Resumo: O presente trabalho irá abordar a importância da aplicação dos poderes instrutórios conferidos ao julgador, bem como a sua compatibilização frente aos princípios da Imparcialidade e da Isonomia Processual. Serão demonstrados ao longo do trabalho que a atividade instrutória oficial constitui um meio pelo qual se garante a efetividade dos princípios referidos.
Palavras- chave: Poderes Instrutórios oficiais. Imparcialidade. Igualdade.
Abstract: This paper will address the importance of implementing powers conferred on the preliminary investigation judge, as well as their compliance against the principles of impartiality and Isonomy Procedure. Will be demonstrated throughout the paper that the official preliminary investigation activity is a means by which to ensure the effectiveness of the above principles.
Keywords: Official Preliminary Investigation Power. Impartiality. Equality.
Sumário: 1 Introdução. 2 Princípio da Imparcialidade. 3 Princípio da Igualdade Processual. 4 Iniciativa Probatória do Juiz. 5 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
O artigo tem como objetivo abordar a importância dos poderes instrutórios do juiz, sua aplicação e harmonização com os Princípios da Imparcialidade e Igualdade Processual. Sendo, portanto, o estudo desse tema de grande valia, pois a figura de um juiz estático não se amolda às necessidades atuais. Não há como conceber que o ilustre julgador fique apenas aguardando a produção de provas para só então decidir, sem nada poder fazer.
Ora, se o ideal do processo é a busca da tão almejada “justiça”, é necessário que se confira ao magistrado a possibilidade de determinar de ofício as provas que julgar necessárias a formação de seu convencimento. Ademais, ninguém melhor que o juiz, a quem incumbe o julgamento, decidir sobre a necessidade ou não da produção de determinada prova.
Nota-se ainda que no presente estudo, serão estudados os princípios da Imparcialidade e da Igualdade Processual, que para muitos doutrinadores são empecilhos para a atividade probatória oficial. No entanto, convém advertir, que a imparcialidade e a isonomia não podem ser entraves para que o magistrado possa buscar a verdade, não mais dividida em formal e real, mas a verdade judicial. Não podemos conceber a adoção desses princípios como freios à atividade instrutória oficial, pois isso seria o mesmo que coadunar com a mentira, ou melhor, é se conformar com a verdade formal. Acrescenta-se ainda, que aceitar que as partes lutam com a mesma paridade de armas é acreditar numa utopia.
No transcorrer do trabalho será demonstrada a importância da utilização pelos magistrados dos seus poderes instrutórios, pois o que se observa é a não determinação das provas pelo julgador em virtude do lapso temporal transcorrido. Contudo, é oportuno advertir que a preclusão se destina apenas a regulamentar o desenvolvimento normal do processo, não podendo ser óbice para sua atuação oficial nem prevalecer sobre a busca da verdade, uma vez que o que se busca com o processo é a pacificação social. E isso só irá ocorrer, se seu resultado for o almejado.
Nessa linha de considerações, é importante o abandono do formalismo exacerbado e da frieza do texto legal para assim, conseguir chegar ao ideal da prestação jurisdicional.
2. PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
O presente princípio em análise não encontra previsão expressa na Constituição Federal, mas a doutrina o compreende como uma decorrência lógica do Princípio do Juiz Natural. O que há de mais próximo a esse princípio na Carta Magna é o art. 95, que por sua vez, trata das garantias e vedações estabelecidas aos magistrados. Nesse sentido, é o entendimento de DIMARCO (2005, p. 219 e 220):
“A Constituição não dedica palavras à garantia da imparcialidade do juiz mas contém uma série de dispositivos destinados a assegurar que todas as causas postas em juízo – cíveis, trabalhistas e criminais – sejam conduzidas e processadas por juízes imparciais.”
O princípio trazido à análise constitui um dos pressupostos de validade subjetivo do juiz, sendo de vital importância a sua observação. É importante frisar que é direito das partes serem julgadas por um juiz equidistante, ou melhor, que não possua interesses pessoais na causa. Sendo assim, a Imparcialidade é uma figura inseparável do órgão jurisdicional, sendo que o julgador coloca-se entre as partes e acima delas para o fiel cumprimento da sua atividade.
De acordo com a com a moderna doutrina processual, é necessário estabelecer a diferença entre neutralidade e imparcialidade, muitas vezes tomadas erroneamente como sinônimas. O juiz não deve ser neutro, ou melhor, ficar apenas assistindo a lide posta em juízo, mas sim, deve ser imparcial, qual seja, atuar sem interesses pessoais. Imparcialidade não significa que o julgador irá se colocar em uma posição inerte, que apenas vai ficar observando a lide posta a seu crivo, permitindo que o processo funcione como um jogo em que mais o capaz saia vencedor e não o que o direito realmente assiste. O que se busca atualmente é a figura de um juiz mais ativo, que saia da sua cômoda situação de ficar apenas no aguardo das provas e passe a figurar de uma maneira mais atuante.
Ressalta-se ainda, que a neutralidade deve ser repudiada do nosso ordenamento, pois não é do interesse da coletividade a figura de um julgador temeroso, espectador, ao passo que a imparcialidade é uma condição para que o juiz possa exercer sua função dentro do processo. Nessa mesma esteira de considerações, CAMPANELLI (2006, P.95) afirma:
“Por outro lado, o julgador neutro ou inerte permanece totalmente inativo diante do litígio das partes por preocupar-se unicamente com o aspecto técnico do processo, inobservando a existência de fatos que ensejariam sua intervenção.
O juiz neutro não pratica os atos necessários para conceder às partes “paridade de armas” para que possam comprovar as suas alegações, tampouco realiza ações tendentes à busca da verdade.
O magistrado que não perquire a verdade, permanecendo inerte quando deveria praticar atos no processo, em especial à realização das provas necessárias à instrução do feito, visto ser um conjunto probatório elemento central em um processo, é um julgador meramente tecnicista e, portanto, indesejado.
Assim, não se pode confundir juiz imparcial com juiz neutro, já que esse não atende às necessidades do processo. Na realidade, dizer juiz imparcial é redundante, pois o exercício da função judicante exige eqüidistância das partes, de modo a decidir a lide sem qualquer interesse em nenhuma delas.”
Conclui-se, então, que a imparcialidade e a neutralidade são fenômenos diferentes, pois um juiz neutro poderá ser também parcial, basta ser omisso e essa omissão aproveitar uma das partes. Assim, a figura de um juiz ativo vai ao encontro do princípio da Imparcialidade. Todavia, é oportuno ressaltar, que a imparcialidade não pode ser entendida como sinônimo de juiz desinteressado, pois o magistrado tem interesse na solução da demanda para que se possa alcançar a “justiça”.
Nota-se, contudo, que um dos argumentos mais utilizados para aqueles que repudiam a iniciativa probatória do magistrado se encontra no princípio exposto, uma vez que se fosse conferido ao juiz a possibilidade de determinar provas de ofício ele perderia seu caráter imparcial, passando a atuar em favor de uma das partes.
Todavia, esse argumento não merece guarida, uma vez que, quando o juiz determina a produção de uma prova ele não sabe a quem irá beneficiar, ou melhor, ele não sabe seu resultado. Mas, caso ele verificando a necessidade de determinada prova, que por sua vez, não foi produzida em momento oportuno e sendo ela essencial para a formação de seu convencimento, a não determinação dessa prova de ofício não estaria afrontando o Princípio da Imparcialidade? Com certeza, uma vez que a imparcialidade não está apenas adstrita a um comportamento ativo do julgador, mas também a um comportamento omisso, como no caso mencionado.
Nesse sentido, BEDAQUE (2001, p. 108) leciona:
“E tem mais: não seria parcial o juiz que, tendo conhecimento de que a produção de determinada prova possibilitará o esclarecimento de um fato obscuro, deixe de fazê-lo e, com tal atitude, acabe beneficiando a parte que não tem razão? Para ele não deve importar que vença o autor ou o réu. Importa, porém, que saia vitorioso aquele que tem razão, ou seja, aquele cuja situação da vida esteja protegida pela norma de direito material, pois somente assim se pode falar que a atividade jurisdicional realizou plenamente sua função.”
Ademais, o julgador possui a disponibilidade processual, que por sua vez consiste em “poderes autônomos quanto ao modo de exercer sua própria função.” (DALL’AGNOL JUNIOR, 1985, p. 129)
Observa-se então, que o julgador deve realizar todas as diligências cabíveis para que a parte, a quem o direito assiste saia vencedora da demanda. Para a busca da verdade (judicial) deve se procurar exterminar todas as formalidades excessivas, que poderiam gerar uma situação de injustiça, impedindo que o resultado obtido no processo alcançasse sua finalidade. Ademais, a atividade instrutória oficial não é novidade no nosso ordenamento, haja vista a inspeção judicial.
Ora, não é o ideal do processo o juiz que espera de braços cruzados a produção de provas, sem nada fazer, deixando que muitas vezes a parte melhor assistida saia vencedora da demanda, se conformando com a verdade formal. Assim, “o processo civil moderno repudia a idéia do juiz Pilatos, que, em face de uma instrução mal feita, resigna-se a fazer injustiça atribuindo a falha aos litigantes”. (DINAMARCO, 2001, p. 223):
O processo só é efetivo quando atinge seus objetivos. Mas, para que isso possa ocorrer, é necessário que o magistrado possa determinar de ofício as provas que entender necessárias a formação de seu convencimento. O juiz atua com imparcialidade quando aplica a lei a fatos efetivamente verificados.
Para preservar o caráter imparcial do juiz, uma das soluções mais eficazes apontada pela doutrina moderna é submeter à decisão ao crivo do contraditório, sendo assim, de vital importância o magistrado motivar suas decisões. Assim, estará atuando nos moldes na Constituição Federal que prevê em seu art. 93, inciso IX, que todas as decisões deverão ser motivadas sob pena de nulidade.
Nos dias atuais, não é mais concebível a figura de um juiz passivo, pois esse julgador clássico é apontado como uma das causas do mau funcionamento do Poder Judiciário. O juiz deve atuar pautando-se pela busca da verdade (judicial) e para que isso possa se concretizar, ele deve ter um comportamento mais atuante na direção do processo, não apenas ficar aguardando que as partes tragam as provas ao seu crivo, pois a regra contida no art. 333 do Código de Processo Civil, consiste em regra de julgamento.
Nessa mesma linha de raciocínio é importante a lição trazida por MOREIRA (1994, p. 95):
“Não me parece que a nossa legislação processual deixe de ministrar ao juiz os instrumentos de que precisa para conduzir bem o processo, inclusive em matéria de instrução probatória do juiz como algo que se realize em substituição àquilo que outrem deveria realizar. Não; ao juiz incumbe precipuamente julgar. Que é julgar? Julgar é aplicar a norma ao fato. Então, é preciso que o juiz conheça tanto a norma quanto o fato. Isto será dentro da sua função precípua. Ele não está fazendo as vezes de ninguém quando procura inteirar-se melhor dos acontecimentos que deram origem ao litígio – é claro, respeitados os limites que lhe são postos pelo pedido do autor e pela sua respectiva causa. Peço licença para sublinhar que isso nada compromete a imparcialidade do juiz. Quando o juiz determina a realização de uma prova, ele simplesmente não sabe que resultado vai obter; essa prova tanto poderá beneficiar uma das partes como a outra; e até diria –se considerarmos que essa atitude do juiz implica parcialidade – que a omissão em determinar a prova também implicará parcialidade, porque se a prova não for feita, dessa falta de prova igualmente resultará benefício para alguém, de modo que estaríamos colocando o juiz na desconfortalíssima posição de ter de ser sempre parcial, que atue, que não atue. Eu prefiro ser parcial atuando, a ser parcial omitindo-me”.
3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROCESSUAL
O princípio da Isonomia vem traçado na Constituição Federal (art. 3º, IV c/c art. 5º), mas quando adentra no campo processual assume um papel de igualdade entre as partes e para garantir a efetividade do princípio ora citado, deve o juiz e o legislador não criar desigualdades e procurar eliminar as porventura existentes. Ademais, quando nos depararmos com a redação do art. 125, inciso I do Código de Processo Civil, podemos notar que ele inclui entre os deveres do juiz a prática e a preservação da igualdade entre as partes. Portanto, não basta apenas agir com igualdade, mas também deve se buscar neutralizar as possíveis desigualdades existentes. Assim, é o entendimento de BUENO (2008, p. 227e 228):
“Essas desigualdades que o juiz e o legislador do processo devem compensar com medidas adequadas são resultantes de fatores externos ao processo – fraquezas de toda ordem, como a pobreza, desinformação, carências culturais e psicossociais em geral. Neutralizar desigualdades significa promover a igualdade substancial, que nem sempre coincide com uma formal igualdade de tratamento porque esta pode ser, quando ocorrentes essas fraquezas, fontes de terríveis desigualdades. A tarefa de preservar a isonomia consiste, portanto, nesse tratamento desigual que formalmente desiguala.”
Contudo, importante ressaltar que o presente princípio não tem o objetivo a eliminação de todas as desigualdades existentes entre as pessoas, uma vez que a igualdade absoluta é um conceito abstrato que se distancia do ideal de igualdade que esperamos obter. Mas, sim, de diagnosticar as diferenças havidas nas mesmas características e conceder tratamentos diferenciados, de forma igualitária e impessoal. Posto não caber ao julgador a tarefa de ser promotor da igualdade social, deixando em segundo plano o seu principal objetivo que é dizer o direito no caso concreto. Passando primeiro a analisar o fator econômico, decidindo de forma sempre favorável a parte menos favorecida, ferindo com isso o Princípio da Imparcialidade. A igualdade social é desejável quando realizada em virtude de uma decisão justa, resultante da atividade probatória oficial criteriosa.
Ora, não convém tratarmos os iguais de forma desigual e os desiguais, por sua vez, de forma igual, pois assim não estaria sendo observado o referido princípio contido na Constituição Federal. Mas, devemos tratar os desiguais desigualmente e os iguais de forma igual, para assim alcançarmos a igualdade traçada à luz do texto constitucional.
Nesse sentido é o entendimento do ilustre BARBOSA (1999, p.25):
“Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.”
O legislador constituinte cercou o Princípio da Igualdade de cuidados, posto que além de vir disciplinado no art. 5º, caput, ainda o inclui dentre os direitos invioláveis, tendo como destinatários os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, a igualdade não deve ser apenas observada na criação da lei, mas também é crucial na sua aplicação. Com isso, a observação do princípio aludido não inclui apenas as mesmas oportunidades fornecidas pelas partes, mas também na colocação das mesmas em uma situação de equilíbrio, ou melhor dizendo, de paridade. Nesse sentido, estabelece BUENO (2008, p. 229):
“A prática da isonomia pelo juiz não se limita à sua conduta na direção do processo (disposições sobre prova etc), mas deve estar presente também ao julgar a causa. O processo équo, ou processo justo, de que fala a doutrina, é aquele feito segundo legítimos parâmetros legais e constitucionais e que ao fim produza resultados exteriores justos.”
Contudo, através da análise feita do tema, a isonomia que vem sendo garantida é a formal, ou melhor, aquela que visa apenas e tão somente o aspecto negativo, coibindo regalias a determinadas classes, privilégios e não assegurar a igualdade propriamente dita.Entre as regras que reforçam essa idéia da igualdade apenas sob o prisma formal está a livre disponibilidade das provas pelas partes.
Logo, com o fito de coibir essa situação, que não é desejada em nosso ordenamento, veio o aumento dos poderes instrutórios do julgador, que por sua vez, vem ao encontro do Princípio da Igualdade real entre as partes, pois o processo deve ser um instrumento para promover a igualdade entre elas. O comportamento ativo do magistrado só vem para efetivar essa isonomia, pois não é aceitável que em virtude de melhores condições financeiras de uma das partes, ela saia vencedora se o direito se quer lhe assiste. Conclui-se então, que “o processo não é um jogo, em que o mais capaz sai vencedor, mas um instrumento de justiça com o qual se pretende encontrar o verdadeiro titular de um direito.” (BEDAQUE, 2001, p. 100)
Não se pode permitir que em razão da hipossuficiência de umas das partes, se chegue a uma decisão injusta, pois assim, o processo não terá atingido um de seus escopos, qual seja a pacificação social, que por sua vez, consiste em um dos objetivos do processo mais perquiridos, mas que corre um sério risco se o julgador ficar neutro, apenas assistindo o embate entre as partes, pois o resultado obtido não corresponderá com o resultado almejado.
Ademais, o litigante mais fraco não tem as mesmas possibilidades que a parte mais forte tem de trazer ao processo as provas necessárias à demonstração de seu direito. Assim, conforme ensina BEDAQUE (2001, p. 103):
“(…) a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e o cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio da igualdade substancial que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobre o da mera igualdade formal. E, em razão dessa passividade do julgador, provavelmente se chegará a um resultado diverso daquele desejado pelo direito material. Ou seja, o objetivo do processo não está alcançado.”
A iniciativa probatória oficial não viola o disposto no art. 125 do Código de Processo Civil, mas vem no sentido de assegurar o que o referido diploma estabelece. A igualdade entre as partes que a lei dispõe não pode ficar apenas no campo formal, hipotético, mas sim deve ser analisado de acordo com o caso concreto. Garantir a livre disponibilidade de provas pelas partes não basta para que seja assegurada a isonomia entre elas, posto o que a igualdade a qual se busca é a efetiva e não aquela apenas garantida formalmente.
A isonomia fática, por sua vez, consiste no “grau mais alto e talvez mais justo e refinado a que pode subir aquele princípio numa estrutura de direito positivo.” (BONAVIDES, 1996, p. 110)
Todavia, nota-se que se deve aceitar que em determinadas ocasiões, teremos que tratar os iguais, igualmente, mas os desiguais, desigualmente, para alcançar a igualdade traçada no art. 5º, caput da Constituição Federal. E, isso, constitui na aplicação do princípio estudado. Mas, para que se torne efetiva essa igualdade se faz necessária uma atuação mais ativa do juiz, pois a isonomia somente é alcançada ao consertar a desigualdade por meio de ações, sendo a instrução probatória oficial uma dessas ações.
Mas, como assegurar a isonomia entre as partes ante o despreparo técnico de um dos procuradores? Essa é grande dúvida de muitos julgadores, pois a cada dia aumenta o número de cursos de Direito no país e em contrapartida diminui a qualificação. Qual será o melhor posicionamento do magistrado quando se depara com a deficiência técnica: ignorar, julgando como se não tivesse percebido nada ou fazer às vezes do advogado? Acredito que nenhuma das duas alternativas apontadas. Na primeira opção trazida, o julgador feriria o princípio da Igualdade, ao passo que na segunda hipótese levantada, o juiz agiria como se fosse advogado da parte prejudicada, determinando as provas necessárias para a comprovação do direito desta (e não de seu convencimento) pura e simplesmente porque o procurador não fez, ferindo assim, o Princípio da Imparcialidade. Então, o que fazer? Parece-me que o melhor é adotar uma posição intermediária no sentido da possibilidade da determinação de ofício das provas necessárias ao esclarecimento da verdade. Agindo assim, o magistrado não estará excedendo os limites da sua competência nem tampouco ferindo o Princípio da Imparcialidade, mas apenas aplicando seus poderes instrutórios.
Os poderes instrutórios oficiais têm como tarefas principais servir de instrumento de efetivação do Princípio da Igualdade e a busca pela verdade dos fatos ocorridos. Nota-se que um objetivo relaciona-se com o outro. Sendo assim, o ideal de igualdade consiste em corrigir ou amenizar as desigualdades havidas entre os indivíduos.
Tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, nada mais é que ter um comportamento mais ativo no fito de corrigir essa desigualdade, alcançando assim, a isonomia pretendida. Nesse sentido, CAMPANELLI (2006, p. 54) leciona:
“Desta forma, evidencia-se a importância do comportamento ativo do juiz para a materialização da igualdade processual e, bem assim, o descobrimento da verdade e a consequente pacificação do conflito pela sentença.”
4 INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ
Ao Direito Processual Civil durante muitos anos vigorou a tese que estabelecia que se aplicava o Princípio da Verdade Formal, ou seja, apenas seria considerado o que estivesse nos autos, não cabendo ao juiz a determinação de provas de ofício. Já ao Processo Penal vigorava a teoria da Verdade Real, ou melhor, a reprodução dos fatos ocorridos.
Contudo, nota-se que não é possível se admitir uma verdade para o campo processual penal e outra para o campo processual civil, pois ambos tutelam interesses jurídicos relevantes. Ademais, aceitar que no âmbito processual civil será aplicada a verdade formal é o mesmo que dizer que a ele será aplicada a mentira, posto que “verdade formal é sinônimo de mentira formal, pois constituem as duas faces do mesmo fenômeno: o julgamento feito à luz de elementos insuficientes para a verificação da realidade jurídico material.” (BEDAQUE, 2001, p. 16)
Todavia, é oportuno ainda acrescentar que a verdade real é utópica, pois dificilmente será reproduzido literalmente o que ocorreu.
Nota-se então, que os conceitos acima trazidos estão em desuso, pois não levam em consideração os poderes instrutórios do juiz, tão importantes na atualidade. Assim, a busca da verdade deve ser igual para todos, não podendo haver distinções entre Direito Processual Penal e Direito Processual Civil, pois conforme foi mencionado, em ambos há bens tutelados importantes. Sendo assim, a demonstração deve ser a mais próxima possível do que ocorreu. É o que a doutrina vem chamando de Verdade Judicial, que por sua vez, não é absoluta, mas é obtida pelo julgador através do exame das provas existentes nos autos. Esta, no entanto, leva em consideração os poderes instrutórios do magistrado.
Assim, o que se busca com o aumento dos poderes instrutórios oficiais não é a eliminação do ônus das partes de produzirem as provas necessárias ao esclarecimento do juiz. Mas, sim, de trazer igualdade. Nesse sentido, leciona CAMPANELLI (2006, p. 91- 92):
“Os poderes instrutórios oficiais utilizados para a apuração da verdade dos fatos e a compreensão do ocorrido não são excludentes e nem concorrentes da atividade probatória das partes, pois o ônus probante é incumbência delas. Tampouco são complementares, na medida em que o julgador não colabora com os litigantes, mas busca autonomamente a verdade processual para a solução da demanda, verdade esta obtida pelo entendimento global da situação objeto do conflito, e não parcial, como ocorre com os litigantes.”
E complementa SOUZA (1987, p. 87):
“Sempre que oportuno e necessário, deve o juiz agir independentemente de provocação das partes, conduzindo ativamente o processo, para sua economia e celeridade, escoimando-o de irregularidades prejudiciais, prevenindo negligências procrastinadoras e reprimindo atuações ilegítimas.”
A participação mais ativa do julgador na produção das provas, ao contrário do que se costuma dizer, contribui de maneira essencial para o equilíbrio das partes no processo. Para tanto é oportuno observar o princípio do contraditório, pois assim, não haveria de se cogitar que o princípio da Imparcialidade estaria sendo infringido.
O referido princípio não constitui empecilho para a adoção dos poderes instrutórios, pois o juiz quando determina a realização de alguma prova de ofício não o faz com o fito de beneficiar ou prejudicar qualquer das partes. Devemos sempre lembrar que a prova pertence ao processo e não a uma ou outra parte. Assim, quando o magistrado a determina ele não sabe seu resultado, não tendo como saber a quem vai beneficiar.
A imparcialidade não pode ser entendida e, por muitas vezes, até confundida com a neutralidade. Aquela corresponde a uma atuação do juiz sem interesses pessoais no deslinde da causa, enquanto esta consiste no julgador observar a lide posta a seu crivo de maneira inerte, passiva. Logo, a neutralidade deve ser rechaçada do nosso ordenamento jurídico, pois um juiz neutro pode muitas vezes ser parcial, pois ao contrário do que muitos pensam a imparcialidade não está apenas atrelada ao um comportamento ativo do magistrado, mas também a um comportamento omisso. Deixar de determinar a realização de uma prova de ofício que as partes não requereram e que se faz necessária a formação do convencimento do julgador, não é uma atitude que demonstra imparcialidade, mas sim, uma atitude eminentemente parcial, pois poderá favorecer a parte a qual o direito não assiste.
O ordenamento jurídico moderno não pode pretender que o Poder Judiciário, na figura do magistrado, seja imparcial no sentido de ser desinteressado. A imparcialidade deve ser auferida em relação à ação, consequentemente em relação ao direito e ao ato, mas não no tocante ao processo e tampouco em relação à justiça da decisão.
Nesse mesmo diapasão, MOREIRA (1984, p. 177-184) leciona:
“1. Determinação da Prova: a tendência moderna mundial é aumentar os poderes instrutórios do juiz, para que ele conheça a realidade dos fatos e decida com Justiça. A lógica de sua conclusão, afasta toda controvérsia a respeito da questão dos poderes ex officio do juiz versus direitos indisponíveis. Fundamenta: se é possível o autor dispor de seu direito optando ou não pela iniciativa da demanda (Princípio da Demanda), porquê não poderia escolher os meios de provas utilizados. Também a inconfundibilidade do preceito máximo do Processo Civil da relação jurídica material com a relação jurídica processual, o que acarreta conseqüências jurídicas diversas, nessa hipótese. Outro aspecto é a distinção entre a faculdade da iniciativa das partes – do poder – dever do juiz no momento da averiguação das provas e decisão. Quanto a imparcialidade do juiz, ressalta o equívoco das expressões parcialidade e neutralidade. O juiz não pode prever um fato ou criar uma conclusão sobre os fatos, tem que buscar pela verdade ou sob o fundamento da parcialidade, ignorar o ideal de Justiça. Como segurança à parcialidade do juiz, sugere, a atividade probatória sob o crivo do Princípio do Contraditório e do Princípio das Motivações Judiciais. O juiz não verifica a distribuição do ônus da prova, somente no momento da prolação da sentença. Não importa quem trouxe a prova ao conhecimento do juiz, ela pertence ao processo, denomina a comunhão de prova. O que vale, é o juiz decidir com certeza e o justo; 2. Realização da Prova: o enfoque da análise do juiz da prova oral, como o depoimento. A Inspeção judicial, o interrogatório, o depoimento, entre outras; e 3. Valoração da Prova: faz uma crítica à predileção dos juízes no exame de questões de direito. Na verificação das provas, se o juiz está preocupado também com a questão de fato relevante, estará mais convencido daquilo que é justo”.
No entanto, parcela da doutrina entende que a parte que se omitiu na produção de uma prova que lhe competia deverá arcar com esse ônus. Todavia, esse não deve ser o entendimento que deve prosperar, posto que se a parte não trouxe aos autos uma prova que lhe cabia, sendo essa prova essencial para a formação do convencimento do juiz, não deverá ele se socorrer imediatamente das regras de distribuição do ônus da prova, estabelecidas no art. 333 do Código de Processo Civil, uma vez que elas são regras de julgamento. Estando o magistrado na dúvida não deve ele se socorrer imediatamente dessas regras, mas sim, determinar a realização de uma prova de ofício que esclareça a formação de seu convencimento.
Nesse sentido, é o entendimento de CAMPANELLI (2006, p. 93):
“O magistrado, ao detectar a ausência ou insuficiência de provas sobre determinado fato, deverá aplicar o resultado desfavorável contra aquele que tinha o ônus probatório e dele não se desincumbiu (art. 333 do Código de Processo Civil), o que ocorrerá somente quando da prolação da sentença e não no decorrer do processo.”
Corroborando com a lição acima exposta, LOPES (2002, p. 51) aduz:
“É orientação assente na doutrina que o ônus da prova constitui regra de julgamento e, como tal, se reveste de relevância apenas no momento da sentença, quando não houver prova do fato ou for ela insuficiente.
Diante disso, somente após o encerramento da instrução é que se deverá cogitar da aplicação da regra da inversão do ônus da prova.”
Os poderes instrutórios do juiz encontram-se presentes no art. 130 do Código de Processo Civil, que por sua vez, prescreve “in verbis”: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”
Sendo assim, convém anotar que a atuação probatória oficial veio ao encontro das necessidades atuais, pois não é concebível ao julgador ficar apenas no aguardo da produção de provas e, mais, quando elas forem insuficientes ficar conformado, proferindo decisões absolutamente “injustas”. Ademais, convém ressaltar que os poderes intrutórios não são óbice ao Princípio da Isonomia Processual, posto que a igualdade que muitas vemos nos deparamos, é apenas uma igualdade sob o prisma formal, não refletindo as desigualdades porventura existentes.
Assim, garantir que o juiz participe mais ativamente da colheita de provas é uma forma de assegurar o princípio referido. Não resultando em uma afronta a Disponibilidade das Provas pelas partes, pois a razão que se baseia, muitas vezes, uma omissão na atividade instrutória é a carência econômica e cultural da parte.
Admitir que o julgador possa determinar as provas necessárias de ofício vem ao encontro do Princípio da Igualdade, pois a própria Constituição Federal assevera em seu art. 5º, XXXV, que a lei não irá excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito. Mas, para tanto não basta que a parte possa apenas e tão-somente peticionar para que esse direito esteja efetivamente assegurado. Mas, sim, devem ser oferecidas oportunidades para que as partes possam levar suas questões ao Judiciário com a mesma paridade de armas. Não importa se o autor é rico, se o réu é pobre ou vice-versa, pois o resultado deverá ser o almejado.
5 CONCLUSÃO
Ao magistrado, nos tempos atuais, não cabe mais aquela posição passiva, que se conformava em ficar apenas aguardando as provas a serem produzidas pelas partes, pois sendo ele um representante do Estado que atua na direção do processo, sua atuação deve ser mais ativa, para assim, se alcançar um dos escopos do processo que é a pacificação social. Mas, para tanto é crucial que se busque a verdade. Não mais a Verdade Formal, pois esta é igual à mentira, nem a Verdade Real, que é utópica, mas a Judicial. Desta feita, deve-se admitir a amplitude dos poderes instrutórios do julgador, para que não saia vencedor da demanda aquele que é mais capaz econômica e culturalmente, mas sim aquele o qual o direito assiste.
A atuação oficial na produção das provas mostra-se de grande relevo para a concretização do princípio da Igualdade, pois de nada adiantaria esse princípio consagrado constitucionalmente ser apenas assegurado no campo teórico, ao passo que na prática continue permitindo que uma parte, por ter melhores condições financeiras, saia vencedora, uma vez que processo não deve se prestar a essa finalidade.
Assim, admitir a figura de um juiz passivo, neutro, que apenas fica no aguardo da colheita de provas é coadunar com a injustiça, tão repudiada em nossos dias atuais, pois por vezes o que ocorre é verdadeiro massacre da parte menos favorecida economicamente.
Logo, a utilização dos poderes instrutórios pelo julgador veio com o fito de tentar eliminar as desigualdades existentes no processo, posto que quando a Constituição Federal assegurou em seu art. 5º, XXXV, que nenhuma lesão ou ameaça de lesão seria excluída da apreciação do poder Judiciário, garantiu o acesso amplo e, não, apenas àqueles mais capazes.
Ora, em nada adiantaria a Carta Magna assegurar que todos teriam acesso à justiça, se não fornecesse meios eficazes de propiciar a sua acessibilidade ampla e igualitária. A participação mais ativa do juiz na instrução probatória veio com a finalidade de servir como um instrumento de efetivação do princípio aludido, não permitindo que a parte menos favorecida saia prejudicada. Contudo, é forçoso advertir que o magistrado não deverá julgar a lide apenas levando em consideração o aspecto econômico de uma das partes, pois se assim proceder, ele estará deixando de lado a sua imparcialidade, pois se assim proceder, sempre decidirá em favor da parte desprovida.
Nesse sentido CARVALHO (2001, p. 243) leciona:
“Podemos concluir, por ora, que se excluem da atividade probatória do juiz aquelas que comprometem a sua imparcialidade, fundadas no escopo meramente “assistencialista” de delir, pelo processo, a desigualdade social ou econômica das partes. Entendemos que também se exclui da atividade probatória do juiz, pela mesma razão agora exposta, aquela que se destinaria a suprir, emendar ou corrigir atuação deficiente de qualquer dos litigantes se tiverem igual oportunidade de demonstrar suas alegações.”
Portanto, o juiz ao decidir a lide e conceder o direito à parte menos favorecida porque esta realmente a detém estará promovendo a igualdade social em decorrência do seu correto exercício.
Nota-se ainda que os poderes intrutórios oficiais não retiram o ônus probatório das partes, pois este é incumbência delas. Tampouco atua o juiz com o objetivo de complementar a instrução probatória, mas sim, na busca de forma autônoma da verdade processual para a melhor solução da demanda.
A imparcialidade, por sua vez, não pode ser vista como um obstáculo para a aplicação dos poderes instrutórios do magistrado, uma vez que a determinação da realização de uma prova de ofício não é feita com o objetivo de prejudicar ou auxiliar a quem quer que seja. Quando o julgador utiliza de seus poderes instrutórios o faz para o melhor deslinde da causa. Desta feita, a imparcialidade consiste na figura de julgador que se preocupa com o resultado concreto da sentença por ele proferida na vida das partes, sendo, portanto comprometido com a entrega da prestação jurisdicional justa, correta.
Assim, o art. 130 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre os poderes instrutórios do julgador, permitindo que este determine de ofício a realização de uma prova, deve ser interpretado de uma maneira mais ampla possível, pois quando uma prova adentra ao processo, ela passa a pertencer a todos que participam da relação jurídica processual.
Portanto, o juiz não deve se conformar com verdade formal, mas sim deve perquirir pela busca da verdade judicial, determinando as provas necessárias à formação de seu convencimento. Aquele juiz de outrora não mais nos interessa, uma vez que a cada dia mais aumenta o número de processos, abarrotando o Poder Judiciário. Aquele juiz neutro, passivo deve ser extirpado do nosso ordenamento, posto que ele é uma das causas do mau funcionamento da justiça brasileira.
Sendo assim, não se pode erigir a ilustre figura do magistrado a um mero intérprete passivo da lei, mas sim devemos entendê-lo como uma figura essencial e atuante num processo, a qual cabe zelar pela isonomia das partes litigantes.
Nesse sentido, é de vital importância a lição trazida por BARBOSA (1999, p. 35):
“Ora, dizia S. Paulo que boa é a lei, onde se executa legitimamente. “Bona est lex, si quis ea legitime utatur.”* Quereria dizer: Boa é a lei, quando executada com retidão. Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia. Porque só a moderação, a inteireza e a eqüidade, no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando inexecutada, ou mal executada (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele).
Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobre−humano, logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dignos são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a injustiça.”
Informações Sobre o Autor
Maria Luiza Faria Santos
Advogada, pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Santos.