A matéria intitulada é regida pelo art. 134 do CTN nos seguintes termos:
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas”.
Aparentemente o dispositivo não é de difícil compreensão, mas, na prática, ele vem sendo aplicado de forma inadequada sempre em prejuízo do contribuinte.
O primeiro equívoco consiste na aplicação indiscriminada do dispositivo sob comento em relação aos sócios de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, quando o preceito legal circunscreve a responsabilidade solidária aos sócios em caso de liquidação de sociedade de pessoas, que difere de uma sociedade empresária.
Essa interpretação analógica que vem sendo dada, na verdade, integração, aplicada ao campo do direito material, viola o princípio da legalidade tributária. Não se pode utilizar da analogia em relação aos elementos constitutivos da obrigação tributária. Aliás, este fato está expresso no § 1°, do art. 108, do CTN:
“O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.
Antes de mais nada, cumpre verificar se foram esgotados os meios de cobrança contra a sociedade, pois, como se depreende do texto legal, a responsabilidade solidária somente surge na hipótese de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Ao depois, cabe verificar se se trata de sociedade de pessoa, e não de sociedade empresária, que é objeto de disciplinação pelo art. 135, do CTN. Em relação à sociedade empresária este preceito do artigo 134 não terá aplicação. Em seguida é preciso verificar quanto à intervenção ou omissão do sócio nos atos de que foi responsável na situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária. É que não há no nosso sistema jurídico a figura da responsabilidade objetiva em relação a particulares, restrita que está às hipóteses de atos comissivos ou omissivos praticados pelo Estado ou pelos concessionários de serviço público (art. 37, § 6°, da CF).
Não pode o sócio ser responsabilizado sem culpa subjetiva. Por isso, o disposto no art. 124, II, do CTN deve ser interpretado de forma sistemática e em conexão com o art. 134, do CTN. Não basta que a lei diga que a pessoa expressamente nela designada é responsável solidário, como o faz o art. 13 da Lei n° 8.620/93, por exemplo. Além de violar o texto constitucional retro apontado, essa lei invadiu o campo reservado à lei complementar (art. 146, III, b, da CF). Daí a sua aplicação conjugada com o art. 134, do CTN conforme jurisprudência do STJ[1].
Finalmente, cumpre analisar o requisito da liquidação de sociedade de pessoa. O que vem a ser liquidação?
Liquidação é “meio pelo qual a sociedade mercantil, sob a mesma firma, com cláusula – em liquidação – dispõe do seu patrimônio, fazendo ajuste final de suas contas, terminando as operações encetadas, cobrando créditos, pagando suas dívidas, vendendo os remanescentes do seu fundo de negócio e distribuindo, por fim, entre os sócios, o ativo líquido ou os prejuízos que se verifiquem, segundo estabelecer a lei ou o contrato social” [2].
Na sociedade de pessoa, a liquidação procede-se da mesma forma. A liquidação, portanto, pressupõe dissolução da sociedade. Na sociedade de pessoa promove-se ao distrato social.
Não raras vezes a jurisprudência tem confundido hipótese de responsabilidade solidária, objeto de comentários, com a responsabilidade pessoal de diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, por prática de infrações, definidas no art. 135, III, do CTN. O que é pior, combinando a responsabilidade solidária do art. 134 com a responsabilidade pessoal do art. 135, do CTN a jurisprudência do STJ está evoluindo para a fixação da tese de responsabilidade pessoal de sócio em caso de dissolução irregular[3].
O que se entende por dissolução irregular? É o fato de não ter dado baixa, ou melhor, não ter logrado cancelar a inscrição da sociedade dissolvida na repartição fiscal competente. Dar baixa do CNPJ é tarefa impossível para sociedade dissolvida por razões de inviabilidade financeira ou econômica. Se tiver qualquer pendência tributária (multa ou tributo em aberto) não será possível a baixa na Receita Federal. Se a abertura de firma é difícil, o seu encerramento é bem mais complicado. São “n” exigências burocráticas, não previstas em lei, que devem ser satisfeitas eletronicamente para lograr a baixa do CNPJ. As exigências fiscais, no caso, equivalem à exigência de prévio pagamento de todos os débitos como condição para pleitear a recuperação judicial ou extrajudicial de empresa em dificuldade financeira.
Se a falta de baixa na repartição fiscal significa dissolução irregular a acarretar responsabilidade pessoal do sócio, como tem entendido a jurisprudência, parece óbvio que estamos diante de nova hipótese de responsabilização pessoal de sócio, que não tem amparo no citado art. 135, III, do CTN. Afinal, não conseguir obter baixa na repartição fiscal, motivado por crédito tributário em aberto não configura, nem pode configurar, infração de lei, contrato ou estatuto, muito menos, a ato de dissolução pode ser reputado como aquele praticado com excesso de poderes.
Na verdade, enxergar figura infracional onde não há previsão expressa na lei viola ostensivamente o art. 112 do CTN:
“A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I – à capitulação legal do fato;
II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”
Ora, ao dissolver a sociedade por inviabilidade econômica ou financeira os sócios não praticam atos com excesso de poderes, nem incorrem em prática ilegal, ou contra dispositivo do contrato social ou de estatuto. Ainda que essa situação fática ensejasse dúvida quanto ao enquadramento no art. 135, III, do CTN a interpretação deveria favorecer o contribuinte nos precisos termos do art. 112, I, do CTN.
Essa jurisprudência precisa ser revista à luz da realidade atual em que sociedade dissolvida não consegue obter baixa na repartição fiscal, ainda que tenha arquivado o instrumento de dissolução na JUCESP, ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas, conforme se trate de sociedade por quotas de responsabilidade Ltda., ou de sociedade de pessoas.
Nesses casos, deve-se afastar a aplicação do art. 135, III, do CTN, que cuida dos casos de infrações praticadas por diretores, gerentes e representantes de sociedades empresárias, aplicando-se apenas o art. 134, do CTN, responsabilizando solidariamente os sócios no caso de liquidação de sociedade de pessoas, mas exclusivamente naquelas hipóteses em que os referidos sócios, por omissão ou por ato comissivo tenham contribuído para a concretização do fato gerador da obrigação tributária.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.