Resumo: Este artigo faz menção a Carta de Pelotas, documento que foi marco na preservação do patrimônio cultural no Rio Grande do Sul.
Podemos afirmar que a Carta de Pelotas é uma referência em termos de proteção e preservação ao patrimônio cultural edificado.
É que a partir dela o Poder Público Municipal de Pelotas mobilizou seu aparato com o fim de rever o seu conjunto normativo, criando no mesmo ano de 1978 uma norma específica sobre preservação patrimonial e, em 1980, mais precisamente em 1º de setembro de 1980, instituindo o II Plano Diretor do Município[1].
A Carta de Pelotas surge em um momento em que a maioria dos prédios históricos estavam desabando conforme o Professor de Curtis (2009)[2]
Segundo o Prof. Adroaldo Xavier da Silva (2009) (informação verbal)[3], “foi graças à iniciativa de dois professores, o Professor de Curtis e o Professor José Albano, que a caravana cultural começou”.
Adroaldo se referia a uma atividade de extensão que foi desenvolvida pelos dois professores no ano de 1978.
A caravana cultural foi um projeto encabeçado pelo Prof. de Curtis e era dirigida aos alunos da disciplina de Patrimônio Cultural do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAUrb/Ufrgs) (Silva, 2009) (informação verbal)[4].
Junto com o Professor de Curtis estava o Professor José Albano Wolkmer, hoje já falecido (Silva, 2009) (informação verbal).
A idéia da caravana cultural era a de levar os alunos de arquitetura da Ufrgs ao interior do Estado a fim de conhecer um pouco da cultura e dos principais estilos arquitetônicos gaúchos.
Conta Silva (2009) (informação verbal)[5] que a iniciativa foi muito bem aceita na Faculdade (Arquitetura da Ufrgs) e logo após no próprio Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul (IAB-RS).
Silva se refere ao Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento do Rio Grande do Sul.
Foi no IAB-RS que a idéia se difundiu mais e ganhou adeptos.
Silva (2009) (informação verbal) lembra de alguns nomes ilustres que compuseram a comissão (multidisciplinar) de patrimônio cultural do IAB-RS:
– Paulo Juarez Xavier – Historiador;
– Francisco Riopardense de Macedo – Historiador e Arquiteto;
– Barbosa Lessa – Historiador e
– Alberto André – Jornalista e representante da Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI)
A Comissão de Patrimônio Cultural já existia em São Paulo, mas com um foco bem diferente da nossa, como lembra Silva (2009) (informação verbal).
Na época (no ano de 1978) a caravana cultural pretendia fazer sua abertura n a cidade do Rio Grande, RS, (Silva, 2009) (informação verbal).
Segundo Silva (2009) (informação verbal), tentamos inúmeros contatos com arquitetos riograndinos, mas não houve quem apoiasse a caravana.
“Acabamos indo para Pelotas” (Silva, 2009) (informação verbal).
Como recorda o Professor de Curtis (2009) (informação verbal), “Pelotas era o lugar ideal, além disso, tivemos o apoio da ARI e da Faculdade de Arquitetura de Pelotas”[6].
“Foi um dia inesquecível”, como mencionou o Professor de Curtis (2009) (informação verbal).
O dia escolhido não poderia ser melhor: 21 de abril de 1978, um feriado.
O local, também, o Conservatório de Música, lugar dedicado ás artes e ao culto à preservação patrimonial.
Hoje, como Professor Aposentado e Auditor do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Silva (2009) (informação verbal) é capaz de recordar aquele período em que era estudante. Ao reler a Carta de Pelotas se emociona.
Neste aspecto a Carta demonstra porque não foi ao acaso que Pelotas foi escolhida.
Extrai-se do texto que “[…] optaram, no espaço, pela cidade de Pelotas, um dos repositórios maiores das tradições da civilização material dentro do território rio-grandense”.
À época, Pelotas ainda dispunha de um incontável número de prédios, casarios e edifícios de invejável porte e estrutura preservados, ao contrário da Capital, por exemplo, conforme Meira (2004, p.120).
O Professor Veríssimo (2009) (informação verbal) não lembrava muitos detalhes.
Veríssimo era o Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAUrb/Ufpel em 1978, quando se realizou o encontro que deu origem a Carta de Pelotas.
Em entrevista, Veríssimo menciona a pessoa da Arquiteta Marta Amaral.
Marta Amaral[7] (2009) (informação verbal) não participou deste evento (Carta de Pelotas).
Amaral, nesse período, “ainda não estava tão envolvida com a questão patrimonial” (2009) (informação verbal).
A arquiteta foi responsável (não soube precisar os anos) por um dos dois escritórios regionais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Rio Grande do Sul.
Segundo Amaral, “haviam dois escritórios: um em Pelotas e outro na Serra”.
Em Pelotas desenvolvia-se o trabalho “como um braço da Fundação Pró-Memória”, órgão que estava vinculado ao IPHAN. Marta Amaral lembra de terem realizado um evento no prédio da Faculdade de Direito, refere-se ao Salão de Atos da Faculdade de Direito da Ufpel.
Como se pode visualizar do texto abaixo, a Carta de Pelotas propugnava pela preservação do patrimônio cultural como uma bandeira que aos poucos se hasteava.
Além de disseminar pelas cidades gaúchas, queriam os idealizadores da Carta que em curto espaço de tempo o governo estadual cria-se um “sistema de proteção” tal como hoje existe em várias esferas.
Este sistema seria composto por um órgão (ou vários órgãos) de defesa, difusão e criação de instrumentos de proteção, somado a leis que incentivassem a preservação com benefícios fiscais, mais mecanismos de zeladoria (fiscalização) por parte do poder público e da comunidade.
Assim, servir-se-ia o Estado não só da tutela a ele delimitado, mas da efetiva participação da coletividade. Aliás, como ocorre em função do Estatuto da Cidade.
Propôs ainda a Carta de Pelotas o inventário dos bens culturais e seu respectivo cadastro.
A idéia era que paralelamente à criação de um “sistema protetivo” pudesse se contar com um registro fidedigno da situação do patrimônio edificado no Estado.
Por fim, já se pensava em justificativas científicas a serem repassadas aos alunos para a necessidade de preservação patrimonial, era o embrião da educação patrimonial.
Para auxiliar na percepção do leitor, e com isso dar a visão dos idealizadores, abaixo anexamos a íntegra do texto, dado o magnetismo e a atualidade da iniciativa.
A Carta de Pelotas foi realmente um marco. Este marco referencial divide a história da preservação do patrimônio cultural edificado em antes e depois da elaboração da Carta de Pelotas.
A mídia pelotense divulgou o documento nas páginas do único jornal em circulação à época, o Diário Popular.
A nota se referia a um “Ato Cívico” que seria realizado na cidade de Pelotas, este ato reuniria os idealizadores da caravana e mais os interessados (arquitetos, jornalistas, historiadores e etc.) no Conservatório de Música de Pelotas. A notícia foi veiculada em 19 de abril de 1978, como demonstram as fotos abaixo.
Em nossa busca conseguimos descobrir que no dia 22 de abril de 1978, um domingo, no Jornal Correio do Povo[8], a Carta de Pelotas foi publicada na íntegra, demonstrando a força daqueles idealizadores em difundir no Estado a luta preservacionista.
Outro importante avanço alcançado neste período foi a elaboração do II Plano Diretor.
A lei 2.565 de 1980 institui o II Plano Diretor.
Este Plano Diretor, como o anterior, de 1968, previu as zonas de preservação:
“Art. 12 – Para os efeitos deste Capítulo, por ato do Poder Executivo, serão definidas Zonas de
Preservação Ambiental, assim classificadas:
I – Zonas de Preservação Paisagística Cultural (ZPPC);
II – Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN);
III – Zonas de Preservação Permanente Legal (ZPPL);
IV – Zonas de Preservação Permanente Ecológica (ZPPE).”
Contudo, é no II Plano Diretor que se especializa as divisões entre o que é ambiente cultural e natural.
“Art. 14 – Serão consideradas Zonas de Preservação Paisagística Cultural (ZPPC), aquelas destinadas a preservar a memória histórica e cultural ou arquitetônica[9], no Município, para o que:
a) serão cadastrados as zonas e prédios de interesse histórico, cultural ou arquitetônico;
b) serão tombadas as edificações de reconhecido valor histórico, cultural ou arquitetônico.
§ 1º – Os bens tombados e aqueles que, mesmo sem tombamento, constituírem elemento característico da Zona, deverão ser conservados, não podendo ser demolidos, destruídos, mutilados ou alterados em seus elementos característicos.
§ 2º – As obras de restauração e conservação dos bens referidos no parágrafo 1º só se farão após a autorização do Município.
§ 3º – É proibida a execução de obra nas vizinhanças dos bens referidos no parágrafo 1º, quando impeça ou reduza sua visibilidade ou quando não se harmonize com as características dos mesmos.
Art. 15 – Serão consideradas Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN) aquelas destinadas à preservação dos atributos biofísicos significativos da área, em razão de sua localização, estrutura fisiográfica ou funções de proteção à paisagem e à saúde ambiental.[10]
§ 1º – Ficam desde já, pelo só efeito da lei, definidas como Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN) as constantes da Prancha 01 (um), em anexo a essa Lei.
§ 2º – As Zonas de Preservação Paisagística Natural (ZPPN) ficam sujeitas a regime urbanístico especial, definido pelo Município a cada caso, em atenção às peculiaridades de cada Zona, de forma a promover a integração dos projetos propostos para a preservação dos atributos biofísicos significativos da área. […]”
Embora hoje não seja compreensível esta compartimentarização esposada no II plano diretor de Pelotas, posto que a subdivisão do meio ambiente em meio natural e meio cultural não é mais admissível, pois seguindo o direcionamento da vanguarda doutrinária brasileira, o meio ambiente não se resume mais ao aspecto meramente naturalístico, mas comporta uma conotação abrangente, holística, compreensiva de tudo que cerca e condiciona o homem em sua existência e no seu desenvolvimento
Neste sentido aconselha-se a leitura de Marcos Paulo de Souza Miranda[11], Celso Antônio Pacheco Fiorillo[12], Lúcia Reisewitz[13], Rui Arno Richter[14] e Carlos Frederico Marés de Souza Filho [15].
Desta forma concordamos com aqueles que advogam que meio ambiente cultural compõe um locus único de emancipação da pessoa humana.
Informações Sobre o Autor
Renato Duro Dias
Bacharel em Direito (UFPel). Pós-graduado em Direito de Família e Sucessões (ULBRA). Mestre em Memória Social e Patrimônio Cultural (UFPel). Foi aluno regular do Mestrado em Direito (PUC/RS). Atualmente é Coordenador do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Professor Assistente I da FURG, onde ministra Direito Civil, Professor do Curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos – FURG/UAB. Membro do Núcleo de Pesquisa, Extensão e Estudos Jurídicos em Direitos Humanos NUPEDH (FURG). Pesquisador do GTJUS – Grupo Transdisciplinar em Pesquisa Jurídica para a Sustentabilidade (CNPq). Advogado. Membro da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB/RS – Subseção Pelotas. Professor da Escola Superior de Advocacia – ESA – OAB/RS.