança pública? Poderá o juiz condenar sem provas? Efetivamente a resposta só pode ser negativa.


Quando a sociedade assente quanto à absolvição de um acusado vislumbra-se, na  verdade, que o cidadão assim o prefere porque tem medo de ser vítima de uma condenação injusta. Desta forma ganha relevo o dito popular de que “é melhor um bandido solto que o inocente na cadeia”.


Porém, isso não corresponde ao anseio de justiça social, pois essa prática, qual seja, a de absolver um culpado por ineficiência da prova, trata-se de um arremedo de resposta de um Estado que não possui a resposta adequada.


A criminalidade atual ganhou contornos e características bem diferentes daquela praticada tempos atrás. Ela ficou sofisticada, incrementou-se o uso de tecnologia de última geração: o crime ficou “organizado”. O criminoso de hoje não é mais o simples ladrão de galinha de outrora.


Basta saber que o armamento utilizado pelos bandidos são bem mais modernos que aquele utilizado pelas nossas polícias. Enquanto aqueles se utilizavam de armas de última geração e alto poder de destruição, estas ainda trazem consigo os velhos revólveres calibre 38.


E não é apenas em relação ao armamento, pois os serviços de inteligência do crime organizado são mais bem monitorados. Também não é inútil trazer à baila a informação de que “pagam melhores salários”.


O dito popular é que “tem que fugir do flagrante”. Isso porque, fugindo do flagrante, o criminoso não pode ser preso, a não ser com posterior decretação de prisão temporária ou preventiva, o que dificulta sobremaneira o trabalho de investigação, já bastante limitado em logística.


A polícia brasileira do século XXI ainda se vale da velha prova testemunhal que, tratando-se de prova muitas vezes insegura e vacilante, passou a ser também rara. Isso em função das ameaças de morte que o testemunhante pode sofrer, pois não se conta nos país, para piorar, com um serviço seguro de proteção para as testemunhas.


Não é para ser diferente, pois ninguém quer arriscar a sua própria vida e de seus familiares, “mostrando a cara” para denunciar alguém pela prática de um crime qualquer. Cada pessoa tem que proteger a si própria, pois o Estado não cumpre tal mister, inerente à sua própria razão de existir.


Assim, nem mesmo com a velha prova testemunhal pode-se contar muitas vezes. O que sói acontecer é que mesmo um crime tendo ocorrido perante uma multidão, ninguém sabe de nada, ninguém viu nada e ninguém fala nada.


A jurisdição se revela por meio do processo e este precisa da prova para exercer seu papel de palco da realização da justiça. Tais institutos se reclamam mutuamente, de forma que sem que um esteja em pleno funcionamento o outro não consegue consequentemente atender aos reclamos da sociedade.


5 A TRILOGIA JURISDIÇÃO-PROCESSO-PROVA NO PROCESSO PENAL


Essa trilogia jurisdição-processo-prova possui um especial relevo no Direito Processual Penal, tendo em vista que este instrumentaliza direitos inegociáveis.


No Direito Processual Civil a grande maioria dos direitos instrumentalizados é de ordem privada, o que remete à possibilidade de serem renunciados. A prova, via de regra, deve ser produzida por quem alega e não podendo o autor provar não logrará êxito em satisfazer a sua pretensão contra o réu. Sendo o direito disponível, não traduzirá, em tese, maiores conseqüências sociais.


Diferentemente ocorre na seara criminal, pois ao lidar com direitos indisponíveis, a não-satisfação da pretensão condenatória almejada ou o seu alcance inadequado reflete sérias e desastrosas conseqüências no concernente à segurança da sociedade.


Como é cediço, o Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, é a última medida  a ser tomada pelo Estado quando todos os outros meios de solução não foram suficientes e idôneos para a adequada proteção dos bem jurídicos tutelados. Inobstante, ressalte-se que o Direito Penal não é a panacéia para todos os males sociais.


Quando um bem jurídico passa a ser penalmente tutelado é porque o Estado entendeu que os institutos até então responsáveis pela sua proteção não corresponderam aos anseios de justiça, havendo a necessidade de lançar mão da resposta mais dura imposta pelo Estado, qual seja, a de privar o indivíduo até mesmo de sua liberdade ambulatorial, caso necessário. É medida última a ser adotada, pelo que avulta a importância e a gravidade de seus institutos.


6 CONCLUSÃO


Com essas considerações, reforçado fica o que se disse até agora acerca da necessidade da maior atenção do Estado quanto à investigação criminal, o que, decisivamente, traduz a postura de maior proteção aos direitos humanos, na em medida em que se lança mão de um aparelhamento eficaz idôneo para que instrumentalização da jurisdição por meio do processo tenha efetivamente condições de alcançar o seu desiderato de decisão justa e que atenda aos anseios de pacificação social.


Por fim, algo fica bastante evidente: o tímido investimento logístico na questão investigatória coloca em xeque a jurisdição como poder-dever-função estatal na solução dos litígios criminais por meio do processo, autêntico e democrático palco de ampla defesa do cidadão. O investimento na prova reflete, seguramente, um Estado mais comprometido com a preservação dos direitos humanos, na medida em prefere gastar mais a permitir a violação dos direitos, ainda que de forma velada, e reforça o papel da jurisdição e do processo na busca do bem-estar jurídico-social de seus cidadãos.


 


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Informações Sobre o Autor

Max Emiliano da Silva Sena

Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT). Mestrando em Direito pela Universidade FUMEC/BH. Especialista em Direitos Humanos e Trabalho pela ESMPU. Especialista em Direito Público pela FADIVALE. Ex-Analista Processual do MPU/MPT. Ex-Oficial do MP em Minas Gerais. Professor universitário


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