Com a sanção do projeto Ficha Limpa pelo presidente Lula, na última sexta-feira, a questão de ordem agora é saber se suas disposições serão aplicáveis ainda para as eleições de outubro próximo, ou se valerão apenas a partir do pleito municipal de 2012, e ainda se as condenações anteriores à vigência da nova lei também importarão em inelegibilidade. Não é pouca coisa.
Alguns juristas ainda questionam a própria constitucionalidade do ficha limpa, ao fundamento de ferir o princípio da presunção de inocência, mas sinceramente não acredito que a tese encontrará respaldo nem junto ao Tribunal Superior Eleitoral nem ao Supremo Tribunal Federal. Primeiro, porque há sólidos argumentos contrários no sentido de que não se está a tratar de sanção penal, mas de “filtro” político-administrativo para barrar candidatos sem reputação ilibada, devendo aplicar-se outro princípio, este de natureza eleitoral, o da proteção à sociedade e ao eleitor. Segundo, porque o ficha limpa nasceu de anseio popular representado por cerca de quatro milhões de assinaturas e que teve aprovação unânime no Congresso Nacional, e dificilmente o recado de sua necessidade não será entendido também pelas cortes superiores.
Aqui abro um parênteses para deixar claro que tenho lá minhas restrições a essa situação. Às vezes promotores e juízes agem de forma açodada e injusta, seja no afã de proteger a sociedade, seja por vaidade, má-fé ou desonestidade mesmo, e muita gente séria se vê execrada injustamente, de forma irreparável. Além do que, há corruptos na política, assim como há no ministério público, na magistratura, na advocacia, no jornalismo… A corrupção é uma praga nacional, já disseram, não restrita ao círculo político. Daí ser temerário o afastamento de candidaturas por condenação judicial singular passível de recurso, no que, a meu ver, andou bem o Congresso ao alterar o projeto popular originário.
Feita essa ressalva, reafirmo meu entendimento de que provavelmente o ficha limpa não será taxado de inconstitucional, simplesmente. As discussões se voltarão para seus aspectos temporais, a saber: a) as condenações precedentes à publicação da lei implicarão em inelegibilidade ou somente as futuras, tendo em vista a alteração gramatical de “os que tenham sido condenados” para “os que forem condenados” (emenda Dornelles)?; e b) a nova lei se aplicará às eleições de outubro próximo ou suas disposições implicam em “alteração do processo eleitoral”, de modo a respeitar-se o princípio da anuidade estabelecido no art. 16 da Constituição Federal?
Para o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a mudança de redação não alterou o sentido da lei, posição também defendida pelo presidente da OAB, Ophir Cavalcanti, e pela Advocacia Geral da União ao opinar pela sanção presidencial. Em sentido oposto, o presidente do TSE, Ricardo Levandovisk, logo após a mudança no Senado, disse em entrevista que, a princípio, a alteração de redação sinalizava que somente as condenações futuras levariam à inelegibilidade, mas ressalvou que a interpretação gramatical nem sempre é a que prevalece.
Quanto à aplicabilidade ao processo eleitoral de 2010, tanto a OAB quanto o MCCE divulgaram notas defendendo-a de forma contundente, e lembraram que a Lei Complementar nº 64, ora alterada pelo ficha limpa, também entrou em vigor nas eleições de 1990, mesmo tendo sido sancionada e publicada no próprio ano do pleito. Ex-ministros do TSE também têm dito que sua publicação antes da data para o registro de candidaturas (5 de julho), e até mesmo antecedendo o período das convenções partidárias (10 a 30 de junho), afasta qualquer alegação de alteração das regras eleitorais no transcurso do jogo, pois o embate eleitoral não começou oficialmente.
Os debates certamente serão acalorados nos próximos dias, pois as respostas a estas questões poderão confirmar ou excluir expoentes da política nacional e estadual das próximas eleições.
Informações Sobre o Autor
José Renato de Oliveira Silva
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Mato Grosso. Pós-Graduado em Direito Público